Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00369/10.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ORIGEM DA MERCADORIA, PRODUÇÃO EM DOIS PAÍSES, ARTIGO 24.º DO CÓDIGO ADUANEIRO COMUM, CONSELHO TÉCNICO ADUANEIRO, JUNÇÃO DE PARECERES COM O RECURSO
Sumário:I. Os pareceres são peças que as partes têm o direito de juntar ao processo e que contribuem ou podem contribuir para esclarecer o espírito do julgador.

II. Os pareceres têm apenas a autoridade que o seu autor lhes dá, não podendo ser considerados documentos, e, por isso, podem ser juntos aos autos, nos tribunais de primeira instância, em qualquer estado do processo e, nos tribunais superiores, até se iniciarem os vistos aos juízes (cfr. artigos 426.º e 651.º do Código de Processo Civil).

III. Em situações em que na produção de uma mercadoria intervieram dois ou mais países, há que recorrer à aplicação do artigo 24.° do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho, segundo o qual: “Uma mercadoria em cuja produção intervieram dois ou mais países é originária do país onde se realizou a última transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, economicamente justificada, efectuada numa empresa equipada para esse efeito e que resulta na obtenção de um produto novo ou represente uma fase importante do fabrico”.

IV. A deliberação do Conselho Técnico Aduaneiro aqui impugnada teve um quórum de oito elementos, que decidiram, por unanimidade, ser a origem das tampas de saneamento em apreço a República Popular da China, emprestando à decisão desta matéria complexa uma componente técnica especializada.

V. Quando a Administração actua no âmbito da discricionariedade técnica, em que goza de uma certa margem de livre apreciação, não está dispensada de fundamentar os actos, impondo-se que haja maior rigor nessa fundamentação, precisamente para permitir aferir, em face dessa liberdade, da legalidade do acto sob o ponto de vista substantivo; o que se mostrou cumprido in casu.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:C., SA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I. Relatório

C., S.A., contribuinte fiscal n.º (…), com sede na Rua (…), autora nos autos à margem indicados, em que é entidade demandada o Ministério das Finanças e da Administração Pública, não se conformando com o acórdão proferido, em 02/02/2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, nesta acção administrativa especial, que manteve na ordem jurídica a decisão n.º 17/2009, do Conselho Técnico Aduaneiro da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, na parte relativa à origem das mercadorias (tampas de saneamento), veio do mesmo interpor recurso jurisdicional.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida:

