Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01158/17.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/11/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:DEMOLIÇÃO DE OBRAS ILEGAIS
REN
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCIPIOS DE PROPORCIONALIDADE E DA LEGALIDADE
Sumário:
I- O incumprimento dos ónus impugnatórios previstos no artigo 640.º do CPC, não tem como consequência inelutável a impossibilidade de o Tribunal de 2.ª Instância alterar a decisão proferida pela 1.ª Instância sobre a matéria de facto, desde que estejam em causa factos essenciais para a boa decisão da causa, alegados pelas partes ou, tratando-se de ação impugnatória de atos administrativos, que constem do processo administrativo.
II- Na reapreciação da matéria de facto, cumpre ao tribunal de recurso observar o que dispõe o artigo 662.º do CPC, tendo presente que o objetivo primordial do atual Código de Processo Civil nesta matéria, é o de evitar o julgamento formal, devendo privilegiar-se o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
III- De acordo com o disposto no artigo 102.º-A do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redação aplicável dada pelo Decreto-lei n.º 136/2014, de 09/09, quando se verifique a realização de operações urbanísticas ilegais, caso seja possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor, a câmara municipal deve notificar os interessados para procederem à respetiva legalização.
IV- Porém, sempre que forem erigidas edificações sem prévio licenciamento, quando o direito aplicável ao tempo exigia o licenciamento, as construções em causa só são legalizáveis se cumprirem as normas vigentes ao tempo do então ato de licenciamento, exceto no que respeita ás normas técnicas relativas à construção e, mesmo essas, se não forem normas técnicas relativas à segurança e saúde públicas.
V- O princípio da proporcionalidade significa que, até onde seja compatível com a prossecução do interesse público, a Administração deve procurar, na sua atuação, ser o menos hostil possível aos interesses dos administrados (art. 7.º do CPA). Para isso terá que usar como critérios de decisão a adequação (a solução adotada deve ser a idónea ou apropriada à finalidade de interesse público tida em vista), a necessidade (proibição do excesso) e o equilíbrio (deve haver uma ponderação sobre os benefícios ou vantagens para o interesse público e os custos ou prejuízos impostos pela medida a adotar).
VI- Uma atuação legal é vinculativa, não depende da boa ou má vontade da Administração Pública, nem deixa espaço à Administração para conformar o seu agir de modo a contornar as consequências mais dolorosas ou hostis da reposição da legalidade que daí eventualmente possam resultar para o interessado que ousou arriscar a construção de uma obra sem se sujeitar ao prévio e obrigatório controlo urbanístico. O princípio da legalidade significa, em termos sumários, que a Administração não pode agir livremente, antes terá que se pautar com obediência ou vinculadamente quer aos parâmetros legais (Constituição, lei ordinária, leis comunitárias, regulamentos, etc.) que estabeleçam o respetivo espaço de intervenção e decisão, quer aos princípios gerais de direito (art.º 3.º, n.º 1 do CPA).
Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Recorrente:C..., Lda
Recorrido 1:Ministério do Planeamento e das Infraestruturas
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:
I.RELATÓRIO
1.1. C..., Lda., com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., moveu a presente ação administrativa contra o “ Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, Divisão Sub-regional de Aveiro da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro CCDRC”, considerada proposta contra o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas ( artigo art.º 10º, n.º 4, do CPTA), pedindo a declaração de nulidade ou a anulação, do ato administrativo notificado em 24/08/2017, para proceder à demolição de construções sitas no lugar da Praia do ....
Alega, para tanto, em síntese, que em 24/08/2017 foi notificada do ato administrativo que, além do mais, ordenou a demolição de construções ilegais em espaço vinculado pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e reconstituição da situação anterior à prática da infração, com o qual não se conforma;
Entende que o ato impugnado padece dos vícios de violação do direito de defesa e do contraditório e da falta de fundamentação; de preterição das diligências probatórias requeridas em sede de audiência prévia; de violação de lei quanto ao direito aplicável, e de violação do princípio da proporcionalidade, do princípio da proteção da confiança e do art.º 18º, n.º 2, da CRP; e de violação do art.º 38º do CPA, por não ter sido suspenso o ato administrativo, enquanto se encontrasse pendente o processo contraordenacional.
1.2. Citado, o Réu contestou, impugnando os factos alegados pela Autora, alegando, em síntese que em 29/04/2011 foi rececionado um pedido da Autora, no âmbito do regime jurídico da REN, aprovado pelo DL n.º 166/2008, de 22/08, para ampliação de um estabelecimento de restauração e bebibas;
Entretanto, em 11/07/2011, realizou-se a conferência a que alude o artigo 24.º do CPA, por estarem envolvidas várias entidades, tendo sido indeferida a pretensão da Autora;
Notificada, a Autora requereu, em 25/05/2012, a reapreciação do indeferimento, pedindo a legalização das obras efetuadas;
Após junção dos elementos solicitados, a Autora foi notificada da impossibilidade de legalização de parte dessas obras, tendo sido emitida a ordem de demolição das construções ilegais e ordenado o procedimento de avaliação de incidências ambientais, no respeitante ás restantes;
Defende que a A. foi notificada de uma proposta de demolição, e o auto de notícia a que a mesma se refere foi-lhe notificado no âmbito do processo contraordenacional 46/2016/DSAJAL, sendo que a decisão de demolição não se confunde com a decisão de aplicação de coima;
A ordem de demolição não enferma de nenhuma imprecisão, nem dos vícios que lhe são assacados, tendo a mesma incidido apenas sobre as construções insuscetíveis de legalização, não ocorrendo qualquer violação do princípio da proporcionalidade, apenas podendo ser legalizadas as construções que sejam conformes com a REN.
Está em causa um grave dano ao ambiente, não restando alternativa à demolição ordenada.
Conclui, pedindo a improcedência da ação.
1.3. O Ministério Público junto da 1.ª Instância, emitiu parecer, pugnando pela improcedência da presente ação, por, em suma, não se verificarem os vícios invocados pela Autora.
1.4. Proferiu-se despacho a dispensar a realização da audiência prévia, por os autos conterem os elementos necessários ao conhecimento do mérito da ação.
1.5. Fixou-se o valor da ação em € 30.000,01, de acordo com o disposto nos art.ºs 31º, n.º 1 e 33º, ambos do CPTA.
1.6. Em 31/03/2022 proferiu-se sentença contendo a mesma o julgamento de facto e de direito, onde se julgou a presente ação improcedente, a qual consta do seguinte dispositivo:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal julga totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolve o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas do pedido.
Condena-se a Autora em custas.
Registe e notifique.»
1.7. Inconformada com a sentença assim proferida, a Autora interpôs a presente apelação, tendo concluído a final:
«1 – O Recorrido e o Tribunal a quo consideram que a Recorrente violou o RJREN, aprovado pelo Dec.-Lei 166/2008, de 22/8, em virtude de ter edificado ou realizado acções urbanísticas em área interditada por esta norma.
2 – Porém, o RJREN (Dec.-Lei 166/2008, de 22/8) e a Portaria que delimita a REN no concelho ... (Portaria 247/2009, de 9/3) são muitíssimos posteriores (quase 20 anos) à edificação do empreendimento da Recorrente, o qual foi autorizado pela Câmara Municipal ....
3 – O empreendimento da Recorrente foi edificado em 1989/1990, numa altura em que o respectivo solo não era REN, mais concretamente, cerca de 19 anos antes do Dec.-Lei 166/2008, de 22 de Agosto, e cerca de 20 anos antes da Portaria 247/2009, de 9/3 (carta da REN publicada para o município ...).
4 – Para demonstração desse facto a Recorrente juntou aos autos um conjunto de documentos com a petição inicial da providência cautelar apensa, nomeadamente:
a) um extracto da acta da Câmara Municipal ... de finais dos anos 80 do século passado que deferiu a construção do parque (doc. 4);
b) um certificado da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, de 11 de Janeiro de 1991, que diz que o terrenos não estavam incluídos na RAN (doc. 5);
c) um extracto da acta nº25, da Reunião da Câmara Municipal ... de 13/11/1995, na qual foi deliberado por unanimidade declarar a utilidade pública com interesse local e regional do Parque de Diversões Aquáticas da ... (doc. 9), o que demonstra que o empreendimento já estava construído nessa altura;
d) uma exposição dirigida à Directora Geral de Turismo, elaborada em 12 de Julho de 1994, pelo à época proprietário do Parque de Diversões Aquáticas da ..., a defender a reabertura do empreendimento da A. – doc. 10 (o que igualmente demonstra que o empreendimento já estava construído nessa altura);
e) um ofício de 12 de Julho de 1994, do então Presidente da Região de Turismo de ... (Rota da Luz), a encaminhar e subscrever a exposição referida na alínea anterior (doc. 11);
f) um ofício do Presidente da Câmara Municipal ..., com data ilegível, mas pelo contexto percebendo-se que é da altura em que PDM ... estava em revisão, no qual é garantido que toda a área do “Equipamento Turístico” se encontrava “salvaguardada” na “proposta de revisão do PDM” (doc. 6).
5 – Desse conjunto desses documentos constata-se que:
a) a Câmara Municipal ... autorizou previamente a intervenção urbanística da A., sempre apoiou o projecto e sempre se bateu pela remoção dos obstáculos à sua plena legalização;
b) diversas outras entidades, entre as quais a Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, apoiaram o projecto;
c) o empreendimento da A. é muito anterior ao Dec.-Lei 166/2008, de 22/8 e à Portaria 247/2009, de 9/3 ou seja, na altura em que o mesmo foi construído, o solo não estava classificado como REN.
6 – De acordo com a d. sentença ora em recurso, o fundamento para a ordem de demolição, ou seja, a validação do acto administrativo posto em causa é, além das restrições/proibições decorrentes do RJREN (cfr. fls. 29 e 30 da d. sentença), o art. 60º do RJUE, ou seja, o facto de as edificações da Recorrente não terem sido construídas ao abrigo de um acto de controlo urbanístico que fosse exigido ao tempo da construção (cfr., por exemplo, 4º parágrafo de fls. 30/34 da d sentença).
7 – Sucede que, a aplicação dessa norma ao caso dos autos é, com todo o respeito, errada, pois nos termos o art. 40º do RJREN “O disposto no capítulo iii não se aplica à realização de ações já licenciadas ou autorizadas à data da entrada em vigor da delimitação da REN nos termos do artigo 12.º”.
8 – Das Actas da Câmara Municipal ... acima referidas, resulta que a edificação e manutenção do empreendimento foi autorizada, encorajada e defendida por esta edilidade muitos anos antes do Dec.-Lei 166/2008, de 22/8 e da Portaria 247/2009, de 9/3.
9 – Por isso, face a essa autorização, estão no regime de excepção do art. 40º do RJREN.
10 – Consequentemente, o Acto Administrativo que ordena a demolição e a d. sentença da 1ª Instância que o confirma são ilegais e violam a lei, aplicando as normas erradas e deixando de aplicar a correcta.
11 – As instalações da Recorrente foram também projectadas, construídas e inauguradas em data muito anterior à da entrada em vigor do .../... e da AA.
12 – Face ao que vai acima, não pode dizer-se nem declarar-se, tal como fez a 1ª Instância, que a Recorrente construiu as suas instalações em violação de norma alguma, nomeadamente:
a) do disposto no art. 60º do RJUE;
b) do disposto no Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional (Dec.-Lei 166/2008 e Dec.-Lei 239/2012).
c) do disposto na Portaria 247/2009, de 9/3.
13 – Por isso, não pode a Recorrente ser sancionada/condenada pelo incumprimento de normas que ainda não estavam em vigor à data da prática dos factos (ou do preenchimento dos pressupostos) que corporizam a dita violação – a construção das suas instalações (as quais já estavam construídas muito antes, e não sofreram alterações no tempo de vigência da mencionada legislação).
