Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00549/12.2BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:INDEMNIZAÇÃO CUSTOS SUSPENSÃO EXECUÇÃO EMPREITADA.
ART.º 282.º CCP - REPOSIÇÃO EQUILÍBRIO FINANCEIRO CONTRATO
Sumário:1. Um co-contratante tem direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, quando o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais determinou o valor das prestações e desde que o contratante público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.
2. A recorrente, como adjudicatária, como pressuposto para o direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, tem direito ao custo acrescido com a manutenção do estaleiro da obra, no período de suspensão da mesma, por facto imputável apenas à contraparte, dono da obra, pois que, por via da suspensão, se alterou o valor dos custos constantes da sua proposta, sendo certo que o dono da obra não poderia ignorar estes pressupostos.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:E... - Engenharia e Construções, SA
Recorrido 1:Município de Vagos
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser dado parcial provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I
RELATÓRIO
1. "E... - Engenharia e Construções, SA", com sede na Zona Industrial do Canedo, lote 38, Mealhada, inconformada, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, datada de 17 de Março 2013, que, julgando parcialmente procedente a acção administrativa comum, sob forma ordinária, interposta contra o MUNICÍPIO de VAGOS" (onde peticionava, por um lado, (i) o reconhecimento do direito à prorrogação da execução do contrato de empreitada por 121 dias, período correspondente ao da suspensão da execução da obra e, por outro, (ii) o pagamento de uma indemnização pelos custos da suspensão da execução da obra, no período de 17 de Janeiro de 2012 a 17 de Maio de 2012, acrescidos de juros, desde a citação até integral pagamento), decidiu:
(a) Reconhecer o direito à prorrogação da execução do contrato de empreitada por 121 dias;
(b) Condenar a entidade demandada, Município de Vagos, no pagamento de juros de mora dos valores em dívida, contados a partir do dia da constituição em mora.
*
2. A recorrente formulou, no final das suas alegações, as conclusões, que, de imediato, se transcrevem:
"I. Por não se poder conformar com a sentença proferida em 1ª instância na acção administrativa comum, sob a forma ordinária, no processo 549/12.2 BEAVR, em que é Réu Município de Vagos, nos termos do disposto nos art.º 141º n.º 1, 142º n.º 1 e seguintes do C.P.T.A., violação de lei, errada aplicação do direito e omissão de pronúncia quanto à factualidade alegada e relevante para a boa decisão da causa.
II. A sentença sob recurso julgou a questão sub judice com errada interpretação da lei aplicável, e em violação da mesma, designadamente do n.º 3 do art.º 282º do C.C.P. devendo em consequência a mesma ser julgada nula e substituída por outra que condene in totum e a preceito o Réu Município.
III. A decisão recorrida viola os art.ºs 480º e do n.º 1 do art.º 484º do C.P.C. ex vi art.º 1º, 35º e 42º n.º 1 do C.P.T.A., porquanto a A. instaurou acção administrativa comum, que não versa sobre direitos indisponíveis, e tendo o Réu sido regularmente citado não contestou, com a legal advertência e cominação que a falta de contestação importava a confissão, o que importava decisão de condenação in totum, a preceito, nos termos das normas supra referidas.
IV. Atenta a falta de contestação pelo Réu, toda a matéria alegada pela A. teria de ser dada como confessada pelo Réu, além do que toda a matéria se encontra documentalmente comprovada nos autos.
V. Devendo a decisão proferida ser julgada nula, por violação de lei e ser substituída por outra em que seja dada como integralmente provada a matéria alegada pela Autora, pois que deveriam desde logo ter sido dados como provados todos os factos alegados pela Autora, quer em sede de P.I. quer em sede de ampliação do pedido, nos termos legalmente previstos e em obediência ao disposto nos art.º 480º e 484º n.º 1 do C.P.C. ex vi art.ºs 1º, 35 n.º 1 e 42º n.º 1 do CPTA, o que, desde já se requer para os devidos e legais efeitos.
VI. Impunha a condenação in totum e a preceito como aliás já bem sucedeu, por douta decisão proferida e transitada em julgado, pelo mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, no âmbito de Acção Administrativa Comum – forma sumária, sob o n.º 4/12.0BEAVR, entre as mesmas partes, sobre objecto, causa de pedir e pedido idêntico aos da presente lide.
Sem prescindir, no que se não concede e por mera cautela se refere,
VII. Dando-se por integralmente reproduzido tudo quanto supra se alegou no que concerne à matéria de facto dada como provada e não provada, por motivos de economia processual, sempre se dirá ainda que, o Tribunal a quo decidiu considerar existirem três questões decidendas, delimitando-se o âmbito do presente recurso à matéria subjacente à alegada segunda questão decidenda: “ii) Saber se há lugar ao ressarcimento das despesas incorridas pelo empreiteiro, em virtude da suspensão da execução da empreitada;”
VIII. Ora, e desde logo quanto a esta matéria, a sentença recorrida padece de erro manifesto, porquanto omitiu factos relevantes na matéria dada como provada, que foram alegados de forma objectiva e documentalmente suportada, e que o Tribunal a quo não valorou como relevantes para a boa decisão da causa.
IX. No procedimento concursal em causa, nomeadamente no mapa de trabalhos e lista de preços não existe item específico para o custo de estaleiro, como se alegou e documentalmente provou. Facto que o Tribunal a quo omitiu na sentença recorrida, não fazendo qualquer referência ou pronúncia em relação a tal facto essencial à boa decisão da causa.