a. A sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, porque o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão decisiva para o mérito da ação (parecer do INEGI onde se analisa e enfatiza a relevância das operações de transformação e complemento de fabrico ocorridas na Coreia do Sul no âmbito do processo produtivo das tampas de saneamento objeto de discussão).
b. Tal parecer consta dos autos e o tribunal recorrido tinha a obrigação de dele tomar conhecimento, apreciando-o criticamente e considerando-o na decisão a proferir.
c. Não o tendo feito, a sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos do preceito referido supra.
d. A sentença recorrida padece do vício de falta de fundamentação na medida em que o tribunal a quo não deu a conhecer o itinerário cognoscitivo que o levou a decidir como decidiu.
e. O tribunal recorrido não observou o dever de fundamentação a que está adstrito por força do disposto nos arts. 123.º, n.º 2, do CPPT e 205.º, n.º 1, da CRP, sendo que um conjunto significativo dos factos dados como provados (factos 1 a 9) nada provam quanto à questão nuclear em apreço nos autos.
f. Por outro lado, em parte alguma da matéria de facto dada como provada consta qualquer elemento que permita ao tribunal recorrido afirmar e decidir que foi na China que ocorreram as fases mais relevantes do processo de fabrico das mercadorias em análise.
g. O tribunal recorrido não fundamenta a sua decisão e não faz qualquer apreciação crítica dos elementos de prova carreados para os autos, apenas se inclinando para a posição defendida pela aqui Recorrida sem explicar, todavia, o porquê de tal opção.
h. O tribunal recorrido não só não justificou a sua decisão, como também não declarou porque motivo deu mais credibilidade ao alegado pela Recorrida do que aos argumentos apresentados pela ora Recorrente.
i. Nesse sentido, a sentença recorrida deve ser anulada por vício de falta de fundamentação, em violação ao disposto nos arts. 123.º, n.º 2, do CPPT e 205.º, n.º 1, da CRP.
j. A questão central em discussão nos autos é a de saber qual a origem das mercadorias importadas: se a China, tal como afirma a Recorrida, ou a Coreia do Sul, como sustenta a Recorrente.
k. Para responder a tal questão, é necessário analisar-se o processo de fabrico daqueles artefactos, avaliando-se as operações de transformação ou complemento de fabrico ocorridas nos dois países referidos e aferindo-se, depois, a importância de cada uma delas para o produto final acabado (tampas de saneamento).
l. O Conselho Técnico Aduaneiro (aqui Recorrida), entende que é na China que tiveram lugar as fases mais relevantes do processo de fabrico de tais tampas (fundição), sustentando tal posição em informação que lhe foi facultada pela Divisão de Origens e Valor Aduaneiro da Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo,
m. E que resulta, pasme-se, do site da Wikipedia!!
n. Contudo, impõe-se dizer que na China apenas ocorrem as fases da moldagem em areia, esfriamento e solidificação (que mais não será do que a secagem do molde) e desmoldagem (retirada da peça da caixa de areia).
o. Em suma, são as fases de moldagem, fundição e vazamento aquelas que têm lugar na China.
p. As peças, à saída da China, apresentam uma geometria muito similar do produto final, mas estão muito longe de completarem o seu processo de fabrico, razão pela qual têm de ser sujeitas a operações adicionais de transformação e complemento de fabrico que as adeqúem à prossecução dos fins para os quais são concebidos.
q. É na Coreia do Sul que tais operações têm lugar, sendo nesse país que são introduzidas as necessárias alterações profundas ao produto que irão permitir que o mesmo respeite as normas europeias em matéria de segurança e funcionalidade (designadamente a NP EN 124).
r. Repita-se, à saída da China, as mercadorias não apresentam características técnicas suficientes tendo em vista esse desiderato, assumindo um formato tosco e rudimentar e totalmente desprovidas de qualquer valor comercial.
s. Com efeito, é na Coreia do Sul que têm lugar as operações substanciais de transformação e complemento de fabrico, tal como: a inspeção dos materiais com vista à aferição da respetiva capacidade de resistência; a granalhagem; a desbarbagem; a maquinação em torno das superfícies de contacto entre o aro e a tampa; a montagem anti-choque (inclusivamente com a incorporação de novas matérias-primas) e a pintura das peças para lhes conferir um tratamento anti-corrosivo.
t. A pedido das autoridades aduaneiras portuguesas, as autoridades sul coreanas informaram a referida Divisão de Origens e Valor Aduaneiro de que não restavam dúvidas quanto ao carácter originário sul coreano das tampas de saneamento em apreço.
u. E fizeram-no, nomeadamente, através do Certificado de Origem emitido pela Suwon Chamber of Commerce e do “Export Declaration Certificate”, tudo documentos já constantes dos autos.
v. Por outro lado, e para esclarecer em definitivo a questão, a Recorrente solicitou ao INEGI, prestigiada instituição com reputação mundial no estudo e análise de produtos de ferro ou aço, um parecer onde se analisasse, cuidadosamente, as fases do processo de fabrico destes artefactos.
w. A conclusão a que aquele instituto chegou foi a de que as operações de transformação e complemento de fabrico ocorridas na Coreia do Sul (e elencadas na al. s destas conclusões) são aquelas sem as quais as tampas de saneamento não estariam habilitadas a desempenhar as funções para as quais foram fabricadas e não estariam conformes com a regulamentação europeia que lhes é aplicável.
x. Nestes termos, não poderão proceder as alegações da aqui Recorrida (e que o tribunal recorrido acolheu sem reservas) segundo as quais as operações levadas a cabo na Coreia do Sul não passam de “meras manobras de embelezamento”.
y. Tanto mais que quanto às operações ocorridas na China, a Recorrida se baseia em informação retirada do site da Wikipedia!!
z. O tribunal recorrido erra de forma grosseira quando valida este tipo de entendimento e quando ignora os factos constante dos documentos carreados para os autos, em especial o Certificado de Origem e o “Export Declaration Certificate”, o qual, na sua casa 37, expressamente indica como país de origem a Coreia do Sul.
aa. Ora, nos termos do disposto no art. 365.º, n.º 1, do CC, os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.
bb. O mesmo é dizer, em apelo, aliás, ao art. 371.º, n.º 1, do CC, que o certificado de origem faz prova plena dos factos que aí são referidos.
cc. A Recorrente questiona, legitimamente: o que se revela mais credível? a informação genérica e avulsa constante do site da Wikipedia? Ou os factos constantes de um certificado de origem validamente emitido pelas autoridades competentes da Coreia do Sul?
dd. Tanto para mais, quando resulta do Anexo Específico K da Convenção de Kyoto Revista (da qual a União Europeia é parte integrante) que o controlo das provas de origem deve ser efetuado pelo país de exportação, já que foi este também que procedeu à emissão da prova documental de origem, o que o coloca numa situação privilegiada para aferir do cumprimento das regras de origem por parte do produtor das mercadorias.
ee. O tribunal recorrido erra manifestamente ao dar como provado o facto n.º 10 quando afirma que as autoridades aduaneiras sul coreanas não certificaram o carácter originário dos produtos.
ff. Bem lido tal documento, logo se constata (na casa 37 do mesmo), que a origem dos produtos é sul coreana (KR).
gg. A matéria em discussão é tratada ao nível do disposto no art. 24.º do CAC, onde são fixados os critérios legais para a determinação do carácter originário das mercadorias.
hh. Não restam dúvidas de que todos os critérios previstos na citada norma se encontram cumulativamente preenchidos.
ii. Desde logo, e conforme se demonstrou, é na Coreia do Sul que têm lugar as operações produtivas suscetíveis de configurar operações de transformação e complemento de fabrico substanciais.
jj. A jurisprudência do TJUE tem ajudado na tarefa de densificação deste requisito, dizendo que uma operação de transformação ou complemento será substancial se o produto resultante apresentar propriedades e uma composição específica próprias, que não possuía antes dessa transformação ou operação de complemento de fabrico.
kk. Este é, evidentemente, o caso dos autos: os produtos, expedidos da China com destino à Coreia, apresentam-se num estado bruto, rudimentar e tosco, sendo depois submetidos nesse último país a operações de transformação e complemento de fabrico que lhe conferem as propriedades e a composição específica próprias que não certamente não possuía até então.
ll. Assim, e em função da substancialidade daquelas operações ocorridas na Coreia do Sul, não se poderá duvidar do que se acaba de referir.
mm. E, se dúvidas restassem quanto a isto, o INEGI, no seu parecer, tratou de as dissipar, pois que enfatizou, e bem, a relevância das operações ocorridas na Coreia do Sul (em especial a granalhagem, a rebarbagem, a sujeição a controle dimensionais e resistência mecânica e a pintura à base de resinas de poliuretano).
nn. Do mesmo modo, no caso em apreço, é possível descortinar, em termos claros e inequívocos, a existência de uma “distinção real e objetiva”, nos termos referidos pelo TJUE,
oo. Bem como do aumento sensível do valor comercial à saída da fábrica.
pp. Com efeito, o contributo produtivo ocorrido na Coreia do Sul representa, no preço final à saída da fábrica, um valor acrescentado situado entre os 30% e os 40% (facto confirmado pelo fornecedor das mercadorias, posteriormente reconhecido pelas autoridades aduaneiras e dado como provado pelo tribunal recorrido.
qq. Por outro lado, erra também o tribunal recorrido quando julga não verificado o requisito da operação economicamente justificada, tese essa também alegada pela aqui Recorrida.
rr. Muito se estranha este tipo de entendimento quando é o Manual das Regras de Origem da Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo que afirma que “na prática, todos os processos de fabrico são economicamente justificados”.
ss. Adicionalmente, a referência inaceitável, por parte da Recorrida e do Tribunal “a quo” quanto ao alegado intuito da Recorrente em iludir as autoridades aduaneiras tendo em vista o não pagamento dos direitos anti-dumping.
tt. Tal presunção sempre decairia pelo facto de estar preenchido o pressuposto da operação economicamente justificada, mas também nunca faria sentido aquela imputação por força das informações obtidas junto das autoridades sul coreanas a respeito da atividade levada a cabo pelo fornecedor da aqui Recorrente.
uu. Mas, mais grave do que isso, é o facto de a Recorrida não provar as infundadas afirmações a este respeito e o facto de o tribunal recorrido ignorar em toda a linha a justificação técnica e económica das operações ocorridas na Coreia do Sul (largamente explicitadas no parecer do INEGI junto aos autos).
vv. Por fim, também não se ousará duvidar de que o requisito “resulte na obtenção de um produto novo ou represente uma fase importante do fabrico” está devidamente preenchido.
ww. Com efeito, e sem prejuízo do reconhecimento de que das etapas produtivas ocorridas na Coreia do Sul não resulta um produto novo, tais as operações de transformação e complemento de fabrico incorporam, em termos técnicos, as fases mais relevantes do processo de fabrico das tampas de saneamento aqui em discussão, sendo essas, e só essas, as que lhes conferem as indispensáveis propriedades qualitativas específicas aos fins em vista.
VII. Do pedido
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência:
- Declare a nulidade da sentença recorrida por vício de omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC);
- Anule a sentença recorrida por vício de falta de fundamentação, em violação ao disposto no art. 123.º, n.º 2, do CPPT e 205.º, n.º 1, da CRP;
- Anule o ato praticado pelo Conselho Técnico Aduaneiro da Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, proferido no âmbito da decisão n.º 17/2009, processo técnico de contestação n.º 5/2009;
- Determine a origem sul coreana das tampas de saneamento em discussão.
TUDO COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGALMENTE PREVISTAS ASSIM SE FAZENDO A DEVIDA JUSTIÇA!”
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O Recorrido, Ministério das Finanças e da Administração Pública, contra-alegou, sem que tenha apresentado conclusões, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção do acórdão recorrido, que manteve o acto praticado pelo Conselho Técnico Aduaneiro da Direcção - Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, proferido no âmbito da Decisão n.º 17/2009, Processo Técnico de Contestação n.º 5/2009 e, em consequência, negando a atribuição da origem Sul Coreana às tampas de saneamento objecto de apreciação.
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O Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), tendo-se abstido de qualquer pronúncia.
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Com dispensa dos vistos legais, segundo o disposto no artigo 92.º, n.º 1 do CPTA, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC); submete-se o processo à Conferência para julgamento.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se o acórdão recorrido enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, se incorre em falta de fundamentação, e se padece de erro de julgamento de facto e de direito, violando o artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, ao manter na ordem jurídica o acto praticado pelo Conselho Técnico Aduaneiro da Direcção - Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, pela Decisão n.º 17/2009, proferido no âmbito do Processo Técnico de Contestação n.º 5/2009 e, em consequência, negando a atribuição da origem Sul Coreana às tampas de saneamento aqui objecto de apreciação.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
No acórdão prolatado em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
1) À ora Autora foi determinada uma Acção de Natureza Inspectiva por despacho do Exmo. Senhor Chefe de Divisão Operacional Norte da Direcção de Serviços Antifraude, a qual visou o controlo das importações por si processadas nos anos de 2005, 2006 e 2007 (facto não controvertido).
2) De entre as conclusões retiradas da referida Acção Inspectiva releva a que aponta para a errada atribuição da origem República da Coreia às tampas de saneamento objeto de importação por parte da Autora (facto não controvertido).
3) As quais deram origem à elaboração do respetivo Relatório Final, o qual foi objeto de notificação à Autora no dia 23 de Novembro de 2007 (facto não controvertido).
4) A Autora tinha anteriormente manifestado, em sede de audiência prévia, a sua discordância no que respeita à indicação da origem República Popular da China para as tampas de saneamento (facto não controvertido).
5) O que originou a instauração de um Processo Técnico de Contestação n.º 05/2009 junto do Conselho Técnico Aduaneiro, órgão da Direcçâo Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (facto não controvertido).
6) Ao qual, nos termos do Decreto-Lei n.º 281/91 de 9 de Agosto, é atribuída a competência exclusiva com vista à tomada de decisões em matéria de processos de contestação sobre classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias.
7) O Conselho Técnico Aduaneiro pronunciou-se pela atribuição da origem R. P. China às referidas tampas de saneamento, conforme Decisão n.º 17/2009 - cfr. doc. de fls. 577 a 581 do processo de contestação apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
8) A equipa inspetiva defende que a mercadoria em litígio deve ser originária da China, com os seguintes fundamentos:
a) Que a mercadoria é fornecida pela empresa coreana NS System CO Ltd e que de acordo com o pedido de controlo, esta empresa declara que a mercadoria é adquirida na China, sendo apenas polida/desbarbada e pintada ou pulverizada na Coreia do Sul;
b) Que na China o ferro é derretido e colocado no molde, adquirindo a sua forma final, passando pelas fases de fabricação do modelo, compactação da areia em redor do modelo, fabricação do macho, colocação do macho, drenos, esfriamento e solidificação, desmoldagem, desbarbamento e acabamento e limpeza;
c) Que das operações realizadas na Coreia do Sul, não resulta um produto novo;
d) Que as fases mais importantes do processo de fabrico ocorrem na China - cfr. doc. de fls.579 do processo de contestação apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
9) Considerou o Conselho Técnico Aduaneiro que:
«Considerando que têm lugar na República Popular da China as operações de criação dos moldes, de produção do metal, moldagem e desmoldagem, desbarbamento, esfriamento e solidificação;
Considerando que, na Coreia do Sul têm lugar as operações de polimento (grinding) pintura e tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem (spraying);
Considerando que, não existe justificação económica para a realização daquelas operações na Coreia do Sul;
Considerando que as operações de polimento (grinding), pintura e/ou tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem (spraying), não transformam materialmente as grelhas num produto novo;
Considerando que as operações em apreço, não modificam as propriedades e a composição material específica própria dos artefactos, limitando-se, quando muito a melhorar a sua aparência e qualidade;
Considerando que não existe no caso em análise, uma alteração qualitativa das propriedades físicas das mercadorias provenientes da China.
Delibera quanto à questão controvertida da classificação pautal, em obediência ao disposto no artigo 21.º do Decreto-lei n.º281/91, de 9 de Agosto, que a mesma se classifique pelo código da NC 7325 99 10 00, de acordo com as Regras Gerais 1, e 6 para a interpretação da Nomenclatura Combinada e os dizeres dos códigos da NC 7325, 7325 99 e 7325 IO. Quanto à questão controvertida da origem: os artefactos em questão sejam originários da República Popular da China, em virtude de não se verificarem os requisitos constantes do artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) N.º 2913/92 do Conselho.» - cfr. doc. de fls. 579 e 580 do processo de contestação apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
10) Em um “Export Declaration Certificate” as autoridades aduaneiras sul coreanas não certificaram o caráter originário dos produtos - cfr. doc. de fls. 44 a 45 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
11) A pedido das autoridades aduaneiras portuguesas, a Suwon Chamber of Commerce and Industry, confirmou a emissão de dois certificados de origem, não questionando a origem Coreia do Sul atribuída aos produtos em causa - cfr. doc. de fls.46 a 47 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
12) Na sequência do pedido efetuado pelas autoridades nacionais da confirmação das operações que ocorrem na Coreia do Sul referentes aos artefactos em causa, pelas suas autoridades foi informado que aí têm lugar as operações de polimento (grinding), pintura e um tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem (documento emitido pela Câmara de Comércio e indústria de Suwon (CCIS) - cfr. doc. de fls. 86 do processo de contestação apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
13) A intervenção sul coreana em termos de valor acrescentado atingiu uma percentagem, que varia entre os 30% e os 40% do preço final à saída da fábrica - cfr. declaração do fabricante sul coreano - cfr. doc. de fls.49 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
14) Percentagem que foi reconhecida pelas autoridades aduaneiras portuguesas - cfr. doc. de fls. 50 a 54 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
Não existem outros factos com relevância para a apreciação das questões em apreço.
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Motivação
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cfr. artigos 74.° e 76.°, n.º1 da LGT e artigos 362.° e seguintes do Código Civil).”
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Impugnação da decisão da matéria de facto