14 – Ao fazê-lo, a d. sentença ora em recurso incorre em violação das normas legais acima referidas (umas, por as aplicar quando não devia, e outra, a do art. 40º do RJREN, por a deixar de aplicar ao caso concreto) o que também é, pelo menos, causa de anulabilidade do acto administrativo (ordem de demolição) praticado, e de todo o procedimento a ele conducente (art. 163.º do CPA), se não mesmo de nulidade, por contender com direitos fundamentais dos administrados (art. 161.º, n.º 2, al. d) do CPA).
15 – Há também violação do art. 67.º do Regulamento do POOC que postula que “as disposições constantes do POOC não põem em causa direitos adquiridos à data da sua entrada em vigor” (vide).
*
16 – A ordem de demolição e a d. decisão sob recurso violam também:
a) o princípio da proporcionalidade (art. 7º do CPA e art. 18º, nº2 da CRP);
b) as legítimas expectativas da Recorrente/ Princípio da Confiança e da Segurança Jurídica.
17 – O princípio da confiança na previsibilidade das soluções visa a protecção da confiança, dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica, de tal forma que alterações na lei hão-de ter em conta direitos adquiridos, expectativas criadas, situações jurídicas estabilizadas que justifiquem o sacrifício da aplicação imediata da nova lei.
18 – Esta confiança é violada sempre que o Estado, na vertente de legislador ou administrador, ligue a situações de facto constituídas e desenvolvidas no passado consequências jurídicas mais desfavoráveis do que aquelas com que o atingido podia e devia contar.
19 – É legítimo e fundado que os cidadãos tenham a expectativa na manutenção das situações de facto já alcançadas no passado, as quais eram permitidas pelo Direito então em vigor.
20 – Assim, tendo-se em conta o que supra se expôs, e mormente que a construção do empreendimento foi autorizada inicial e subsequentemente pela Câmara Municipal ..., a qual em 1995 até declarou o empreendimento de utilidade pública com interesse local e regional, dúvidas não podem restar que o acto administrativo em apreço (ordem de demolição), bem como a d. sentença que o confirma, são desadequados, excessivos, desproporcionais e contrários ao princípio da proporcionalidade e ao princípio da protecção da confiança.
21 – Com efeito, esse acto administrativo e a d. sentença que o confirma, têm cariz sancionatório e lesivo de expectativas, interesses e direitos legalmente protegidos que se constituíram num tempo anterior à entrada em vigor de todo o acervo legal supra referido.
22 – Por outro lado, a demolição pretendida pela Recorrida e confirmada pela d. sentença sob recurso, a efectuar-se, põe em causa a subsistência da Recorrente e dos postos de trabalho que esta cria, pois não é viável a subsistência da zona das piscinas e escorregas sem as demais infraestruturas (bungalows, parque de estacionamento de autocaravanas, churrasqueira, etc.), que pela ordem/acto administrativo, se pretendem demolir.
23 – Trata-se, assim, de um acto administrativo desproporcional, desnecessário e desadequado, lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos constituídos e permitidos ao abrigo de ordem jurídica anterior, o qual não deve, por isso, subsistir, e que está ferido, não só de inconstitucionalidade, por violação de mais um preceito constitucional (art. 18.º, n.º 2 da CRP), como de nulidade, nos termos do disposto no art. 161.º, n.º 2 d) do CPA, por afrontar o princípio da proporcionalidade, tutelado legal e constitucionalmente nos já referidos art. 7.º do CPA e 18.º, n.º 2 da CRP.
24 – Mesmo que assim não se entenda, e em razão da violação das ditas normas, o acto administrativo praticado sempre se encontra ferido de anulabilidade (art. 163º CPA), o que se requer seja declarado.
25 – Ora, a d. sentença, ao confirmar esse acto, viola também ela as normas legais acabadas de
referir.
*
26 – O facto de não ter sido remetido à Recorrente o auto de notícia ...14, em sede de exercício de audiência prévia, assim como não constarem em qualquer parte dessa notificação de proposta de ordem, ou em auto próprio, os factos (e respectivas infracções legais) relativas à deslocação de 27 de Janeiro de 2016, resulta em violação dos arts. 45.º, 46.º e 49.º da LQCA e 121.º e 122.º do CPA – direito de defesa e contraditório da Recorrente, que lhe é conferido, tanto pela lei, como pela Constituição da República Portuguesa (cfr. art. 32.º, n.º 10 da CRP, relativo aos direitos de audiência e defesa no processo contraordenacional).
27 – Quanto à visita de 27/01/2016, ainda que não tenha havido levantamento de auto de notícia relativo à mesma, as duas fotografias juntas ao processo não referem a indicação precisa do local fotografado, ou os factos/infracções (e respectivas normas legais infringidas) a que as mesmas, alegadamente, se reportam, o que não pode ter-se por admissível,
28 – uma vez que constitui garantia de defesa dos administrados o cabal conhecimento – em toda a sua extensão – dos factos que lhes são imputados, e das normas violadas, pelo que deveria ter sido remetido à Recorrente o assento documental lavrado aquando da dita visita (factos escritos e normas infringidas a que se reportam),
29 – na medida em que que a dita visita – além do auto de notícia – é um dos elementos que fundaram/fundam a proposta de ordem e, agora, a ordem de demolição (que se impugna nestes autos).
30 – Por isso, na decisão de ordem de demolição (acto administrativo) proferida e acolhida na d. sentença, permanecem em violação os arts. 45.º, 46.º e 49.º da LQCA, 121.º e 122.º do CPA e art. 32.º, n.º 10 da CRP.
31 – Quanto à falta de notificação do auto de notícia ...14 valem as mesmas considerações já tecidas aquando do exercício do direito de audiência prévia, pois não pode ser exigido à Recorrente que “adivinhe” que o auto de notícia que deu origem aos autos acima referidos em 67 da motivação (e dos quais se chegou aos presentes) é o que foi junto em sede de outro processo que corre na CCDRC – Divisão Sub-Regional de Aveiro (Processo de Contraordenação n.º ...16/DSAJAL).
32 – Por isso, e quanto a esta parte, há também violação dos arts. 45.º, 46.º e 49.º da LQCA, 121.º e 122.º do CPA e 32.º, n.º 10 da CRP, o que deveria ter sido declarado pela d. sentença, e não foi.
33 – A violação das normas supra referidas configura também, uma violação do direito de defesa e ao contraditório, constitucionalmente protegido no art. 32.º, n.º 10 da CRP., o que deveria ter sido declarado pela d. sentença, e não foi.
34 – Ademais, o acto administrativo deveria também ter sido declarado nulo, nos termos do disposto no art. 161.º, n.º 2, al. d) do CPA, por violação do direito ao cabal exercício da defesa e contraditório (art. 32.º, n.º 10 da CRP), plasmado nos artigos 45.º, 46.º e 49.º da LQCA e 121.º e 122.º do CPA.
35 – Porém, mesmo que não se encontre ferido de nulidade, tendo-se em atenção a violação das normas constitucionais e legais supra referidas, o acto sempre será anulável (art. 163.º, n.º 1 do CPA), o que se requer seja declarado.
*
36 – Os factos descritos na notificação de proposta de ordem que lhe foi remetida (assim como os elementos documentais a ela anexos) pecavam/pecam por imprecisão, pois os mesmos não lhe permitiam saber, com certeza, ao que correspondiam (na realidade física e geográfica das suas instalações) os locais objecto daquela proposta de ordem de demolição (cf. docs. n.º 1 e 2 juntos com a p. i. de providência cautelar).
37 – Em sede de ordem definitiva de demolição, a Recorrida esclareceu que houve lapso na referência aos “9 dos 15 bungalows pequenos”, 2 bungalows grandes e respectivos acessos” e “tanques de lavar junto aos bungalows grandes”.
38 – Porém, quanto às demais áreas e espaços, a Recorrida limitou-se a dizer que a Recorrente “deveria saber” a que áreas esta entidade se refere, porquanto as mesmas são as que constam, alegadamente, da Planta de Implantação – Mapa de Áreas, por ela entregue nos serviços da ré em 29/11/2013 e 06/12/2013 (sem referir expressamente, no corpo da notificação, que áreas são essas).
39 – Ora, a entidade administrativa nunca disse, como se impunha que fizesse, que as áreas e espaços eram aquelas que constavam das referidas plantas, ou sequer foram as referidas plantas anexadas, tanto à notificação de proposta de ordem de demolição, como à de ordem definitiva de demolição que ora se impugna.
40 – Acresce que, a Recorrente não consegue perceber, com o grau de certeza que se impõe, pela análise do doc. n.º 3 junto com a p. i. de providência cautelar e seus documentos anexos, afinal quais são as áreas e equipamentos que a entidade ré considera passíveis de legalização e os que não são.
41 – E a questão fulcral é mesmo essa:
a) independentemente de a Recorrente ter dado entrada de umas plantas de implantação nos serviços da Recorrida, isso não significa que as mesmas estivessem correctas à luz das normas da REN;
b) por isso, impunha-se que a Recorrida, na ordem que deu à Recorrente (demolição ou legalização) identificasse com toda a precisão aquilo que em seu entender poderia ser legalizado e aquilo que não se poderia legalizar de maneira nenhuma.
42 – Não é lícito exigir da Recorrente que, por meio de exercícios de interpretação do que vem exarado na notificação, tente presumir o que é que a Recorrida quis dizer, ou ao que se quis referir, com o uso de determinada expressão, ou por meio de determinada frase, ou que deva “adivinhar” onde a ré foi retirar determinada informação, sem sequer lhe remeter o suporte documental onde se baseou para o efeito, sob pena de a Recorrente ficar irremediavelmente prejudicada no exercício do seu direito de defesa/contraditório/audiência prévia.
43 – Por isso, também por aqui, irremediavelmente ficou afectado o cabal exercício do direito de defesa e contraditório da Recorrente, em violação do disposto nos arts. 12º e 121.º do CPA e 32.º, n.º 10 da CRP, o que deveria ter sido declarado pelo tribunal a quo.
44 – Da mesma forma, e pelas mesmas razões, o acto administrativo em apreciação viola também o disposto no art. 268.º, n.º 3 da CRP – dever de fundamentação dos actos administrativos – e 152.º e 153.º do CPA.
45 – No caso concreto, os actos praticados incluem uma ampla margem de discricionariedade técnica e teórica, pelo que mais exigente deveria ter sido a explicação dos fundamentos, da motivação e da decisão, devendo a mesma ser de fácil compreensão pelos cidadãos administrados visados, sem dar aso a dúvidas de interpretação, como as que supra se referiram.
46 – Ora, como já se disse, o acto administrativo impugnado através destes autos, ao violar duas das garantias/princípios constitucionais basilares do Estado de Direito Democrático Português (art. 32.º, n.º 10 e 268.º, n.º 3 da CRP) encontra-se ferido, além do mais, de inconstitucionalidade.
47 – Ademais, o acto administrativo deveria ter sido declarado nulo pelo tribunal a quo, nos termos do disposto no art. 161.º, n.º 2, al d) do CPA, por violação:
a) do direito ao cabal exercício da defesa e do contraditório (art. 32.º, n.º 10 da CRP e 12.º e 121.º do CPA;
b) do dever da Administração de fundamentar os actos administrativos que profere, assim como o correspondente direito dos cidadãos em conhecer os fundamentos dos actos que afectem os seus direitos e interesses legalmente protegidos – art. 268.º, n.º 3 da CRP e 152.º e 153.º do CPA,
48 – Mesmo que não se encontrasse ferido de nulidade, tendo em atenção a violação das normas constitucionais e legais supra referidas, o acto sempre deveria ser anulável (art. 163.º, n.º 1 do CPA), o que se requer seja declarado.
*
49 – As diligências probatórias de tomada declarações ao legal representante da Recorrente e inquirição de testemunhas não foram realizadas, sem que para tal tenha sido apresentada qualquer justificação.
50 – A Recorrida, ao ter proferido decisão final (acto administrativo de ordem de demolição) sem realizar as diligências probatórias requeridas pela Recorrente violou, por isso, o direito de audiência prévia previsto no art. 121.º do CPA, assim como o art. 12.º do mesmo diploma.