X. A inexistência de item específico para custo de estaleiro significa que o custo com o estaleiro em sede de proposta teve de ser diluído por todos os restantes itens constantes da lista de preços unitários, o que significa que embora não identificado individualmente não quer dizer, no que se não concede nem aceita, que tal custo não tenha existido e não seja determinável, como aliás o foi não só determinado mas demonstrado em sede de P.I. e até dado como provado pelo Tribunal a quo. Tal custo previsível foi determinado pela A. em sede de procedimento concursal e apresentação de proposta de preço para o prazo previsto de execução da empreitada, ou seja, 720 dias de calendário. Sendo que resulta provado que o prazo previsto e contratualizado foi ultrapassado em virtude da suspensão dos trabalhos, motivada por facto exclusivamente imputável ao Réu. Ora se o custo previsto pela A. para os custos e encargos previsíveis para o prazo de execução da obra de 720 dias, não podem, nem são os mesmos que para 841 dias (720 + 121). Tal inexistência de item específico para o custo do estaleiro no mapa de trabalhos e lista de preços deveria desde logo ter sido dado como provado documentalmente atentos os documentos 2, 5 e 6 juntos com a P.I., o que não sucedeu indevidamente. Sendo certo que também tal facto não foi dado como não provado, nem poderia.
XI. Resulta provado nos autos e nessa matéria bem decidido pelo Tribunal a quo que a A. emitiu, enviou e remeteu à Ré as Notas de Débito n.º 271, 276, 282, 286 e 290, no valor total de €46.828,56, correspondentes a custos, encargos, prejuízos decorrentes da suspensão da execução da obra por culpa imputável à Ré. E julgou ainda o Tribunal a quo como provado que tais notas de débito se repostam a despesas incorridas e suportadas pela A. no período da suspensão da execução da obra, entre 18.01.2012 e 17.05.2012. Mais resulta provado que o Réu recebeu e aceitou as notas de débito em crise, mas não as pagou.
XII. Contudo, e não obstante, não estarmos perante direitos indisponíveis, nem ter sido contestada a acção, e em violação do disposto nos art.ºs 480º, 484º n.º 1 do C.P.C. ex vi art.º 1º, 35º n.º 1 e 42º do C.P.T.A., proceder pela sua lavra e iniciativa à aplicação mediante incorrecta interpretação do disposto no art.º 282º do CCP, no que concerne ao fundamento do pedido de pagamento do valor das notas de débito em crise, atendendo que as mesmas se reportam a despesas incorridas e suportadas pela A. no período da suspensão, pela qual foi única responsável o Réu.
XIII. Não fosse o facto de se tratar de despesas e encargos incorridos que não haviam sido previstos em item específico, até poderia, por exemplo, proceder-se à reposição do equilíbrio financeiro do contrato mediante uma revisão de preços extraordinária. Mas no caso em apreço, tal não era sequer possível atenta a inexistência do referido item.
XIV. A reposição do equilíbrio financeiro do contrato no caso em apreço deve assim efectuar-se, por um lado, através da prorrogação do prazo da execução da empreitada ou da vigência do contrato, e ainda, nos termos do n.º 3 do art.º 282º do C.C.P., mediante o pagamento do Réu à A. dos montantes reclamados a título de reposição do equilíbrio financeiro que correspondem, como resulta dos documentos e da prova produzida, de custos com meios fixos, equipamentos e mão-de-obra, que permaneceram ao dispor da empreitada, em obra, durante o período de suspensão.
XV. A reposição do equilíbrio financeiro através da revisão de preços extraordinária, não é adequada ou viável porquanto há que ter em conta que no procedimento concursal em causa, nomeadamente no mapa de trabalhos e lista de preços, não existe um item específico para o custo de estaleiro. Por outro lado, a revisão de preços se verifica independentemente da reposição do equilíbrio financeiro reclamada, tendo em conta que quer o art.º 300º, quer o art.º 382º ambos do Código dos Contratos Públicos, relativos à revisão de preços, referem expressamente “Sem prejuízo do disposto nos artigos 282.º...”.
XVI. As prorrogações a que se refere o artigo 298º n.º 2 do C.C.P. são prorrogações legais e não graciosas, pelo que resultam directamente da lei, e às mesmas acresce o direito do empreiteiro de exigir o ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes.
XVII. Face ao exposto, e tendo em conta todo o vertido nos autos, a sentença recorrida para além de nula por violação do disposto 480º, 484º n.º 1 do C.P.C. ex vi 1º, 35º e 42º do CPTA, padece de erro de aplicação de lei, designadamente da interpretação dada pelo Tribunal a quo do n.º 3 do art.º 282º do C.P.C., pois que não valorou ou sequer conheceu da falta de previsão do item estaleiro no mapa de medições e lista de preços, por não ser tão pouco tal falta usual, nem o disposto nos artigos supra citados.
XVIII. Mesmo que a obra viesse a terminar antecipadamente ao prazo previsto, sempre os custos apresentados na reclamação em crise deveriam ser repostos ao empreiteiro, na medida em que os mesmos não decorreriam nem seriam encargos do empreiteiro não fosse a verificação da suspensão, e como tal, são justa e exclusivamente imputáveis ao dono de obra.
XIX. A sentença recorrida viola o disposto no n.º 3 do art.º 282º do C.C.P.
XX. Conforme se pode ler no Código Comentado supra citado: “A reposição do equilíbrio financeiro pode fazer-se através da prorrogação do prazo das prestações contratuais (que pode implicar ainda a cumulação com a compensação financeira), do mecanismo da revisão de preços (que não deve ser confundido com a revisão ordinária de preços prevista para as empreitadas de obras públicas no art.º 382º do Código) ou da assunção, por parte do contraente público do dever de prestar ao co-contratante o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato. (…)”.
