Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00204/13.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/15/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:COMISSÃO DE SERVIÇO; INDEMNIZAÇÃO FUNDADA POR MOTIVOS DE EXTINÇÃO OU REORGANIZAÇÃO DA UNIDADE ORGÂNICA;
DENSIFICAÇÃO DO QUE SE DEVE ENTENDER POR “12 MESES DE EXERCÍCIO DE FUNÇÕES SEGUIDOS”.
Sumário:I- O n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública [daqui em diante E.P.D.], aprovado pela Lei nº. 2/2004, de 15 de janeiro, na redações dadas pela Lei n.º 51/2005, de 30/08; pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12; pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/04; e pela Lei n.º 64/2011, de 22/12, correlaciona o direito à indemnização emergente da cessação da comissão de serviço por motivos de extinção ou reorganização da unidade orgânica ou de necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços ao exercício de funções mínimo de 12 meses seguidos.

II- Não resultando de forma clara da literalidade do visado preceito é se o “os 12 meses seguidos de exercício de funções” a que se reporta se compreende, apenas e tão só, a comissão de serviço - resultante de nomeação ou renovação - que esteja a decorrer no momento de extinção ou reorganização da unidade orgânica, ou se, entendendo-se que a comissão de serviço é uma apenas, tendo o seu início, eventuais renovações e o seu termo, o seu tempo integral desta pode ser contado, impõe-se atender aos demais elementos da interpretação normativa.


III- Neste domínio, cabe notar que a simples verificação das situações previstas no artigo 25º, nº.1 do EPD extingue a relação jurídica que existia durante a vigência da comissão de serviço, pelo que se torna necessária à pratica de um novo ato de nomeação para se iniciar uma nova comissão de serviço.

IV- Donde tem se concluir que a comissão de serviço “nascida” com um ato de nomeação, enquanto não se extinguir, é só uma, independentemente do número de renovações a que for sujeita, pelo que não sentimos qualquer hesitação em assumir que a contagem dos “12 meses seguidos de exercício de funções” a que se reporta o nº.1 do artigo 26º do EPD deverá reger-se por este enquadramento - no sentido da inclusão do tempo integral da comissão de serviço para efeitos de eventual atribuição da indemnização devida - e não por qualquer outro, como o postulado pela sentença recorrida.

V- Neste enquadramento, e sopesando a factualidade coligida no probatório sob os pontos 1) a 3), donde emerge que a Recorrente esteve investida em regime de comissão de serviço para o exercício de funções correspondentes pelo período seguido de 6 anos e 7 meses, é de inteira evidência que lhe assiste o direito de indemnização preconizado no artigo 26º, nº.1 do EPD, a calcular nos termos legais, isto é, em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço e no montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem [cfr. nº.2 do artigo 26º do EPD].

VI- Sendo o quadro fáctico a atender é o que resulta fixado em 1ª instância, e não um qualquer outro, é de concluir que não foi demonstrado qualquer lastro factual que permita concluir que a Recorrente, com a atuação do Recorrido descrita nos autos, sofreu angustia, perturbação, revolta e sentimentos de justiça, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à pretensão indemnizatória adicional da Recorrente.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M. . G. T. F. V. R.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *

I – RELATÓRIO

M. . G. T. F. V. R., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante T.A.F. de Braga], de 10.05.2017, proferida no âmbito da presente Ação Administrativa Especial intentada pela aqui Recorrente contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, também com os sinais dos autos, que julgou improcedente a presente ação, e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido.

Em alegações, a Recorrente produziu as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:

(…)
1. Por decisão proferida a 6 de setembro de 2012, por S. Exa. o Ministro da Administração Interna, a Recorrente viu indeferido o seu pedido de indemnização por cessação de comissão de serviço, no cargo de Secretário do Governo Civil de V... . C...;
2. Confrontada com esta decisão a ora Recorrente propôs competente ação administrativa especial para anulação do ato administrativo e sua substituição por outro, que lhe reconhecesse o direito a essa indemnização;
3. Apesar de dar como provada toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa;
4. Decidiu, o tribunal a quo julgar integralmente improcedente a ação administrativa especial e absolver a Entidade Demandada do pedido;
5. Todavia, tal sentença proferida pelo tribunal a quo, assentou, parece-nos, com todo o respeito, em erro sobre os pressupostos de direito;
6. Porquanto, o art.9 269 do Estatuto do Pessoal Dirigente - Lei n.9 2/2004, de 15.01, na redação dada pela Lei n.9 64/2011, de 22.12, doravante designado EPD - consagra, no seu n.9 1: "Quando a cessação da comissão de serviço se fundamente na extinção ou reorganização da unidade orgânica ou na necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços, os dirigentes têm direito a uma indemnização desde que contem, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções.";
7. Ora, o requisito, claramente formulado, é o de 12 meses seguidos de exercício de funções e não de 12 meses seguidos após a renovação da comissão de serviço;
8. Pois, a norma não contém qualquer referência à duração da comissão de serviço mas antes, explicitamente, ao tempo de exercício de funções, que equivale ao tempo de exercício do respetivo cargo;
9. Com efeito, a Recorrente exerceu de modo continuado durante 6 anos e 7 meses funções públicas no cargo de Secretário do Governo Civil de V... . C..., assegurando um exercício material contínuo de funções dirigentes;
10. Contudo, por força de uma interpretação restritiva da letra da lei, foi indeferida a pretensão indemnizatória de uma dirigente intermédia de l9 grau com quase sete anos de exercício continuado e ininterrupto de funções dirigentes;
11. Tal interpretação, ao arrepio do cânone hermenêutico "Não distinga o intérprete onde o legislador não distinguiu", negou à Recorrente a pretensão indemnizatória mas concedeu-a a quem acabara de completar um ano nessas mesmas funções;
12. Na verdade, se o legislador pretendesse limitar a indemnização por cessação da comissão de serviço à posse de 12 meses seguidos de exercício de funções dirigentes reportada à comissão de serviço em curso, tê-lo-ia feito;
13. Destarte, é legítimo concluir que o exercício de funções ou exercício do cargo é o requisito legal a verificar;
14. E dúvidas não subsistem que a recorrente o exerceu entre outubro de 2005 e maio de 2012;
15. De acordo com o entendimento consagrado no ato impugnado e sua fundamentação, a renovação da comissão de serviço determina o reinicio da contagem do prazo de 12 meses, requisito de atribuição da indemnização por cessação da comissão de serviço;
16. Pois o mesmo afirma claramente que: "a posse de 12 meses seguidos de exercício de funções exigidos pelo nº. 1, se reporta ao exercício de funções correspondentes à comissão de serviço que esteja a decorrer no momento da extinção ou reorganização da unidade orgânica" (cfr. último parágrafo da fl. 6 do doc. nº 6);
17. Terminando por afirmar: “à data da cessação da comissão de serviço, 31 de maio de 2012, a requerente não contava doze meses de exercício de funções na comissão de serviço a decorrer desde 3 de outubro de 2011, pelo que não lhe é devida indemnização"
18. Porém, não há constituição ou modificação da relação jurídica de emprego público que permita sustentar ter tido esta comissão de serviço reinicio a 3 de outubro de 2011, conforme sustenta o parecer subjacente ao despacho ministerial recorrido;
19. Os atos de renovação de que essa comissão de serviço foi objeto, a 27.06.2008 e a 19.05.2011, não produziram nessa relação qualquer modificação que não fosse a extensão temporal da eficácia do ato de nomeação, que, por natureza, está sujeito a termo;
20. Nem se encontravam ou foram sujeitos a tais requisitos de forma e eficácia: não lhes correspondeu aceitação, posse e consequente publicação em Diário da República;
21. O que faz todo o sentido: não são atos que modifiquem os efeitos jurídicos da nomeação ou sequer que introduzam na mesma um compasso de tempo significativo que possa ter repercussão na produção de efeitos jurídicos da relação estabelecida.