51 – Isso mesmo foi reconhecido a fls. 27 e 28 da d. sentença.
52 – Porém, daí não foram extraídas quaisquer consequências, por se entender a fls. 33 da d. sentença, com base na al. a) do nº5 do art. 163 do CPA, que tal não levaria a nada, já que a Recorrente realizou operações urbanísticas em terrenos integrados na REN, sem que para tal tenha obtido o necessário controlo urbanístico.
53 – No entanto:
a) a edificação do empreendimento e a sua entrada em funcionamento, com tudo o que tem hoje, remonta a 1989/1990 (excepto algumas churrasqueiras que foram instaladas em 1995), ou seja, cerca de 20 anos antes da publicação das normas invocadas para sustentar o acto administrativo em crise (ordem de demolição);
b) o art. 40º do RJREN salvaguarda o edificado que, ao tempo da sua construção, tivesse sido autorizado, ou seja, não impõe a sua demolição.
54 – Por isso, com a prova testemunhal que indicou, bem com a tomada de declarações ao seu legal representante, que iriam corroborar os documentos 4, 5, 6, 9 10 e 11 juntos com a petição inicial do procedimento cautelar, a Recorrente contava poder demostrar esses factos (nomeadamente, a prévia autorização para construção por parte da Câmara Municipal ..., a data da construção e início de actividade, o permanente apoio da Câmara Municipal ... ao empreendimento, ao ponto de o ter declarado de interesse público, cfr. Acta da nº25, de 13/11/1995 junta como doc. nº6 da pá. do procedimento cautelar).
55 – Com efeito, essa inquirição relevaria não só para efeitos do art.40º do RJREN, mas também para o confronto dos princípios da proporcionalidade e da protecção da confiança, com a ordem de demolição.
56 – Como tal, o Tribunal a quo deveria ter extraído todas as consequências da omissão dessas diligências probatórias e, também por aí, ter declarado a anulação da ordem de demolição.
57 – Neste caso concreto, a violação do direito de audiência prévia consubstancia uma nulidade, por violação de direitos fundamentais basilares (art. 161.º, n.º 2, al. d) do CPA), tais como o direito ao trabalho (da Recorrente e dos trabalhadores que nas suas instalações laboram), o direito à propriedade privada e o direito à iniciativa económica privada, todos protegidos pela CRP (arts. 58.º, 61.º e 62.º da CRP), pelo que deverá ser declarada nula a ordem definitiva de demolição, com todas as legais e devidas consequências.
58 – No entanto, mesmo que não se conceba estarmos perante uma situação de nulidade do acto administrativo (ordem de demolição), sempre haverá de suscitar-se a sua anulabilidade, por violação de todo o acervo legal já supra referido, nos termos constantes do art. 163.º do CPA,
59 – pelo que, no limite da interpretação sobre a invalidade do acto, sempre deve a violação dessas normas ser sancionada com a declaração de anulação do procedimento a partir do momento em que foram preteridos os formalismos legais já referidos (envio do auto de denúncia e do suporte documental relativo à referida visita de 27/01/2016; redacção precisa dos factos descritos nas notificações e no suporte documental a elas anexo às mesmas; realização das diligências probatórias requeridas em sede de audiência prévia), ou seja, a partir da fase de audiência prévia – devendo a mesma ser repetida.
*
60 – Por fim, os esforços da Recorrente no sentido de procurar legalizar o seu empreendimento de acordo com a lei que passou a vigorar cerca de 20 anos depois da construção e início de laboração não pode ser interpretado como uma assunção de que reconhece razão à Recorrida e, por isso, voltar-se esse seu esforço contra si, mas antes como uma conduta de alguém que se pauta pela boa fé e que, apesar de a isso não estar obrigada, procurar harmonizar a realidade e os seus direitos adquiridos, com as pretensões de um organismo público emergentes de legislação muito mais recente.
Termos em que, e nos mais de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a d. sentença, assim se fazendo,
Justiça»
*
1.8. O Apelado contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso jurisdicional deve ser rejeitado liminarmente, não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento, por não respeitar o ónus de alegação especificada e por falta de conclusões, nos termos, respetivamente, do imposto pelos art. 639.º-640.º do CPC e do estatuído no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC, normas aplicáveis ex vi do art. 1.º do CPTA.
B. Caso assim não se entenda, importa clarificar que objeto deste recurso é a sentença proferida pelo tribunal a quo, que manteve o ato impugnado, e não o referido ato, como as alegações de recurso parecem pressupor.
C. A ordem de demolição substanciada no ato que a sentença diz respeito a obras que foram realizadas pela Recorrente sem submissão a prévio controlo urbanístico.
D. Foi a Recorrente quem tomou a iniciativa de procurar legalizar essas obras, a par de processo de legalização de obras novas, numa incontestável assunção de ausência de legalização anterior.
E. Entendeu bem a sentença recorrida acerca da validade do pressuposto da ordem de demolição: que a pretensão licenciadora da Recorrente é incompatível com o RJEN, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22/8, diploma aplicável a operações urbanísticas construídas o solo classificado como REN mesmo que anteriores à sua entrada em vigor.
F. O princípio tempus regit actum aplica-se a normas de planeamento e ordenamento ou restrições de utilidade pública, como a REN, só se excecionando em relação a normas técnicas relativas à construção.
G. Entendeu bem a sentença recorrida ao validar o pressuposto de que as operações urbanísticas a licenciar foram erigidas sem licenciamento, uma vez que a Câmara Municipal ... nunca autorizou previamente a intervenção urbanística das obras a demolir.
H. Entendeu bem a sentença recorrida, quanto à aplicação do art. 60.º do RJUE, pelo facto de o art. 40.º do RJREN só excluir a aplicação quanto a ações já licenciadas ou autorizadas, o que não é o caso da situação sub judice.
I. Entendeu bem a sentença recorrida quando decidiu que o ato impugnado não viola o princípio da proporcionalidade e da proteção da confiança, normas que, em todo o caso, não têm aplicação direta nem imediata.
J. Entendeu bem a sentença recorrida quanto à não violação pelo ato impugnado do direito de defesa e do contraditório e à não verificação de falta de fundamentação do ato impugnado.
K. Foi atribuído à Recorrente o direito de audiência escrita relativamente à proposta de ordem de demolição, direito esse que foi exercido pela própria, conforme reconhecido pelo tribunal recorrido – cfr. ponto 18 da pág. 11 e ponto 20 da pág. 12 da sentença recorrida e não impugnados.
L. Subscreve-se na integra todos os demais fundamentos da sentença recorrida, exposto ao longo das fls. 19 a 27 da sentença recorrido, porque tudo está plenamente sustentado nos factos provados - não impugnados pela Recorrente – que constam dos pontos 5, 8, 9, 10, 13, 16, 19 e 21 de fls. 4 a 13 da mesma sentença.
M. Por fim, nos pontos 28 a 32 e 58 a 60 das alegações de recurso, a Recorrente alega um rol de factos que não foram considerados provados pela sentença recorrida, e não apresenta qualquer pedido de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art. 662.º do CPC aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA.
N. Tais factos devem, pois, ser desatendidos por não provados.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso jurisdicional ser rejeitado liminarmente, não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento, por não respeitar o ónus de alegação especificada e por falta de conclusões, nos termos, respetivamente, do imposto pelos art. 639.º-640.º do CPC e do estatuído no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC, normas aplicáveis ex vi do art. 1.º do CPTA;
Subsidiariamente, deve este recurso ser julgado improcedente, por não fundado, mantendo-se a sentença recorrida e, em consequentemente, confirmando-se a absolvição da Entidade Administrativa Demandada de todos os pedidos contra ela formulados.»
*
1.9. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público emitiu parecer, no qual conclui que « o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente, por a sentença recorrida não padecer das nulidades que são imputadas, nem padecer de erro na subsunção dos factos ao direito, não tendo sido violada qualquer norma legal ou constitucional, pelo que se deve manter na ordem jurídica nos seus precisos termos
*
1.10. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2. Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.1. Assentes nas enunciadas premissas, as questões a decidir passam por saber se:
b.1.- se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na modalidade de vício de insuficiência da decisão sobre a matéria de facto;
b.2.- se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito decorrente de a pretensão de legalização das obras a demolir não ser incompatível com o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22/08 , uma vez que as operações urbanísticas são anteriores à sua entrada em vigor;
b.3. - se a sentença recorrida padece de erro de direito decorrente do facto de se ter considerado que o artigo 40.º do RJREN apenas se aplica a ações já licenciadas ou autorizadas.
b.4.se a sentença recorrida padece de erro de direito decorrente de se ter considerado que o ato impugnado não violou o princípio da proporcionalidade, nem o princípio da confiança.
b.5. se a sentença recorrida incorreu em erro de direito quando considerou que ato o impugnado não violou o direito de defesa e do contraditório e, bem assim, ao julgar que o mesmo não padece do vício de falta de fundamentação.
**
III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO.