XXI. Na sua fundamentação de Direito o Tribunal a quo olvidou-se por completo do n.º 3 do 282º do C.C.P., fundamentando-se apenas e tão só no n.º 1 do referido artigo, o que não pode aceitar-se.
XXII. Pela presente acção a A. apenas pretende ver reconhecidos os direitos que a letra do n.º 3 do art.º 282º lhe confere, o que se reitera e requer.
XXIII. A sentença recorrida pronuncia-se em objecto diverso ao do pedido, pelo que a sentença recorrida padece de nulidade nos termos da alínea e) do n.º 1 do 668º do C.P.C., porquanto condena o Réu no pagamento de juros de mora contados sobre as facturas cuja falta de pagamento levaram à suspensão da execução da empreitada, o que não foi sequer peticionado".
Terminou a sua alegação, referindo que "... DEVERÁ O RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, E POR ESSA VIA SER JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE A ACÇÃO, POR PROVADA, POR CONFISSÃO ATENTO O DISPOSTO NOS ART.º 480º E 484º N.º 1 DO C.P.C. EX VI ART.º 1º, 35º N.º 1 E 42º N.º 1 DO C.P.T.A., SENDO EM CONSEQUÊNCIA O RÉU MUNICÍPIO CONDENADO IN TOTUM NO PEDIDO E RESPECTIVA AMPLIAÇÃO.
CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA, NO QUE SE NÃO CONCEDE NEM ACEITA E POR MERA CAUTELA SE CONCEBE, SEMPRE DEVERÃO V/ EXAS SUBSTITUIR A SENTENÇA EM CRISE, NA PARTE RECORRIDA, POR OUTRA QUE DÊ COMO PROVADOS TODOS OS FACTOS ALEGADOS COM BASE EM PROVA DOCUMENTAL E POR CONFISSÃO, E EM CONSEQUÊNCIA CONDENAR O RÉU MUNICÍPIO COM BASE NO N.º 3 DO ART.º 282º DO C.C.P. A PAGAR À AUTORA IN TOTUM OS MONTANTES PETICIONADOS EM SEDE DE PEDIDO E AMPLIAÇÃO DO PEDIDO...".
*
3. Notificado das alegações, nada disse o recorrido Município de Vagos.
*
4. A Digna Procuradora Geral Adjunta, neste TCA, notificada nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, pronunciou-se pelo provimento parcial do recurso - cfr. fls. 248/250 -, pronúncia que, notificada às partes, não obteve resposta.
**
5. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, ns. 3 a 5 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - Lei 41/2013, de 26/6- art.º 5.º, n.º 1 - “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida:
1. Em 15 de Janeiro de 2011, é subscrito um documento denominado de “Proposta de Aluguer”, onde consta, designadamente “... Cliente: empresa – E...-Eng.&Const. SA (...)Dados da entrega (...) Retroescavadora JCB 3CXTED - (...) Total do Equipamento + Acessórios € 1.650,00... contrato de Aluguer de Equipamento n.º PJR/36222011...” - Facto Provado por documento, de fls. 101 dos autos.
2. Em 15 de Janeiro de 2011, um documento denominado de “Proposta de Aluguer”, onde consta, designadamente “... Cliente: empresa – E...-Eng.&Const. SA (...)Dados da entrega (...) Multifunções Rotativo Merlo Roto 30.16K - (...) Total do Equipamento + Acessórios € 2.850... contrato de Aluguer de Equipamento n.º PJR/36202011...” - Facto Provado por documento, de fls. 100 dos autos.
3. Em 17 de Fevereiro de 2011, foi subscrito pelos outorgantes documento denominado de “Contrato Escrito de Empreitada. Centro Escolar de Fonte de A...” onde consta em especial que “... Primeiro Outorgante: Câmara Municipal de Vagos (...) Segundo Outorgante: E...-Engenharia e construções, SA (...) Primeira: O Segundo Outorgante obriga-se a executar a referida empreitada pelo montante de € 2. 389.000,00, acrescido de IVA, de acordo com as quantidades de trabalhos e listas de preços unitários anexa à proposta (...) Terceira: Os trabalhos da empreitada terão início com o auto de consignação que será lavrado no prazo de 22 dias úteis, contados a partir da data do visto do Tribunal de Contas no presente contrato e deverão estar concluídos no prazo de 720 dias...” - Facto Provado por documento, de fls. 14 a 16 dos autos.
4. Em 30 de Março de 2011, é subscrito documento timbrado de “Grupo V...” dirigido a “E...- Engenharia SA” onde consta em especial “... 1. Âmbito dos trabalhos: a nossa proposta de preços diz respeito ao aluguer e transporte de módulos pré-fabricados (...) Preço Unitário – por cada 28 dias de calendário - € 70 – Ar condicionado por cada 28 dias de calendário de aluguer de equipamento - € 38. Transporte de aluguer de módulos MLD Entregas - € 200. Transporte de aluguer de módulos MLD Recolhas- € 200...” - Facto Provado por documento, de fls. 94-95 dos autos.
5. Em 1 de Junho de 2011, é subscrito documento denominado “Auto de Consignação Parcial da Obra. Centro Escolar de Fonte de A...”, onde consta, designadamente “... (...) no local onde irão ser executados os trabalhos que constituem a empreitada “Centro Escolar de Fonte de A...”, adjudicada, por deliberação camarária datada de 21-12-2010, à firma E...-Engenharia e Construções, SA conforme contrato celebrado de 17 de Fevereiro de 2011, compareceram: a) O representante do dono da obra, Ex.mo senhor Dr. RMRC...; b) O adjudicatário ou seu representante, Ex.mo sr. DSA... para, conjuntamente, lavrarem e assinarem, em duplicado, o Auto de Consignação Parcial da obra (...) - Facto Provado por documento, de fls. 18 dos autos.