Sustenta a Recorrente que o tribunal recorrido erra manifestamente ao dar como provado o facto n.º 10 quando afirma que as autoridades aduaneiras sul coreanas não certificaram o carácter originário dos produtos.
Vejamos o seu teor:
“10) Em um “Export Declaration Certificate” as autoridades aduaneiras sul coreanas não certificaram o caráter originário dos produtos - cfr. doc. de fls. 44 a 45 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.”
Na conclusão ff. das alegações do recurso, a Recorrente alerta que, bem lido tal documento, logo se constata (na casa 37 do mesmo), que a origem dos produtos é sul coreana (KR).
De facto, o campo 37 – “country of origin” do documento denominado “Export Declaration Certificate” está preenchido com a seguinte sigla: “KR”, pelo que tal factualidade não pode manter-se na decisão da matéria de facto.
Nesta conformidade, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, acordamos eliminar do probatório o ponto 10.
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2. O Direito

Sustenta a Recorrente que a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC), porque o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão decisiva para o mérito da acção (parecer do INEGI onde se analisa e enfatiza a relevância das operações de transformação e complemento de fabrico ocorridas na Coreia do Sul no âmbito do processo produtivo das tampas de saneamento objecto de discussão). Insiste que tal parecer consta dos autos e o tribunal recorrido tinha a obrigação de dele tomar conhecimento, apreciando-o criticamente e considerando-o na decisão a proferir. Conclui afirmando que não o tendo feito, a sentença é nula por omissão de pronúncia.
Uma sentença tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Na sua petição inicial, a Recorrente indicou, essencialmente, uma questão para impugnar o acto praticado pelo Conselho Técnico Aduaneiro da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, na parte relativa à origem das mercadorias (tampas de saneamento), que se prende com o vício de violação de lei, no que tange às regras e aos requisitos preceituados no artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário (CAC).
Entendemos que a sentença identificou e apreciou a questão concretamente suscitada pela Recorrente, resultando que a questão controvertida consiste em saber se as operações de acabamento do fabrico que tiveram lugar na Coreia do Sul são ou não susceptíveis de conferir carácter originário aos produtos que foram importados e cujo processo de produção se iniciou na República Popular da China.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
In casu, verifica-se que o tribunal terá, alegadamente, desconsiderado elementos constantes dos autos (um parecer técnico), não tendo realizado a sua apreciação crítica.
Ora, o invocado poderá constituir erro de julgamento na valoração dos elementos carreados, na apreciação da matéria de facto e na consequente subsunção da mesma ao direito, mas já não omissão de pronúncia por não se tratar de “questão” para efeitos do artigo 608.º, n.º 2 do CPC e do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.
Com efeito, nos termos do direito supra exposto, a obrigação que impende sobre o juiz, sob pena de nulidade da sentença, é a de pronúncia sobre todas as questões colocadas pelas partes, nas quais não se inclui a valoração de pareceres e da matéria de facto que deva ser considerada na decisão da causa.
Acresce que tal parecer do INEGI, onde se analisa a relevância das operações de transformação e complemento de fabrico ocorridas na Coreia do Sul no âmbito do processo produtivo das tampas de saneamento objecto de discussão, somente foi carreado para os autos com as contra-alegações de um primeiro recurso interposto pela entidade demandada, cuja decisão deste TCA Norte sobre o mesmo determinou a eliminação da ordem jurídica desse primeiro acórdão prolatado em primeira instância, por inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, pela falta de referência e da análise crítica dos meios de prova, que impediu que este tribunal de recurso sindicasse o erro de julgamento invocado pela entidade demandada (recorrente nesse primeiro recurso).
Tal implicou que o TCA Norte não tivesse chegado a pronunciar-se sobre tal parecer técnico junto com as contra-alegações, designadamente, sobre a sua admissibilidade nessa fase processual de recurso, pelo que é nossa convicção que o tribunal recorrido, ao proferir nova decisão, onde se suprisse o vício apontado no referido acórdão, não tivesse que considerar esse elemento apresentado nos autos em sede recursiva.