3.1. A 1.ª Instância julgou provados os seguintes factos:
«1. Em 29.04.2011, a Autora apresentou junto do Demandado, um pedido de licenciamento de construções novas e legalização de existentes, do qual constam discriminadas as áreas de implantação das edificações construídas a legalizar e de construção nova, num total de 246,00 m2 – cf. requerimento, documento n.º 1, junto com a contestação;
2. Na sequência do qual, em 11.07.2011, foi realizada conferência de serviços, ao abrigo do disposto no art.º 24º do Decreto-lei n.º 166/08, de 22.08, com fundamento de o pedido de licenciamento dizer respeito a área sujeita ao regime jurídico da REN, de acordo com a carta da REN, no ecossistema “Áreas de infiltração máxima” e “faixa de proteção da laguna”, coincidindo com áreas sujeitas ao regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional, áreas integradas na Zona Especial ... e, simultaneamente, em áreas vinculadas ao plano de Ordenamento da Orla Costeira – ... e à necessidade de obtenção de licença de utilização de recursos hídricos – cf. ata, documento n.º 2, junto com a contestação;
3. Em resultado da qual foi proposta a não autorização da pretensão urbanística da Autora, com fundamento no incumprimento do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), de acordo com o parecer desfavorável da Administração da Região Hidrográfica, e no incumprimento da área máxima de ampliação permitida pelo RJREN – cf. ata, documento n.º 2, junto com a contestação;
4. Consta da referida ata a transcrição do mencionado parecer da ARH, do qual se extrai, entre o mais, o seguinte: “(...) Em face do exposto, considera-se que a pretensão na forma em que se apresenta não cumpre as disposições do POOC, pelo que se emite parecer desfavorável. Com efeito para além das obras de alteração, que poderão eventualmente constituir-se como obras por razões higiénico-sanitárias, o processo prevê ainda construção e ampliação o que induz alteração aos parâmetros urbanísticos legalmente constituídos, COS e CAS, uma vez que se prevê o aumento da área bruta de construção (a.b.c), em desacordo com o art.º 34º do regulamento do POOC. (...)” – cf. ata, documento n.º 2, junto com a contestação;
5. Assim como, que “(...) A área legalmente constituída ao abrigo da licença de obras n.º ...97 da Câmara Municipal ... para construção (anexa-se cópia) é de 769,5m2 assim discriminados (...) Piscina 586,00; Serviços administrativos 95,00; Sanitários 34,00; Arrecadação 22,50; Casa das Máquinas 32,00; Área total impermeabilizada 769,50. A firma Costasitur – Empreendimentos Turísticos, pretende licenciar construções novas e legalizar as existentes na superfície total de 246m2, valor que corresponde a um acréscimo da área de implantação de cerca de 32% da área de implantação existente e legalizada conforme alvará de licença de obras n.º ...7 ou seja 769,5m2. Áreas objeto do prese4nte pedido de autorização m2: Edificações construídas a legalizar 50,00; Edificações amovíveis a legalizar 46,00; Edificações amovíveis a licenciar (construção nova) 112,00; Edificação a licenciar (destinada a consultório médico, vestiários masculinos e femininos, zona de lixo e vasilhame) 37; Área total impermeabilizada 246,00. Tendo em conta a apreciação feita sobre os elementos do processo apresentado a CCDRC e apesar dos pareceres da CCDRC favoráveis que conduziram a uma área de impermeabilização de 2881,40m2, apenas pode ser considerada, para efeitos de ampliação, a área legalmente constituída pelo município ... ou seja 769,5m2. Em conclusão, o parecer da CCRDC é desfavorável uma vez que a área de ampliação é superior a 153,9m2 requisito expresso na alínea IV, do item g) da Portaria 1356/2008. Resumindo, face à desconformidade com a Portaria n.º 1356/2008 e ao parecer desfavorável emitido pela ARH-Centro, IP, propõe-se a não autorização da pretensão” – cf. ata, documento n.º 2, junto com a contestação;
6. Através de ofício datado de 22.07.2011, a Autora foi notificada de que não se autoriza a pretensão urbanística, tal como foi solicitada, nos termos expressos na ata da conferência de serviços, designadamente face ao excesso de área de construção requerida – cf. ofício, documento n.º 3, junto com a contestação;
7. Pelo mesmo ofício, a Autora foi notificada do parecer favorável condicionado emitido pelo Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade, IP – cf. ofício, documento n.º 3, junto com a contestação;
8. Em 25.05.2012, a Autora apresentou um requerimento junto do Demandado, através do qual juntou dois exemplares completos do processo, com vista ao licenciamento de construções novas e a legalização dos existentes, com referência ao empreendimento a que se reporta o ato impugnado, do qual constam discriminadas as áreas de implantação das edificações construídas a legalizar e de construção nova, num total de 235,50 m2 - cf. requerimento, documento n.º 4, junto com a contestação;
9. Através de ofício datado de 30.05.2013, sob o assunto “Pedido de legalização de construções para bar e restauração no empreendimento Vagasplash, sita na Gafanha da Boa Hora”, a Autora foi notificada para apresentar peças escritas e desenhadas, que permitam verificar a localização e identificação de todas as construções existentes, licenciadas ou não, com a indicação das áreas de implantação e usos respetivos, assim como a indicação de todas as áreas que se encontram impermeabilizadas com equipamento desportivo ou acessos – cf. ofício, documento n.º 5, junto com a contestação;
10. Em 15.10.2013, a Autora apresentou junto do Demandado documento com a indicação discriminada das áreas de construção licenciadas e com as áreas de construção existentes a licenciar, com o seguinte teor:

[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original]

– cf. documento n.º 6, junto com a contestação;
11. Em 6.12.2013, a Autora apresentou junto dos serviços do Demandado três exemplares completos do processo, com vista ao licenciamento e legalização das edificações existentes – cf. requerimento, documento n.º 7, junto com a contestação;
12. Fazendo constar da respetiva memória descritivas áreas existentes no Parque de Diversões Aquáticas na Praia da ..., licenciadas e a licenciar, da qual se extrai o seguinte:

[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original]

- cf. documento n.º 7, junto com a contestação;
13. Através de ofício, n.º 8.../14, datado de 7.07.2014, sob o assunto “Regularização de construções existentes no empreendimento turístico da Praia do ...”, a Autora foi notificada de quais as construções insuscetíveis de legalização pelo procedimento de comunicação prévia, concretamente: 9 dos 15 bungalows pequenos; os 2 bungalows grandes e respetivos acessos; a parte do parque de estacionamento e da área de serviço para autocaravanas que se implantam fora do espaço para isso previsto no Plano de Praia do POOC e todos os acessos impermeáveis existentes – cf. ofício, documento n.º 8, junto com a contestação;
14. Assim como informada que o licenciamento da pretensão poderá estar sujeito a Avaliação de Impacte Ambiental, pelo que se aguarda a sua confirmação na sequência do parecer solicitado pelo Demandado – cf. ofício, documento n.º 8, junto com a contestação;
15. Consta como fundamento do informado, o seguinte:

[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original]

(...)
- cf. ofício, documento n.º 8, junto com a contestação;
16. Através de ofício de 9.09.2014, a Autora foi notificada, em complemento do ofício referido no ponto anterior, que o projeto não está sujeito a Avaliação de Impacte Ambiental, mas que deverá ser objeto de procedimento de avaliação de incidências ambientais, com fundamento de o mesmo se localizar, simultaneamente, em ecossistema dunar, numa área de grande sensibilidade ecológica e de elevado risco de erosão, na AA, com afetação de habitats de utilização faunística e em área totalmente abrangida pelo BB (...), nos termos do Decreto-lei n.º 140/99, de 24.04 – cf. ofício, documento n.º 9, junto com a contestação;
17. E ainda, que será no âmbito do procedimento de avaliação de incidências ambientais que se decidirá sobre a possibilidade de afetação de áreas integradas na REN, nos termos do n.º 7 do artigo 24º do RJREN – cf. ofício, documento n.º 9, junto com a contestação;
18. Através de ofício datado de 7.10.2016, “Proposta de ordem – Fase de Audiência Prévia”, a Autora foi notificada, entre o mais, da intenção do Demandado em notificar a Autora para, no prazo de 30 dias, proceder à demolição das edificações ilegais construídas em espaço vinculado pela Reserva Ecológica Nacional no lugar da Praia do ... e a restituição da situação anterior, apresentação das cópias das guias de acompanhamento dos resíduos resultantes da demolição e reposição do terreno ou, em alternativa aos pontos anteriores, a apresentação de proposta de regularização devidamente instruída por Estudo de Avaliação de Incidências Ambientais, conforme transmitido pelos ofícios de 7.07.2014 e 9.09.2014, e para, no prazo de 10 dias, se pronunciar – cf. fls. 4 e 5 do processo administrativo;
19. Consta da referida notificação, entre o mais, o seguinte:
“Na sequência do auto de notícia n.º ...14, de 26-11-2014, instaurado pelo ICN e remetido a esta CCDRC, bem como de nova deslocação ao local, efetuada pela CC no dia 27 de janeiro de 2016, confirma-se que parte dos equipamentos, demais construções e usos se mantêm na Praia do ..., sito no sul da Praia da ..., na Freguesia ..., concelho ..., com as coordenadas Lat. 40º32’57.99”N e .... 8º40’19.57”W, em local vinculado pela Reserva Ecológica Nacional (REN), “Áreas de máxima infiltração/Áreas estratégicas de proteção e recarga de aquíferos e “...”, conforme carta REN publicada para o município ..., .... N.º 247/2009, I série do DR n.º 47, de 9 de março, abrangido pelo POOC (Plano de Ordenamento da Orla Costeira – áreas naturais) e pela ZPE (Zona Especial ...).
Como antecedente processual, e no âmbito de anterior tentativa de regularização, é do conhecimento de V. Ex.ª (ofícios DD e 1180/14, respetivamente, de 7-07-2014 e 9-09-2014), que o empreendimento (1.080m2 licenciados pela Câmara Municipal e cerca de 14.500m2 destituídos de qualquer ação de controle prévio), é desconforme com as servidões existentes, devendo as ações compatíveis com o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional, previamente a qualquer outro procedimento de regularização, serem objeto de avaliação de incidências ambientais, nos termos do disposto no Decreto-lei n.º 140/99, de 24 de abril, com a redação do DL n.º 49/2005, de 24 de fevereiro, face à sua localização numa área de grande sensibilidade ecológica e de elevado risco de erosão dunar, na AA, com afetação de habitats de utilização faunística e em área totalmente abrangida pelo BB (...). (...)” – cf. fls. fls. 4 e 5 do processo administrativo;
20. A Autora pronunciou-se sobre o teor do ofício referido no ponto anterior, através de requerimento entrado em 26.10.2016, no sentido de o processo administrativo ser arquivado, ao qual juntou 8 documentos e requereu a realização das diligências instrutórias de declarações de parte e o depoimento de 5 testemunhas – cf. fls. 16 a 31 do processo administrativo;
21. Em 7.07.2017, os serviços do Demandado elaboraram informação a propor que a ordem seja enviada à Autora, dado que parte das construções em causa são insuscetíveis de serem regularizadas/legalizadas, por não cumprirem com os requisitos aplicáveis da REN, uma vez que possuem uma área de implantação superior à admitida – cf. fl. 74 do processo administrativo;
22. E, ainda, por se verificar que há construções e infraestruturas passíveis de serem viabilizadas, através do procedimento de comunicação prévia, situadas em áreas estratégicas de proteção e recarga de aquíferos, que deverá a Autora, através da comunicação prévia, solicitar o que pretende ser regularizado/licenciado, indicando o que será objeto de remoção – cf. fls. 74 e 75 do processo administrativo;
23. Sobre a referida informação, em 10.08.2017, o Diretor dos Serviços de Fiscalização do Demandado proferiu despacho com o seguinte teor: “Concordo. Deverá ser efetivada a ordem conforme proposto. À consideração superior” – cf. fl. 59 do processo administrativo;
24. O Vice-Presidente do Demandado proferiu despacho de concordância, em 21.08.2017 – cf. fl. 59 do processo administrativo:
25. Através do ofício datado de 23.08.2017, outorgado pelo Vice-Presidente do Demandado, a Autora foi notificada, entre o mais, para proceder (i) à demolição das edificações ilegais construídas em espaço vinculado pela Reserva Ecológica nacional no lugar da Praia do ... e a restituição da situação anterior, da parte do parque de estacionamento e da área de serviço para autocaravanas que se implantem fora do espaço para isso previsto no Plano de Praia do POOC, conforme carta anexa, bem como da remoção/demolição de todos os acessos impermeáveis existentes; (ii) à apresentação das cópias das guias de acompanhamento dos resíduos resultantes da demolição e reposição do terreno e, em alternativa, (iii) à apresentação, querendo, de proposta de regularização devidamente instruída por Estudo de Avaliação de Incidências Ambientais, conforme transmitido pelos ofícios de 7.07.2014 e 9.09.2014 – cf. fls. 48 e 49 do processo administrativo;
26. Consta do referido ofício o seguinte:
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original]

- cf. fls. 45 a 49 do processo administrativo;
II.2 Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa.
*
III. B. DE DIREITO
3.2. O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo TAF de Aveiro em 01/04/2022, que julgou totalmente improcedente a ação administrativa proposta pela Autora, aqui Apelante C..., LDA., contra o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (– “CCDRC”), na qual aquela pediu a declaração de invalidade (nulidade/anulabilidade) do despacho datado de 21/08/2017, proferido pelo Vice-Presidente da CCDRC e notificado em 23/08/2017, que lhe ordenou que procedesse: (i) à demolição das edificações ilegais construídas em espaço vinculado pela Reserva Ecológica nacional no lugar da ... e a restituição da situação anterior, da parte do parque de estacionamento e da área de serviço para autocaravanas que se implantem fora do espaço para isso previsto no Plano de Praia do POOC, conforme carta anexa, bem como da remoção/demolição de todos os acessos impermeáveis existentes; (ii) à apresentação das cópias das guias de acompanhamento dos resíduos resultantes da demolição e reposição do terreno e, em alternativa; (iii)à apresentação, querendo, de proposta de regularização devidamente instruída por Estudo de Avaliação de Incidências Ambientais, conforme transmitido pelos ofícios de 7.07.2014 e 9.09.2014 – cf. fls. 48 e 49 do processo administrativo.
3.3.Na petição inicial, a Autora invocou que o ato impugnado padece dos seguintes vícios: a)De violação do direito de defesa e do contraditório e da falta de fundamentação; b)Da preterição das diligências probatórias requeridas em sede de audiência prévia; c)Da violação de lei quanto ao direito aplicável e da violação do princípio da proporcionalidade, do princípio da proteção da confiança e do art.º 18º, n.º 2, da CRP; d)Da violação do art.º 38º do CPA, por não ter sido suspenso o ato administrativo, enquanto se encontrasse pendente o processo contraordenacional.