6. Em 14 de Dezembro de 2011, é subscrito documento timbrado de E..., Engenharia SA, denominado de “Empreitada construção do centro escolar de Fonte de A... – suspensão de trabalhos”, dirigida ao Município de Vagos”, onde consta designadamente “... Depois de vários pedidos dirigidos a V.ªs Exªs solicitando a liquidação dos valores vencidos da empreitada em epígrafe, sem que obtivéssemos até à presente data qualquer resposta favorável aos mesmos e depois de vos termos comunicado por diversas vezes a dificuldade de tesouraria que o não recebimento dos trabalhos realizados estavam a causar à nossa empresa (...) vimos comunicar a impossibilidade de nestas condições esta empresa continuar a regular a execução dos trabalhos de empreitada em causa. Por tal facto, e ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 366.º do Código dos contratos Públicos vimos comunicar que irá esta empresa proceder à suspensão no todo da execução dos trabalhos da empreitada mencionada, com efeitos a partir de 01.01.2012, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 366.º do CCP, caso até ao termo do prazo (01.01.2012) V.s Ex.ªs não efectuarem o pagamento das quantias em dívida que ascendem ao valor de 226.235,56€...” - Facto Provado por documento, de fls. 86 dos autos.
7. Em 14 de Dezembro de 2011, é subscrito documento timbrado de “Grupo V...”, dirigido a E...-Engenharia SA, onde consta designadamente o seguinte “... 1. Âmbito dos trabalhos: A nossa proposta de preços diz respeito ao aluguer e transporte de módulos pré-fabricados (...) Módulo amplo de 28 dias de calendário de aluguer de equipamento - € 100 (...) contentor marítimo/Ferramentaria 20´´ por cada 28 dias de calendário de aluguer de equipamento - € 70...” - Facto Provado por documento, de fls. 96-97 dos autos.
8. Em 15 de Dezembro de 2011, é subscrito documento timbrado de “Certigru” dirigido a “E..., SA” onde consta, designadamente “... a seguir indicamos cotação para aluguer: 1. Grua Torre “SGT 4010 (...) € 929,00 + IVA... - Facto Provado por documento, de fls. 99 dos autos.
9. Em 17 de Janeiro de 2012, é subscrito documento timbrado do Município de Vagos, denominado de “Auto de Suspensão”, onde consta, designadamente que “...os abaixo assinados Eng.ª AV..., representante da Câmara Municipal de Vagos, que é dona da obra em epígrafe, assistida pelo Eng.º DA..., representante da firma adjudicatária desta empreitada, compareceram expressamente no local da obra supra, freguesia de Fonte de A..., concelho de Vagos, onde se realizou a mencionada obra, a fim de verificarem o estado de execução da mesma e elaborarem o presente auto de suspensão. A suspensão ora notificada é baseada na alínea b) do n.º 3 do artigo 366.º do CCP (falta de pagamento de qualquer quantia devida nos termos do contrato)...”- Facto Provado por documento, de fls. 89-90 dos autos.
10. Em 30 de Janeiro de 2012, num documento timbrado de “E...-Engenharia e Construções, SA” e dirigido ao Município de Vagos, consta designadamente “... Valor que levamos a débito da vossa conta, pelo montante dos encargos suportados com a suspensão da empreitada “Construção do Centro Escolar de Fonte de A...” ... Encargos suportados no período de 18-01-2012 a 31-01-2012 (...) Valor Total – 5.287,09...” - Facto Provado por documento, de fls. 114-116 dos autos.
11. Em 29 de Fevereiro de 2012, num documento timbrado de “E...-Engenharia e Construções, SA” e dirigido ao Município de Vagos, consta designadamente “... Valor que levamos a débito da vossa conta, pelo montante dos encargos suportados com a suspensão da empreitada “Construção do Centro Escolar de Fonte de A...” ... Encargos suportados no período de 01-02-2012 a 29-02-2012 (...) Valor Total – 11.797,14...” - Facto Provado por documento, de fls. 117-119 dos autos.
12. Em 9 de Março de 2012, é subscrito documento timbrado de “Município de Vagos”, dirigido a gerente da firma “E...-Engenharia e Construções, SA”, onde consta designadamente “... a Câmara Municipal em sua reunião de 24 de Fevereiro de 2012 deliberou por unanimidade homologar o Auto de Suspensão...” - Facto Provado por documento, de fls. 91 dos autos.
13. Em 31 de Março de 2012, num documento timbrado de “E...-Engenharia e Construções, SA” e dirigido ao Município de Vagos, consta designadamente “... Valor que levamos a débito da vossa conta, pelo montante dos encargos suportados com a suspensão da empreitada “Construção do Centro Escolar de Fonte de A...” ... Encargos suportados no período de 01-03-2012 a 31-03-2012 (...) Valor Total – 11.797,14...” - Facto Provado por documento, de fls. 121-123 dos autos.
14. Em 30 de Abril de 2012, num documento timbrado de “E...-Engenharia e Construções, SA” e dirigido ao Município de Vagos, consta designadamente “... Valor que levamos a débito da vossa conta, pelo montante dos encargos suportados com a suspensão da empreitada “Construção do Centro Escolar de Fonte de A...” ... Encargos suportados no período de 01-04-2012 a 30-04-2012 (...) Valor Total – 11.797,14...” - Facto Provado por documento, de fls 124-126 dos autos.