22. A Lei n.º 2/2004, de 15.01, na sua atual redação, ao estabelecer as regras para as nomeações dos altos cargos dirigentes da Administração Pública, consagra, no n.º 9 do seu art.º 21º., que "... os titulares dos cargos de direção intermédia são providos por despacho do dirigente máximo do serviço ou órgão, em comissão de serviço, pelo período de três anos, renovável por iguais períodos de tempo." e no n.º 10 "O provimento nos cargos de direção intermédia produz efeitos à data do despacho de designação, salvo se outra data for expressamente fixada.";
23. E ao fixar as regras de renovação da comissão de serviço dos titulares dos cargos de direção intermédia, o artº. 23º do diploma estabelece que "... para efeitos de eventual renovação da comissão de serviço, os titulares dos cargos de direção intermédia darão conhecimento do termo da respetiva comissão de serviço ao dirigente máximo do serviço, com a antecedência mínima de 90 dias";
24. A comissão de serviço é, assim, objeto de reapreciação cíclica dos pressupostos do despacho de nomeação;
25. Pois, sendo a renovação uma extensão temporal da eficácia do ato que está sujeito a termo, findo o período legal mais não existe que uma reavaliação dos pressupostos da decisão de nomear em comissão de serviço;
26. Sendo então que esta ou é renovada ou cessa;
27. Pelo que o exercício de funções dirigentes ao longo do período de 79 meses só não decorreu em contínuo porque foi por duas vezes objeto de análise sobre a sua continuidade;
28. Análise que determinou a renovação, isto é, a prática de novo ato por manutenção dos pressupostos que levaram à prática do ato anterior;
29. Porém, o despacho em crise considerou mais importante esta cíclica reapreciação que o exercício continuado e ininterrupto de funções;
30. Valorizando esses momentos formais em detrimento da substantiva realidade de exercício contínuo de funções;
31. E atribuindo-lhes o efeito de reiniciar a contagem do prazo de duração da comissão de serviço, tal como se o tempo decorrido fosse, para fins indemnizatórios, inexistente;
32. Também no art.º 26º-A da referida Lei se prevê a suspensão da comissão de serviço dos titulares de cargos de direção superior de 2º grau e de direção intermédia, quando designados para gabinetes de membros do Governo ou equiparados ou em regime de substituição e enquanto durar o exercício do cargo ou função;
33. Ou seja, a comissão de serviço renova-se (art.º 23º), suspende-se (art.º 26º-A) mas em lado algum se reinicia;
34. Nem de outro modo poderia ser, pois a comissão de serviço é uma apenas, tendo o seu início, eventuais e sucessivas renovações e o seu termo.
35. Sendo este o único entendimento compatível com o regime legal consagrado no EPD.
36. A recorrente viu ser-lhe negado o direito à indemnização, por cessação da comissão de serviço que a vinculou ao Governo Civil de V... . C... de 2005 a 2012, decorrente do Estatuto dos Dirigentes. De tal sorte,
37. Que este incómodo lhe acarretou a redução do seu tempo disponível para dedicar ao estudo e à preparação das novas funções que veio desde então a desempenhar na Guarda Nacional Republicana.
38. E bem assim uma súbita e não antecipável redução dos seus rendimentos de trabalho, que a levaram a precisar de se socorrer do auxílio financeiro de familiares e amigos para fazer face a despesas correntes do seu agregado familiar, O que lhe provocou,
39. Angústia, perturbação, revolta e sentimentos de injustiça. Ou seja,
40. Os danos acima identificados merecem ser enquadrados no conceito de gravidade necessária e suficiente à tutela do direito prevista no nº 1 do art5 496º do CC;
41. Pelo que se entende justa e adequada a atribuição de uma indemnização no valor de 5000 euros, a título de compensação por danos morais;
42. E a condenação da Recorrida no pagamento do valor devido de 14.453,40€, correspondente ao valor do vencimento mensal bruto auferido no cargo de direção intermédia de 1- grau, subtraído do valor do vencimento mensal bruto de técnico superior colocado na posição remuneratória entre a 6ª e a 7ª e nível remuneratório entre o 31 e o 35 x 12 meses (2987,25+311,21-2094,01 x 12=14.453,40€);
43. Pois foram violados os arts. 496º, nº. 1 e 3 e 494º. ambos do CC, bem como o disposto no artº. 265, nº. 1 do EPD.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e por provado e revogada a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a ação administrativa especial, absolvendo o Réu do pedido.
(…)”.

*

Notificado que foi para o efeito, o Recorrido formulou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:

“(…)

- Bem andou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 10.05.2017 que julgou totalmente improcedente a ação administrativa especial em que a ora Recorrente pedia a condenação do Ministério da Administração Interna a proferir decisão que lhe conferisse o direito a indemnização pela cessação da comissão de serviço no cargo de Secretária do Governo Civil do distrito de V... . C....

- A douta sentença recorrida não está ferida do vício invocado de erro nos pressupostos de direito.

- De facto, “a Entidade Demandada efetuou acertada interpretação da norma” prevista no n.° 1 do artigo 26.° do Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Órgãos da Administração Central, Local e Regional do Estado - EPD (aprovado pela Lei n.° 2/2004, de 15.01, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 64/2011, de 22.12).

- A indemnização requerida pela ora Recorrente visa compensar o titular do cargo dirigente - in casu, do cargo de Secretário do Governo Civil do distrito de V... . C..., equiparado a diretor de serviços, por força da alínea c) do n.° 1 do artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de novembro - pela frustração das suas expetativas de auferir a remuneração correspondente ao cargo até ao termo da comissão de serviço, quando esta é superior à remuneração do lugar de origem e a comissão de serviço é antecipadamente cessada por ato unilateral da Administração fundado na extinção ou reorganização dos serviços.

- Ora, a Recorrente foi nomeada para o referido cargo por despacho de 03.05.2005, pelo período de três anos fixado pelo EPD, período esse totalmente cumprido.

- A comissão de serviço foi renovada por despacho de 27.06.2008, iniciando-se o novo período de três anos a seguir ao termo do primeiro período de três anos.

- O período correspondente à primeira renovação da comissão de serviço foi também totalmente cumprido.

- Por despacho de 19.05.2011 foi renovada a comissão de serviço por novo período de três anos, a ter início no termo da segunda renovação, porquanto, como doutamente refere a sentença recorrida, os cargos de direção intermédia são providos em comissão de serviço pelo período de três anos renovável, por iguais períodos de tempo, em conformidade com o disposto no n.° 9 do artigo 21.° do EPD,

- e não como pretende a Recorrente que defende que os atos de renovação da comissão de serviço “não são atos que modifiquem os efeitos jurídicos da nomeação ou sequer que introduzam na mesma um compasso de tempo significativo que possa ter repercussão na produção de efeitos Jurídicos da relação estabelecida”.

10ª - A interpretação dada ao EPD pelo Ministério da Administração Interna e pela douta sentença recorrida, em termos de serem considerados períodos autonomizáveis de três anos da comissão de serviço dos dirigentes intermédios não é prejudicada com o procedimento para a renovação da comissão de serviço.

11ª - Como bem refere a douta sentença recorrida, os titulares de cargos de direção intermédia devem dar conhecimento do termo da respetiva comissão de serviço ao dirigente máximo com a antecedência de 90 dias, para que este profira decisão de renovação ou não da comissão de serviço, até 60 dias antes do termo, em conformidade com os artigos 23.° e 24.° do EPD.

12ª - Não estando previsto prazo máximo de antecedência para o dirigente iniciar o processo de renovação da comissão de serviço, é legalmente possível a atuação da Recorrente de ter aberto tal procedimento que deu origem ao despacho de 19 de maio de 2011, apesar de o termo da comissão de serviço ser apenas em outubro do mesmo ano.

13ª - Este despacho, não podia era antecipar aquele termo, por assim contrariar o disposto no n.° 9 do artigo 21.° do EPD.

14ª - Falece igualmente o argumento da Recorrente ao invocar o disposto no n.° 10 do artigo 21.° do EPD nos termos do qual “o provimento nos cargos de direção intermédia produz efeitos à data do despacho de designação, salvo se outra data for expressamente fixada”, porquanto esta norma visa, obviamente, regular a designação inicial do dirigente e não quaisquer renovações da comissão de serviço.

15ª - Em suma, com o devido respeito, se dirá que é errada a conclusão da Recorrente de que “(...) a comissão de serviço é uma apenas, tendo o seu início, eventuais e sucessivas renovações e o seu termo”.

16ª - Pelo que bem andou a sentença recorrida ao julgar improcedente a ação administrativa interposta do despacho do Ministro da Administração Interna de 6 de setembro de 2012 que indeferiu pedido de indemnização por cessação da comissão de serviço no cargo de Secretária do Governo Civil do distrito de V... . C..., por não contar, pelo menos, 12 meses de exercício de funções no último período de renovação da comissão de serviço, nos termos do n.° 1 do artigo 26.° do EPD.

17ª - Não lhe sendo devida qualquer indemnização - que nunca seria o valor calculado pela Recorrente, como este Ministério referiu na contestação - cai, por improcedente, o pedido de indemnização por danos morais.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSA EXCELÊNCIA, DEVE:

- SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO, MANTENDO-SE A DECISÃO RECORRIDA.

(…)”.


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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que alude o nº. 1 do artigo 146º do CPTA.

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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir nos autos resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos descritos nos autos, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do disposto no nº. 1 do artigo 26º do Estatuto do Pessoal Dirigente, aprovado pela Lei nº. 2/2004, de 05.01, com as redações posteriores, bem como do estatuído nos artigos 494º e 496, nº.s 1 e 3, ambos do Código Civil.
* *
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
“(…)

1- A Autora foi nomeada, pelo período de três anos e por urgente conveniência de serviço, para o cargo de Secretário do Governo Civil de V... . C..., por despacho do Governador Civil daquele distrito, de 3 de outubro de 2005, publicado no Diário da República, 2.a Série, n.° 199, de 17 de outubro de 2005 - cfr. doc. 1 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

2- Por despacho do mesmo Governador Civil, de 27 de junho de 2008, publicado no Diário da República, 2.a Série, n.° 131, de 9 de julho de 2008, foi renovada a comissão de serviço da Autora no cargo de Secretário do Governo Civil de V... . C... - cfr. doc. 2 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

3- Por despacho de 19 de maio de 2011, publicado no Diário da República, 2.a Série, n.° 149, de 4 de agosto de 2011, o mesmo Governador Civil renovou a comissão de serviço da Autora no cargo de Secretário do Governo Civil de V... . C... - cfr. doc. 3 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

4- Por despacho n.° 7496/2012, de 25 de maio, do Ministro da Administração Interna, publicado no Diário da República, 2.a Série, n.° 106, de 31 de maio de 2012, foi determinada a cessação da comissão de serviço da Autora, com efeitos a 31 de maio de 2012, e com fundamento na alínea c) do n° 1 do art. 25° da Lei n° 2/2004 de 15.01, na redação dada pela Lei n° 64/2011 de 22.12 - cfr. doc. 4 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

5- No dia 20.07.2012, a Autora requereu ao Ministro da Administração Interna o pagamento de indemnização ao abrigo dos artigos dos artigos 25°, n° 1, al. c) e 26° da Lei n° 2/2004 de 15.01 - cfr. doc. 5 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

6- Por despacho de 06.09.2012, o Ministro da Administração Interna indeferiu o pedido da Autora com fundamento na circunstância de, em 31 de maio de 2012, a Autora não contar ainda 12 meses de exercício de funções ao abrigo da comissão de serviço - cfr. docs. 6 e 7 juntos com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

7- A Autora foi notificada da referida decisão em 13.09.2012.

8- Em 20.09.2012, a Autora dirigiu reclamação ao Ministro da Administração Interna - cfr. doc. 8 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

9- Por despacho de 05.12.2012, o Ministro da Administração Interna foi indeferida a reclamação e mantido o despacho de 06.09.2012 - cfr. docs. 9 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

10- Em Junho de 2012, a Autora, enquanto técnica superior na Guarda Nacional Republicana, auferia um vencimento base de 2.094,01 euros, com uma redução de 85,04 euros - doc. 10 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

(…)”.


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III.2 - DO DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação do objeto do presente recurso jurisdicional.
A Autora, aqui Recorrente, intentou a presente ação, visando, em termos principais, a (i) anulação do despacho do Ministro da Administração Interna, de 6 de setembro de 2012, que indeferiu o seu pedido de indemnização por cessação de comissão de serviço no cargo de Secretário do Governo Civil de V... . C..., bem como a (ii) condenação do Réu (ii.1) a proferir novo despacho que reconheça à autora o direito a receber a indemnização devida, correspondente à diferença entre a remuneração atualmente recebida e a remuneração devida no cargo dirigente, até ao limite máximo do valor correspondente à diferença anual das remunerações, o que perfaz o montante de 14.453,40 € [vencimento mensal bruto direção intermédia 1.° grau — vencimento mensal bruto técnico superior posição remuneratória entre a 6ª e a 7ª nível remuneratório entre 31 e 35 x 12 = 2987,25 + 311,21-2094,01 x 12 = 14.453,40] e ainda (ii.2) a pagar-lhe a quantia de € 5,000,00, a título de danos não patrimoniais.

O T.A.F. de Braga, como sabemos, julgou esta ação improcedente, tendo absolvido o Réu do pedido.
Escrutinada a contestação argumentativa espraiada na fundamentação de direito da sentença recorrida, é para nós absolutamente cristalino que, no mais essencial, o juízo de improcedência da pretensão deduzida pela Autora, aqui Recorrente, junto do T.A.F. de Braga escorou-se, para além da inverificação do princípio da igualdade [que não constitui temática controvertida no presente recurso], na premissa de que o direito a auferir a indemnização previsto no artigo 26º, nº.1 do Estatuto do Pessoal Dirigente [daqui em diante E.P.D.] deverá reportar-se à comissão de serviço - resultante de nomeação ou renovação – que esteja a decorrer no momento de extinção ou reorganização da unidade orgânica.
Em função do que se concluiu que, não contando a Autora 12 seguidos de exercício de funções contados desde 04.10.2011 [data da última renovação da comissão de serviço] a 31.05.2012 [data da sua cessação], não lhe era devida a indemnização peticionada nos autos.
Patenteiam as conclusões alegatórias que a A., aqui Recorrente, insurge-se quanto ao assim fundamentado e decidido, imputando-lhe violação do disposto no nº.1 do artigo 26º do Estatuto do Pessoal Dirigente, bem como do estatuído nos artigos 494º e 496, nº.s 1 e 3, ambos do Código Civil.
Fundamenta tal crença, brevitatis causae, no entendimento de que o requisito formulado no nº. 1 do artigo 26º do E.P.D. in fine é o de 12 meses seguidos de exercício de funções, e não de 12 meses seguidos após a renovação da comissão da serviço como se entendeu na sentença recorrida, pelo que, tendo exercido funções entre outubro de 2005 a maio de 2012, não lhe pode ser negado o direito à indemnização ali previsto, que reputa justo e adequado a sua atribuição nos valores peticionados nos autos em função danos identificados nos autos.
E, efetivamente, insurge-se com inteira razão.
Na verdade, vistos os autos, e após exame do horizonte jurídico em que será buscada a solução para o concreto litígio, não podemos deixar de dar razão à Recorrente.
Explicitemos pormenorizadamente esta nossa convicção, assentando, desde já, que o presente caso recursivo é predominantemente regulado pelo Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública [daqui em diante E.P.D.], aprovado pela Lei nº. 2/2004, de 15 de janeiro, nas redações dadas pela Lei n.º 51/2005, de 30/08; pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12; pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/04; e pela Lei n.º 64/2011, de 22/12.
Sob a epígrafe “Indemnização” estipula o n.º 1 do artigo 26.º do EPD o seguinte: ”(…) 1 - Quando a cessação da comissão de serviço se fundamente na extinção ou reorganização da unidade orgânica ou na necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços, os dirigentes têm direito a uma indemnização desde que contem, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções (…)”.
Ora, é inquestionável que a norma correlaciona o direito à indemnização [emergente da cessação da comissão de serviço por motivos de extinção ou reorganização da unidade orgânica ou de necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços] ao “exercício de funções mínimo de 12 meses seguidos”.
O que não resulta de forma clara da literalidade do preceito é se o “os 12 meses seguidos de exercício de funções” a que se reporta se compreende, apenas e tão só, a comissão de serviço - resultante de nomeação ou renovação - que esteja a decorrer no momento de extinção ou reorganização da unidade orgânica, ou se, entendendo-se que a comissão de serviço uma apenas, tendo o seu início, eventuais renovações e o seu termo, o seu tempo integral pode ser contado, levando as renovações em conta.
Efetivamente, o elemento literal, só por si, não permite, no caso, estabelecer qual o sentido prevalecente que se impõe ser acolhido pelo intérprete.
Há, pois, que atender aos demais elementos da interpretação normativa.
Assim, releva especialmente o elemento lógico consubstanciado no elemento sistemático, ou seja, a aferição da correlação que existe entre a norma a interpretar e o complexo normativo em que a mesma se insere e que, no caso, corresponde ao regime de exercício de funções de dirigente público em cargos de direção intermédia ou superior, mormente no que concerne ao regime da cessação da comissão de serviço.