3.4.A 1.ª Instância julgou apenas procedente o vício de não fundamentação da não realização de diligências instrutórias. Porém, entendeu a referida sentença, que tal vicio não contaminou a decisão final, uma vez que “não poderia ser outra a decisão, pelo que o Demandado não deve ser compelido a tomar atos ou a prosseguir com procedimentos inúteis, sendo de aplicar no caso em análise o princípio do aproveitamento dos atos administrativos e, em consequência, manter na ordem jurídica o ato impugnado tal como proferido.»
b.1 . Do erro de julgamento sobre a matéria de facto: do vício da insuficiência da matéria de facto.
3.5.Resulta das alegações de recurso apresentadas pela Apelante – vide pontos 4.ª, 5.ª, 6.ª, 8.ª, 9.ª, 16.ª, 22, 28 a 32 e 58 a 60- e das respetivas conclusões- vide pontos 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 8.ª, 11.ª, 20.ª , 22.ª- que a mesma, pese embora não impute expressamente à sentença recorrida erro de julgamento sobre a matéria de facto, alega que em função da facticidade que invoca nesses pontos o Tribunal a quo devia ter decidido pela procedência da ação, anulando o ato impugnado, com o que, em bom rigor, mais não está a fazer do que a assacar á sentença recorrida erro de julgamento sobre a matéria de facto na modalidade de vício de insuficiência da matéria de facto que contaminou a decisão sobre o mérito.
3.6. Ora, a circunstância de a Apelante não cumprir os ónus impugnatórios previstos no artigo 640.º do CPC, não tem como consequência inelutável a impossibilidade de o Tribunal de 2.ª Instância alterar a decisão proferida pela 1.ª Instância sobre a matéria de facto, desde que estejam em causa factos essenciais para a boa decisão da causa, alegados pelas partes ou, tratando-se de ação impugnatória de atos administrativos, que constem do processo administrativo.
3.7.Em bem da verdade, na reapreciação da matéria de facto, cumpre ao tribunal de recurso observar o que dispõe o artigo 662.º do CPC, tendo presente que o objetivo primordial do atual Código de Processo Civil nesta matéria é o de evitar o julgamento formal, devendo privilegiar-se o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
3.8.Nos termos da alínea c) do n.º2 do artigo 662.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, o tribunal de recurso deve, mesmo oficiosamente «Anular a decisão proferida pela 1.ª Instância, quando não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».
3.9. Assim, ainda que não tenha havido impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não se pode considerar que, relativamente a esta, se tenha formado caso julgado, a qual depende da própria decisão do tribunal de recurso sobre ela.(1)
4.Conforme se sumariou no Acórdão do STA, de 22/03/2018, proferido no processo 290/12 « I. O vício de insuficiência da decisão de facto é equacionável com base no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do CPC, sendo de conhecimento oficioso e suscetível de implicar a ampliação daquela decisão, pelo que a sua eventual invocação pelo apelante não está sujeita aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640.º, n.º 1, do mesmo Código, os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação, com fundamento em erro de julgamento, dos juízos probatórios concretamente formulados.».
4.1.Assim, perante uma decisão de facto que se revele deficiente, com que o tribunal seja confrontado, exigindo a sua ampliação, por terem sido desconsiderados factos alegados pelas partes e essenciais para a resolução do litígio ou por terem sido desconsiderados na decisão factos que se revelem essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem um enquadramento ou fundamentação jurídica diverso do que foi suposto pelo Tribunal a quo, os poderes conferidos ao tribunal de recurso como verdadeiro tribunal de instância- tendo em vista o cumprimento do desiderato de um segundo nível de jurisdição em matéria de facto em idênticas condições e sujeito às mesmas regras de direito probatório que vinculam o tribunal de 1ª instância -, conferem-lhe o dever, por um lado, de deles conhecer oficiosamente (independentemente, pois, da existência ou não de impulso da parte interessada) e, por outro, de os poder suprir imediatamente, desde que, naturalmente, constem do processo (ou da gravação) os elementos probatórios indispensáveis para esse suprimento.
4.2. Como assinala A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 251, “ a anulação da decisão de 1ª instância apenas deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas. “ (sublinhado nosso)
Ainda neste sentido, refere o mesmo Autor, op. cit., pág. 255, que “ Deparando-se a Relação com respostas que sejam de reputar deficientes, obscuras ou contraditórias, se a reapreciação dos meios de prova permitir sanar a deficiência, obscuridade ou a contradição, a Relação fá-lo-á sem necessidade de reenviar o processo ao tribunal recorrido, após o que prosseguirá com a apreciação das demais questões que o recurso suscite. No caso inverso, cabe-lhe assinalar as referidas nulidades, determinar a anulação (parcial) do julgamento e ordenar que o tribunal a quo as supere. “».
4.3.Note-se que, no âmbito do CPTA, perante uma situação em que subsistam factos controvertidos essenciais para o conhecimento do mérito da ação, que exijam a produção de meios de prova pessoais, atento o disposto no artigo 149.º, é sobre a segunda Instância que impende o dever de realizar a diligências instrutórias que se afigurarem necessárias.
4.4.Ademais, conforme sumariamos em Acórdão deste TCAN, de 07/05/2021, proferido no processo n.º 00901/19.2BEPRT, que relatamos, importa ter presente que: «1- Nas ações de impugnação de ato administrativo o tribunal não se encontra limitado aos factos essenciais constitutivos da causa de pedir ou das exceções alegadas pelas partes, podendo livremente indagar e julgar provados factos essenciais, complementares ou instrumentais, independentemente de terem ou não sido alegados pelas partes, contanto que esses factos constem do Processo Administrativo, relevando para a determinação da matéria de facto todos os factos que constem desse PA.
2- O tribunal também não se encontra limitado às causas de invalidade do ato invocadas pela impugnante, podendo identificar outras causas de invalidade, desde que cumpra com o n.º 3 do art.º 95º do CPTA.»
4.5.No caso em análise, resulta das alegações da Apelante, designadamente, dos pontos 28 a 32 e 58 a 60, e das conclusões de recurso formuladas nos pontos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 8.º, 11.º, 20.º e 22.º, que a mesma invoca facticidade sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou, não a tendo julgada como como provada ou não provada. Essa facticidade é a mesma que a Autora, aqui Apelante, alegou nos artigos 78.º, 79.º, 80.º, 81.º, 82.º,96.º,97.º,98.º,118.º, 119.º,120.º da petição inicial.
4.6.Acontece que essa facticidade, ainda que considerada como provada, como é entendimento da Apelante suceder em face da prova documental junta aos autos, que identifica, não tem qualquer relevo para a decisão a proferir no âmbito dos presentes autos, uma vez que, sendo inequívoco que as construções levadas a cabo pela Apelante e a que se reporta a ordem de demolição impugnada, se encontram inseridas em solo que está abrangido pelo regime jurídico da REN, e bem assim, que aquelas obras foram edificadas sem prévio licenciamento, é despiciendo saber, para efeitos da respetiva legalização, a data em que foram construídas e se ao tempo o solo em que se inserem integrava ou não zona incluída na REN. Consubstanciando-se o ato impugnado numa ordem de demolição de obras ilegalizáveis, ou que dentro dos prazos concedidos ao interessado não foram legalizadas, a tutela da legalidade urbanística vincula a Administração a ordenar a reposição da legalidade, o que, em casos como o que é objeto desta lide, determina a adoção de resolução administrativa que ordene a demolição das obras levadas a cabo sem prévio licenciamento.
4.7.Também de nada releva saber se com a demolição ordenada- veja-se, de bungalows, parque de estacionamento e autocaravanas, churrasqueiras- a subsistência do Apelante é posta em causa, por ser inviável a subsistência do parque aquático sem aquelas infraestruturas, levando ao encerramento da empresa da Apelante, uma vez que, sendo a decisão de demolição uma decisão vinculada, de nada releva a questão de saber se as suas consequências afetam ou não afetam a subsistência do interessado na manutenção das obras ilegais.
4.8. Por fim, no que concerne à alegação de que as obras a demolir foram autorizadas pela Câmara Municipal ..., trata-se de matéria que apenas pode ser provada por documento autêntico, isto é, por documento a ser emitido pela autoridade administrativa competente- artigos 362.º, 363.º, n.ºs 1 e 2, 369.º e 364.º do Cód. Civil.
4.9. Conforme se dispõe no n.º1 do artigo 364.º do Cód.Civil « Quando a lei exigir, como forma de declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior».
5.Neste sentido, pronunciou-se também a Senhora Procuradora Geral Adjunta no parecer que elaborou ao abrigo do n.º1 do artigo 146.º do CPTA, no qual expendeu as seguintes considerações: « A produção de prova sobre a data exata em que foram erigidas as construções cuja demolição é ordenada pelo ato administrativo impugnado, é irrelevante para a decisão da causa, pois os instrumentos de gestão territorial a aplicar ao caso concreto serão aqueles que estão em vigor à data da apreciação do pedido de legalização da construção ( apresentado pela recorrida), e conforme resulta da matéria de facto, a ordem de demolição não visa as construções devida e oportunamente licenciadas, mas aquelas que foram erigidas sem licença/autorização administrativa.
Acresce que o recorrente não apresentou ou completou o pedido de legalização, nomeadamente não juntou ao procedimento a avaliação de incidências ambientais, nem durante o procedimento, nem durante o processo judicial.
A prova testemunhal não é idónea para fazer prova das invocadas autorizações de construção que a recorrente refere. As autorizações de construção têm que constar de procedimento escrito, após a devida instrução e têm que se encontrar tituladas por Alvará.
A recorrente não juntou os referidos documentos, razão pela qual era irrelevante a produção de prova testemunhal».
Assim sendo, forçoso é concluir pela inexistência de vício de insuficiência da decisão sobre a matéria de facto que foi proferida pela 1.ª Instância, a qual se mantém nos seus precisos termos.
*
b.2. Do erro de direito decorrente de a pretensão de legalização das obras a demolir não ser incompatível com o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22/08 , uma vez que as operações urbanísticas são anteriores à sua entrada em vigor.
5.1. A Apelante não se conforma com a sentença recorrida quando nela se julga que a pretensão de legalização das obras cuja demolição foi ordenada pelo ato impugnado, é incompatível com o regime jurídico da REN.
5.2.A esse respeito, reitera os argumentos que cerziu na petição inicial, afirmando que desde a fase de audiência prévia que alega, defende e demonstra que as ações urbanísticas que o Recorrido e o Tribunal a quo considera violarem o RJREN, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22/08, por alegadamente se traduzirem em edificado em área interditada pelo RJREN, foram realizadas em data muito anteriores à entrada em vigor daquele RJREN- cerca de 20 anos antes- e numa altura em que o solo onde se inseriram não estava classificado como REN.
5.3. Como tal, sustenta que quando na sentença recorrida se diz que a Autora não põe em causa que o seu empreendimento turístico esteja em zona de REN, tem de interpretar-se essa posição com o sentido de que apenas depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22/08 e da publicação da Portaria 247/2009, de 09/03 é que tal sucedeu.
5.4.Daí que, a seu ver, não possa manter-se a sentença recorrida, por não poder dizer-se nem aceitar-se, que a Apelante construiu as suas instalações em violação de alguma norma urbanística, nomeadamente, do disposto no artigo 60.º do RJUE, do RJREN e da Portaria n.º 247/2009, de 09/03, não sendo admissível que seja sancionada pelo incumprimento de normas que à data da construção das suas instalações não estavam em vigor.
5.5. Logo, a sentença recorrida viola as referidas disposições legais e, bem assim, o artigo 40.º do RJREN e artigo 67.º do Regulamento do POOC.
Mas sem razão.
5.6. Conforme decorre dos factos provados na sentença recorrida, a Apelante requereu e foi-lhe concedida pela Câmara Municipal ..., em 1997, a licença de obras n.º ...97, para uma área de construção de 769,50 m2- vide ponto 5 do elenco dos factos provados.
5.7. Entretanto, em 2011 a Apelante iniciou diligências junto do Apelado para a legalização de obras que edificou sem licença- vide ponto 1 do elenco dos factos provados.