A Recorrente insurge-se, ainda, contra a sentença recorrida por, segundo alega, padecer do vício de falta de fundamentação, na medida em que o tribunal a quo não deu a conhecer o itinerário cognoscitivo que o levou a decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT e 205.º, n.º 1, da CRP, pois que um conjunto significativo dos factos dados como provados (factos 1 a 9) nada provam quanto à questão nuclear em apreço nos autos. Por outro lado, em parte alguma da matéria de facto dada como provada consta qualquer elemento que permita ao tribunal recorrido afirmar e decidir que foi na China que ocorreram as fases mais relevantes do processo de fabrico das mercadorias em análise. Acentua que o tribunal recorrido não fundamenta a sua decisão e não faz qualquer apreciação crítica dos elementos de prova carreados para os autos, apenas se inclinando para a posição defendida pela aqui Recorrida sem explicar, todavia, o porquê de tal opção e por que motivo terá desconsiderado os argumentos apresentados pela ora Recorrente.
A Recorrente não assaca nulidade à sentença recorrida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, tanto mais, que para que padeça de tal vício é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
Examinando a decisão recorrida e o exarado quanto à fundamentação da matéria de facto e de direito do acórdão do Tribunal “a quo”, verificamos que nem sempre se expressaram as verdadeiras razões que conduziram à decisão, sendo certo que a motivação da decisão da matéria de facto não pode nem deve ser meramente formal, tabelar ou formatada, sendo plausível que o reexame recursivo possa encontrar algumas justificações menos completas, deficientes ou não convincentes (claramente, a Recorrente não se mostra convencida com os fundamentos da sentença). Porém, as deficiências invocadas não parecem ser de tal modo graves que impossibilitem a sua sindicância, como ocorreu na primeira decisão proferida nos presentes autos, onde a inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a falta de referência e da análise crítica dos meios de prova, fez com que o tribunal de recurso tivesse ficado impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela aí recorrente.
Invoca-se, neste recurso, que um conjunto significativo dos factos dados como provados (factos 1 a 9) nada provam quanto à questão nuclear em apreço nos autos. Por outro lado, em parte alguma da matéria de facto dada como provada consta qualquer elemento que permita ao tribunal recorrido afirmar e decidir que foi na China que ocorreram as fases mais relevantes do processo de fabrico das mercadorias em análise.
A factualidade vertida nos pontos 1 a 9 destina-se a dar a conhecer as circunstâncias em que foi praticado o acto impugnado, quem o praticou e qual a fundamentação subjacente ao mesmo, isto é, dar conta da acção inspectiva, da discordância no que respeita à indicação da origem das tampas de saneamento na República Popular da China (pontos 1 a 4 e 8), o que originou a instauração do Processo Técnico de Contestação n.º 05/2009 junto do Conselho Técnico Aduaneiro (pontos 5 e 6), sendo o acto praticado e a sua motivação que se mostram colocados em crise nos presentes autos (pontos 7 a 9 do probatório).
Abordando, agora, a invocada violação do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT, cumpre observar que o actual regime do CPC, relativo à elaboração da sentença, aproximou-se do regime que já vigorava no CPPT, consagrado no n.º 2 do artigo 123.º deste diploma; norma que, contudo, vai aparentemente mais longe que o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, já que impõe que o juiz discrimine “a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.
A exigida discriminação dos factos provados e não provados é absolutamente essencial na sentença, pois que não existe outra peça processual que concretize tal julgamento da matéria de facto.
É, pois, a necessidade absoluta de julgamento da matéria de facto efectuada, no contencioso tributário, na própria sentença, que leva directamente à exigência da referida discriminação entre "a matéria provada da não provada" – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», II volume, Áreas Editora, 2011, página 320, citando a declaração de voto do Senhor Conselheiro Dr. Brandão de Pinho proferida no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 07/05/2003, no processo n.º 0869/02.
É precisamente por ter sido eliminado o julgamento da matéria de facto, previsto no anterior artigo 653.º do CPC, que no regime actual do CPC se acolheu uma solução idêntica à prevista no CPPT.
Actualmente é, portanto, incontroverso que, na elaboração da sentença, quer em processo civil quer em processo tributário, o juiz deve declarar quais os factos que julga não provados.
Perfilhamos, no entanto, o entendimento de que o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, não exige uma descrição textual e exaustiva de cada facto não provado, bastando-se com uma simples remissão que permita identificar com exactidão o facto ou os factos a que respeita, por exemplo para os artigos das peças processuais, que possibilite às partes ou a qualquer destinatário da sentença apreender com facilidade os factos que o julgador considerou não provados, visto que a falta da sua descrição textual pode facilmente ser suprida pela sua leitura/visualização na peça ou documento processual para onde a remissão é feita.
Obedecendo aos cânones impostos pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil a norma é passível de interpretação no sentido de que o legislador do CPPT quis autonomizar a matéria provada da não provada, não impondo que esta seja obrigatoriamente descrita, ao prescrever que “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada” (negrito nosso). Se outra fosse a sua intenção, isto é, se o fim visado com a norma fosse a discriminação da matéria provada e não provada, então por certo que a redacção que teria sido utilizada seria esta: “o juiz discriminará também a matéria provada e a não provada”. A discriminação é, pois, entre uma e outra e não uma discriminação das duas.
Isto é, o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, deve ser interpretado no sentido de que a referência à matéria de facto não provada se basta com a declaração dos correspondentes factos, de modo semelhante à solução acolhida pelo actual Código de Processo Civil – neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/01/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07160/13.
Ora, é incontroverso que o tribunal recorrido não deu cumprimento a este comando legal, visto que nem sequer fez alusão, na douta sentença, a matéria de facto não provada.
Na sentença recorrida foi especificada matéria de facto, tendo a respectiva decisão assentado no acordo das partes, onde o mesmo foi possível, bem como na prova documental junta aos autos.
A questão que se poderá colocar é se a decisão recorrida da matéria de facto inclui já toda a factualidade relevante para a decisão da causa, considerando todas as soluções plausíveis de direito, tendo implícito inexistirem factos não provados. Assim parece que quis decidir o tribunal recorrido, dado que, de forma lapidar, afirma “não existem outros factos com relevância para a apreciação das questões em apreço”.
Ora, aqui entronca a restante alegação da Recorrente, pois não alude a qualquer matéria que devesse, no contexto dos factos invocados nos autos, constar da factualidade não provada, limitando-se a alegar que, em parte alguma da matéria de facto dada como provada, consta qualquer elemento que permita ao tribunal recorrido afirmar e decidir que foi na China que ocorreram as fases mais relevantes do processo de fabrico das mercadorias em análise. É imperioso esclarecer que definir quais as fases mais revelantes do processo produtivo se prende com matéria conclusiva assente em juízos técnicos especializados, que, por esses motivos, não poderiam integrar a decisão da matéria de facto.
Convém lembrar que as matérias da classificação pautal, do valor e da origem das mercadorias apresentam uma elevada complexidade, em princípio só acedível por especialistas, e que foi por este motivo que foi criado no âmbito da ex-DGAIEC o Conselho Técnico Aduaneiro, em 1991, ao qual eram necessariamente submetidos os casos em que os importadores não concordavam com a AT naqueles três domínios, surgindo, assim, o meio processual administrativo designado por “processo técnico de contestação”. O Conselho Técnico Aduaneiro, embora composto maioritariamente por elementos pertencentes à Administração Pública e que tinha como relatores obrigatórios os vogais permanentes indicados pela ex-DGAIEC, tinha uma composição diversificada, dele fazendo parte, também, especialistas provenientes de instituições privadas – cfr. “A Arbitragem nos Direitos Aduaneiros e nos Impostos Especiais sobre o Consumo: um ponto final ou um ponto de passagem” – Manuel Teixeira Fernandes in Temas de Direito Aduaneiro, Coordenação de Tânia Carvalhais Pereira, Edição Almedina, 2014, Colecção Católica Tax, páginas 298, 299 e 300.
Como podemos observar do documento ínsito nos autos, a deliberação aqui impugnada teve um quórum de oito elementos, que decidiram, por unanimidade, ser a origem das tampas de saneamento a República Popular da China, e que emprestaram à decisão desta matéria complexa uma componente técnica especializada.
Queremos com esta abordagem significar que não deverá ser o tribunal a definir, em definitivo, quais as fases mais relevantes do processo de fabrico das tampas de saneamento, dado estarmo-nos a mover no âmbito da chamada discricionariedade técnica.
Quando a Administração actua no âmbito da discricionariedade técnica, em que goza de uma certa margem de livre apreciação, não está dispensada de fundamentar os actos, impondo-se que haja maior rigor nessa fundamentação, precisamente para permitir aferir, em face dessa liberdade, da legalidade do acto sob o ponto de vista substantivo.
Nesta conformidade, como veremos, por se impor que na situação concreta haja maior rigor, iremos socorrer-nos da fundamentação da decisão impugnada, sendo essa a nossa base de análise.
Resumindo, a indicação de quais serão as fases mais importantes, preponderantes, mais relevantes no processo produtivo de tampas de saneamento não poderá ser levada ao probatório, por encerrar um juízo de valor técnico especializado, não devendo ser o tribunal a optar por uma determinada fase, em detrimento de outro momento do fabrico.
Nestes termos, e independentemente da questão de saber se a fundamentação ínsita no acórdão é ou não convincente, se está certa ou errada ou, ainda, se está incompleta por não ter considerado toda a prova e todos os elementos ínsitos nos autos (questão que se situa no domínio da validade substancial da sentença, e não da sua validade formal), resulta claro ser possível sindicar o acórdão recorrido, pelo que o faremos de seguida.
Concluindo, improcedem as conclusões do recurso exclusivas sobre as alegadas omissão de pronúncia e falta de fundamentação da decisão recorrida.
Todavia, não estando este tribunal limitado pelo enquadramento jurídico efectuado pela Recorrente, como já resulta do exposto, haverá que apreciar se estaremos perante erro de julgamento.
Nesta conformidade, antes de mais, haverá que tomar posição acerca da admissibilidade de junção do denominado parecer nesta sede recursiva.
O referido escrito apenas incorpora uma opinião técnico-científica sobre factos eventualmente relevantes para o processo, dado que toma posição sobre a importância de cada fase do processo produtivo das tampas de saneamento em causa nos autos. Tal autodenominado parecer foi elaborado pelo Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial (INEGI) e subscrito por dois especialistas [Professor Associado da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto – Coordenador da Unidade de Investigação de Novas Tecnologias e Processos Avançados de Produção e Professor Convidado da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto – Director da Unidade de Fundição e Novas Tecnologias do INEGI], que não são intervenientes nos autos, sobre o “Processo de Fabrico de Dispositivos de Entrada de Sumidouros e Dispositivos de Fecho de Câmaras de Visita”.
Como é sabido, os pareceres são peças que as partes têm o direito de juntar ao processo e que contribuem ou podem contribuir para esclarecer o espírito do julgador.
No tocante aos pareceres técnicos, é certo que os mesmos dizem respeito, normalmente, a questões de facto, e têm por escopo elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica cuja interpretação demanda conhecimentos especiais, não sendo por isso que deixam de ser admissíveis.
Ainda a este respeito, ensina Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Vol. IV, p.20, que “os pareceres de jurisconsultos, professores e técnicos podem fornecer elementos preciosos de informação. Um parecer bem deduzido e escrupulosamente fundamentado, que aprecie conscienciosamente a questão sobre todos os seus aspectos pode contribuir em larga medida para a justa solução do pleito, porque pode chamar a atenção do julgador para considerações, fundamentos e razões de decidir que lhe passariam despercebidos”.
Isto dito, impera concluir que a peça, no primeiro recurso junta com as contra-alegações e neste recurso anexa às alegações, é um parecer de índole técnico-científica, e, como tal, representa apenas uma opinião técnica sobre a solução a dar a determinado problema.
Assim, se as opiniões dos técnicos forem expressas em diligência judicial valem como meio de prova, se forem expressas por via extra judicial valem como pareceres, tendo somente a autoridade que o seu autor lhes dá.
Daí que não devam ser considerados documentos, e sendo assim, podem os pareceres de técnicos ser juntos aos autos, nos tribunais de primeira instância em qualquer estado do processo e nos tribunais superiores até se iniciarem os vistos aos juízes.
Os pareceres não têm nem carecem de ter força probatória plena para que a sua junção ao processo seja admitida. Também não podem ser rejeitados com o fundamento de que são desnecessários ou impertinentes, como acontece com os documentos.
Os documentos servem, como se sabe, de meio de prova. Os pareceres servem apenas para ajudar o julgador a encontrar uma solução justa para o caso que tem para decidir – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 24/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 626/14.5BEPRT-A.
No artigo 426.º do CPC ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) consagra-se de forma expressa e inequívoca que “os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos, nos tribunais de 1.ª instância, em qualquer estado do processo”.
No artigo 651.º, n.º 2 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, refere-se que “as partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão.”
Assim, não prevendo o CPTA um regime específico quanto à junção de pareceres que derrogue o regime legal inserto nas referidas normas do CPC, designadamente, a respeitante aos tribunais superiores, aplica-se aos processos judiciais administrativos e fiscais, pelo que nada obsta à admissão nos autos deste parecer do INEGI.
Subsequentemente, veremos em que medida o mesmo auxiliará este tribunal na apreciação do presente recurso.