Neste domínio, cabe notar que, conforme emerge grandemente do disposto no nº.1 do artigo 25º do E.P.D., a comissão de serviço, que não pode desligar-se da existência de um ato de nomeação do dirigente em regime de comissão de serviço para o exercício das funções correspetivas [cfr. nº. 12 do artigo 19º do EPD], por um período de cinco anos [3 anos na versão vigente à data de nomeação da aqui Recorrente – artigo 19º, nº.1], cessa (i) pelo seu termo; (ii) pela tomada de posse seguida de exercício de outro cargo ou função; (iii) por extinção ou reorganização da unidade orgânica; por (iv) violação do regime de exclusividade e de incompatibilidade, impedimentos e inibições [cfr. n.º 7 do artigo 16.º e do n.º 6 do artigo 17.º da presente lei e do n.º 3 do artigo 29.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro]; (v) por má prestação em termos de desempenho e obtenção de objetivos traçados; (vi) por aplicação de pena disciplinar; e ainda pela (vii) não frequência ou aproveitamento, por causa que lhe seja imputável, de curso de formação específica.
Quer isto tanto significar que a simples verificação das situações que se vêm de expor extingue a relação jurídica que existia durante a vigência da comissão de serviço, pelo que se torna necessária à pratica de um novo ato de nomeação para se iniciar uma nova comissão de serviço.
Donde tem se concluir que a comissão de serviço “nascida” com um ato de nomeação, enquanto não se extinguir, é só uma, independentemente do número de renovações a que for sujeita.
Assim sendo, isto é, configurando-se a comissão de serviço como sendo uma única realidade, não destacável do seu início, eventuais renovações e o termo, não sentimos qualquer hesitação em assumir que a contagem dos “12 meses seguidos de exercício de funções” a que se reporta o nº.1 do artigo 26º do EPD deverá reger-se por este enquadramento - no sentido da inclusão do tempo integral da comissão de serviço para efeitos de eventual atribuição da indemnização devida - e não por qualquer outro, como o postulado pela sentença recorrida.
Neste enquadramento, e sopesando a factualidade coligida no probatório sob os pontos 1) a 3), donde emerge que a Recorrente esteve investida em regime de comissão de serviço para o exercício de funções correspondentes pelo período seguido de 6 anos e 7 meses, é de inteira evidência que lhe assiste o direito de indemnização preconizado no artigo 26º, nº.1 do EPD, a calcular nos termos legais, isto é, em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço e no montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem [cfr. nº.2 do artigo 26º do EPD].
Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir pela procedência do erro de julgamento de direito ora em análise, por violação do disposto no artigo 26º, nº. 1 do EPD.
A Recorrente imputa ainda à sentença recorrida ofensa do disposto nos artigos 494º e 496, nº.s 1 e 3, ambos do Código Civil, desta feita, no que tange ao segmento decisório que desconsiderou o pedido de indemnização por danos morais, por não se mostrar evidenciada uma situação de atuação ilícita por parte da Administração.
Porém, independentemente da certeza de assim não o ser, não se acompanha a Recorrente na sua visão no caso particular em análise da ocorrência de prejuízos na sua esfera jurídica suscetíveis de compensação ao nível dos danos não patrimoniais.
Na verdade, em nosso entendimento, tal posição emerge como inaceitável, pois que, sendo o quadro fáctico a atender é o que resulta fixado em 1ª instância, e não um qualquer outro, não foi demonstrado qualquer lastro factual que permita concluir que a Recorrente, com a atuação do Recorrido descrita nos autos, sofreu angustia, perturbação, revolta e sentimentos de justiça, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à pretensão indemnizatória adicional da Recorrente.
Efetivamente, inexistindo dano, inexiste dever de indemnização.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido parcial provimento ao recurso interposto, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida e julgada parcialmente procedente a presente ação administrativa, consequentemente, anulando-se o ato impugnado e condenando-se o Réu, aqui Recorrido, a praticar novo ato que reconheça à Autora, aqui Recorrente, o direito de indemnização preconizado no artigo 26º, nº.1 do EPD, a calcular nos termos legais, isto é, em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço e no montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem [cfr. nº.2 do artigo 26º do EPD].
Assim se decidirá.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a presente ação administrativa, consequentemente, anulando-se o ato impugnado e condenando-se o Réu, aqui Recorrido, a praticar novo ato que reconheça à Autora, aqui Recorrente, o direito de indemnização preconizado no artigo 26º, nº.1 do EPD, a calcular nos termos legais, isto é, em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço e no montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem [cfr. nº.2 do artigo 26º do EPD].
Custas a cargo da Recorrente e Recorrido, na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 15 de dezembro de 2019,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Frederico de Frias Macedo Branco