15. Em 31 de Maio de 2012, num documento timbrado de “E...-Engenharia e Construções, SA” e dirigido ao Município de Vagos, consta designadamente “... Valor que levamos a débito da vossa conta, pelo montante dos encargos suportados com a suspensão da empreitada “Construção do Centro Escolar de Fonte de A...” ... Encargos suportados no período de 01-05-2012 a 17-05-2012 (...) Valor Total – 6.420,05...” - Facto Provado por documento, de fls. 141 dos autos.
16. A E...-Engenharia e Construções L. da, manteve em obra um contentor destinado à fiscalização e um contentor individual com wc e ar condicionado, com custo mensal de € 70 e € 138 respectivamente - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
17. A E...-Engenharia e Construções L. da, manteve em obra uma máquina retroescavadora JCB2CX com custo mensal de € 1.650,00 - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
18. A E...-Engenharia e Construções L. da, manteve em obra uma máquina “Merlo” cujo custo mensal é de € 2.850,00 - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
19. A E...-Engenharia e Construções L. da, manteve em obra um engenheiro de produção e um engenheiro técnico cuja despesa foi de € 2500,00 e de € 250 mensais - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
20. A ré, Município de Vagos, não procedeu ao pagamento das facturas 2/2218, 2/2233, 2/2245, 2/2263 e 2/2274 - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
21. A ré, Município de Vagos, não procedeu a qualquer pagamento das Notas de Débito n.º 271, 176, 282, 286 2 290, recebidas por si - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
22. A suspensão da execução da obra foi levantada em 17 de Maio de 2012 - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
2. MATÉRIA de DIREITO
Analisados os autos na sua globalidade e, em especial, as alegações da recorrente - supra transcritas nas respectivas conclusões - e a sentença recorrida - o cerne do presente recurso pode objectivar-se, na óptica da recorrente, na análise dos seguintes itens:
- 2 - 1 - nulidade da decisão por alegadamente ter havido condenação em objecto diverso - al. e) do n.º 1 do art.º 668.º do Cód. Proc. Civil [actual art.º 615.º, n.º 1, al. e)].
- 2 - 2 - erro de julgamento da matéria de facto e,
- 2 - 3 - erro de julgamento de direito.
*
2 - 1 - Quanto à nulidade da decisão por alegadamente ter havido condenação em objecto diverso - al. e) do n.º 1 do art.º 668.º do Cód. Proc. Civil (actual art.º 615.º do "novo" Cód. Proc. Civil - Lei 41/2013, de 26/7).
Nos termos previstos no art.º 668.º, n.º1, al. e) do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula quando o juiz condene em objecto diverso do pedido.
*
Importa, antes de mais e como ponto prévio, elucidar que a entidade recorrida, dono da obra, Município de Vagos, se nenhuma resposta deu aos pedidos de pagamento das notas de débito decorrente dos alegados custos com a manutenção do estaleiro no período de suspensão da empreitada, também, nesta acção, não só não apresentou contra alegações, como nem sequer contestou ou disse o que quer que fosse.
*
Esta nulidade, suscitada nas alegações de recurso e sintetizada na conclusão XXIII, supra transcrita, vem deduzida, com acuidade (saliente-se, desde já, sendo certo que nada tem a ver com a defesa apresentada pela Sr.ª Juíza no TAF de Aveiro a fls. 230/231, em sede de despacho nos termos do art.º do Cód. Proc. Civil, onde infirma a verificação de nulidade por omissão de pronúncia - que não foi sequer suscitada), na medida em que, na decisão recorrida (como decorre da conjugação da sua hermenêutica argumentativa e dispositivo propriamente dito), se levou em consideração causa de pedir e pedido que não foram efectivados na p.i. dos autos.
Na verdade, a A./Recorrente, depois de justificar o pedido de suspensão da empreitada no comprovado incumprimento do R./Recorrido, dono da obra (nunca infirmado sequer), por falta de pagamento dos trabalhos já executados, no prazo legal (art.º 299.º do CCP) e convencionado, dívida no valor de € 226.235,56, vem, nesta acção, solicitar:
- por um lado, o reconhecimento do direito à prorrogação da execução do contrato de empreitada pelo período em que durou a suspensão do contrato --- o que foi correcta e definitivamente pela sentença recorrida - cfr. al. b) do n.º 3 do art.º 366.º do CCP - e conformação das partes com esta vertente decisória, respectivamente;
- e, por outro, o pagamento de uma indemnização pelos custos da suspensão da execução da obra, no período de 17 de Janeiro de 2012 a 17 de Maio de 2012, acrescidos de juros, desde a citação até integral pagamento, o que não lhe foi concedido na sentença recorrida, pelo que a condenação da entidade demandada, Município de Vagos, no pagamento de juros de mora dos valores em dívida, contados a partir do dia da constituição em mora, não tem a ver com os juros em causa, mas antes e indevidamente com juros relativamente a quantia que não foi peticionada nos autos.
A este respeito escreveu-se na sentença recorrida (parte que se transcreve para se evidenciar e demonstrar o erro em que, na nossa óptica, incorreu):
"... o CCP prevê, no seu artigo 326.º, como o co-contratante será ressarcido no caso dos atrasos nos pagamentos do contraente público. E prevê que se o contraente público não cumprir a sua obrigação contratual de pagamento pontual, constitui-se em mora e, por isso, é responsável pelo prejuízo que com isso possa causar ao credor da prestação. Sendo essa prestação devida de natureza pecuniária, então a indemnização corresponderá ao pagamento de juros a contar do dia da constituição em mora, conforme estatui o n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil, doravante CC, e n.º 1 do artigo 326.º do CCP, enquanto esta se mantiver.