Como já estará claro, foi impugnado um acto que alterou a origem declarada das mercadorias em causa – tampas de saneamento – com o qual a Recorrente não se conforma. Sendo certo que está assente que, no caso destas mercadorias, o processo de fabrico teve o seu início na R. P. da China e terminou na Coreia do Sul, cumpre apreciar se o acto impugnado bem interpretou os requisitos legais referidos no artigo 24.° do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), ao negar que tais mercadorias sejam originárias da Coreia do Sul e decidir que as mesmas têm a sua origem na República Popular da China.
Importa salientar que, em situações em que na produção de uma mercadoria intervieram dois ou mais países, há que recorrer à aplicação do artigo 24.° do CAC, aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho, norma cuja aplicação não vem questionada pelas partes, segundo o qual: “Uma mercadoria em cuja produção intervieram dois ou mais países é originária do país onde se realizou a última transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, economicamente justificada, efectuada numa empresa equipada para esse efeito e que resulta na obtenção de um produto novo ou represente uma fase importante do fabrico.”
Como fomos adiantando supra, esta norma evidencia vários conceitos indeterminados, que pressupõem juízos de valor técnicos especializados, impondo-se começar por compreender os fundamentos vertidos no acórdão recorrido para manter o acto impugnado na ordem jurídica, na medida em que a Recorrente, não só não ficou convencida, como não alcançou as razões para o tribunal recorrido ter aderido à tese da Recorrida, sem que se mostre explicado por que motivo não considerou os documentos e as opiniões que carreou para os autos.
Vejamos, parcialmente, o teor do acórdão recorrido:
“(…) A questão em apreço refere-se ao âmbito das regras da chamada origem não preferencial, dado que entre a União Europeia e a Coreia do Sul não existe um acordo comercial susceptível de conferir tratamento preferencial nas relações comerciais entre aqueles dois territórios.
Ou seja, a determinação do caráter originário, no caso vertente, reconduz-se aos requisitos preceituados no artigo 24.° do CAC.
Concorda este Tribunal com a Autora quando afirma que o requisito “efectuada numa empresa equipada para esse efeito’’ se encontra cumprido, conforme resulta da matéria de facto considerada provada por este Tribunal.
Importando, assim, aferir se as condições, “economicamente justificada”, “a última transformação ou complemento de fabrico substancial” e “que resulte na obtenção de um produto novo ou represente uma fase importante do fabrico” foram observadas. (…)
O mesmo é dizer, que, importa saber se as transformações operadas na Coreia do Sul têm a virtualidade de conferir origem à mercadoria em causa.
Entende a DGAIEC que, contrariamente à posição defendida pela Autora, as transformações operadas na Coreia do Sul não têm a virtualidade de conferir origem à mercadoria em causa.
Isto porque, para conferirem origem às mercadorias em causa as operações realizadas na Coreia do Sul teriam de reunir, nos termos da referida norma jurídica, os seguintes requisitos cumulativos:
a) Serem operações de complemento de fabrico substancial;
b) Serem economicamente justificadas;
c) Serem efectuadas numa empresa equipada para esse efeito e, finalmente;
d) Resultar das operações em causa a obtenção de um produto novo ou representar uma fase importante do fabrico (a alternativa respeita exclusivamente a este quarto requisito).