5.8. Tais construções perfazem uma superfície de 246m2, correspondendo a um acréscimo de área de implantação do empreendimento turístico da Apelante de cerca de 32% da área de implantação existente e licenciada pelo alvará de licença de obras n.º ...7- vide ponto 5 do elenco dos factos provados.
5.9.A legalização dessas obras que foram edificadas sem prévia licença de construção que tivesse sido validamente emitida, foi indeferida, por a área em causa se encontrar integrada, de acordo com a carta da REN, no ecossistema “ Áreas de infiltração máxima” e “faixa de proteção da laguna”, coincidindo com áreas sujeitas aos regime jurídico da REN, áreas integradas na Zona Especial ... e, simultaneamente, em áreas abrangidas pelo plano de Ordenamento da Orla Costeira -POOC de ... e à necessidade de obtenção de licença de utilização de recursos hídricos- vide ponto 2 do elenco dos factos provados.
6.É certo que compulsada a matéria de facto não resulta provada a data concreta em que as obras cuja legalização foi requerida pela Apelante, foram edificadas. Trata-se, porém, de questão que não assume qualquer relevância para o conhecimento do mérito da presente ação, como já supra se anteviu.
6.1. Na verdade, tratando-se de obras que comprovadamente foram edificadas sem prévio licenciamento urbanístico, de nada releva a circunstância de saber se na data da sua edificação o solo onde as mesmas se inserem integrava ou não zona abrangida pela REN..
6.2.Quem se aventura a construir sem prévio licenciamento não pode ignorar que se arrisca a ver demolida a obra ou obras assim edificadas, uma vez que, o licenciamento urbanístico obedece a vinculações legais que não podem ser desrespeitadas pela entidade a quem é conferido o poder de licenciamento. E, o facto de se concluir quiçá que à data em que as obras sem licença foram executadas as mesmas eram suscetíveis de ser licenciadas nos termos em que foram edificadas e no local onde se inseriram, essa situação de facto não tem como consequência a sua legalização posterior se entretanto tiverem ocorrido modificações no ordenamento legal que tornem essas obras incompatíveis com esse mesmo ordenamento legal, designadamente, com as regras de ocupação dos solos, como é o caso do regime jurídico da REN.
6.4. Como bem ponderou a 1.ª Instância «Uma vez que a Autora levou a cabo as obras em causa sem o necessário ato de controle urbanístico, não poderia confiar que as mesmas não seriam afetadas por superveniências legislativas, tal como aquela que instituiu o RJREN”.
6.5. Ou, dito de outro modo, quem constrói sem submeter-se a controlo urbanístico, assume o risco de as obras em causa serem posteriormente demolidas, ante a impossibilidade de serem legalizadas em face do quadro legal vigente na data em que o pedido de legalização for apresentado.
Termos em que julgamos improcedente o invocado fundamento de recurso.
*
b.3. do erro de direito decorrente do facto de se ter considerado que o artigo 40.º do RJREN apenas se aplica a ações já licenciadas ou autorizadas.
6.7. Nos pontos 12 a 17 das conclusões de recurso, a Apelante insiste no argumento de que as obras visadas pelo ato de demolição e que se encontram em zona de REN foram previamente autorizadas pela Câmara Municipal ... que sempre apoiou o projeto e sempre se bateu pela “remoção de obstáculos à sua plena legalização”, pelo que as mesmas beneficiam do regime de exceção previsto no artigo 40.º do RJREN.
Mas sem razão.
6.8. Em primeiro lugar, importa precisar que não resulta provado, porque, de facto, tal não sucedeu, que as obras cuja demolição foi ordenada à Apelante alguma tivessem sido licenciadas, antes se provou que aquelas foram construídas sem prévio controlo urbanístico.
6.9.Aliás, não deixa de impressionar que seja a própria Autora, aqui Apelante, quem a dada altura decide apresentar e requerer ao Apelado, a legalização de um conjunto de operações urbanísticas que levou a cabo, para depois, ante o indeferimento dessa pretensão e perante uma ordem de demolição de tais obras, vir sustentar que essas mesmas obras foram autorizadas/licenciadas por aquela Edilidade.
7.No caso em análise, sendo inequívoco como é que a Apelante procedeu á construção das obras cuja legalização requereu junto do Apelado, sem previamente ter promovido o seu licenciamento como se lhe impunha que tivesse feito, e que as mesmas se encontram implantadas em zona abrangida pela REN, só pode concluir-se, como entendeu o Apelado, e foi corroborado pela sentença recorrida, que essas obras não são legalizáveis se não se conformarem com as normas relativas à REN.
7.1.A este respeito, veja-se o parecer emitido pela Senhora Procuradora Geral Adjunta, no qual sustenta que: «(…) o art. 40.º só exclui a aplicação das normas da REN, quanto a ações urbanísticas devidamente licenciadas ou autorizadas.
Ora, conforme já se referiu a ordem de demolição, constante do ato administrativo impugnado, não se encontravam licenciadas/ autorizadas, nem tituladas por Alvará, nem são sequer legalizáveis, o que foi ponderado pela CCDR, antes de ordenar a demolição.
Os instrumentos de gestão territorial a aplicar ao caso concreto serão aqueles que estão em vigor à data da apreciação do pedido de legalização da construção (apresentada pelo A., embora não completada em relação às construções eventualmente legalizaveis, sendo as outras insuscetíveis de legalização).
Refere o acórdão do STA de 07.04.2011 (Proc. n.º 0601/10 in: «www.dgsi.pt/jsta») “... a demolição de obras não licenciadas só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível, decorrentes do princípio da proporcionalidade, e o poder de opção entre a demolição e a legalização de obras ilegais, não licenciadas, é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que esta pode ser tomada a todo o tempo ...” e que esse “... poder de escolha funciona na base de um pressuposto vinculado, já que a demolição só pode ter lugar se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras, por estas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares aplicáveis ...” [cfr. também Acs. do STA de 30.09.2009 - Proc. n.º 0210/09 (citado e reproduzido na decisão judicial aqui recorrida), de 24.03.2011 - Proc. n.º 090/10 in: «www.dgsi.pt/jsta»] na certeza de que o “...juízo de viabilidade de legalização, a empreender obrigatoriamente pela Administração, só é concebível enquanto reportado ao bloco de legalidade urbanística actual, pois não faria qualquer sentido que a Administração reportasse esse juízo de possibilidade de legalização a diplomas legais ou regulamentares já erradicados da ordem jurídica ...”
Assim bem andou o Tribunal “a quo”, ao julgar improcedente, o vicio de violação de lei, uma vez que as referidas operações urbanísticas não são licenciáveis, pelo que há que concluir que nesta parte a sentença recorrida não padece de erro na aplicação do direito.»
7.2.É certo que de acordo com o disposto no artigo 102.º-A do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redação aplicável dada pelo Decreto-lei n.º 136/2014, de 09/09, quando se verifique a realização de operações urbanísticas ilegais, caso seja possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor, a câmara municipal deve notificar os interessados para procederem à respetiva legalização.
7.3.Porém, a lei apenas permite que se dispense o cumprimento de normas técnicas de construção cuja observância se tenha tornado impossível ou que não seja razoável exigir, desde que não afetem a segurança e a saúde pública – cfr. n.º 5 do artigo 102.º -A- mas não dispensa o cumprimento das restantes normas legais e regulamentares.
7.4. Como bem nota o Apelado, em bom rigor, o RGEU apenas veio permitir que não se cumpra o princípio do tempus regit actum em relação a normas técnicas relativas à construção e não às que respeitem ao planeamento e ordenamento ou a restrições de utilidade pública como a REN.
7.5.Assim, sempre que forem erigidas edificações sem prévio licenciamento, quando o direito aplicável ao tempo exigia o licenciamento, como sucede in casu, as construções em causa só são legalizáveis se cumprirem as normas vigentes ao tempo do então ato de licenciamento, exceto no que respeita ás normas técnicas relativas à construção e, mesmo essas, se não forem normas técnicas relativas à segurança e saúde públicas.
7.6.Na situação em análise, sendo seguro que são interditas na REN as construções a que se reporta o ofício da DD, de 07/07, têm as mesmas que ser demolidas .
7.8.A 1.ª Instância avançou, a este respeito, com a seguinte fundamentação: « É certo que o artigo 60.º do RJEU estipula que “ As edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respetivas não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes”. Todavia, tal proteção do edificado a alterações legislativas ou regulamentares supervenientes pressupõe que as mesmas tenham sido levadas a cabo ao abrigo de um ato de controlo urbanístico, aquele que fosse exigido ao tempo da construção.
Todavia não é esse o caso dos autos. A ordem de demolição foi emitida relativamente a construções realizadas ilegalmente, sem ato de controle urbanístico, razão pela qual, aliás, a Autora apresentou pedido de licenciamento».
7.9. Como tal, e em face do que se expendeu, a sentença recorrida não merece a censura que lhe é feita pela Apelante, pelo que improcede o invocado fundamento de recurso.
*
b.4.Do erro de direito decorrente de se ter considerado que o ato impugnado não violou o princípio da proporcionalidade, nem o princípio da confiança.
8.A Apelante invoca que o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 7.º do CPA e com expressão constitucional no artigo 18.º, n.º2 da CRP, bem como o principio da proteção da confiança e da segurança jurídica foram violados pela sentença recorrida.
8.1.Isso porque o empreendimento em questão foi autorizado inicial e subsequentemente pela Câmara Municipal ..., a qual em 1995 até declarou o empreendimento de utilidade pública com interesse local e regional, pelo que, dúvidas não podem restar que o ato administrativo impugnado traduzido na ordem de demolição, e a sentença recorrida que o confirma, são desadequados, excessivos, desproporcionais e contrários ao princípio da proporcionalidade e ao princípio da proteção da confiança. Ademais a demolição ordenada põe em causa a subsistência da Apelante e dos postos de trabalho que esta cria, na medida em que essa demolição acarreta o encerramento da empresa.
8.2. Sobre esta matéria não vemos razões que nos levem a dissentir do que foi decidido pela 1.ª Instância, cuja fundamentação passamos a transcrever:
«(…) Estabelece o art.º 39º do RJREN, aprovado pelo DL n.º 166/2008, de 22.08, na redação anterior à dada pelo DL 124/2019, de 28.08, que “Compete à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, às comissões de coordenação e desenvolvimento regional, à Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., aos municípios e às demais entidades competentes em razão da matéria ou área de jurisdição embargar e demolir as obras, bem como fazer cessar outros usos e ações, realizadas em violação ao disposto no presente decreto-lei” (n.º 1), pelo que “A entidade competente nos termos do n.º 1 intima o proprietário a demolir as obras feitas ou a repor o terreno no estado anterior à intervenção, fixando-lhe prazos de início e termo dos trabalhos para o efeito necessários” (n.º 4), assim como que “Decorridos os prazos referidos no número anterior sem que a intimação se mostre cumprida, procede-se à demolição ou reposição nos termos do n.º 1, por conta do proprietário, sendo as despesas cobradas coercivamente através do processo de execução fiscal, servindo de título executivo a certidão extraída de livros ou documentos de onde constem a importância e os demais requisitos exigidos no artigo 163.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” (n.º 6).
Extrai-se das citadas normas que as CCDR’s são competentes para ordenar a demolição obras realizadas em violação ao disposto no RJREN, sendo que, nos termos do art.º 20º, n.º 1, nas áreas incluídas na REN são interditos os usos e as ações de iniciativa pública ou privada que se traduzam em obras de urbanização, construção ou ampliação [al. b)].
Porém, ao abrigo do princípio da proporcionalidade, a demolição de obra pode não ser ordenada se a mesma for suscetível de ser legalizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.
É certo que o art.º 60 do RJUE estipula que “As edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respectivas não são afectadas por normas legais e regulamentares supervenientes”. Todavia, tal proteção do edificado a alterações legislativas ou regulamentares supervenientes pressupõe que as mesmas tenham sido construídas ao abrigo de direito anterior, isto é, que as mesmas tenham sido levadas a cabo ao abrigo de um ato de controlo urbanístico, aquele que fosse exigido ao tempo da construção.