Não necessita o credor de provar os prejuízos, tendo direito a receber os juros independentemente dessa prova.
Perguntar-se-á se o credor poderá provar que os prejuízos sofridos pela mora são superiores ao montante dos juros legais a que tem direito, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 806.º do CC? Não. E não porque este n.º 3 do artigo 806.º do CC pressupõe que tais danos tenham sido causados por facto ilícito ou pelo risco, remetendo-se portanto para os resultantes da responsabilidade civil extracontratual, que não pode ser aplicável no domínio dos contratos administrativos".
Ou seja, a sentença condenou o Município de Vagos ao pagamento de juros sobre a quantia de € 226.235,56, contados a partir da constituição em mora (ou seja, antes da suspensão da execução) - valor dos pagamentos em falta e que justificaram o pedido de suspensão da empreitada - o que não foi sequer peticionado, quando essa condenação em juros, apenas seria devida se tivesse entendido que havia lugar ao pagamento da indemnização pelos custos da suspensão da execução da obra, no período de 17 de Janeiro de 2012 a 17 de Maio de 2012 - o que não deferiu -, sendo que, neste caso, os mesmos foram pedidos desde a citação.
Deste modo e divergindo, nesta parte, também do entendimento sufragado pela Digna Magistrada do M.º P.º no Parecer emitido nos autos - art.º 146.º do CPTA - concluímos que se verifica a nulidade da sentença por condenação em objecto diverso.
**
2 - 2 - Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto.
Nesta parte, ainda que de forma algo deficitária - convenhamos - a recorrente alega que também deveria ter sido dada como provado o que alegou no art.º 12.º da p.i., por os custos com o estaleiro não estarem individualizados, como item específico, na Memória Descritiva e Lista de Preços, o que influiu no julgamento da causa.
Não cremos!
Se é verdade e como decorre do n.º 1 do art.º 484.º do Cód. Proc. Civil, ex vi, art.º 42.º do CPTA que "se o réu não contestar ... consideram-se confessados os factos articulados pelo autor", o que poderia importar e impor a positivação também deste facto na factualidade dada como assente, o certo é que, dando-se como provados os concretos e contabilizados custos, por documentalmente justificados, inerentes à manutenção do estaleiro, se mostra inócua e desnecessária a consagração expressa desse facto, descrito no indicado art.º 12.º da p.i., sendo certo que apenas deverão ser positivados, nesta sede, os factos que têm relevância para a decisão jurídica da acção, ainda que nas plausíveis perspectivas de análise, soluções de direitos.
Aliás, tendo a A./Recorrente alegado e sido dado como provado, sem mais (atenta a revelia do R./Recorrido), a manutenção em obra do estaleiro para a construção da Escola de A..., com os custos inerentes, do que foi dando atempada conta ao dono da obra, nos termos que constam dos factos 10 a 15 da factualidade provada, supra descrita, mostrando-se provados os inerentes custos suportados durante o período de suspensão da obra, os factos constantes da sentença como provados, em virtude de documentação e revelia operante do réu - cfr. despacho de fls. 149 dos autos -, são os necessários para, em sede de análise/decisão jurídica se encontrar a solução legalmente adequada.
*
Em termos de prólepse, importa ainda referir que, embora nada se diga em concreto na sentença do TAF de Aveiro acerca da ampliação do pedido, o certo é que, sem qualquer contestação do Município de Vagos (como dissemos, nenhuma intervenção teve nos autos), além da ampliação do pedido ter sido expressamente deferida pelo TAF de Aveiro - cfr. despacho de fls. 145 - o certo é que o valor ampliado teve repercussão directa, não só na fixação do valor da acção - cfr. fls. 149 - como ainda na fundamentação jurídica constante da sentença - cfr., inter alliud, fls. 167, 1.º e 6.º parágrafos (ainda que, no 6.º, por erro, se tenha escrito "48.828,56" em vez de "46.828,56) -, valor este correspondente à soma das anteriores notas de débito e à posteriormente enviada, no valor de € 6.420,00, referente ao período de 1de Maio a 17 de Maio de 2012, data em que cessou a suspensão da execução da empreitada.
**
2 - 3 - Quanto ao erro de julgamento de direito.
Nesta parte, a A./recorrente, num primeiro momento, defende que, havendo revelia do Município de Vagos, deveria, desde lodo e sem mais, efectivar-se a condenação de preceito, ou seja, no pedido ampliado, sem necessidade de considerações jurídicas.
Sem razão, porém.
Estando em causa uma acção administrativa comum, sob forma ordinária tem aplicação, ex vi, do n.º1 do art.º 42.º do CPTA, o art.º 484.º do Cód. Proc. Civil (actual art.º 567.º) e não o art.º 784.º, por este dizer respeito ao processo sumário, como, aliás, tratava o Proc. 4/12.0BEAVR, referido na conclusão VI das alegações de recurso jurisdicional.
E, segundo aquela norma legal - art.º 484.º - a falta de contestação, em caso de revelia operante, importa apenas que se considerem confessados os factos articulados pelo autor - n.º 1 da norma legal - sendo que, após a possibilidade de alegações, por escrito - o que a recorrente efectivou -, é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito - n.º 2 -, ainda que, em casos de manifesta simplicidade, a sentença possa limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado - n.º 3.
Inexistindo, como vimos, a possibilidade legal de condenação sem mais do pedido - condenação de preceito - importa, de seguida, analisar criticamente os factos e subsumi-los às normas jurídicas, ou seja, proceder ao seu correcto enquadramento jurídico.
*
Assim, resulta do probatório apurado nos autos que, por falta de pagamento dos trabalhos realizados, a empresa adjudicatária deu conta ao dono da obra da impossibilidade de continuar a execução da escola sem que os pagamentos devidos fossem efectivados e sem que fosse apresentada qualquer justificação, mais lhe comunicando, nos termos da al. b) do n.º 3 do CCP da sua intenção de suspender a execução da obra, caso não efectuasse os pagamentos em dívida, num total de € 226.235,56 - cfr. ponto 6 dos factos provados.
Nessa consonância, foi, em 17/1/2012, lavrado Auto de Suspensão da obra - cfr. documento de fls. 89/90 - suspensão essa homologada por deliberação da CM do Município de Vagos de 24/2/2012 - cfr. fls. 91 dos autos.
Durante o período de suspensão da obra, a recorrente foi enviando ao dono da obra cinco notas de débito, referentes - como delas expressamente consta - ao encargos suportados com a suspensão da empreitada, ao abrigo do art.º 282.º do CCP, juntando nota discriminativa e justificativa dos custos, nos termos que constam demonstrados nos pontos 10 a 15 dos factos provados.
Perante esta factualidade, coloca-se a questão:
Tem a sociedade adjudicatária da obra direito a receber as quantias reclamadas, processual e documentalmente justificadas, do dono da obra, referentes aos custos com a manutenção do estaleiro durante o período de suspensão, que ocorreu desde 17/1/2012 a 17/5/2012, num período de 121 dias (o que é bem diferente da exigência do pagamento das quantias devidas pela execução da obra até 17/1/2012, que justificou a suspensão da obra e respectivos juros legais)?
A decisão recorrida, com base exclusivamente no n.º 1 do art.º 282.º do CCP, entendeu que não, enquanto a A./Recorrente e a Digna Procuradora Geral Adjunta, neste TCA-N, entendem que sim, sendo certo que - como já repetimos - a entidade demandada e dono da obra nada disse nem antes, nem durante a pendência dos autos, apenas se limitando, um seu representante, a participar/assinar o Auto de Suspensão da empreitada - cfr. fls. 89/90 - e a edilidade de Vagos a homologar o mesmo Auto - cfr. fls. 91 dos autos.
Vejamos!
Dispõe o art.º 282.º do CCP (Dec. Lei 18/2008, de 29 de Janeiro, alterado e republicado pelo Dec. lei 278/2009, de 2 de Outubro), sob a epígrafe "Reposição do equilíbrio financeiro do contrato":
"1 - Há lugar à reposição do equilíbrio financeiro apenas nos casos especialmente previstos na lei ou, a título excepcional, no próprio contrato.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o co-contratante só tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais o co-contratante determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.
3 - A reposição do equilíbrio financeiro produz os seus efeitos desde a data da ocorrência do facto que alterou os pressupostos referidos no número anterior, sendo efectuada, na falta de estipulação contratual, designadamente, através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contrato, da revisão de preços ou da assunção, por parte do contraente público, do dever de prestar à contraparte o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato.
4 - A reposição do equilíbrio financeiro efectuada nos termos do presente artigo é, relativamente ao evento que lhe deu origem, única, completa e final para todo o período do contrato, sem prejuízo de tal reposição poder ser parcialmente diferida em relação a quaisquer efeitos específicos do evento em causa que, pela sua natureza, não sejam susceptíveis de uma razoável avaliação imediata ou sobre cuja existência, incidência ou quantificação não exista concordância entre as partes.
5 - Na falta de estipulação contratual, o valor da reposição do equilíbrio financeiro corresponde ao necessário para repor a proporção financeira em que assentou inicialmente o contrato e é calculado em função do valor das prestações a que as partes se obrigaram e dos efeitos resultantes do facto gerador do direito à reposição no valor dessas mesmas prestações.
6 - A reposição do equilíbrio financeiro não pode colocar qualquer das partes em situação mais favorável que a que resultava do equilíbrio financeiro inicialmente estabelecido, não podendo cobrir eventuais perdas que já decorriam desse equilíbrio ou eram inerentes ao risco próprio do contrato".
*
Refere a este propósito, Gonçalo Guerra Tavares e Nuno Monteiro Dente, in Código dos Contratos Públicos – Comentado Volume II - Almedina 2011 - também referido pela recorrente - que "... Para que o co-contratante tenha direito à reposição do equilíbrio financeiro é necessário que, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto que fundamenta o direito reclamado altere os pressupostos através dos quais o co-contratante determinou o valor das prestações contratuais a que se obrigou pelo contrato – considerando essa restrição excessiva e eventualmente inconstitucional, em alguns casos, por violação da garantia constitucional do art.º 62º n.º 2 da Constituição - Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, Contrato Públicos. Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, 2008, p.145.
O momento que marca o início da produção de efeitos da reposição do equilíbrio financeiro do contrato é, nos termos da primeira parte desde n.º 3 do art.º 282º do Código, o da data da ocorrência do facto que alterou os pressupostos através dos quais o co-contratante determinou o valor das prestações a que se obrigou contratualmente.
Nos casos em que o contrato disponha sobre a reposição do respectivo equilíbrio financeiro, é de acordo com essas regras que se procederá à compensação do co-contratante.
Se o contrato nada dispuser nessa matéria, seguir-se-ão os modos de efectivação da reposição do equilíbrio financeiro do contrato previstos neste n.º 3 do art.º 282º do Código.
Assim, a reposição do equilíbrio financeiro pode fazer-se através da prorrogação do prazo das prestações contratuais (que pode implicar ainda a cumulação com a compensação financeira), do mecanismo da revisão de preços (que não deve ser confundido com a revisão ordinária de preços prevista para as empreitadas de obras públicas no art.º 382º do Código) ou da assunção, por parte do contraente público do dever de prestar ao co-contratante o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato …".
O equilíbrio financeiro contratual pressupõe a ideia "de que a remuneração do contraente deve ser modelada pelos encargos que sobre ele pesam realmente, em vez de ser fixada pelo contrato, de modo que a álea inerente a qualquer empreendimento seja seriamente limitada" - Cfr. Jean Rivero, in Direito Administrativo, pág. 148 - e portanto deverão as deformações a esse equilíbrio ser remediadas ao longo da execução contratual.
Existindo uma base económica e financeira do contrato que deve ser respeitada, o princípio pacta sunt servanda para além de promover a estabilidade contratual, deve ter imanente a ideia do equilíbrio financeiro do contrato, desde que surjam circunstâncias que imponham o seu reajustamento.
O mecanismo da reposição do equilíbrio financeiro está originariamente pensado para os casos em que o co-contratante, mercê da sua situação de sujeição aos poderes conformadores do contraente público, vê a sua esfera contratual financeiramente afectada.
Mas mais importante que o mecanismo legal em si é a sua ratio,que tem que ver sobretudo com todas as variações no equilíbrio financeiro de que contrato pode padecer ao longo da sua existência, as quais devem ser debeladas, de molde a saná-las.
Cfr., ainda e a este propósito, Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, págs. 617 e ss., Jorge Andrade da Silva, in "Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado", 2.ª ed., págs. 626 e ss. e ainda Mário Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, pág. 705.
*
Ora, da transcrita norma do CCP - art.º 282.º -, analisada na sua totalidade, resulta, no nosso entender, que assiste razão à A./Recorrente.
Na verdade, a interpretação da norma em causa não pode cingir-se ao seu n.º 1 - como o fez a sentença recorrida - mas também não pode deixar de levar em consideração os demais números, como, aliás, resulta da proposição que inicia o n.º 2 "Sem prejuízo do disposto no número anterior...".
Assim, um co-contratante tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais determinou o valor das prestações e desde que o contratante público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.
No caso dos autos, a recorrente, como adjudicatária, invoca, como pressuposto para a exigência do direito à reposição do equilíbrio financeiro, o custo acrescido com a manutenção do estaleiro da obra, no período de suspensão da mesma, por facto imputável apenas à contraparte, dono da obra, pois que altera o valor dos custos constantes da sua proposta, sendo certo que o dono da obra não poderia ignorar estes pressupostos.
Isto é, embora não dando execução aos trabalhos constantes da empreitada, nos termos e nas condições da adjudicação, a adjudicatária - além de ter direito a uma prorrogação do tempo para a execução do contrato pelo período de suspensão, vertente decisória que, além de se mostrar correcta, não foi impugnada - sempre não pode deixar de ter direito a que seja ressarcida dos custos inerentes à manutenção do estaleiro nesse período de suspensão da obra, valores que, por não impugnados, quer em termos quantitativos, quer em termos de razoabilidade prática (referimo-nos, por exemplo, ao facto de ser ou não necessária a permanência na obra, sem realização de quaisquer trabalhos, de um engenheiro de produção e um engenheiro técnico - cfr. ponto 19 dos factos provados, mas não sendo despiciendo que a entidade pública, como defensora do interesse público, nem sequer questionou) correspondem à necessidade de reposição do equilíbrio financeiro da empreitada.
Os custos reclamados - € 46.828,56 - dizem respeito a custos acrescidos e que não estiveram, de todo, subjacentes ao valor inicialmente apresentado e objecto de adjudicação, sendo que o dono da obra, no acto da adjudicação, certamente não poderia ignorar estes pressupostos, tal é, aliás, a sua evidência.
Aliás, por não processualmente impugnados quanto ao seu concreto fundamento e valor, esses custos correspondem ao necessário para repor a proporção financeira em que assentou o contrato e agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato, não se podendo, de modo algum, considerar que se destinem a cobrir eventuais perdas que decorriam de um qualquer desequilíbrio financeiro da empreitada ou fossem inerentes ao risco do próprio contrato - ns. 3 a 6 do art.º 282.º do CCP.
Deste modo, mostra-se factual e juridicamente justificada a condenação da entidade demandada, dono da obra, nos termos peticionados, ou seja, no pagamento da quantia de € 46.828,56, quantia esta acrescida dos respectivos juros de mora, devidos desde a citação - como pede a A./Recorrente - até efectivo e integral pagamento.
Nesta consonância conclusiva, impõe-se, em provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida, excepto na parte em que reconheceu o direito à prorrogação da execução do contrato de empreitada pelo período de 121 dias, mais se julgando, desde modo, totalmente procedente a acção.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
- conceder provimento ao recurso e assim revogar a sentença recorrida, excepto na parte em que reconheceu o direito à prorrogação da execução do contrato de empreitada pelo período de 121 dias;
- julgar totalmente procedente a acção e assim condenar ainda o Município de Vagos ao pagamento de uma indemnização pelos custos da suspensão da execução da obra, no período de 17 de Janeiro de 2012 a 17 de Maio de 2012, no valor de € 46.828,56, valor este acrescido de juros de mora, devidos desde a citação até integral pagamento.
*
Custas, em ambas as instâncias, pelo R./Recorrido Município de Vagos.
*
Notifique-se.
DN.
*
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art.º 131.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do art.º 1.º do CPTA).
Porto, 15 de Maio de 2014
Ass.: Antero Pires Salvador
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Isabel Soeiro