Vejamos.
No caso em apreço, a operação de criação dos moldes, de produção do metal, de moldagem, de desmoldagem, de desbarbamento, esfriamento e solidificação ocorrem na República Popular da China, conforme resulta dos factos considerados provados por este Tribunal.
Sendo que, de acordo com a prova efetuada perante este Tribunal, na Coreia do Sul, tiveram lugar as operações de polimento (grinding), pintura e um tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem (conforme doc. emitido pela Câmara de Comércio e Indústria de Suwon (CCIS), a fls.86 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Foram estas as operações confirmadas pelas autoridades da Coreia do Sul [cf. doc. de fls.86 do processo de contestação apenso], na sequência do pedido das autoridades aduaneiras nacionais, da confirmação das operações que ocorriam na Coreia do Sul.
Pelo que, são apenas estas as operações de transformação que as tampas de saneamento fabricadas na China, com matérias-primas da China, sofreram na Coreia do Sul.
São as únicas operações de transformação que, de acordo com a prova produzida nos autos, se comprova terem sido efetivamente realizadas na Coreia do Sul, que se encontram confirmadas pela Câmara de Comércio e Indústria de Suwon (CCIS) e que constam do documento emitido pela referida Câmara.
Deste modo, foram estas as operações que foram tidas em consideração para efeitos de determinação da origem das mercadorias pelo Conselho Técnico Aduaneiro e que deram lugar à Decisão n.º17/2009 daquele órgão.
O que se verifica é que as peças em causa, fabricadas na China e já com todas as características para cumprir a sua função no sistema de esgotos, são importadas por uma empresa sita na Coreia do Sul para serem sujeitas a acabamentos e posterior exportação para a União Europeia.
Entende a DGAIEC não serem válidos os argumentos da Autora de acordo com os quais as operações que se efetuam na Coreia do Sul se revelarem determinantes na aquisição das caraterísticas necessárias à prossecução dos fins para as quais as peças são concebidas.
Importante é determinar se as transformações operadas na Coreia do Sul têm a virtualidade de conferir origem à mercadoria.
A propósito do conceito de transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, tem vindo a pronunciar-se o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJEU) em vários processos.
Nomeadamente, o Acórdão de 26/01/1977, proferido no âmbito do processo n.º49/76 - considerou uma fase importante de fabrico quando se produz uma alteração qualitativa relevante nas propriedades do produto ou artefacto.
Acórdão de 23/02/1984, proferido no âmbito do processo n.º 93/83, no qual se declarou que num caso em que uma operação aumentou em 22% o valor comercial da mercadoria, essa circunstância não é, em si mesma, de natureza a que essas operações sejam tidas como constituindo a fabricação de um produto novo ou mesmo um estádio de fabricação importante.
Acórdão de 13/12/1989, proferido no âmbito do processo n.º26/88 – “Uma operação de montagem é susceptível de ser tida como constitutiva da origem quando represente, considerada sob um ponto de vista técnico e para efeitos de definição da mercadoria em causa, o estádio de produção determinante no decurso do qual se concretiza o destino dos componentes utilizados e no decurso do qual se concretiza o destino dos componentes utilizados e no decurso do qual são conferidas à mercadoria em causa as suas propriedades qualitativas específicas (ver acórdão de 31 de Janeiro de 1979, Yoshiba, 114/78, Recuil, p.151”.
Acórdãos de 08/03/2007, proferidos no âmbito dos processos n.º C - 447/05 e C - 448/05 – o critério da transformação substancial pode-se exprimir, na prática, pela regra da percentagem ad valorem, quando a percentagem do valor dos produtos utilizados ou a percentagem de mais-valia adquirida atinja determinado nível.
O TJUE, designadamente perante pedidos de decisão prejudicial, tem vindo a reconhecer a validade do recurso a um critério claro e objetivo, como o do valor acrescentado, que, permite exprimir, relativamente às mercadorias de composição complexa, em que consiste a transformação substancial que lhe confere a origem.
Sendo certo que o critério do valor acrescentado tem sido admitido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça como critério complementar na determinação do que deva considerar-se transformação ou operação de complemento de fabrico substancial.
O critério do valor acrescentado não é suficiente para se aferir da substância da transformação qualitativa operada para efeitos da determinação da origem das mercadorias.
Assim é muito importante definir, com precisão, que operações foram afinal realizadas na R.P. da China e na Coreia do Sul.
É ainda muito importante a densificação dos conceitos ínsitos no artigo 24.º do CAC, nomeadamente o conceito de transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, a prova de que na Coreia do Sul foram efetivamente realizadas as operações de inspeção das mercadorias com vista à aferição da respetiva capacidade de resistência; granalhagem das tampas, para se remover, por decapagem, a oxidação e poeira; desbarbagem, processo através do qual são retiradas por esmeris as rebarbas; maquinação em torno das superfícies de contacto entre o aro e a tampa, a fim de possibilitar o correto encaixe das peças; montagem anti-choque e vedação para efeitos de estanquicidade, através de incorporação de novas matérias-primas (bandas de PVC); pinturas das peças com vista a tratamento anti-corrosivo (cfr. artigos 33.º a 35.º da P.I.).
Ora, como já se disse, a Entidade Demandada na sua contestação impugnou esses factos, alegando para tanto, que as operações realizadas na Coreia do Sul e confirmadas pelas suas autoridades foram apenas: polimento, pintura e um tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de proteção de ferrugem (cfr. artigos 14.º a 20.º da contestação).
Além de uma parte do elenco das operações referidas pela Autora não estarem provadas, o que se passa é que, mesmo a confirmarem-se todas essas operações, as mesmas não alteram as propriedades e a composição próprias dos artefactos em causa, apenas alterando a sua apresentação e durabilidade.
As características físicas dos artefactos são os elementos essenciais no cumprimento do fim a que se destinam e as operações que ocorrem na Coreia do Sul não alteram essas características, somente melhoram o seu aspecto e qualidade.
As operações de complemento de fabrico realizadas na Coreia do Sul não são suficientemente relevantes ao nível da alteração qualitativa das tampas de saneamento.
No caso em apreço, não se verifica, porque não ficou provada, qualquer alteração qualitativa relevante nas propriedades do produto ou artefacto, com as operações que ocorreram na Coreia do Sul.
Assim, alguns dos quatros requisitos exigidos no artigo 24° do CAC, para conferir origem sul coreana aos artefactos em questão não se verificam.
Relativamente ao requisito legal cumulativo previsto no artigo 24.º do CAC, a saber: as operações realizadas na mercadoria são economicamente justificadas. Terá de concluir-se que não, pois, para que tal sucedesse, as operações de complemento de fabrico ocorridas na Coreia do Sul teriam de ter ocorrido num processo normal de produção, que conduzisse o produto de matéria-prima a produto acabado.
Ora, as tampas de saneamento em causa são fabricadas na China, com matérias-primas da China, saindo deste país em direcção à Coreia do Sul para acabamentos que poderiam ser, seguramente feitos na China.
O imperativo legal de as operações de transformação ou operação de complemento de fabrico substancial se justificarem economicamente visa precisamente evitar os desvios de tráfego ditados apenas com o objetivo de ver atribuída uma origem específica a uma mercadoria.
A Autora não provou que o desvio das peças da R.P. da China para uma fábrica da Coreia do Sul, acontece no âmbito do processo normal de fabrico das mesmas, ou se do ponto de vista comercial é mais rentável, ou até unicamente possível realizar aquelas operações na Coreia do Sul e não na R.P. da China, eventualmente na fábrica que produz os artefactos.
Um requisito expressamente previsto na lei como essencial para contribuir para a determinação de origem de uma mercadoria, não pode julgar-se preenchido à partida, como parece pretender a Autora.
É ainda fundamental na análise que cumpre a este Tribunal efetuar, ter em consideração o disposto no artigo 25.º do CAC, que refere: “Uma transformação ou operação de complemento de fabrico relativamente à qual os factos constatados justifiquem a presunção e que teve por único objectivo iludir as disposições aplicáveis, na Comunidade, às mercadorias de determinados países, não poderá em caso algum ser considerada como conferindo, nos termos do artigo 24º, às mercadorias assim obtidas, a origem do país onde se efectuou”.
Verificada a falta de justificação económica para o desvio dos artefactos em causa da R.P. da China para a Coreia do Sul no âmbito do processo de fabrico, é de presumir que as operações de transformação que ocorreram na Coreia do Sul visam iludir as autoridades aduaneiras, de forma a evitar o pagamento dos direitos anti-dumping, previstos na Regulamentação Comunitária para este tipo de mercadorias quando tenham origem na R.P. da China.
É que, verifica-se que sendo as mercadorias em questão originárias da R.P. da China estão sujeitas a direitos anti-dumping, cuja taxa é de 47,8%, imposto este inexistente no caso de os produtos serem considerados originários da Coreia do Sul.
Do exposto resulta ser necessário analisar a natureza quantitativa e qualitativa dos processos realizados na R. P. China, a fim de os comparar com as operações efectuadas na Correia do Sul, de forma a poder concluir-se, validamente, pela atribuição do carácter originário destas mercadorias.
Na R.P. da China o ferro é derretido e colocado no molde, adquirindo a sua forma final, passando pelas fases de fabricação do modelo, compactação da areia em redor do modelo...drenos.
Do exposto resulta que, as fases de fabricação do modelo das tampas de saneamento são desenvolvidas na R. P. China.
Quanto ao fundamento “fabricação do macho, colocação do macho”, afirmou a Autora e nada em contrário referiu a Ré que, na produção deste tipo de tampas de saneamento não há lugar a este tipo de operações.
No que respeita ao “esfriamento e solidificação”, trata-se de um período de tempo de espera fundamental para a fabricação do modelo das tampas de saneamento.
Por fim, a “desmoldagem” é uma operação que, consiste na retirada da peça da respectiva caixa de areia, fase fundamental na construção/fabrico das tampas.
De tudo o que já se disse, resulta que, as operações de complemento de fabrico a que os artefactos em causa são submetidos na Coreia do Sul são manobras de “embelezamento”, incapazes de alterar de forma significativa as características técnicas das tampas de saneamento, que, quando saíram da China já podiam cumprir a função à qual se destinam.
Quanto ao argumento de que as autoridades sul coreanas declararam as mercadorias originárias daquele país, tal declaração não reveste caráter vinculativo, já que compete às autoridades aduaneiras comunitárias aplicar a legislação da União Europeia e, nesse contexto, certificar-se de que as operações realizadas num determinado país reúnem os requisitos legais para conferir o carácter originário às mercadorias em causa, o que neste caso não aconteceu.
Pelo que, no entendimento da DGAIEC bem andou o Conselho Técnico Aduaneiro na Decisão n.° 17/2000, que considerou os artefactos em questão originários da República Popular da China, em virtude de não se verificarem os requisitos constantes do artigo 24.°do Código Aduaneiro Comunitário. Assim, pode dizer-se que, o processo de fabrico destas tampas de saneamento inicia-se efectivamente na R. P. China, onde têm lugar os processos de moldagem, fundição e vazamento do metal na caixa de areia e desmoldagem, que, no fundo consistem no fabrico integral da peça.
Do exposto, resulta, que, as operações efetuadas nas tampas de saneamento na Coreia do Sul, não originam a obtenção de um produto novo, nem sequer representam uma fase importante do fabrico das mesmas, pois, apenas se realizaram alguns acabamentos, que, não se provaram indispensáveis ao funcionamento dos artefactos em causa.
O mesmo é dizer, que, as operações realizadas na Coreia do Sul, consideradas provadas por este Tribunal: polimento, pintura e um tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de proteção de ferrugem, não consubstanciam a introdução de alterações profundas nas tampas de saneamento, capaz de conferir às referidas mercadorias o carácter originário da Coreia do Sul, nos termos preceituados pelo artigo 24° das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário. (…)”
Urge, desde já, referir que, neste momento, a decisão da matéria de facto se mostra estabilizada.
Já no anterior acórdão proferido por este TCA Norte se alertava para a importância de apurar as operações de fabrico que haviam sido levadas a cabo, respectivamente, na China e na Coreia do Sul, dado que a prova, em concreto, das fases de produção ocorridas em cada território poderia, eventualmente, revelar erro nos pressupostos de facto em que assentou o acto impugnado.
Aí se escreveu que era fulcral a prova de que na Coreia do Sul foram efectivamente realizadas as operações de inspecção dos materiais com vista à aferição da respectiva capacidade de resistência; granalhagem das tampas, para se remover, por decapagem, a oxidação e poeira; desbarbagem, processo através do qual são retiradas, por esmeris, as rebarbas; maquinação em tomo das superfícies de contacto entre o aro e a tampa, a fim de possibilitar o correcto encaixe das peças; montagem do anti-choque e vedação para efeitos de estanquicidade, através de incorporação de novas matérias-primas (bandas de PVC); pintura das peças com vista a tratamento anti-corrosivo – cfr. artigo 33.º a 35.º da petição inicial, na medida em que a entidade demandada impugnou estes factos, referindo que foram apenas as seguintes as operações realizadas na Coreia do Sul e confirmadas pelas suas autoridades: polimento, pintura e um tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem – cfr. artigos 14.º a 20.º da contestação.