Todavia, não é esse o caso dos autos. A ordem de demolição foi emitida relativamente a construções realizadas ilegalmente, sem ato de controle urbanístico, razão pela qual, aliás, a Autora apresentou pedido de licenciamento das mesmas.
Uma vez que a Autora levou a cabo as obras em causa sem o necessário ato de controle urbanístico, não poderia confiar que as mesmas não seriam afetadas por superveniências legislativas, tal como aquela que instituiu o RJREN.
Por outro lado, em respeito do princípio da proporcionalidade, o Demandado, perspetivando a possibilidade das obras (ou parte delas) serem passíveis de legalização, determinou, em alternativa à demolição, que a Autora apresentasse proposta de regularização do edificado, instruída por estudo de avaliação de incidências ambientais.
Conclui-se, por tudo que que vai dito, que o ato impugnado não padece dos alegados vícios de violação de lei, dos princípios da proporcionalidade de da proteção da confiança e do art.º 18º, n.º 2, da CRP.»
8.3. O princípio da proporcionalidade significa que, até onde seja compatível com a prossecução do interesse público, a Administração deve procurar, na sua atuação, ser o menos hostil possível aos interesses dos administrados (art. 7.º do CPA). Para isso terá que usar como critérios de decisão a adequação (a solução adotada deve ser a idónea ou apropriada à finalidade de interesse público tida em vista), a necessidade (proibição do excesso) e o equilíbrio (deve haver uma ponderação sobre os benefícios ou vantagens para o interesse público e os custos ou prejuízos impostos pela medida a adotar). Entretanto, cumpre observar que, como nos diz Luiz Cabral de Moncada (Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª ed., p. 96), embora a proporcionalidade seja um critério limitativo do exercício da discricionariedade administrativa e da liberdade de decisão que lhe está associada (ou seja, limita a oportunidade ou mérito das escolhas administrativas), fica longe de as poder eliminar. O princípio da proporcionalidade não possibilita um controlo judicial integral da liberdade administrativa. Aduz o referido autor que a proporcionalidade é “a par dos outros princípios gerais de direito, um critério legal de controlo da discricionariedade mas não a reduz a zero. A proporcionalidade não é o salvo-conduto para a abolição das fronteiras entre Tribunais e a Administração”. Daqui que só em casos irrefutáveis, pelo seu carácter manifestamente inadequado, o princípio da proporcionalidade deva ser feito valer contra o poder discricionário que possa assistir à Administração.
No caso, a ordem de demolição é a consequência imposta pelo cumprimento do princípio da legalidade urbanística. Na verdade, não sendo as referidas obras que integram parte do empreendimento da Apelante suscetíveis de ser legalizadas, por não se conformarem com o regime jurídico da REN, não resta outra solução ao Apelado que não seja fazer cumprir a legalidade urbanística, e como tal não se prefigura que o ato impugnado viole qualquer princípio regulador da atuação administrativa, concretamente os invocados pela Apelante. Note-se que o Apelado não determinou a demolição das obras sem antes esgotar todas as possibilidades em ordem à respetiva legalização, como se extrai dos factos provados na sentença recorrida.
8.4. Uma atuação legal é vinculativa, não depende da boa ou má vontade da Administração Pública, nem deixa espaço à Administração para conformar o seu agir de modo a contornar as consequências mais dolorosas ou hostis da reposição da legalidade que daí eventualmente possam resultar para o interessado que ousou arriscar a construção de uma obra sem se sujeitar ao prévio e obrigatório controlo urbanístico. O princípio da legalidade significa, em termos sumários, que a Administração não pode agir livremente, antes terá que se pautar com obediência ou vinculadamente quer aos parâmetros legais (Constituição, lei ordinária, leis comunitárias, regulamentos, etc.) que estabeleçam o respetivo espaço de intervenção e decisão, quer aos princípios gerais de direito (art.º 3.º, n.º 1 do CPA).
8.5. Como se refere no parecer do Ministério Público «O princípio da proporcionalidade aplica-se nos atos discricionários». Como tal, forçoso é concluir pela improcedência da invocação da violação deste princípio.
8.6. Quanto à violação do princípio da confiança, a Apelante também não tem razão quando pretende que a sentença recorrida incorreu na violação desse princípio ao não incluir a situação das obras a demolir no âmbito da exceção consagrada no artigo 40.º do regime jurídico da REN.
8.7. Na situação em análise, as obras cuja demolição foi ordenada pelo ato impugnado, foram construídas sem prévio licenciamento, como resulta abundantemente comprovado. Logo, sendo assim, não tem qualquer consistência a tese da Apelante no sentido de que as obras a demolir estão sob a alçada da exceção do artigo 40.º do regime jurídico da REN, no qual, sob a epígrafe “Ações já licenciadas ou autorizadas” se estabelece a seguinte disciplina:
«O disposto no capítulo III não se aplica à realização de ações já licenciadas ou autorizadas à data da entrada em vigor da delimitação da REN nos termos do artigo 12.º».
8.8.Ora, o capitulo III, mencionado na norma que se acabou de transcrever, diz respeito precisamente ao regime das áreas integradas em REN « incorporando, designadamente, as normas relativas aos usos e ações interditos nas áreas incluídas na REN- entre as quais se contam a urbanização, construção e ampliação ( cf. art.º20.º, n.º1, al.b) do RJREN), sendo que tal regime apenas não seria aplicável se as construções e impermeabilização dos solos, tivessem sido anteriormente licenciados, o que, como já se referiu, não sucede, pelo que não se verifica a violação do princípio da tutela da confiança»- cfr. parecer do MP.
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
b.5. Do erro de direito quanto à não violação pelo ato impugnado do direito de defesa e do contraditório e à não verificação de falta de fundamentação do ato impugnado.
Nos pontos 66 e seguintes das conclusões de recurso, a Apelante sustenta que a sentença recorrida não acolheu o vício que imputou ao ato impugnado decorrente da violação do direito de defesa e do contraditório, bem como da falta de fundamentação.
A argumentação que desenvolve para sustentar o erro de julgamento que assaca à decisão recorrida neste domínio, é uma repetição da que sustentou perante o Tribunal a quo em relação ao ato impugnado e que foi ponderada pelo Tribunal a quo nos seguintes termos:
«Da violação do direito de defesa e do contraditório e da falta de fundamentação:
Alega a Autora que, embora constando da notificação da intenção de emissão da ordem de demolição que a mesma é remetida na sequência do auto de notícia n.º ...14, bem como de nova deslocação ao local efetuada no dia 27.01.2016, não foi notificada do auto de notícia, em violação dos artigos 45º, 46º e 49º da LQCA e 121º e 122º do CPA, 32º, n.º 10, da CRP, e do correspondente direito de defesa e do contraditório. Relativamente à visita, aduz que as fotografias juntas ao processo não referem a indicação precisa do local fotografado, ou os factos ou infrações a que as mesmas se reportam, pelo que deveria ter sido remetido à autora o assento documental lavrado aquando a realização da mesma.
Mais aduz a Autora que na notificação para o exercício do direito de audiência prévia também não se encontra identificado com certeza quais os locais objeto do projeto de ordem de demolição, tal como acontece com a decisão final do procedimento, o que comporta, também, a violação do dever de fundamentação dos atos administrativos, a que se referem os artigos 152º e 153º do CPA.
Por sua vez, o Demandado sustenta que o procedimento administrativo que visa a emissão de uma ordem de demolição não se confunde com o processo de contraordenação, pelo que não se impunha a notificação do auto de notícia, e ainda que nos ofícios que precedem a fase de audiência prévia estão elencadas as construções e ações insuscetíveis de legalização e as que poderão ser legalizadas.
Cumpre, antes de mais, referir que o procedimento administrativo aqui em causa, assim como o ato administrativo impugnado, não têm a natureza sancionatória, ao contrário do que acontece com o processo contraordenacional, a que se referem os art.ºs 45º, 46º e 49º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (LQCA), aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29.08, e 32º, n.º 10, da CRP, ao quais são aplicáveis.
Assim sendo, à alegação da Autora, nesta parte, apenas pode estar subjacente a violação do direito de participação dos interessados na formação das decisões que lhes disserem respeito, a que se referem os art.ºs 267º, n.º 5, da CRP, e 12º do CPA, e cujo regime está regulado nos art.ºs 121º e segs. deste último diploma, e ainda a violação do dever de fundamentação, a que se referem os artigos 152º e 153º do CPA.
O art.º 121º do CPA estabelece que os interessados têm direito a ser ouvidos no procedimento antes da tomada da decisão (n.º 1), podendo estes pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos (n.º 2), sendo que para esse efeito o art.º 122º prevê que o interessado deve ser notificado (n.º 1), sendo-lhe fornecido o projeto de decisão e demais elementos necessários para que o interessado possa conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito (n.º 2).
Resulta das referidas normas que o exercício efetivo do direito de participação dos interessados na formação das decisões impõe a respetiva notificação dos fundamentos de facto e de direito do projeto de decisão para que se encontrem habilitados a sobre eles se pronunciarem.
Deste modo, o que releva para aferir do efetivo cumprimento do exercício do direito de participação, do direito de audiência prévia, aqui em causa, é verificar se todos os elementos de facto e de direito em que se estribou a decisão final impugnada foram transmitidos à Autora para que esta pudesse pronunciar-se em sede de audiência prévia.
Impõe-se, portanto, confrontar os elementos de facto e de direito que fundamentaram o ato impugnado com os elementos de facto e de direito que foram transmitidos à Autora para efeito de exercício do direito de pronúncia, sendo, ainda de atender, em face da remissão expressa feita constar nesta última comunicação, aos antecedentes processuais consubstanciados nos ofícios n.ºs DD e 1180/14, de 7.07.2014 e 9.09.2014, respetivamente.
Ora, perscrutando a matéria de facto provada, constata-se que a decisão final notificada à Autora determina, para o que aqui interessa, que, nos termos do art.º 39º, n.ºs 5 e 6, do RJREN, aprovado pelo DL n.º 166/2008, de 22.08, esta proceda à demolição/remoção das construções ilegais construídas em espaço vinculado pela Reserva Ecológica Nacional no lugar da Praia do ..., e reconstituição da situação anterior à prática da infração, da parte do parque de estacionamento e da área de serviço para autocaravanas que se implantem fora do espaço para isso previsto no Plano da Praia do POOC (conforme carta anexa), bem como da remoção/ demolição de todos os acessos impermeáveis existentes ou, em alternativa, a apresentação de proposta de regularização, devidamente instruída por Estudo de Avaliação de Incidências Ambientais.
Extrai-se igualmente da referida notificação, em resposta à pronúncia da Autora, na parte em que esta alega que não consta do projeto de decisão a identificação dos equipamentos e demais construções e usos para demolição, que, não obstante o lapso incorrido, a Autora tem conhecimento de quais os equipamentos em causa, porquanto entregou, com data de 29.11.2013, planta de implantação, mapa de áreas, com todas as áreas existentes licenciadas, construções existentes a licenciar, pavimentos impermeáveis, equipamentos desportivos e lazer e outros, com as respetivas áreas. Mais se acrescenta que foram comunicadas à Autora as construções insuscetíveis de regularização, através do ofício n.º DD, de 7.07.2014.
Por sua vez, a notificação do projeto de decisão determina a intenção de ordenar a demolição das edificações ilegais construídas em espaço vinculado pela Reserva Ecológica Nacional no lugar da Praia do ..., e reconstituição da situação anterior à prática da infração, ou, em alternativa, a apresentação de proposta de regularização, devidamente instruída por Estudo de Avaliação de Incidências Ambientais.
Para tal determinação, fez-se constar do referido ofício que após nova deslocação ao local, em 27.01.2016, se confirma que parte dos equipamentos, demais construções e usos se mantêm na Praia do ..., em local vinculado pela REN, conforme carta da REN publicada para o município ..., Portaria n.º 247/2009, de 9.03, abrangido pela Plano de Ordenamento da Orla Costeira e pela Zona Especial ..., indicando as respetivas coordenadas, mais se referindo o antecedente processual da tentativa de regularização, no âmbito do qual foi levado ao conhecimento da Autora, através dos ofícios n.ºs DD e 1180/14, que o empreendimento, que integra 1.080m2 de área licenciada pela Câmara Municipal e de cerca de 14.500m2 sem qualquer ação de controle prévio, é desconforme com as servidões existentes, devendo as ação compatíveis com o regime jurídico da REN serem objeto de avaliação de incidências ambientais, nos termos do DL n.º 140/99, de 24.04.
Resulta, pois, do projeto de decisão que a ordem de demolição incide sobre as construções erigidas em área REN, por terem sido realizadas sem o necessário ato de controle prévio. Extrai-se igualmente que por poderem haver algumas construções compatíveis com o RJREN, as mesmas deverão ser objeto de uma avaliação de incidências ambientais.
Já no antecedente processual de tentativa de regularização consubstanciado no ofício de n.º DD, de 7.07.2014, constante do probatório, e expedido na sequência do pedido de licenciamento apresentado pela Autora, é informado que as ações elencadas na planta e memória descritiva apresentadas pela Autora corresponde ao que está, à data, no terreno e inserem-se em áreas incluídas em REN, nas tipologias “Áreas estratégicas de proteção e recarga de aquíferos” e “...”, estando sujeitas às disposições do Regime Jurídico da REN (RJREN), aprovado pelo DL n.º 166/2008, de 22.08, alterado pelo DL n.º 239/12, de 2.11.
De igual modo, em complemento ao referido ofício, através do ofício de 9.09.2014, foi confirmado à Autora da necessidade de o projeto a licenciar ser objeto de avaliação de incidências ambientais, assim como, que será no âmbito desse procedimento que a CCDRC decidirá sobre a possibilidade de afetação de áreas integradas na REN.
Constata-se assim que, com a prolação do ato impugnado, ficou na disponibilidade da Autora escolher uma de duas obrigações: demolir as construções não licenciadas, cuja identificação consta do pedido de licenciamento por si apresentado ou apresentar proposta de regularização devidamente instruída por estudo de avaliação de incidências ambientais, nos termos do disposto no DL n.º 140/99, de 24.04.
É certo que no antecedente processual referente ao ofício n.º DSTO 8.../14, de 7.07.2014, se informa que muito embora as alterações operadas ao RJREN pelo DL n.º 239/12, de 2.11, poderem acolher a necessária regularização de algumas obras, outras há que são interditas pelo REN por isso são insuscetíveis de regularização pelo procedimento de “comunicação prévia”, concretamente, 9 dos 15 bungalows pequenos, os 2 bungalows grandes e respetivos acessos, a parte do parque de estacionamento e da área de serviço para autocaravanas que se implantem fora do espaço para isso previsto no Plano da Praia POOC e todos os acessos impermeáveis existentes. Todavia, a ordem de demolição proferida não se circunscreve àqueles elementos construídos pela Autora, mas sim a todos aqueles que foram erigidos sem o necessário ato de controle prévio e que foram objeto de pedido de licenciamento apresentado pela Autora.
Ressalta, por conseguinte, que foram transmitidos à Autora os elementos de facto e de direito relevantes para a habilitar a pronunciar-se sobre o projeto de decisão, ou seja, que a ordem de demolição ou, em alternativa, a apresentação de proposta de regularização instruída por estudo de avaliação de incidências ambientais, se refere às construções por ela erigidas, sem licenciamento, em espaço vinculado pela REN.
Ademais, não só o procedimento em causa se iniciou por via de um pedido de licenciamento apresentado pela própria Autora, como nos referidos ofícios antecedentes consta a especificação de quais as ações que se encontram interditas pelo RJREN, por não serem suscetíveis de regularização através do procedimento de comunicação prévia.
Na verdade, não se vislumbra como não tem a Autora conhecimento de quais as construções ilegais erigidas em área REN sobre as quais incide a ordem de demolição impugnada quando a própria fez chegar ao procedimento administrativo mapa pormenorizado discriminando as construções não licenciadas.
É também certo que do projeto de decisão notificado à Autora para efeitos do exercício do direito de audiência prévia extrai-se, também, que na sequência de auto de notícia instaurado em 2014 e de nova deslocação ao local, efetuada e, 27.01.2016, se confirma que parte dos equipamentos, demais construções e usos, se mantêm na Praia do ..., em local vinculado pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e pela Zona Especial ... (ZPE).
Porém, para efeito de comunicação dos elementos relevantes, de facto e de direito, não se mostra necessária a notificação do auto de notícia – elemento fundamental de um outro procedimento administrativo, sancionatório, que não do presente, como acima assinalado – ou o não assentamento documental da deslocação ao local que confirmou que as construções se mantinham no local, quando é certo que o mesmo se limita a confirmar que as construções se mantêm.
Assim sendo, resta concluir que com a comunicação – ainda que por remissão – daqueles elementos de facto e de direito, foi possibilitado à Autora o exercício cabal do direito de participação previsto e regulado nos art.ºs 267º, n.º 5, da CRP, 12º, 121º e 122º, do CPA, tendo sido transmitidos à Autora os elementos de facto e de direito necessários à sua pronúncia.
Por outra banda, é consabido que o cumprimento do dever de fundamentação do ato administrativo previsto no art.º 268º, n.º 3, da Constituição e 152º, n.º 1, do CPA, exige, segundo o disposto no art.º 153º deste diploma, que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato” (n.º 1), sendo que “equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato” (n.º 2).
A fundamentação do ato administrativo é, assim, uma declaração que deve constar do ato, de acordo com o art.º 151º, n.º 1, al. d), do CPA, a par, entre outros, da enunciação dos factos que lhe deram, origem, quando relevantes [al. c)], assim como, o conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto [al. e)], na qual se justifica a sua prática e, quando seja caso disso, se expõe os motivos que determinaram a escolha do conteúdo, no caso de haver lugar à sua definição discricionária (Neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo – O Novo Regime do Código de Procedimento Administrativo, 3ª edição, 2016, pág. 299). Quando feita por remissão para anteriores pareceres, informações ou propostas, o dever de fundamentação exige que estes contenham a justificação e motivação da prática do ato referidas.
Pelo que, a fundamentação do ato deve conter as razões de facto e de direito que levaram à sua prática, assumindo duas funções primordiais. Por um lado, garantir que a administração decidiu em resultado de um processo lógico, coerente e de uma reflexão que se impõe imparcial dos factos e do direito a aplicar a cada caso, em cumprimento dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade. Por outro lado, na medida em que através da fundamentação permite-se que o destinatário do ato tome conhecimento dos fundamentos de facto e de direito que levaram a administração a decidir e num determinado sentido e não noutro, assegurando que o este possa optar entre aceitar a decisão administrativa e a reação contenciosa contra a mesma. Para tal, embora baste uma exposição sucinta, a mesma terá se ser clara, congruente e suficiente para esclarecer concretamente a justificação e motivação do ato.
Conforme é jurisprudência uniforme e constante, a fundamentação assume-se como um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal, em face de cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a adoção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro (cfr., a título de exemplo, Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 26.10.2012, processo n.º 02567/0.7BEPRT).
Em face dos termos em que se configura o dever de fundamentação dos atos administrativos, acima exposto, este deverá ter-se como devidamente fundamentado quando o respetivo destinatário dele possa apreender as razões de facto e de direito que o sustentam, assim como o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor, de molde a optar conscientemente entre a sua aceitação e a sua impugnação contenciosa.
Ora, em face das considerações acima expostas quanto ao exercício do direito de pronúncia, para as quais se remete, é de concluir que o ato impugnado se encontra devidamente fundamentado, de facto e de direito, habilitando a Autora a optar conscientemente pela sua aceitação ou pela sua impugnação contenciosa.
Em face do que vai dito, improcede, nesta parte, a pretensão da Autora.
Da preterição das diligências probatórias requeridas em sede de audiência prévia:
Alega a Autora que as diligências probatórias requeridas aquando do exercício do direito de audiência prévia não foram realizadas, sem que para tal tenha sido apresentada qualquer justificação, em violação do art.º 121º e 12º do CPA
Já o Demandado aduz que a CCDRC entendeu que era desnecessário realizar as diligências instrutórias requeridas.
Ora, a circunstância de terem sido requeridas diligências probatórias complementares pelos interessados no âmbito da pronúncia em sede de audiência prévia não impõe, obriga ou vincula, em termos gerais, o responsável pela direção do procedimento a levá-las necessariamente a cabo, sendo certo que a ele lhe cabe, enquanto órgão de direção da instrução (cf. art.º 115º e segs. do CPA), aferir da necessidade das diligências instrutórias requeridas pelos interessados, em face, naturalmente, das circunstâncias factuais relevantes e seu enquadramento à luz do quadro normativo convocado e aplicável. No entanto, caso conclua pela desnecessidade da realização das diligências probatórias requeridas, impõe-se-lhe que profira decisão sumária justificativa das respetivas razões.
Acontece, porém, que na decisão proferia o Demandado não se pronunciou sobre as diligências instrutórias requeridas pela Autora em sede de audiência prévia, ainda que para justificar as razões da sua desnecessidade.
Ora, essa não apreciação das diligências complementares requeridas pela Autora, atento o disposto no artigo 121º, n.º 2, do CPA, equivale à não efetivação do direito de audição, pelo que, por aqui, prima facie, afigura-se verificado o presente vício.»
Note-se que em relação à procedência do vício de violação da audiência prévia com fundamento no facto de o Apelado não ter justificado as razões da não realização das diligências instrutórias requeridas pela Autora no exercício do direito de audiência prévia, o Tribunal a quo decidiu e bem, que tendo o ato impugnado como «como pressupostos de facto a realização de operações urbanísticas por parte da Autora em terrenos integrados na REN, sem que para tal tenha obtido o necessário ato de controlo urbanístico, e que correspondem àquelas obras relativamente às quais a Autora apresentou, junto do Demandado, um pedido de licenciamento» que « não poderia ser outra a decisão, pelo que o Demandado não deve ser compelido a tomar atos ou a prosseguir com procedimentos inúteis, sendo de aplicar no caso em análise o princípio do aproveitamento dos atos administrativos e, em consequência, manter na ordem jurídica o ato impugnado tal como proferido».
Ora, tendo em consideração os factos provados e o quadro legal aplicável, a sentença recorrida não merece qualquer censura, tendo julgado corretamente os apontados vícios.
Resulta à saciedade dos factos provados na fundamentação de facto da sentença recorrida que a Apelante foi quem deu início ao processo de legalização das obras que são objeto da ordem de demolição impugnada nestes autos, pelo que logo por esse prisma se percebe que a mesma não ignora quais as concretas construções a demolir, como bem conhece as razões das quais decorre a emanação da ordem de demolição. Ademais, os factos provados evidenciam à saciedade que a mesma percebeu em toda a amplitude os fundamentos de facto e de direito que estribaram o ato impugnado, como resulta da defesa que apresentou quer em sede de procedimento administrativo, quer no âmbito do presente processo.
Por conseguinte, não tem qualquer consistência a alegação da Apelante quando pretende que o ato impugnado não lhe permite conhecer com a devida precisão quais as obras a demolir, ou que não foi observado o dever de audiência prévia.
Como bem refere a sentença recorrida « não se vislumbra como não tem a Autora conhecimento de quais as construções ilegais erigidas em área REN sobre as quais incide a ordem de demolição impugnada quando a própria fez chegar ao procedimento administrativo mapa pormenorizado discriminando as construções não licenciadas.»
Termos em que improcedem os invocados fundamentos de recurso, impondo-se confirmar in totum a sentença recorrida.
**
IV-DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
*
Custas pela Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*
Porto, 11 de novembro de 2022
(Helena Ribeiro)
(Nuno Coutinho)
(Ricardo de Oliveira e Sousa)

(1) Cfr. Ac.do STJ, de 10/12/2015, Proc.730/12