Verificamos, agora, que somente foi levado ao probatório o que consta do ponto 12 da decisão da matéria de facto: “Na sequência do pedido efetuado pelas autoridades nacionais da confirmação das operações que ocorrem na Coreia do Sul referentes aos artefactos em causa, pelas suas autoridades foi informado que aí têm lugar as operações de polimento (grinding), pintura e um tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem (documento emitido pela Câmara de Comércio e indústria de Suwon)”.
Tal revela que o tribunal recorrido só considerou as operações de fabrico relativas ao polimento, pintura e pulverização anti-ferrugem, dado não resultarem provadas quaisquer outras operações de produção destas tampas de saneamento. Assim sendo, a melhor técnica imporia que grande parte dos factos invocados na petição inicial, nos artigos 33.º a 35.º referidos, integrassem a decisão da matéria de facto, sendo discriminados nos factos não provados. Essa discriminação teria levado certamente a uma melhor compreensão da decisão recorrida por parte da aqui Recorrente.
Salientamos que a Recorrente, nesta matéria, não deu cabal cumprimento aos ónus constantes do artigo 640.º do CPC, que permitissem a este tribunal de recurso alterar esta parte da factualidade. Mas, mesmo que assim não fosse, jamais este tribunal poderia considerar as operações invocadas na petição inicial, dado existir impossibilidade de formação da sua firme convicção unicamente com base no documento junto - versão portuguesa da Norma Europeia EN 124, elaborada pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), relativa aos princípios construtivos, ensaios, marcação e controlo de qualidade dos dispositivos de entrada de sumidouros e dispositivos de fecho de câmaras de visita, para zonas de circulação de peões e veículos – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial a fls. 26 a 42 do processo físico. Na medida em que não nos interessa particularmente como devem ser, em geral, fabricadas as tampas de saneamento, mas especificamente que operações do processo de fabrico foram efectivamente realizadas na Coreia do Sul.
Por isso, reiteramos, a decisão da matéria de facto apresenta-se estabilizada. Nesta conformidade, mal compreendemos que a Recorrente insista, neste recurso, na ideia de que na China apenas ocorrem as fases da moldagem em areia, esfriamento e solidificação (que mais não será do que a secagem do molde) e desmoldagem (retirada da peça da caixa de areia). Em suma, são as fases de moldagem, fundição e vazamento aquelas que têm lugar na China.
Continuando a insistir que as peças, à saída da China, apresentam uma geometria muito similar ao produto final, mas estão muito longe de completarem o seu processo de fabrico, razão pela qual têm de ser sujeitas a operações adicionais de transformação e complemento de fabrico que as adeqúem à prossecução dos fins para os quais são concebidos. Alegando ser na Coreia do Sul que tais operações têm lugar, sendo nesse país que são introduzidas as necessárias alterações profundas ao produto que irão permitir que o mesmo respeite as normas europeias em matéria de segurança e funcionalidade (designadamente a NP EN 124).
A verdade é que não logrou provar-se que as mercadorias à saída da China não apresentam características técnicas suficientes tendo em vista esse desiderato, nem que assumissem um formato tosco e rudimentar e totalmente desprovidas de qualquer valor comercial. Pelo contrário, se logrou apurar-se que a intervenção sul coreana, em termos de valor acrescentado, atingiu uma percentagem que varia entre os 30% e os 40% do preço final à saída da fábrica, é porque, antes dessa intervenção na Coreia do Sul, as tampas tinham o restante valor comercial (60% a 70%) – cfr. ponto 13 e 14 do probatório.
Com efeito, não logrou provar-se ser na Coreia do Sul que têm lugar as operações como: a inspecção dos materiais com vista à aferição da respectiva capacidade de resistência; a granalhagem; a desbarbagem; a maquinação em torno das superfícies de contacto entre o aro e a tampa e a montagem anti-choque (inclusivamente com a incorporação de novas matérias-primas).
Nestes termos, só se apuraram as operações de fabrico que foram pelas autoridades da Coreia do Sul confirmadas: aí têm lugar as operações de polimento (grinding), pintura e um tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem; que correspondem às operações consideradas no acto impugnado. Consequentemente, é irrelevante a importância que os técnicos do INEGI pretendem transmitir no seu parecer, junto com estas alegações de recurso, quanto a operações de fabrico que, realmente, de facto, não temos a certeza que ocorreram; pelo menos, não se provou que, efectivamente, as mesmas tivessem ocorrido na Coreia do Sul.
A partir daqui, resta-nos a subsunção à abordagem do artigo 24.º do CAC, e, como esta norma evidencia vários conceitos indeterminados, que pressupõem juízos técnicos especializados, partiremos, necessariamente, de toda a motivação do acto em crise para analisar o seu acerto.
Antes de prosseguirmos, relembramos somente estar impugnada a parte do acto desfavorável à Recorrente, relativa à questão controvertida da origem das mercadorias, na medida em que a questão referente à classificação pautal foi decidida favoravelmente.
Vejamos, então, a fundamentação do acto, quanto à questão controvertida da origem, onde se deliberou que os artefactos são originários da República Popular da China, em virtude de não se verificarem os requisitos constantes do artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) N.º 2913/92 do Conselho – cfr. ponto 9 do probatório:
“Considerando que têm lugar na República Popular da China as operações de criação dos moldes, de produção do metal, moldagem e desmoldagem, desbarbamento, esfriamento e solidificação;
Considerando que, na Coreia do Sul têm lugar as operações de polimento (grinding) pintura e tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem (spraying);
Considerando que, não existe justificação económica para a realização daquelas operações na Coreia do Sul;
Considerando que as operações de polimento (grinding), pintura e/ou tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem (spraying), não transformam materialmente as grelhas num produto novo;
Considerando que as operações em apreço, não modificam as propriedades e a composição material específica própria dos artefactos, limitando-se, quando muito a melhorar a sua aparência e qualidade;
Considerando que não existe no caso em análise, uma alteração qualitativa das propriedades físicas das mercadorias provenientes da China. (…)”
Não obstante os requisitos previstos no artigo 24.º do CAC serem cumulativos - Uma mercadoria em cuja produção intervieram dois ou mais países é originária do país onde se realizou a última transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, economicamente justificada, efectuada numa empresa equipada para esse efeito e que resulta na obtenção de um produto novo ou represente uma fase importante do fabrico – a deliberação do Conselho Técnico Aduaneiro ponderou todos os pressupostos, não se vislumbrando qualquer erro ostensivo nessa fundamentação.
Com efeito, saber se uma transformação da mercadoria é substancial ou se uma operação de complemento de fabrico é substancial encerra alguma margem de livre apreciação, que implica conhecimentos técnicos especializados consoante o produto fabricado e as técnicas utilizadas; o mesmo podemos dizer quanto à operação representar uma fase importante do fabrico, situando-nos ao nível da discricionariedade técnica. Aliás, como já referimos, não seria por acaso que o Conselho Técnico Aduaneiro era composto por um colégio alargado de técnicos especializados (pelo menos sete), apresentando-se, por isso, a sindicância deste tribunal um pouco mais limitada. O que não significa que o acto não comporte aspectos estritamente vinculados e que a sua legalidade seja apreciada.
Como fomos adiantando, a prova das operações de fabrico que ocorreram aquando da última transformação na Coreia do Sul é fulcral, coincidindo, como vimos, as operações consideradas na deliberação impugnada com aquelas que o tribunal entendeu comprovadas - as operações de polimento (grinding), pintura e tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem (spraying).
Por este motivo, perde força o argumento da Recorrente, que pretendia descredibilizar os técnicos intervenientes na deliberação impugnada, dizendo que se apoiaram em informação vertida na Wikipédia.
Salientamos que a referência à Wikipédia consta da fundamentação do relatório de inspecção tributária, elaborado em 2007, que procurou perceber que operações teriam sido realizadas na China, por contraponto às operações, que foram confirmadas pelas autoridades sul coreanas, que ocorreram na Coreia do Sul. A verdade é que se na Coreia do Sul, como se provou, somente se realizaram operações de polimento, pintura e pulverização anti-ferrugem, estando perante um produto acabado, as restantes fases da produção ocorreram todas no outro país (sejam elas quais forem).
Logo, apesar de o acto impugnado, proferido em 2009, ter tido em consideração informações constantes do relatório inspectivo, não se fundou directamente em dados constantes da Wikipédia. O mais importante é que a deliberação considerou que, na Coreia do Sul, como confirmado pelas respectivas autoridades, tiveram lugar as operações de polimento (grinding), pintura e tratamento por pulverização com um agente químico para efeitos de protecção de ferrugem (spraying); e que estas operações não transformam materialmente as tampas num produto novo. Intuitivamente, mesmo sem qualquer formação específica na área, as regras de experiência comuns permitem anuir nesta conclusão.
Saber se estas operações constituem uma fase importante do fabrico ou se são um complemento de fabrico substancial, já poderá envolver conhecimentos técnicos mais especializados. Contudo, como fomos adiantando no acórdão proferido, em 24/11/2016, aquando do primeiro recurso interposto, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem vindo a analisar algumas situações concretas, apontando para a necessidade de encontrar critérios claros e objectivos, tendo em vista esbater a margem de livre apreciação que comportam os conceitos indeterminados e de elevado pendor técnico que se encontram cumulativamente elencados no artigo 24.º do CAC.
Efectivamente, o TJUE, designadamente perante pedidos de decisão prejudicial, reconheceu a validade do recurso a um critério claro e objectivo, como o do valor acrescentado, que permite exprimir, relativamente às mercadorias de composição complexa, em que consiste a transformação substancial que lhe confere a origem.
Todavia, sendo certo que o critério do valor acrescentado tem sido admitido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça como critério complementar na determinação do que deva considerar-se transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, aquele Tribunal também já disse que o aumento apreciável do valor comercial, ou seja, um valor acrescentado apreciável, não é suficiente, em si mesmo, para conferir, ainda assim, em oposição ao critério técnico, um carácter constitutivo de origem à operação de complemento de fabrico.
O certo é que não vislumbramos como é que operações de polimento, pintura e pulverização anti-ferrugem podem ser consideradas uma fase importante de fabrico, ao ponto de produzir uma alteração qualitativa relevante nas propriedades das tampas de saneamento – cfr. Acórdão do TJUE, de 26/01/1977, proferido no âmbito do processo n.º 49/76, que considerou uma fase importante de fabrico quando se produz uma alteração qualitativa relevante nas propriedades do produto ou artefacto.
Agrupando os estudos de vários autores que pesquizámos, verificamos que o país de origem pode ser dividido em cinco países, o país de design e concepção da ideia, país de montagem, país de origem dos componentes, país de produção e país da marca. Sendo certo que, dada a categoria do produto em análise – tampas de saneamento – e a situação em concreto, observamos a existência de dois países (R.P. da China e Coreia do Sul) na produção do artefacto.
Quando dois países estão envolvidos na produção de uma mercadoria, como temos vindo a mencionar, o artigo 24.º do CAC estabelece a “última transformação ou operação substancial como o factor decisivo para a determinação da origem da mercadoria em causa.” Ou seja, quando um produto é concebido em mais do que um país, a determinação correcta do país de origem será aquela onde ocorrerá a última formação principal no produto.
Ora, nada indica que o polimento, pintura e pulverização anticorrosiva, que ocorreram por último no processo de fabrico, assumam uma formação principal no produto, dado que as operações em apreço não modificam as propriedades e a composição material específica própria das tampas de saneamento, limitando-se, quando muito, como se afirma no acto impugnado, a melhorar a sua aparência e qualidade.
Além do mais, o critério do valor acrescentado demonstra que a maior parte do valor comercial das tampas de saneamento terá sido obtida previamente à intervenção sul coreana, que, em termos de valor acrescentado, atingiu uma percentagem que varia entre os 30% e os 40% do preço final – cfr. pontos 13 e 14 do probatório.
Não observamos, portanto, qualquer erro evidente ou palmar na fundamentação do acto, na parte impugnada, pois que nos revemos também na ilação aí retirada, seguindo de perto o Acórdão do TJUE, de 26/01/1977, proferido no âmbito do processo n.º 49/76, de que as operações realizadas na Coreia do Sul não consubstanciam uma alteração qualitativa relevante das propriedades físicas das mercadorias provenientes da China.
Na medida em que os pressupostos constantes do artigo 24.º do CAC são cumulativos, é despiciendo avançar na abordagem dos restantes, já que os analisados são suficientes para manter o acto, na parte impugnada, na ordem jurídica, bem como o acórdão recorrido, que o confirmou. Apesar de não reiterarmos a aplicação realizada pelo tribunal recorrido do disposto no artigo 25.º do CAC, uma vez que não ficou demonstrado, nem sequer em princípio de prova, de que os factos constatados tiveram por único objectivo iludir as disposições aplicáveis, na Comunidade, às mercadorias provenientes da República Popular da China.
Por tudo o exposto, é forçoso negar provimento ao recurso, com a presente fundamentação.

Conclusões/Sumário

I. Os pareceres são peças que as partes têm o direito de juntar ao processo e que contribuem ou podem contribuir para esclarecer o espírito do julgador.

II. Os pareceres têm apenas a autoridade que o seu autor lhes dá, não podendo ser considerados documentos, e, por isso, podem ser juntos aos autos, nos tribunais de primeira instância, em qualquer estado do processo e, nos tribunais superiores, até se iniciarem os vistos aos juízes (cfr. artigos 426.º e 651.º do Código de Processo Civil).

III. Em situações em que na produção de uma mercadoria intervieram dois ou mais países, há que recorrer à aplicação do artigo 24.° do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho, segundo o qual: “Uma mercadoria em cuja produção intervieram dois ou mais países é originária do país onde se realizou a última transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, economicamente justificada, efectuada numa empresa equipada para esse efeito e que resulta na obtenção de um produto novo ou represente uma fase importante do fabrico”.

IV. A deliberação do Conselho Técnico Aduaneiro aqui impugnada teve um quórum de oito elementos, que decidiram, por unanimidade, ser a origem das tampas de saneamento em apreço a República Popular da China, emprestando à decisão desta matéria complexa uma componente técnica especializada.

V. Quando a Administração actua no âmbito da discricionariedade técnica, em que goza de uma certa margem de livre apreciação, não está dispensada de fundamentar os actos, impondo-se que haja maior rigor nessa fundamentação, precisamente para permitir aferir, em face dessa liberdade, da legalidade do acto sob o ponto de vista substantivo; o que se mostrou cumprido in casu.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
*
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 30 de Setembro de 2021


Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares