Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01188/11.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
CLÁUSULA GERAL ANTIABUSO
TRANSFORMAÇÃO DE SOCIEDADE POR QUOTAS EM SOCIEDADE ANÓNIMA
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) O planeamento fiscal ilegítimo “consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo”, sendo que é a este tipo de situações que irá ser aplicada a CGAA e, consequentemente serão desconsiderados os efeitos fiscais do acto ou negócio jurídico lícito praticado pelo contribuinte que desencadeou na obtenção de vantagens fiscais.
III) O art. 38º nº 2 da LGT é complementado pelo extenso artigo 63.º do CPPT, que contém um conjunto disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições antiabuso, apontando-se os seguintes elementos: meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatário.
IV) Se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, sendo que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38º nº 2.
V) Não se verifica uma situação enquadrável no nº 2 do art. 38º da LGT, desde logo por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais (pois ele foi dirigido também à criação de uma sociedade anónima por se pretender que ela funcionasse com as características e potencialidades que lhe são inerentes), mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:P... e A...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 02-09-2016, que julgou procedente a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, intentada por P… e A…, determinando a anulação do despacho da autoria do Director Geral dos Impostos datado de 28.01.2011, exarado sobre a informação n.º 20/2011, pelo qual se autorizou a aplicação da cláusula geral anti-abuso.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 304-323), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. Vem o presente recurso interposto contra a douta sentença de 02/09/2016, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a acção e em consonância anulou “o acto de aplicação da cláusula geral anti-abuso, datado de 28.01.2011”.
B. A douta Sentença recorrida não deu como assente o facto de ser indiferente à celebração do negócio de (promessa) de compra e venda das respectivas participações sociais, a transformação da sociedade “S..., LDA”, da sociedade por quotas em sociedade anónima e assentou a sua convicção no depoimento da testemunha que “ apesar de se ter furtado a responder objectivamente às perguntas sobre a essencialidade da transformação para a celebração do negócio com a AH…, foi seguro, detalhado e objectivo na parte tocante à explicitação das razões económicas subjacentes á opção pela transformação da estrutura societária da S..., à data. ”
C. Considerou o Tribunal que “ a testemunha explicitou de forma congruente e segura a mais-valia resultante para a S... resultante da adopção da estrutura de sociedade anónima, face aos projectos de investimento de que carecia para o desenvolvimento da actividade e a própria “ sobrevivência” da empresa, praticamente asfixiada pela falta de liquidez, e perspectivada também do ponto de vista da maior adequação da estrutura orgânica, correspondente àquela estruturação, à profissionalização da gestão ou da estratégia empresarial, que era necessário desenvolver.
Assim, e em conjugação com o relatório justificativo da transformação a testemunha logrou convencer o tribunal acerca (da validade) das razões económicas subjacentes à decisão de transformação, tudo a motivar a inclusão da respectiva factualidade dos factos provados “15” e “16”).
D. O que configura, salvo douta opinião em contrário, um manifesto erro de facto porque não existe qualquer racionalidade económica, no caso concreto, na transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, porquanto as razões avançadas para a opção pela modificação da estrutura da S...: necessidade e adequação desta estrutura face a exigências de investimento e de profissionalização da gestão, nunca se poderiam concretizar no espaço temporal de 11 dias, que mediou a transformação da sociedade e a venda das participações sociais, tendo já sido prometida a sua alienação, ao que acresce o facto de a sociedade se encontrar organizada e a laborar com a forma de sociedade por quotas há vinte e oito anos.
E. O Tribunal só poderia ter concluído que a transformação social foi funcionalizada relativamente à intenção de evitar a tributação da operação de alienação de participações sociais, tendo como único efeito mensurável transformar a mais-valia tributada do ora recorrido numa mais-valia não tributada, e este facto é completamente dissipado na ponderação que resulta da douta decisão ora recorrida, o que configura um manifesto erro de facto contra o qual a ora recorrente interpõe os presentes autos de recurso.
F. Padecendo também a douta decisão de um erro de direito, quando sufraga o entendimento de que mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, não pode deixar de se aceitar fiscalmente.
G. O entendimento propugnado na douta sentença, alicerça-se no pressuposto de que o ora recorrido conseguiu demonstrar que a transformação societária seguida de alienação de participações sociais tem subjacente um “fim comercial legítimo “, “ uma razão empresarial legítima e não uma mera intenção de redução indevida do imposto a pagar”.
H. Salienta a douta decisão que “a opção pela modificação da estrutura da S... para uma sociedade anónima estiveram considerações de necessidade e adequação desta estrutura face a exigências de investimento e de profissionalização da gestão da empresa. (…) ” e que: “ a transformação da S... estava incluída no clausulado do contrato promessa de compra e venda das participações sociais”, desconsiderando na sua ponderação o facto objectivo e evidente que foi: “curto o período de tempo em que se sucederam as operações intermediando, entre a promessa de compra e venda e a transformação da S... apenas 8 (oito) dias e esta transformação e a alienação das participações, um lapso de 11 (onze) dias.”.
I. Considera o ilustre Tribunal que deste indício a “ Autoridade Tributária retira a ilação relativa à conexão intencional interposta entre a transformação da sociedade e a obtenção da vantagem fiscal correspondente à não tributação das mais-valias resultantes da alienação das participações sociais”, sustentando que este “ raciocino (…) enferma de vício lógico, constatando-se que se partiu da conclusão para a premissa- no caso, da (suposta) finalidade para o meio”.
J. E por isso toda a reconstrução reflexiva na qual sustenta a sua fundamentação está errada, porque o juízo de prognose póstuma objectiva, só permite concluir que a transformação social se encontra despida de qualquer substância económica e praticada com abuso de formas jurídicas, porque nenhuma das razões aventadas para a mesma se verificam em concreto, não se vislumbrando qualquer vantagem económica, financeira, comercial ou outra, que fundamente essa decisão.
K. Ao contrário do que se considera da douta decisão objecto de recurso, não é verosímil que no período de onze dias, que mediou a transformação e a alienação do capital social que se viesse a concretizar qualquer dos motivos aventados para a mesma, não se compreendendo como se poderia capitalizar neste período de tempo qualquer vantagem para a nova estrutura jurídico societária da empresa.
L. A transformação social foi funcionalizada relativamente à intenção de evitar a tributação da operação de alienação de participações sociais, não existindo qualquer racional na mesma que se justificasse por si só, tanto mais que os resultados económicos obtidos com a venda das quotas teria obtido idênticos resultados aos derivados do negócio celebrado com a venda de acções, só que seria sujeito à tributação devida, caso o ora recorrido tivesse praticado negócio equivalente e vendido as quotas teria obtido idênticos resultados económicos aos que derivam do negócio celebrado, só que teria de se sujeitar à tributação devida.
M. Assim, um raciocínio lógico só permite concluir, ao contrário do que decorre da douta sentença objecto de recurso, que o único racional subjacente à transformação teve por base a intenção de eliminar a oneração fiscal adveniente para o ora recorrido da tributação de mais-valias, porquanto caso tivesse sido praticado negócio equivalente – venda da quota, teria obtido idênticos resultados económicos dos que derivam do negócio celebrado – venda das acções.
N. Não é o facto, da transformação, ter sido incluída no clausulado do contrato promessa de compra e venda das participações sociais que a configura como uma condição de celebração desse mesmo contrato, mas sim a racionalidade da sua integração no mesmo, a Autoridade tributária, não duvida que os actos/ negócios jurídicos praticados/efectuados foram queridos e fruto de uma vontade efectiva, directa e autónoma, essa inserção, constitui uma prova substantiva da existência de um negócio real (negócio sombra), a decorrer paralelamente ao negócio formal (artificial), cabendo a este conferir a formalidade necessária para atingir o objectivo da não tributação que resultaria única e exclusivamente com a realização do negócio real, ou seja com a venda das participações sociais.
O. A transformação da sociedade é um acto de todo o esquema sub judice, conforme se refere no acórdão do TCAS de 15.02.2011, Processo n.º 5255/10, “estamos aqui, perante as denominadas “step by step transactions” nas quais se encontra uma “factie species” complexa, envolvendo uma sucessão de actos/negócios coordenados entre si, embora possam ocorrer em momentos temporais diversos, e com o objectivo comum de conseguir uma vantagem fiscal. Face a esta espécie de operações, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-os como uma única transacção, propendendo para um único e final resultado”.
P. Considera a decisão objecto de recurso que “ a demonstração da artificiosidade do meio, da inusualidade do procedimento, do abuso do formalismo adoptado”, cumprindo “ aferir (…) de acordo com o pressuposto estabelecido na norma contida no art.º 38.º, n.º 2 da LGT, a realização da operação societária se revela anómala, inusual, complexa ou contraditória, em face dos fins económicos visados como resultado e se traduz um abuso da forma jurídica que lhe é inerente”, constatando que “ inexiste incongruência ou desfuncionalização da operação em face dos resultados visados, revelando-se aquela, ao invés, idónea à consecução destes”.
Q. No entanto, esquece na sua ponderação que nenhuma das vantagens enunciadas se efectivaram, nem poderiam ser tidas como legítimas, atendendo a que a transformação societária foi deliberada apenas 11 dias antes da formalização da transmissão das participações sociais, e se não se efectivaram, não pode a recorrente concordar com o ilustre tribunal ad quem quando este se pronuncia dizendo que “Na realidade, transparece, à luz da factualidade provada, a existência de um “ fim comercial legitimo”, de “ uma razão empresarial legítima e não uma mera intenção de redução indevida do imposto a pagar”, uma vez que ficou demonstrado que as justificações sustentadas pelo ora recorrido assentam sobre hipóteses ou intenções e não sobre resultados efectivos, os quais são impossíveis de verificar no prazo de 11 dias.
R. De facto, da prova resulta, para além de qualquer dúvida razoável, que nos presentes autos se verifica uma preponderância da motivação fiscal face à motivação não fiscal, dada a debilidade dos argumentos invocados pelo ora recorrido e que foram erradamente acolhidos na douta decisão objecto de recurso, assim, a debilidade dos argumentos invocados, aliados à evidente vantagem fiscal, traduzida na ausência de tributação da venda das acções, não permite outra conclusão, à luz da lógica mundana e da experiência, que não seja o efectivo cumprimento do ónus probatório que competia à AT e, por conseguinte, a verificação no caso vertente do elemento intelectual.
S. Ao que acresce, que a douta decisão objecto de recurso olvida na sua ponderação que não foi trazido à colação pelo ora recorrido qualquer elemento que esclarecesse a operação de transformação, nomeadamente, porque motivo é que os sócios deliberaram a transformação de uma sociedade por quotas - organizada e a laborar com essa forma à VINTE e OITO ANOS (1979 a 2007) - em sociedade anónima, ONZE DIAS antes do prometido acto de alienação da capital social.
T. Não é razoável, nem consistente com uma plena ponderação dos facto que se considere que o raciocínio da Administração enferma de um vício lógico, quando perspectiva a transformação do ponto de vista da venda, assumindo que a transformação foi funcionalizada relativamente à intenção final, de evitar a tributação.
U. A Administração pondera toda a situação do ponto de vista racional, da análise da situação é necessário a obtenção de vantagem, partindo exactamente do pressuposto coerente e lógico de que os agentes económicos são congruentes e ponderados nas suas decisões e a transformação, nos termos e moldes com que foi operada só pode ser percepcionada e contextualizada, num encadeado de actos praticados, desnecessário, supérfluo, excessivo, e acima de tudo injustificado na sua vertente económica, mas que adquire sentido quando se apreende perspectivado pelo propósito fiscal, viabilizando a montagem da operação abusiva que permitiu a obtenção de uma exclusão de tributação das mais-valias, não resultando provada qualquer justificação empresarial para a transformação.
V. Com efeito a prova da motivação fiscal nas Cláusulas Contratuais é feita, com recurso a factos ou elementos de prova que permitam ao intérprete extrair, com razoável segurança e segundo critérios de razoabilidade e normalidade a conclusão de que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um preponderante fim fiscal, e neste contexto não podemos concordar com a ponderação efectuada pelo Tribunal, porquanto o que está em causa é aferir se houve um abuso das formas jurídicas com o essencial ou principal fim da eliminação de impostos que seriam legalmente devidos, caso não ocorressem os negócios jurídicos em apreço.
W. Não existindo, de facto, prova de qualquer racionalidade económica para a transformação, só resta uma interpretação a fazer sobre as motivações subjacentes aos actos jurídicos praticadas: a vontade elisiva, incorrendo a douta decisão objecto de recurso em erro quando assevera que a motivação não fiscal subjacente à operação de transformação respeita justamente às “vantagens inerentes à estruturação da S... como Sociedade anónima”, porquanto na verdade, o que se verifica é que com esta operação o sujeito passivo obteve uma poupança fiscal, não despicienda, que se traduziu na não tributação da mais-valia resultante da alienação das partes sociais.
X. Quanto à forma utilizada ou “elemento meio” que corresponde à via escolhida pelo ora recorrido para obter o desenhado ganho ou vantagem fiscal, no presente caso consistiu na operação de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, com o único e principal objectivo de produzir o efeito desejado de afastamento do pagamento dos impostos resultantes desse negócio.
Y. Não se logrando provar que a transformação efectuada tenha tido considerações de necessidades e adequação desta estrutura face a exigências de investimento e de profissionalização da gestão da empresa, porquanto como é que onze dias podem determinar uma maior capacidade de investimento ou uma mais eficiente gestão?
Z. A vantagem fiscal e a equivalência económica obtidas ou “elemento resultado” teve como objectivo a eliminação da tributação, em sede de IRS, fazendo com que retirasse o máximo benefício da estrutura utilizada ao não ser tributado para ganho das mais-valias obtidas, ao abrigo da alínea b), do n.º 4, do artigo 43º do CIRS, sem recurso à estrutura utilizada o ora recorrido sabia que não beneficiaria da exclusão de tributação, ficando sujeito a imposto, nos termos gerais, como rendimentos da categoria G de IRS.
AA. Podemos concluir que a alienação das participações sociais tanto ocorreria quer fossem quotas, quer fossem acções, ou seja a venda das acções produziu o mesmo fim económico, que teria acontecido ainda que o capital social fosse titulado por quotas, estamos perante dois negócios ou actos de idêntico fim económico, no qual o novo detentor, quer fosse detentor de acções, quer fosse detentor de quota, teria a mesma influência ou poder de decisão na sociedade.
BB. A apreciação do negócio jurídico é um todo que produz efeitos jurídicos, a motivação do ora recorrido consistiu na prática de actos na esfera da sociedade, essencial ou principalmente dirigidos à não tributação da venda das partes sociais que detinha, pois não se verificou que a Sociedade viesse a usufruir de nenhuma das vantagens elencadas no projecto de transformação da mesma, nem de nenhum dos motivos trazidos aos autos pela testemunha, de que não beneficiasse já anteriormente.
CC. Quanto à reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida ou “elemento normativo” subjaz aqui a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito ou propósito da lei e os princípios do sistema fiscal.
DD. Ora, relativamente a este elemento dúvidas não subsistem que o mesmo está preenchido, ao contrário do que resulta da douta sentença recorrida, que sufraga integralmente o entendimento vertido pelo ilustre Professor Saldanha Sanches.
EE. A Constituição e a lei fiscal pressupõem a tributação segundo a capacidade contributiva, mesmo quando essa tributação incide sobre a alienação de participações sociais.
FF. No caso em concreto a exclusão das mais valias provenientes da alienação das acções, teve subjacente critérios exclusivos de política fiscal como forma de incentivar e dinamizar o mercado de capitais e atrair investimentos, sem contudo, deixar de tributar a mera especulação mobiliária de curto prazo ou qualquer outra forma artificiosa de exclusão.
GG. Pretendia-se dinamizar o mercado bolsista sem contudo promover a especulação de curto prazo.
HH. Na situação em apreço verifica-se existir essa forma artificiosa de exclusão que passou por atribuir aos actos uma forma diferente da substância.
II. Ora, o aproveitamento ilícito, através de meios artificiosos ou fraudulentos do regime de exclusão tributária, não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática por parte do ordenamento jurídico.
JJ. Tem sido este o entendimento seguido pelo Tribunal Central Administrativo Sul nos acórdãos n.º 04255/10 de 15.02.2011 e n.º 05104/11 de 14.02.2012, que apontam para um conceito latu de antijuridicidade com remissão para os conceitos que nesta matéria vão sendo aclarados e fixados pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
KK. Não se nega que o escopo do legislador, cf. artigo 10º, n.º 2, da alínea a) do CIRS, é a transformação das sociedades por quotas em anónimas ao conceder tal exclusão, mas esse incentivo está direccionado aos investidores que transformam e aproveitam a nova forma de gestão e organização ou àqueles que só se preocupam com a alteração das sociedades no momento que antecede a venda e que procedem à transformação societária para aproveitar a vantagem fiscal?
LL. Ou seja, na interpretação sufragada pela douta decisão, a intenção do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS seria premiar quem o conseguir ludibriar.
MM. Pois que se o legislador fiscal confere uma não sujeição na tributação das mais-valias de acções então é porque “está mesmo a pedi-las”, isto é, está a pedir aos sócios para previamente transformarem as suas sociedades por quotas em sociedades anónimas antes de alienarem as suas participações.
NN. Mas, claro está, que o legislador fiscal só quis isto para alguns – os mais expeditos que os outros –, porque para os demais – aqueles que não utilizam expedientes artificiais –, esses são tributados nos termos do artigo 10.º, n.º 1, aliena b) do CIRS.
OO. A interpretar-se assim o escopo do sistema jurídico – fiscal, até nos poderíamos interrogar do porquê da tributação das mais-valias resultantes da alienação de quotas?
PP. Seria o “esquecimento” a razão de ser da tributação das mais-valias por alienação de quotas, isto é, será que o legislador fiscal só queria “castigar”, em termos fiscais, o contribuinte que se esqueceu de transformar a sociedade por quotas em sociedade anónima?
QQ. Não fosse o expediente artificial e injustificado, o alienante sempre seria tributado pela alienação das suas participações sociais.
RR. E isto porque o artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS constituía um incentivo ao desenvolvimento do mercado de capitais, sendo que o requisito da permanência das acções durante 12 meses indiciava a não existência de um intento especulativo na alienação das acções.
SS. Não pode dizer-se que o legislador tenha querido o aproveitamento de formas fiscais menos onerosas, dando ao contribuinte a possibilidade de escolher os negócios mais vantajosos, apenas, por motivações fiscais.
TT. Assim, o aproveitamento ilícito, através de meios artificiosos ou fraudulentos do regime de exclusão tributária, não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática por parte do ordenamento jurídico.
UU. Não se pode conceber como normal e adequado e por decorrência, lícito ou legítimo que os contribuintes estruturem os seus actos de modo a transformarem artificialmente rendimentos sujeitos a tributação em rendimentos dela excluídos, sob pena de estar abusivamente a descaracterizar a realidade.
VV. Aceitar esta transformação como legítima significaria a subversão do princípio da legalidade e da igualdade – da capacidade contributiva, pois que a tributação deixa de ser materialmente justa, na medida em que existam manifestações da capacidade contributivas não tributadas, produzindo efeitos não desejados pelo ordenamento jurídico.
WW. Até porque não se encontra na empresa, nem na sua actuação no mercado ou na sua actividade, nenhuma razão que permita considerar essencial ou relevante transformação operada, bem pelo contrário.
XX. Sendo inquestionável, a liberdade de escolha da forma jurídica da empresa, há no entanto limites com a qual se tem de conformar, desde logo, com relevância para a matéria em apreciação, o da subsistência e manutenção do sistema fiscal visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados (cfr.art°.103, n°.1, da Constituição da República).
YY. Os ‘estímulos’ à transformação das sociedades, tem de ser compatibilizados com o princípio da neutralidade fiscal, o qual tem clara expressão no artº. 81, al. f), da Constituição (após a revisão efectuada pela Lei Constitucional 1/2005, de 12/8), norma em que se estabelece como incumbência prioritária do Estado, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolista e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral, e não servir propósitos que visam essencial ou predominantemente a eliminação total do imposto que seria devido pelo ora recorrido sobre as mais valias que não fosse a transformação social seriam tributadas.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.”

Os Recorridos P… e A… apresentaram contra-alegações (cfr. fls. 339-366), tendo concluído da seguinte forma:
“(…)
01- Atendendo que a reapreciação da prova considerada pelo Tribunal a quo, na prolação da decisão, por parte do Tribunal ad quem, importa que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito no art. 640º, n.º 1 do CPC. E, considerando que a FP não deu cumprimento aos normativos legais aplicáveis, está vedada ao Tribunal ad quem, a possibilidade de conhecer do alegado erro de julgamento da matéria de facto.
02- Aplicação da CGAA exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Elemento meio (a forma utilizada); (ii) Elemento intelectual (a motivação do contribuinte); e (iii) Elemento normativo (a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida).
03- Tendo-se demonstrado que o mecanismo de “transformação” da S..., em Sociedade Anónima, nada tem de artificioso ou anómalo, sendo antes uma via perfeitamente legítima de cumprir com os desígnios societários, resulta inverificado o elemento meio.
04- A motivação, a intenção, o fundamento da “transformação” para sociedade anónima, está claro no Relatório Justificativo da Transformação: “a abertura da estrutura accionista”.
05- A sociedade socorre-se apenas de um meio normal de “transformação” para Sociedade Anónima, através de uma modalidade juridicamente consagrada e típica, sendo tal negócio de natureza simples, directa e linear.
06- A actuação do Autor teve na sua génese uma razão empresarial legítima, sendo a operação capaz de resistir ao chamado business purpose test, usando a terminologia da jurisprudência norte-americana.
07- A AT não demonstrou em momento algum a existência de um abuso de formas jurídicas e/ou a natureza artificiosa das formas e negócios utilizados, decorrente da deturpação da causa ou estrutura que normalmente se apontam a estes.
08- A “transformação” em sociedade anónima foi efectivamente realizada para preparar a expansão da sua actividade, reforçar a sua estrutura financeira através da emissão de acções ou de outros tipos de operações a realizar e ainda, dotar a empresa de órgãos sociais mais adequados à sua dimensão.
09- Também o elemento meio não se mostra preenchido, pois que opção pela “transformação” em sociedade anónima, não é uma forma complexa, muito menos insólita ou anómala, de actuação por parte de uma empresa. De facto, não estamos perante uma estrutura desrazoável e incómoda, só justificada pelas vantagens fiscais que secundariamente alcançou.
10- O que está em causa neste processo é, apenas, a “transformaçãoda S... em sociedade anónima, enquanto um acto societário corrente, que, se afigura plenamente válido, eficaz e lícito em termos de direito comercial.
11- Quando a lei permite ou até incentive a possibilidade de o contribuinte praticar certo negócio ou acto jurídico por motivos meramente fiscais a CGAA não deve aplicar-se, sendo que nesses casos nem sequer interessa averiguar qual foi a motivação do contribuinte.
12- Em face de alternativas legítimas, não pode o contribuinte ser forçado a escolher a mais onerosa em termos fiscais.
13- Embora se tratando do requisito menos evidente da CGAA, a existência de uma reprovação pela Lei ou pelo Sistema Fiscal do resultado obtido pelo contribuinte é, segundo a doutrina, conditio insuperável da aplicação em termos constitucionalmente conformes desta disposição geral anti-abuso, porquanto traduz a importação para a sede fiscal nacional das concepções de proibição de Fraude à Lei já consagrada noutros ordenamentos.
14- Não há, no entender do Autor, razões válidas para sustentar a reprovação normativo-sistemática do resultado que o contribuinte obteve, dado que o sistema fiscal tacitamente estimula operações como aquelas que estão aqui em causa e que permitem usufruir da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS [na redacção à data em vigor].
15- A transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima desde sempre vigorou como um acto societário possível à luz do C.S.C., sendo igualmente pacífica a transformação, sendo certo que o legislador tomou a iniciativa de desburocratizar e simplificar o processo de transformação dos tipos societários.
16- O legislador nunca estabeleceu qualquer barreira ou limite, nomeadamente abstendo-se de vedar a aplicação do regime de isenção das acções às participações adquiridas pelo contribuinte em resultado da transformação.
17- Não há reprovação do sistema jurídico nos casos em que o contribuinte pretender aproveitar a transformação para obter a isenção de mais-valias, concluindo-se assim pela não verificação do elemento normativo.
18- A operação de transformação societária em causa insere-se na actividade normal do sujeito passivo interveniente e das empresas, pelo que se torna evidente a ilegalidade da aplicação da CGAA ao caso em apreço, na medida em que não se encontra preenchido nenhum dos requisitos para a sua aplicação.
19- A própria doutrina evoca este exemplo como um study case de inaplicabilidade da CGAA: “Consideremos, por exemplo, o que sucede com as tributações das mais-valias: se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais. A operação, em si mesma – a sociedade que se transformou em sociedade anónima tem o seu capital em poucas mãos e não vai recorrer ao mercado de capitais – poderia ser catalogada entre as que têm uma mera motivação fiscal e, por isso, desconsiderada, mas para tal seria necessário que houvesse da parte do legislador uma intenção clara de tributar qualquer tipo de mais-valias tal como se pode discernir no texto normativo a respeito dos rendimentos de capital”. J.L. Saldanha Sanches, op. cit. Manual, p. 160.
20- A operação de transformação societária em causa insere-se na actividade normal do sujeito passivo interveniente e das empresas, pelo que se torna evidente a ilegalidade da aplicação da CGAA ao caso em apreço, na medida em que não se encontra preenchido nenhum dos requisitos para a sua aplicação.
21- Decorre da prova testemunhal prestada em Audiência Contraditória, que a transformação societária visou apenas preparar a expansão da actividade societária, reforçar a sua estrutura financeira através da emissão de acções ou de outros tipos de operações a realizar e ainda, dotar a empresa de órgãos sociais mais adequados à sua dimensão.
22- Em face do que fica dito, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica.
Assim, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, farão V. Ex.ªs inteira e sã JUSTIÇA!

O Ministério Público junto deste Tribunal não se pronunciou sobre o mérito do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar do invocado erro de julgamento ao nível da matéria de facto bem como apreciar da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação da CGAA.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Por ordem de serviço com o número OI201006504, de 27.09.2010, foi determinada a realização de acção inspectiva externa sobre os autores, de âmbito parcial, relativamente ao IRS de 2007, no sentido da verificação de eventual abuso de formas jurídicas e consequente aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso – cfr. Ordem de Serviço, Relatório de Inspecção Tributária e “Informação”, constantes, respectivamente, de fls. 8-9, 43 e ss. e 19 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
2. Em 20.10.2010 foi elaborada “Informação” relativa à aplicação de normas anti-abuso, no âmbito de “procedimento próprio a que se refere o art. 63.º do Código de Procedimento e Processo Tributário”, de onde constava, além do mais, o seguinte:
(...)
II. ORIGEM
Na sequência de um procedimento de inspecção tributária à sociedade AH…, SGPS, SA., NIPC.5…, no âmbito da OI201002232, forma obtidos alguns elementos demonstrativos de matéria enquadrável no nº 2 do art. 38.º da Lei Geral Tributária (...).
III. ELEMENTOS REFERENTES A P…
III.1. Elementos Cadastrais
P… (de agora em diante, P…), NIF. 1…, com domicílio fiscal na Rua…Porto, é sujeito passivo de IRS, colectado como médico radiologista desde 2002-01-02, com enquadramento em IR no Regime Simplificado de tributação e em IVA no Regime de Isenção do art. 9º do CIVA.
(...)
III.2. Análise
Alienação da participação social detida na sociedade S…, (S.A), com o NIPC. 5… (de agora em diante designada apenas por S…), com alteração prévia da forma jurídica, de sociedade por quotas para sociedade anónima, ocorrida posteriormente ao Contrato Promessa de Compra e Venda e anteriormente ao Contrato respectivo de Compra e Venda.
A mais-valia obtida foi declarada no anexo G1 da DM3 - Mais Valias Não Tributadas.
Pelos factos enunciados, cujo historial se passa a descrever, a mais -valia obtida encontra-se, antes, sujeita a tributação.
IV. DESCRIÇÃO DAS OPERAÇÕES ENVOLVENDO A AQUISIÇÃO E ALIENAÇÃO DA(S) PARTICIPAÇÃO(ÕES) DA EMPRESA S…
IV.1. Aquisição
IV.1.1. 2002-10-10 Escritura de Cessão de Quotas
Por escritura de Cessão de Quotas da sociedade S…, LDA., P… adquire quota de €45.000,00 representativa de 45% do seu capital (sociedade por quotas, com um capital social de €100.000,00)
A aquisição é efectuada pelo valor nominal da quota.
Anexo 1 - Cessão de quotas/aquisição de quota de €45.000,00
IV.1.2. 2004-01-27 Escritura de Cessão de Quotas
Por outra escritura de Cessão de Quotas da mesma sociedade, P... adquire uma outra quota de €10.000,00, pelo seu valor nominal, ficando detentor de duas quotas, uma de €45.000,00 e outra de €10.000,00 representando 55% do capital da S....
Anexo 2 - Cessão de quotas/aquisição de quota de €10.000,00
Nesta data, 55% do capital pertence a P... e os restantes 45% pertencem à empresa T…, Lda., com o NIPC. 5… (que passa a ser designada apenas por T…):
Quadro 2
Capital Social da S..., LDA.
2004-01-27
NIPC
NOME
Quotas
% Valor
1…P...45% 45.000,00
10% 10.000,00
sub-total 55% 55.000,00
5… T… 25% 25.000,00
5% 5.000,00
5% 5.000,00
5% 5.000,00
5% 5.000,00
sub-total 45% 45.000,00
Total Capital Social100%100.000,00

São sócios e gerentes da T…, cujo capital social ascende a €5.000,00:
Quadro 3
NIF
Nome
Quotas
% Particip.
1…António…1.250,0025%
1…Armindo… 1.250,0025%
1…José…1.250,0025%
1…Artur…1.250,0025%
Total Capital Social5.000,00100%
Anexo 3 – Certidão da Conservatória da T…
IV.1.2.1. 2007-10-09 T… cede quotas da S...
Por escritura de 2007-10-09, a T… cede aos seus 4 sócios-gerentes, a participação (quotas) que detém na S..., pelo seu valor nominal.
Cada um passa então a deter duas quotas, uma no valor de €5.000,00 e outra no valor de €6.250,00, perfazendo um total de €11.250,00 por cada um e um total global de €45.000,00.
Anexo 4 - Contrato de Cedência de quotas representativas da S...
Vendedor: T…
Compradores: Sócios-gerentes da T…
O Capital da S... passa a estar detido pelos seguintes sócios:
Quadro 4
NIF
Nome
Quotas
% %Total %Valor Nominal
1…P... 45,00% 10,00 % 55% 55.000,00
1…António… 5,00% 6,25% 25% 11.250,00
1…Armindo… 5,00% 6,25% 25% 11.250,00
1…José… 5,00% 6,25% 25% 11.250,00
1…Artur…5,00% 6,25% 25% 11.250,00
Totais 65% 6,25%100%100.000,00
IV.2. Alienação da participação social na S...
IV.2.1.2007-10-31 Celebração de Contrato Promessa
Por Contrato Promessa outorgado dentro do mesmo mês de Outubro de 2007, P..., juntamente com os restantes 4 sócios, agora da S... (antes da T…):
Anexo 5 - Contrato Promessa celebrado em 2007-10-31
• Revelam a intenção de aprovar em Assembleia -Geral a "transformação" da S... em sociedade anónima a fim de "permitir a abertura da estrutura accionista da sociedade", consubstanciando-se a mesma numa alteração das participações representativas do capital social para 100.000 (cem mil) acções ordinárias nominativas do valor nominal de 1,00 (um euro) cada uma, que ficariam distribuídas da seguinte forma: (ponto E. dos considerandos a ponto 1, da Clausula 2ª do contrato)
Quadro 5
NIF
Nome
Nº Acções
Valor Unitário
Valor nominal
1…P... 55.000 1.00 55.000,00
1…António… 11.250 1.00 11.250,00
1…Armindo… 11.250 1.00 11.250,00
1…José… 11.250 1.00 11.250,00
1…Artur… 11.250 1.00 11.250,00
Total Capital Social 100.000 100.000,00
• Prometem vender à empresa AH…, SGPS, SA., com o NIPC. 5… (2ª contraente deste contrato) e esta promete comprar as 11.250 acções de cada um dos 4 sócios-gerentes da T… e 45.000 acções (das 55.000 que possui) de P....
Ou seja, 90% do capital social da S... será alienado e os restantes 10% ficarão com P... (cláusula 3ª do contrato).
A prometida compra e venda de 90% do capital social é feita pelo preço global de €756.614,952 assim divididos:
NIF
Nome
Nº Acções
Valor nominal
%
Valor de Venda
%
1..P... 45.000 45.000,00 50,00% 370.500,91 48.97%
1…António… 11.250 11.250,00 12,50% 96.528,51 12,76%
1…Armindo… 11.250 11.250,00 12,50% 96.528,51 12,76%
1…José… 11.250 11.250,00 12,50% 96.528,51 12,76%
1…Artur… 11.250 11.250,00 12,50% 96.528,51 12,76%
Total Capital Social90.000 90.000,00100,00 %756.614,95 100,00%
(...)
• Prometem ainda, com a concretização da compra e venda das acções (ainda quotas), ceder os créditos resultantes de Prestações Suplementares e os Suprimentos que os primeiros contraentes detêm sobre a S..., pelo preço igual ao respectivo valor (clausula 4ª e 7ª do contrato).
Realizam, entretanto, em 2007-11-13 o respectivo Contrato de Cessão de Suprimentos e Prestações Suplementares.
• A título de Sinal e Princípio de Pagamento, os vendedores recebem na data deste contrato promessa €52.000,00 (...)
Receberiam, entretanto, a título de Reforço de Sinal, na data da assinatura do Contrato definitivo de Compra e Venda, o valor de €184.614,95 (...).
A escritura veio a realizar-se em 2007-11-19, como no segundo ponto seguinte se dá nota, tendo sido os cheques passados com data do dia seguinte e englobando, para além do(s) referido(s) valor(es), os suprimentos e prestações suplementares referidas no ponto anterior.
Os restantes €520.000,00, sendo €247.500,00 para P... e €68.125,00 para cada um dos restantes 4 vendedores seriam recebidos 15 meses apôs a celebração do Contrato de Compra e Venda. Estes recebimentos vieram a concretizar-se em 2009-02-28.
IV.2.2. 2007-11-08 Transformação da S... em Sociedade Anónima Por contrato de 2007-11-08 (uma semana após a celebração do Contrato Promessa referido no ponto anterior) os 5 sócios da S..., transformam a sociedade por quotas em sociedade anónima, com um capital social de €100.000,00 representado por 100.000 acções.
De acordo com o Relatório Justificativo da Transformação, conforme art. 132º do CSC, datado de 2007-11-05, referem:
“Face aos projectos de investimento que a empresa tem intenção de concretizar, com vista à expansão da sua actividade, a nível de novas valências na área da saúde e de mercado, consideramos ser necessário a transformação da S..., LDA., em sociedade anónima.”
“Através da transformação em sociedade anónima a S..., LDA. poderá reforçar a sua estrutura financeira através da emissão de acções ou de outros tipos de operações a realizar, eventualmente nos mercados de capitais.”
“Há que salientar ainda que a transformação em sociedade anónima, vai dotar a empresa de órgãos sociais mais adequados à sua dimensão, facto que lhe permite enfrentar com mais segurança os desafios do futuro”.
Anexo 6 - Transformação da Sociedade, novo Pacto Social e Relatório Justificativo da Transformação
IV.2.3. 2007-11-19 Celebração do Contrato de Compra e Venda
Por Contrato de Compra e Venda celebrado em 2007-11-19, concretiza-se a alienação definitiva da participação da S... por parte de P..., e restantes vendedores, não à AH… mas antes à AH…, SGPS, SA (NIPC. 5…).
Anexo 7 - Contrato de Compra e Venda de Acções celebrado em 2007-11-19
IV.3. Conclusão
IV.3.1. Cronologia dos Factos
Esquematização cronológica da ocorrência dos factos, na vertente do sujeito passivo em análise, P..., entre a data de aquisição da participação social na S... e a sua alienação:
Quadro 8
Data
Descrição
Participação Social na S...
Valor NominalValor de AquisiçãoSinal Valor de Alienação
2002-10-10 Aquisição Quota 45.000 45.000,00
2004-01-27 Aquisição Quota 10.000 10.000,00
2007-10-31Contrato Promessa Cessão Quotas e Pagamento de Sinal45.000
2007-11-08Transformação da S... e em Sociedade Anónima24.750,00
2007-11-19Contrato Definitivo de Cessão das Acções45.000 45.000,00 370.500,91
Das operações descritas resultou, para P..., uma Mais Valia considerável, uma vez que a participação social adquirida por €45.000,00 foi valorizada em €370.500,91.”
IV.3.2. Declaração das Mais Valias obtidas
P..., na sua Declaração Modelo 3 referente ao exercício 2007, declara a Mais Valia obtida no Anexo G1 - MAIS-VALIAS NÃO TRIBUTADAS, no quadro 4 - Alienação Onerosa de Acções Detidas Durante Mais de 12 Meses, excluindo de tributação a Mais-valia obtida, por enquadramento da operação na alínea a) do nº 2 do art. 10º do CIRS.
V. ENQUADRAMENTO DOS NEGÓCIOS CELEBRADOS
V.1. Elementos demonstrativos do seu objectivo
Do exposto resulta evidente que a verdadeira substância económica da Transformação da sociedade por quotas S... em sociedade anónima, corresponde à possibilidade de usufruto da alínea b) do nº 4 do art. 43º do CIRS: no cálculo das mais e menos valias considera-se que “a data de aquisição das acções resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data da aquisição das quotas que lhes deram origem”.
Tendo em conta esta disposição legal, o sujeito passivo considerou que as acções (que resultaram da transformação) haviam sido adquiridas no mês de Outubro de 2002 (data de aquisição das quotas).
O acto jurídico referido - Transformação da S... em sociedade em anónima - celebrado ou praticado no âmbito da autonomia negocial e da liberdade contratual, afigura-se plenamente válido, eficaz e lícito em termos de direito comercial e civil, produzindo os seus efeitos jurídicos e não violando quaisquer normas de âmbito não fiscal.
Contudo, uma apreciação cuidada da factualidade exposta, permite identificar uma actuação ou conduta planeada com contornos de elisão fiscal - obtenção de vantagens fiscais desconformes ao ordenamento tributário.
Vejamos:
1. O início das negociações para a alienação da S..., tendo como representante da venda, P..., e como representante da compra, José Miguel Mendes, vice-presidente executivo da AH…, datam de Julho de 2007.
Anexo 8 - E-mail comprovativo início das negociações
2. O Contrato Promessa de Compra e Venda da S... foi firmado em data anterior à “Transformação”, sendo o mesmo acompanhado do recebimento de um valor a título de Sinal.
3. O próprio Contrato Promessa refere que é intenção dos vendedores transformar a sociedade em anónima, a fim de permitir a abertura da estrutura accionista.
Neste momento, quem poderia ter interesse na "Transformação" seriam os compradores e não os vendedores que tinham o negócio como certo. A venda estava garantida pelo que "a abertura da estrutura accionista" e os motivos económicos que a mesma deveria implicar não têm conexão com os factos ocorridos.
Anexo 9 - Auto de Declarações da AH…
4. Todos os motivos invocados no Relatório de Transformação de Sociedade, apesar de economicamente válidos, não são essenciais à venda. Deles não depende a concretização do negócio, deles não resultam quaisquer mais valias para os vendedores que não sejam o ganho individual por parte de P..., em usufruir do já citado benefício previsto no art. 43° nº4 b) do CIRS.
5. Segundo se apurou, todo o negócio foi gerido e determinado por P... que, para além de sócio maioritário tinha, como médico, a responsabilidade técnica da actividade e, como tal, um peso elevado nas decisões sobre o futuro da empresa.
6. A própria T…, aliena as suas quotas, pelo valor nominal, aos seus sócios - gerentes, em data intermédia às negociações, mais uma vez emergindo deste acto jurídico uma conduta planeada com intuito de elisão fiscal.
Com este acto, passam a ser 5 os sócios da S... que corresponde ao mínimo exigível para a constituição de uma sociedade anónima.
V.2. Vantagens Fiscais Obtidas
O sujeito passivo P..., apoiando-se na "Transformação" das suas quotas em acções, fez recair sobre estas a data de aquisição das primeiras (Outubro de 2002) e veio a usufruir da vantagem fiscal da Exclusão de Tributação das Mais-valias, conforme art. 10° n° 2 al. a) do CIRS.
Assim a tributação da Mais-valia gerada foi zero, caso que não aconteceria se P... não tivesse alienado acções mas antes quotas, que não beneficiam da exclusão legal.
De realçar que a decisão de 'Transformação" da S... é tomada em simultâneo com o Contrato Promessa de alienação das quotas e recebimento de Sinal, e portanto, com a garantia de concretização do negócio, tal e qual como ele existia, e que a "Transformação" em si, ocorre em momento posterior a este firmamento, pelo que a mesma não espelha os objectivos invocados.
Todos estes elementos, com carácter objectivo, demonstram, de modo inequívoco, que a tomada de decisão na celebração deste acto jurídico em apreço (''Transformação'' da S... em SA), se encontra influenciada pela Intenção de obtenção de vantagens fiscais - a da Não Tributação de Mais-valias.
Encontra-se manifestamente comprovado que os resultados não fiscais (económicos, financeiros, comerciais e outros) do negócio jurídico celebrado seriam os mesmos (alienação da participação) que seriam alcançados em condições de não ''Transformação'' da sociedade (ausência da intenção de obtenção de vantagens fiscais).
Donde, numa intenção de normalidade (inexistindo quaisquer intenções de elisão fiscal), os actos de substância económica equivalentes aos efectivamente praticados, resultariam na alienação directa das quotas representativas do capital da S....
VI. CONCLUSÃO
VI.1. Enquadramento do Acto Jurídico
Em face do exposto, resulta evidente estar em causa a utilização de um acto jurídico sem correspondência à verdadeira substância económica, com o objectivo principal de obtenção de vantagens fiscais traduzidas numa tributação menos onerosa, neste caso nula, mediante a montagem de uma operação de transformação de uma sociedade por quotas em anónima.
Ora, nos termos do n° 2 do art. 380 da LGT (na redacção dada pela Lei n° 30 - G/2000 de 29Dez), "são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas". Trata -se da Clausula Geral Anti-abuso em sede do ordenamento jurídico-tributário português.
VI.2. Valorização do Negócio e Efeitos Fiscais
Considerando-se ineficaz a "Transformação" da S... e efectuando-se a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência, estamos perante a alienação de quotas, adquiridas em Outubro de 2002 por €45.000,00 e alienadas em Novembro de 2007 por €370.500.91.
Nos termos do art. 10º nº1 b) do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem de alienação onerosa de partes sociais.
No seio dos art. 43º ao art. 48º do CIRS, apura-se uma Mais-valia de €325.500,91
Apuramento da Mais Valia Fiscal:
Quadro 9
Descrição
Valor de realização
Ano/mês Aq.
Valor de Aquisição
+/- Valia Fiscal
Quotas S...45 %370.500,912002-1045.000,00+ 325.500,91
De acordo com o nº 4 do art. 72º do CIRS. A Mais Valia Fiscal é tributada à taxa especial de 10%, sem prejuízo do seu englobamento por opção dos respectivos titulares do rendimento.
Conclusão:
Na Declaração Modelo 3 referente a 2007, entregue por P..., vem declarado no Anexo G1 - Mais Valias Não Tributadas, a Mais Valia de €325.500,91, tendo como consequência um imposto de zero.
Perante o devido enquadramento da operação, a mesma Mais Valia de €325.500,91 é tributada à taxa especial de 10%, originando um imposto em se de de IRS no valor de €32.550,09 (sem prejuízo do seu englobamento por opção dos respectivos titulares do rendimento). (...)
– cfr. documento 1 junto com a PI, constante de fls. 53 e ss dos autos físicos e fls. 224 e ss do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
3. Em 21.10.2010 foi exarado parecer sobre a informação referida em “2”, o qual era do seguinte teor:
Conforme fundamentos, confirmo a proposta de correcções no âmbito do procedimento próprio nos termos previstos no art. 63.º do CPPT, para efeitos de aplicação das disposições anti-abuso preconizadas no art. 38.º, n.º 2 da LGT” cfr. documento constante de fls. 53 e ss dos autos e 224 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
4. Por ofício de 21.10.2010 o autor foi notificado do teor da informação referida em “2.”, para efeitos de “exercício do direito de audição prévia – aplicação de norma anti-abuso”, no âmbito do procedimento referido em “2.” – cfr. documento constante de fls. 223 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
5. Em 04.11.2010 o autor apresentou, junto da Direcção de Finanças do Porto, de documento por meio do qual, “nos termos do art.º 63.º n.º 5 do CPPT e art. 60.º da LGT, [exercia] o seu direito de audição”, pronunciando-se pela inaplicabilidade da norma anti-abuso e concluindo no sentido do arquivamento do procedimento referido em “2.”– cfr. doc. 2, junto com a P.I., a fls. 68 e ss. dos autos físicos e fls. 299 e ss do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
6. Em 12.01.2011 foi elaborada, pela Direcção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspecção Tributária, a informação n.º 20/2011, da qual constava, além do mais, o seguinte:
“I-INTRODUÇÃO
1.1 - Através de despacho da Exma. Senhora Directora de Serviços e do Exmo. Senhor Chefe da Divisão de Planeamento e Apoio Técnico foi-nos ordenado que analisássemos e elaborássemos informação sobre a aplicação da cláusula geral antiabuso através do respectivo procedimento previsto no artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) no âmbito do procedimento inspectivo credenciado pela 01201006504 abrangendo o IRS do ano de 2007 e relativamente a um conjunto de actos jurídicos em que foi outorgante o sujeito passivo (SP) P…, nif 1….
II - INFORMAÇÃO
2.1 - Na informação da DFPorto-Divisão de Inspecção V datada de 09/11/2010 e relativa ao procedimento próprio para aplicação das normas antiabuso previsto e regulado no art. 63.º do CPPT estão elencados os actos jurídicos em que [interveio] como outorgante o SP e cujo enquadramento bem como os elementos demonstrativos do seu objectivo se reproduzem abaixo:
"(...)
V.1. Elementos demonstrativos do seu objectivo
(...) a verdadeira substância económica da Transformação da sociedade por quotas S... em sociedade anónima, corresponde à possibilidade de usufruto da alínea b) do n.º 4 do arfo 43.º do CIRS (. . .)
Tendo em conta esta disposição legal, o sujeito passivo considerou que as acções (que resultaram da transformação) haviam sido adquiridas no mês de Outubro de 2002 (data de aquisição das quotas).
O acto jurídico referido - Transformação da S... em sociedade anónima – celebrado ou praticado no âmbito da autonomia negocial e da liberdade contratual, afigura -se plenamente válido, eficaz e lícito em termos de direito comercial e civil, produzindo os seus efeitos jurídicos e não violando quaisquer normas de âmbito não fiscal.
Contudo, uma apreciação cuidada da factualidade exposta, permite identificar uma actuação ou conduta planeada com contornos de elisão fiscal obtenção de vantagens fiscais desconformes ao ordenamento tributário.
Vejamos:
1. O início das negociações para a alienação da S..., tendo como representante da venda, P..., e como representante da compra, J..., vice –presidente executivo da AH…, datam de Julho de 2007.
2. O Contrato Promessa de Compra e Venda da S... foi firmado em data anterior à "Transformação ", sendo a mesmo acompanhado do recebimento de um valor a titulo de Sinal.
3. O próprio Contrato Promessa refere que é intenção dos vendedores transformar a sociedade em anónima, a fim de permitir a abertura da estrutura accionista.
Neste momento, quem poderia ter interesse na "Transformação" seriam os compradores e não os vendedores que tinham o negócio como certo. A venda estava garantida pelo que a abertura da estrutura accionista e os motivos económicos que a mesma deveria implicar não têm conexão com os factos ocorridos. (...)". (...)
2.2 - Aliás, tal é devidamente confirmado no Auto de Declarações onde foi ouvido em 22/07/2010 o Exmo. Sr. N…, nif 2…, na qualidade de Director Financeiro da AH…, SGPS, S.A., onde sobre o: " (...)
Motivo da alteração da natureza jurídica da(s) sociedade(s) adquirida(s) pela empresa AH…, S.A. ou por suas sub-holdings, isto é, transformação – em data(s) próxima(s) da(s) da aquisição - de sociedade(s), originariamente por quotas, para sociedade(s) anónima(s), designadamente:
1) C…, S.A., NIPC 5…, adquirida por contrato realizado em 2007/12/17 e transformada em sociedade anónima em 2007/11/12.
2) S..., S.A., NIPC 5…, adquirida por contrato em 2007/11/19 e transformada em sociedade anónima em 200711 1108.
Tendo o mesmo declarado o que se passa a referir:
Para a AH… e/ou suas sub-holdings é indiferente a natureza jurídica das sociedades adquiridas. A decisão de transformação é anterior à nossa aquisição e da inteira responsabilidade dos vendedores. (...)
(...)
4. Todos os motivos invocados no Relatório de Transformação de sociedade, apesar de economicamente válidos, não são essenciais à venda. Deles não depende a concretização do negócio, deles não resultam quaisquer mais -valias para os vendedores que não sejam o ganho individual por parte de P..., em usufruir do já citado beneficio previsto no art. 43º nº 4 b) do CIRS.
5. Segundo se apurou, todo o negócio foi gerido e determinado por P... que, para além de sócio maioritário tinha, como médico, a responsabilidade técnica da actividade e, como tal, um peso elevado nas decisões sobre o futuro da empresa.
6. A própria T…, aliena as suas quotas, pelo valor nominal, aos seus sócios -gerentes, em data intermédia às negociações, mais uma vez emergindo deste acto jurídico uma conduta planeada com intuito de elisão fiscal.
Com este acto, passam a ser 5 os sócios da S... que corresponde ao mínimo exigível para a constituição de uma sociedade anónima. (...) ". (...)
2.3 - O mapa infra efectua a esquematização cronológica da ocorrência dos factos, na vertente do sujeito passivo em análise, P..., entre a data da aquisição da participação social na sociedade S... e a sua alienação:

Data
Descrição
Participação social na S...
Valor nominalValor de aquisiçãoSinalValor de alienação
10-10-2002 Aquisição de quota 45.000 45.000,00
27-01-2004 Aquisição de quota 10.000 10.000,00
31-10-2007Contrato Promessa Cessão Quotas e Pagamento de Sinal45.000 24.750,00
08-11-2007Transformação da S... em sociedade Anónima
19-11-2007 Contrato definitivo de Cessão das Acções 45.000 45.000,00 370.500,91
"(...)
V.2. Vantagens Fiscais Obtidas
O sujeito passivo P..., apoiando-se na "Transformação" das suas quotas em acções, fez recair sobre estas a data de aquisição das primeiras (Outubro de 2002) e veio a usufruir da vantagem fiscal da Exclusão de Tributação das Mais -Valias, conforme art. 10º nº 2 al. a) do CIRS.
Assim a tributação da Mais -valia gerada foi zero, caso que não aconteceria se P... não tivesse alienado acções mas antes quotas, que não beneficiam da exclusão legal.
De realçar que a decisão de "Transformação" da S... é tomada em simultâneo com o Contrato Promessa de alienação das quotas e recebimento de Sinal, e portanto, com a garantia de concretização do negócio, tal e qual como ele existia, e que a "Transformação" em si, ocorre em momento posterior a este firmamento, pelo que a mesma não espelha os objectivos invocados.
Todos estes elementos, com carácter objectivo, demonstram, de modo inequívoco, que a tomada de decisão na celebração deste acto jurídico em apreço (“Transformação'' da S... em SA), se encontra influenciada pela intenção de obtenção de vantagens fiscais - a da Não Tributação de Mais-valias.
Encontra-se manifestamente comprovado que os resultados não fiscais (económicos, financeiros, comerciais e outros) do negócio jurídico celebrado seriam os mesmos (alienação da participação) que seriam alcançados em condições de não "Transformação" da sociedade (ausência da intenção de obtenção de vantagens fiscais).
Donde, numa intenção de normalidade (inexistindo quaisquer intenções de elisão fiscal), os actos de substância económica equivalentes aos efectivamente praticados resultariam na alienação directa das quotas representativas do capital da S....
VI. CONCLUSÃO
VI.1. Enquadramento do Acto Jurídico
Em face do exposto, resulta evidente estar em causa a utilização de um acto jurídico sem correspondência à verdadeira substância económica, como o objectivo principal, de obtenção de vantagens fiscais traduzidas numa tributação menos onerosa, neste caso nula, mediante a montagem de uma operação de transformação de uma sociedade por quotas em anónima.
Ora, nos termos do n" 2 do art. 38° da LGT (na redacção dada pela Lei n" 30-G/2000 de 29Dez). "são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas ". Trata-se da Cláusula Geral anti-abuso em sede do ordenamento juridicotributário português.
VI.2. Valorização do Negócio e Efeitos fiscais
Considerando-se ineficaz a "Transformação" da S... e efectuando-se a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência, estamos perante a alienação de quotas, adquiridas em Outubro de 2002 por €45.000,00 e alienadas em Novembro de 2007 por €370.500, 91.
Nos termos do art. 10º nº 1 b) do CIRS, constituem mais -valias os ganhos obtidos que resultem de alienação onerosa de partes sociais.
No seio dos art. 43º ao art. 48º do CIRS, apura-se uma Mais-valia de €325.500,91. (...) ". (...)
2.4 - Apresenta-se seguidamente um mapa que demonstra o negócio jurídico celebrado na hipótese de alienação de partes sociais de uma sociedade por quotas e o negócio jurídico celebrado com abuso de formas jurídicas , tendo como objectivo fundamental a eliminação e/ou redução dos encargos tributários:

Enquadramento Tributário
Base Tributável
Valor de realização
Ano/Mês de Aquisição
+/- Valia Fiscal
Imposto devido ao Estado
Alienação de QuotasAl b) do nº 1 do art 10º e art. 43.º a 48.º do CIRS370.500,91€ 2002/10325.500,91€32.550,91€
Alienação de AcçõesAl a) do n.º 2 do art 10.º do CIRS370.500,91€ 2002/10325.500,91€0
“(...) Conclusão:
Na Declaração Modelo 3 referente a 2007, entregue por P..., vem declarado no anexo G1
– Mais Valias Não Tributadas, a Mais Valia de €325.500,91, tendo como consequência um imposto de zero. (...)
Considerando-se ineficaz a "Transformação" da S... e efectuando-se a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência, estamos perante a alienação de quotas, adquiridas em Outubro de 2002 por €45.000,00 e alienadas em Novembro de 2007 por €370.500,91.
Nos termos do art. 10º nº 1 b) do CIRS, constituem mais -valias os ganhos que resultem de alienação onerosa de partes sociais.
No seio dos arts. 43º ao art. 48º do CIRS, apura-se uma Mais-valia de €325.500, 91. (...) (...) Perante o devido enquadramento da operação, a mesma Mais Valia de €325.500,91 é tributada à taxa especial de 10%, originando um imposto em sede de IRS no valor de €32.550,09 (sem prejuízo do englobamento por opção dos respectivos titulares do rendimento). (...)".
2.5 - Em cumprimento do imperativo legal constante dos n.º 4 e 5 do art. 63.º do CPPT, foi o SP notificado para exercer o direito de audição prévia.
Nesta sede, vem o SP aduzir os argumentos por nós considerados mais relevantes e
que se reproduzem infra:
“(...)
11º
É, assim, totalmente correcta a descrição e cronologia de factos que constam do item IV.3.l. do relatório da AT.
12º
Sobre esta matéria a posição do contribuinte é totalmente coincidente com a AT.
13º
A divergência não radica nas questões de facto, mas numa interpretação desconforme da CGAA e na falta de verificação dos pressupostos legais (...)
42°
o certo é que a transformação da sociedade não corresponde a um qualquer meio artificioso ou fraudulento, pelo que não estão reunidos os pressupostos para a aplicação da CGAA. (...)
46°
Deste modo, e em face do que se afirmou, independentemente dos demais requisitos que aqui não se sindicaram, não se encontra preenchido o elemento meio, o que por si é suficiente para excluir a aplicação da CGAA.
Termos em que deverá o processo especial do art. 63° do CPPT ser arquivado por falta de fundamento legal. (...) ". (...)
2.6 - Não obstante o SP ter procurado contrariar o enquadramento jurídico-tributário efectuado pela DFPorto-Divisão de Inspecção V, os argumentos nesse sentido utilizados não nos parecem suficientes para suscitar dúvidas quanto à legalidade da aplicação da CGAA no caso em análise, face à demonstração fáctica e jurídica constante dos excertos da informação da DFPorto-Divisão de Inspecção V datada de 09/11/20 10 reproduzidos supra, especialmente o exposto na sua parte V e VI.
IV-CONCLUSÕES
Dos factos e respectivo enquadramento jurídico-tributário supra reproduzidos não se vislumbram quaisquer entraves legais à aplicação da cláusula geral antiabuso.
V-PROPOSTAS
Destarte, e se o entendimento vertido supra merecer acolhimento superior, propomos a remessa do presente processo ao Gabinete do Exmo. Senhor Director-Geral dos Impostos para cumprimento do disposto no n.º 7 do art. 63.º do CPPT. ” – cfr. doc. 3 junto com a PI, a fls. 82 e ss. dos autos físicos e fls. 404 e ss do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
7. Sobre a informação referida em “6.”, em 28.01.2011 foi exarado, pelo Director-Geral dos Impostos, despacho com o seguinte teor:
Atentos os fundamentos da presente informação, autorizo a aplicação do procedimento proposto.” – cfr. doc. 3 junto com a PI, a fls. 81 dos autos físicos e fls. 404 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Em 12.04.2011 foi elaborado “Relatório de inspecção tributária”, donde consta, além do mais, o seguinte:
II.2.Motivo, Âmbito e Incidência Temporal
Motivo:
1. Esta acção tem por base o Despacho de 28 de Janeiro de 2011 do Senhor Director Geral dos Impostos que, por se verificarem os pressupostos necessários, autoriza a aplicação da Clausula Anti-Abuso prevista no art. 38º nº 2 da LGT, no sentido de se considerar ineficaz a operação de “transformação” da sociedade S..., LDA, NIPC 5…, de sociedade por quotas em sociedade anónima, para efeitos de afastamento de tributação em sede de IRS, das Mais Valias obtidas por P..., aquando a alienação onerosa da participação social detida na Sociedade. A referida “transformação” ocorreu em data posterior ao Contrato Promessa de Compra e Venda e anterior ao Contrato respectivo de Compra e Venda.
Passamos a reproduzir os factos elencados na informação prestada para abertura do Procedimento próprio:
(...)
2. Determinou esse Despacho do Senhor Director Geral dos Impostos, nos termos do art. 63.º nº 7 do CPPT, a aplicação das Disposições Anti-Abuso a essa operação, resultando daí a desconsideração da operação de “transformação” de Sociedade por Quotas em Anónima e consequente tributação das Mais Valias daí geradas, conforme dispõe o art. 10º n.1 b) do CIRS – constituem mais valias os ganhos obtidos que resultem de alienação de partes sociais – sendo o seu valor apurado no seio dos art. 43º ao art. 48º do CIRS.
Exclui-se, deste modo, a possibilidade de o sujeito passivo aproveitar a exclusão da tributação de mais valias, pela venda de acções detidas há mais de 12 meses, dada pela al. a) do nº 2 do art. 10.º do CIRS em conjugação com a al. b) do nº 4 d o art. 43º do mesmo normativo legal que estatui que a data de aquisição das acções resultantes de transformação de sociedade por quotas em anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem.
3 – Assim, nos termos do art. 89º nº2 b) do CIRS, por terem sido determinados erros de facto e de direito na liquidação de IRS do ano de 2007 que conduziram à obtenção de vantagens fiscais desconformes ao ordenamento tributário, resultando daí um prejuízo para o Estado, efectuar-se-á no seio da presente ordem de serviço a necessária liquidação adicional. (...)
– cfr. Relatório de Inspecção Tributária, constante de fls. 43 e ss. do PA junto aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
9. No âmbito da informação referida em “6.” (assim como do relatório referido em “8.”), foi considerado “Auto de declarações”, tomadas em 22.07.2010 a N…, na qualidade de Director Financeiro da sociedade “AH…, SGPS, SA”, de onde se retira que o mesmo declarou, relativamente ao “[motivo] da alteração da natureza jurídica da(s) sociedade(s) adquirida(s) pela empresa AH…, SA ou por suas sub -holdings, isto é, transformação – em data(s) próxima(s) da aquisição – de sociedade(s), originariamente por quotas, para sociedade(s) anónima(s), designadamente: 1) C…, S.A., NIPC. 5…, adquirida por contrato realizado em 2007/12/17 e transformada em sociedade anónima em 2007/11/12; 2) S..., SA., NIPC. 5…, adquirida por contrato em 2007/11/19 e transformada em sociedade anónima em 2007/11.08”, o seguinte: “Para a AH… e/ou suas sub-holdings é indiferente a natureza jurídica das sociedades adquiridas. A decisão de transformação é anterior à nossa aquisição e da inteira responsabilidade dos vendedores.” - cfr. “Auto de declarações” constante de fls. 217 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
10. Em 9.07.2007 foi remetida por J… (Vice-Presidente Executivo da AH…) ao advogado Rui…, com conhecimento para, entre outros, N… (Director Financeiro da AH…), mensagem de correio electrónico com o seguinte teor:
Rui, estivemos reunidos com o Dr. P... e acertamos os pormenores finais do negócio.
Fechamos o acordo com o compromisso de que os advogados vão conseguir que assinemos o CPCV nos próximos 15 dias. Como deve imaginar, ele disse que o atraso era devido a nós e nós dissemos que era devido à parte dele, logo, impusemo-nos uma obrigatoriedade de assinar brevemente.
Rui, em caso de dúvida ligue-me por favor para darmos celeridade a este processo.
Em termos de anexos, envie-me por favor o que deve constar e o que ainda lhe falta. (...)” – cfr. e-mail constante de fls. 386 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
11. Em 31.10.2007 foi celebrado entre o Autor e os demais sócios da S..., como primeiros contraentes, e a sociedade comercial “AH…, SGPS, SA”, contratopromessa, no qual se estabeleceu, além do mais:
1.º
Os PRIMEIROS CONTRAENTES são donos e legítimos titulares da totalidade do capitar social da TERCEIRA CONTRAENTE, "S..., LDA.", NIPC 5…, com sede no Parque…, freguesia de Guimarães (São Sebastião), concelho de Guimarães, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães sob o aludido número 5…, que corresponde à anterior matrícula 3…, com o capital social integralmente realizado e registado de € 100.000 (...);
2.º
1. Os PRIMEIROS CONTRAENTES, mercê dos direitos de voto que possuem na SOCIEDADE obrigam-se a promover a sua transformação em sociedade anónima, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sendo o respectivo capital social representado por 100.000 acções ordinárias nominativas com o valor nominal de € 1,00 (um euro) cada; Para o efeito, os PRIMEIROS CONTRAENTES tomarão a respectiva deliberação em Assembleia-Geral e outorgarão todos os documentos públicos ou privados, necessários ou convenientes à efectivação da transformação da sociedade, impreterivelmente até 30 de Novembro de 2007.
2. Em resultado da transformação da SOCIEDADE, tal como descrito no número anterior, os PRIMEIROS CONTRAENTE5 ficarão titulares da totalidade das 100.000 acções representativas da totalidade do seu capital social.
3. O pacto social da SOCIEDADE será o constante da minuta que se junta como ANEXO I.
4. Os custos com a transformação da SOCIEDADE serão integralmente suportados pelos PRIMEIROS CONTRAENTES.
3.º
1. Os PRIMEIROS CONTRAENTES B, C, D e E prometem vender à AH…, e esta promete comprar-lhes, livres de quaisquer ónus e encargos, as 45.000 (quarenta e cinco mil) acções representativas do capital social da sociedade que venham a deter.
2. OS PRIMEIROS CONTRAENTES A prometem vender à AH…, e esta promete comprar-lhes, livres de quaisquer ónus e encargos, 45.000 (quarenta e cinco mil) acções representativas do capital social da SOCIEDADE, reservando para si 10.000 (dez mil) acções representativas de 10% do capital social.
3. É condição essencial para a celebração do negócio o compromisso assumido pelos PRIMEIROS CONTRAENTES da transmissão de noventa por cento do capital social da SOCIEDADE para a SEGUNDA CONTRAENTE até 30 de Novembro de 2007 e que os restantes 10% (dez por cento) do capital social permaneçam na titularidade do PRIMEIROS CONTRAENTES A tituladas em nome do Dr. P…, conforme consta dos pontos 1 e 2 da presente cláusula; (...).” – cfr. doc. 4 junto com PI, (contrato-promessa) constante de fls. 88 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
12. Em 05.11.2007 foi elaborado, pela gerência da sociedade “S..., LDA”, documento denominado “Relatório Justificativo da Transformação”, com o seguinte teor:
A sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada “S..., LDA”, com sede social no Parque…, freguesia e Concelho de Guimarães, pessoa colectiva número 5…600, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães sob o número 5… (anterior matrícula 3…), foi fundada em Junho do ano de 1989, tendo como objecto social a actividade de radiologia e afins, tendo actualmente o capital social de 100.000 Euros.
Face aos projectos de investimento que a empresa tem a intenção de concretizar com vista à expansão da sua actividade, a nível de novas valências na área da saúde e de mercado, consideramos ser necessário a transformação da "S..., LDA ", em sociedade anónima.
Através da transformação em sociedade anónima a “S..., LDA ", poderá reforçar a sua estrutura financeira através da emissão de acções ou de outros tipos de operações a realizar eventualmente nos mercados de capitais.
Há que salientar, ainda, que a transformação em sociedade anónima, vai dotar a empresa de órgãos sociais mais adequados à sua dimensão, facto que lhe permite enfrentar com mais segurança os desafios do futuro.
Não há quaisquer impedimentos jurídicos à transformação, e a sociedade poderá agora aproveitar as vantagens do funcionamento como sociedade anónima, numa altura em que já nada justificava a sua manutenção como sociedade por quotas.
Cumpre-nos referir que, desde o dia de encerramento do Balanço Extraordinário reportado a 30 de Setembro de 2007, até à presente data, não se verificaram quaisquer alterações significativas na situação patrimonial da sociedade. (...) ” – cfr. doc. junto a fls. 193 dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
13. Em 08.11.2007 foi celebrada escritura pública pela qual se operou a transformação da sociedade “S..., Lda”, de sociedade comercial por quotas em sociedade anónima, de acordo com a deliberação da respectiva Assembleia Geral, de 06.11.2007 – cfr. doc. 5 junto com a PI (cópia da escritura), constante de fls. 107 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
14. Em 19.11.2007 foi celebrado “Contrato de compra e venda de acções” entre os sócios da sociedade “S..., S.A.”, como primeiros contraentes, e “AH…– SGPS, SA” (a quem a “AH…, SGPS, SA” cedera, na mesma data, a posição contratual no contrato referido em “11.”), pelo qual os primeiros venderam à segunda as acções representativas da totalidade do capital social daquela sociedade S.... – cfr. doc. 7 junto com a PI (contrato), a fls. 117 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
15. Os sócios da “S..., S.A.” consideravam necessária a transformação da sociedade em sociedade anónima, face aos projectos de investimento que a empresa tinha intenção de concretizar - cfr. doc. junto a fls. 193 dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
16. Os sócios da “S..., S.A.” consideravam que a transformação em sociedade anónima dotaria a empresa de órgãos sociais mais adequados à sua dimensão - cfr. doc. junto a fls. 193 dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
Factos não Provados:
A) A transformação da sociedade “S..., LDA”, de sociedade por quotas em sociedade anónima, foi, para a adquirente, indiferente à celebração do negócio de (promessa) de compra e venda das respectivas participações sociais.
Motivação:
Os factos elencados foram dados como provados com base no acordo das partes, onde o mesmo foi possível, bem como com base no teor dos documentos juntos aos autos, indicados por referência a cada específico ponto da matéria.
Em concreto, assumiram particular relevo as informações produzidas em suporte à decisão de aplicação da cláusula geral anti-abuso, cujo teor se deixou transcrito, assim como os diversos documentos em que as mesmas se apoiaram, designadamente o contrato-promessa e o de compra e venda de acções, a escritura de transformação da sociedade e o respectivo relatório justificativo.
Contrapondo, desde logo, os diversos elementos documentais, evidenciou-se a inverosimilhança do argumento relativo ao desinteresse da adquirente na transformação da estrutura societária da sociedade S....
Na verdade, por um lado não se revelou idóneo a suportar a formação da convicção do tribunal o auto de declarações de N…, director da AH… à data da celebração dos negócios, em que a informação subjacente ao acto impugnado se apoia para afirmar como facto a indiferença, para a adquirente das acções, face à estrutura societária da sociedade alienante.
Efectivamente, desconhece-se a sede ou o âmbito em que foram produzidas as declarações vertidas para o auto que é junto como documento à informação em causa, o que desde logo fragiliza a respectiva credibilidade.
Por outro lado, as mesmas declarações afiguram-se manifestamente contraditórias com o teor do contrato-promessa junto aos autos, em cujo clausulado se inclui, como resulta da transcrição efectuada para o probatório, estipulação relativa à transformação da estrutura da S... em sociedade anónima.
A inclusão de cláusula com tal teor desmente, como se constata, o facto relativo à indiferença por parte da sociedade adquirente relativamente à estrutura societária adoptada pela promitente vendedora, transformando, ao contrário do que se deixa fixado na informação n.º 20/2011, a transformação da S... em sociedade anónima numa das condições para a celebração do contrato definitivo.
Razões a determinar que se desse como não provado o facto relativo à indiferença da AH… perante a estrutura societária adoptada pela S....
Por seu turno, as declarações produzidas pela única testemunha ouvida nos autos, arrolada pelos autores, Paulo…, ROC a desempenhar funções para a S... à data dos factos, em conjugação com o teor daquele relatório justificativo, foram de molde a suportar a formação da convicção do tribunal acerca da materialidade vertida sob o n.º 15 do probatório.
Com efeito, o depoimento da testemunha, apesar de se ter furtado a responder objectivamente às perguntas sobre a essencialidade da transformação para a celebração do negócio com a AH…, foi seguro, detalhado e objectivo na parte tocante à explicitação das razões económicas subjacentes à opção pela transformação da estrutura societária da S..., à data.
Na verdade, o depoimento revelou conhecimento sólido dos factos relativos à negociação e transformação da sociedade, adveniente da intervenção directa da testemunha nos procedimentos relativos a tais operações.
E, nessa qualidade, a testemunha explicitou de forma congruente e segura a mais-valia resultante para a S... resultante da adopção da estrutura de sociedade anónima, face aos projectos de investimento de que carecia para o desenvolvimento da actividade e a própria “sobrevivência” da empresa, praticamente asfixiada pela falta de liquidez, e perspectivada também do ponto de vista da maior adequação da estrutura orgânica, correspondente àquela estruturação, à profissionalização da gestão ou da estratégia empresarial, que era necessário desenvolver.
Assim, e em conjugação com o relatório justificativo da transformação, a testemunha logrou convencer o tribunal acerca (da validade) das razões económicas subjacentes à decisão de transformação, tudo a motivar a inclusão da respectiva factualidade no elenco dos factos provados (“15.” e “16.”).
No mais, o teor da prova documental, e em concreto o teor das informações de 20.10.2010 e de 12.01.2011 (n.º 20/2011), foi perfeitamente esclarecedor das razões e da actuação da Ré, no sentido da formação do acto tributário em sindicância.
Da conjugação de todos os elementos de prova não resultou, doutra banda, o apuramento de qualquer outra factualidade relevante para a decisão a proferir, de acordo com as várias soluções de direito plausíveis.”
3.2 DE DIREITO
Nas suas conclusões de Recurso, a Recorrente começa por questionar a decisão do Tribunal a quo em sede de matéria de facto, referindo que a douta Sentença recorrida não deu como assente o facto de ser indiferente à celebração do negócio de (promessa) de compra e venda das respectivas participações sociais, a transformação da sociedade “S..., LDA”, da sociedade por quotas em sociedade anónima e assentou a sua convicção no depoimento da testemunha que “ apesar de se ter furtado a responder objectivamente às perguntas sobre a essencialidade da transformação para a celebração do negócio com a AH…, foi seguro, detalhado e objectivo na parte tocante à explicitação das razões económicas subjacentes á opção pela transformação da estrutura societária da S..., à data”, considerando o Tribunal que “a testemunha explicitou de forma congruente e segura a mais-valia resultante para a S... resultante da adopção da estrutura de sociedade anónima, face aos projectos de investimento de que carecia para o desenvolvimento da actividade e a própria “sobrevivência” da empresa, praticamente asfixiada pela falta de liquidez, e perspectivada também do ponto de vista da maior adequação da estrutura orgânica, correspondente àquela estruturação, à profissionalização da gestão ou da estratégia empresarial, que era necessário desenvolver.
Assim, e em conjugação com o relatório justificativo da transformação a testemunha logrou convencer o tribunal acerca (da validade) das razões económicas subjacentes à decisão de transformação, tudo a motivar a inclusão da respectiva factualidade dos factos provados “15” e “16”), o que configura, salvo douta opinião em contrário, um manifesto erro de facto porque não existe qualquer racionalidade económica, no caso concreto, na transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, porquanto as razões avançadas para a opção pela modificação da estrutura da S...: necessidade e adequação desta estrutura face a exigências de investimento e de profissionalização da gestão, nunca se poderiam concretizar no espaço temporal de 11 dias, que mediou a transformação da sociedade e a venda das participações sociais, tendo já sido prometida a sua alienação, ao que acresce o facto de a sociedade se encontrar organizada e a laborar com a forma de sociedade por quotas há vinte e oito anos, o que significa que o Tribunal só poderia ter concluído que a transformação social foi funcionalizada relativamente à intenção de evitar a tributação da operação de alienação de participações sociais, tendo como único efeito mensurável transformar a mais-valia tributada do ora recorrido numa mais-valia não tributada, e este facto é completamente dissipado na ponderação que resulta da douta decisão ora recorrida, o que configura um manifesto erro de facto contra o qual a ora recorrente interpõe os presentes autos de recurso.

Pois bem, neste domínio, se bem analisamos o exposto pela Recorrente, é manifesto que a sua pretensão nesta sede está condenada ao insucesso, na medida em que aquilo que se reclama é a consagração da sua análise da situação em apreço, o que comporta matéria essencialmente conclusiva em função dos elementos constantes dos autos e, como tal, insusceptível de ser integrada no probatório.
Aliás, basta atentar no exposto pela Recorrente quando defende que o Tribunal só poderia ter concluído que a transformação social foi funcionalizada relativamente à intenção de evitar a tributação da operação de alienação de participações sociais, tendo como único efeito mensurável transformar a mais-valia tributada do ora recorrido numa mais-valia não tributada para notar o carácter conclusivo da alegação, o que implica desatender o exposto neste âmbito e voltar a nossa atenção para a questão de fundo apontada nos autos.

Nas suas alegações, a Recorrente, com referência à decisão recorrida, insiste que toda a reconstrução reflexiva na qual sustenta a sua fundamentação está errada, porque o juízo de prognose póstuma objectiva, só permite concluir que a transformação social se encontra despida de qualquer substância económica e praticada com abuso de formas jurídicas, porque nenhuma das razões aventadas para a mesma se verificam em concreto, não se vislumbrando qualquer vantagem económica, financeira, comercial ou outra, que fundamente essa decisão, sendo que, ao contrário do que se considera da douta decisão objecto de recurso, não é verosímil que no período de onze dias, que mediou a transformação e a alienação do capital social que se viesse a concretizar qualquer dos motivos aventados para a mesma, não se compreendendo como se poderia capitalizar neste período de tempo qualquer vantagem para a nova estrutura jurídico societária da empresa, verificando-se que a transformação social foi funcionalizada relativamente à intenção de evitar a tributação da operação de alienação de participações sociais, não existindo qualquer racional na mesma que se justificasse por si só, tanto mais que os resultados económicos obtidos com a venda das quotas teria obtido idênticos resultados aos derivados do negócio celebrado com a venda de acções, só que seria sujeito à tributação devida, caso o ora recorrido tivesse praticado negócio equivalente e vendido as quotas teria obtido idênticos resultados económicos aos que derivam do negócio celebrado, só que teria de se sujeitar à tributação devida, de modo que, um raciocínio lógico só permite concluir, ao contrário do que decorre da douta sentença objecto de recurso, que o único racional subjacente à transformação teve por base a intenção de eliminar a oneração fiscal adveniente para o ora recorrido da tributação de mais-valias, porquanto caso tivesse sido praticado negócio equivalente – venda da quota, teria obtido idênticos resultados económicos dos que derivam do negócio celebrado – venda das acções e não é o facto, da transformação, ter sido incluída no clausulado do contrato promessa de compra e venda das participações sociais que a configura como uma condição de celebração desse mesmo contrato, mas sim a racionalidade da sua integração no mesmo, a Autoridade tributária, não duvida que os actos/ negócios jurídicos praticados/efectuados foram queridos e fruto de uma vontade efectiva, directa e autónoma, essa inserção, constitui uma prova substantiva da existência de um negócio real (negócio sombra), a decorrer paralelamente ao negócio formal (artificial), cabendo a este conferir a formalidade necessária para atingir o objectivo da não tributação que resultaria única e exclusivamente com a realização do negócio real, ou seja com a venda das participações sociais.
No entanto, nenhuma das vantagens enunciadas se efectivaram, nem poderiam ser tidas como legítimas, atendendo a que a transformação societária foi deliberada apenas 11 dias antes da formalização da transmissão das participações sociais, e se não se efectivaram, não pode a recorrente concordar com o ilustre tribunal ad quem quando este se pronuncia dizendo que “Na realidade, transparece, à luz da factualidade provada, a existência de um “ fim comercial legitimo”, de “ uma razão empresarial legítima e não uma mera intenção de redução indevida do imposto a pagar”, uma vez que ficou demonstrado que as justificações sustentadas pelo ora recorrido assentam sobre hipóteses ou intenções e não sobre resultados efectivos, os quais são impossíveis de verificar no prazo de 11 dias e da prova resulta, para além de qualquer dúvida razoável, que nos presentes autos se verifica uma preponderância da motivação fiscal face à motivação não fiscal, dada a debilidade dos argumentos invocados pelo ora recorrido e que foram erradamente acolhidos na douta decisão objecto de recurso, assim, a debilidade dos argumentos invocados, aliados à evidente vantagem fiscal, traduzida na ausência de tributação da venda das acções, não permite outra conclusão, à luz da lógica mundana e da experiência, que não seja o efectivo cumprimento do ónus probatório que competia à AT e, por conseguinte, a verificação no caso vertente do elemento intelectual, ao que acresce, que a douta decisão objecto de recurso olvida na sua ponderação que não foi trazido à colação pelo ora recorrido qualquer elemento que esclarecesse a operação de transformação, nomeadamente, porque motivo é que os sócios deliberaram a transformação de uma sociedade por quotas - organizada e a laborar com essa forma à VINTE e OITO ANOS (1979 a 2007) - em sociedade anónima, ONZE DIAS antes do prometido acto de alienação da capital social e não é razoável, nem consistente com uma plena ponderação dos facto que se considere que o raciocínio da Administração enferma de um vício lógico, quando perspectiva a transformação do ponto de vista da venda, assumindo que a transformação foi funcionalizada relativamente à intenção final, de evitar a tributação, pois que a Administração pondera toda a situação do ponto de vista racional, da análise da situação é necessário a obtenção de vantagem, partindo exactamente do pressuposto coerente e lógico de que os agentes económicos são congruentes e ponderados nas suas decisões e a transformação, nos termos e moldes com que foi operada só pode ser percepcionada e contextualizada, num encadeado de actos praticados, desnecessário, supérfluo, excessivo, e acima de tudo injustificado na sua vertente económica, mas que adquire sentido quando se apreende perspectivado pelo propósito fiscal, viabilizando a montagem da operação abusiva que permitiu a obtenção de uma exclusão de tributação das mais-valias, não resultando provada qualquer justificação empresarial para a transformação.
Com efeito a prova da motivação fiscal nas Cláusulas Contratuais é feita, com recurso a factos ou elementos de prova que permitam ao intérprete extrair, com razoável segurança e segundo critérios de razoabilidade e normalidade a conclusão de que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um preponderante fim fiscal, e neste contexto não podemos concordar com a ponderação efectuada pelo Tribunal, porquanto o que está em causa é aferir se houve um abuso das formas jurídicas com o essencial ou principal fim da eliminação de impostos que seriam legalmente devidos, caso não ocorressem os negócios jurídicos em apreço, não existindo, de facto, prova de qualquer racionalidade económica para a transformação, só resta uma interpretação a fazer sobre as motivações subjacentes aos actos jurídicos praticadas: a vontade elisiva, incorrendo a douta decisão objecto de recurso em erro quando assevera que a motivação não fiscal subjacente à operação de transformação respeita justamente às “vantagens inerentes à estruturação da S... como Sociedade anónima”, porquanto na verdade, o que se verifica é que com esta operação o sujeito passivo obteve uma poupança fiscal, não despicienda, que se traduziu na não tributação da mais-valia resultante da alienação das partes sociais e quanto à forma utilizada ou “elemento meio” que corresponde à via escolhida pelo ora recorrido para obter o desenhado ganho ou vantagem fiscal, no presente caso consistiu na operação de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, com o único e principal objectivo de produzir o efeito desejado de afastamento do pagamento dos impostos resultantes desse negócio, não se logrando provar que a transformação efectuada tenha tido considerações de necessidades e adequação desta estrutura face a exigências de investimento e de profissionalização da gestão da empresa, porquanto como é que onze dias podem determinar uma maior capacidade de investimento ou uma mais eficiente gestão?
A vantagem fiscal e a equivalência económica obtidas ou “elemento resultado” teve como objectivo a eliminação da tributação, em sede de IRS, fazendo com que retirasse o máximo benefício da estrutura utilizada ao não ser tributado para ganho das mais-valias obtidas, ao abrigo da alínea b), do n.º 4, do artigo 43º do CIRS, sem recurso à estrutura utilizada o ora recorrido sabia que não beneficiaria da exclusão de tributação, ficando sujeito a imposto, nos termos gerais, como rendimentos da categoria G de IRS e podemos concluir que a alienação das participações sociais tanto ocorreria quer fossem quotas, quer fossem acções, ou seja a venda das acções produziu o mesmo fim económico, que teria acontecido ainda que o capital social fosse titulado por quotas, estamos perante dois negócios ou actos de idêntico fim económico, no qual o novo detentor, quer fosse detentor de acções, quer fosse detentor de quota, teria a mesma influência ou poder de decisão na sociedade.
A apreciação do negócio jurídico é um todo que produz efeitos jurídicos, a motivação do ora recorrido consistiu na prática de actos na esfera da sociedade, essencial ou principalmente dirigidos à não tributação da venda das partes sociais que detinha, pois não se verificou que a Sociedade viesse a usufruir de nenhuma das vantagens elencadas no projecto de transformação da mesma, nem de nenhum dos motivos trazidos aos autos pela testemunha, de que não beneficiasse já anteriormente.
Quanto à reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida ou “elemento normativo” subjaz aqui a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito ou propósito da lei e os princípios do sistema fiscal e relativamente a este elemento dúvidas não subsistem que o mesmo está preenchido, ao contrário do que resulta da douta sentença recorrida, que sufraga integralmente o entendimento vertido pelo ilustre Professor Saldanha Sanches, verificando-se que a Constituição e a lei fiscal pressupõem a tributação segundo a capacidade contributiva, mesmo quando essa tributação incide sobre a alienação de participações sociais e no caso em concreto a exclusão das mais valias provenientes da alienação das acções, teve subjacente critérios exclusivos de política fiscal como forma de incentivar e dinamizar o mercado de capitais e atrair investimentos, sem contudo, deixar de tributar a mera especulação mobiliária de curto prazo ou qualquer outra forma artificiosa de exclusão, pretendia-se dinamizar o mercado bolsista sem contudo promover a especulação de curto prazo e na situação em apreço verifica-se existir essa forma artificiosa de exclusão que passou por atribuir aos actos uma forma diferente da substância, sendo que o aproveitamento ilícito, através de meios artificiosos ou fraudulentos do regime de exclusão tributária, não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática por parte do ordenamento jurídico.
Não se nega que o escopo do legislador, cf. artigo 10º, n.º 2, da alínea a) do CIRS, é a transformação das sociedades por quotas em anónimas ao conceder tal exclusão, mas esse incentivo está direccionado aos investidores que transformam e aproveitam a nova forma de gestão e organização ou àqueles que só se preocupam com a alteração das sociedades no momento que antecede a venda e que procedem à transformação societária para aproveitar a vantagem fiscal?
Ou seja, na interpretação sufragada pela douta decisão, a intenção do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS seria premiar quem o conseguir ludibriar, pois que se o legislador fiscal confere uma não sujeição na tributação das mais-valias de acções então é porque “está mesmo a pedi-las”, isto é, está a pedir aos sócios para previamente transformarem as suas sociedades por quotas em sociedades anónimas antes de alienarem as suas participações.
Mas, claro está, que o legislador fiscal só quis isto para alguns – os mais expeditos que os outros –, porque para os demais – aqueles que não utilizam expedientes artificiais –, esses são tributados nos termos do artigo 10.º, n.º 1, aliena b) do CIRS, sendo que a interpretar-se assim o escopo do sistema jurídico – fiscal, até nos poderíamos interrogar do porquê da tributação das mais-valias resultantes da alienação de quotas?
Seria o “esquecimento” a razão de ser da tributação das mais-valias por alienação de quotas, isto é, será que o legislador fiscal só queria “castigar”, em termos fiscais, o contribuinte que se esqueceu de transformar a sociedade por quotas em sociedade anónima?
Não fosse o expediente artificial e injustificado, o alienante sempre seria tributado pela alienação das suas participações sociais e isto porque o artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS constituía um incentivo ao desenvolvimento do mercado de capitais, sendo que o requisito da permanência das acções durante 12 meses indiciava a não existência de um intento especulativo na alienação das acções e não pode dizer-se que o legislador tenha querido o aproveitamento de formas fiscais menos onerosas, dando ao contribuinte a possibilidade de escolher os negócios mais vantajosos, apenas, por motivações fiscais.
Assim, o aproveitamento ilícito, através de meios artificiosos ou fraudulentos do regime de exclusão tributária, não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática por parte do ordenamento jurídico e não se pode conceber como normal e adequado e por decorrência, lícito ou legítimo que os contribuintes estruturem os seus actos de modo a transformarem artificialmente rendimentos sujeitos a tributação em rendimentos dela excluídos, sob pena de estar abusivamente a descaracterizar a realidade e aceitar esta transformação como legítima significaria a subversão do princípio da legalidade e da igualdade – da capacidade contributiva, pois que a tributação deixa de ser materialmente justa, na medida em que existam manifestações da capacidade contributivas não tributadas, produzindo efeitos não desejados pelo ordenamento jurídico, até porque não se encontra na empresa, nem na sua actuação no mercado ou na sua actividade, nenhuma razão que permita considerar essencial ou relevante transformação operada, bem pelo contrário e sendo inquestionável, a liberdade de escolha da forma jurídica da empresa, há no entanto limites com a qual se tem de conformar, desde logo, com relevância para a matéria em apreciação, o da subsistência e manutenção do sistema fiscal visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados (cfr.artº.103, nº.1, da Constituição da República).
Os ‘estímulos’ à transformação das sociedades, tem de ser compatibilizados com o princípio da neutralidade fiscal, o qual tem clara expressão no artº. 81, al. f), da Constituição (após a revisão efectuada pela Lei Constitucional 1/2005, de 12/8), norma em que se estabelece como incumbência prioritária do Estado, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolista e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral, e não servir propósitos que visam essencial ou predominantemente a eliminação total do imposto que seria devido pelo ora recorrido sobre as mais valias que não fosse a transformação social seriam tributadas.

Que dizer?
Como é sabido, o art. 38º nº 2 da LGT estabelece uma cláusula geral antiabuso, nos termos da qual “são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas”.

Com referência à norma agora apontada, importa discutir o que poderá ser entendido como sendo um “meio artificioso ou fraudulento” ou um “abuso de formas jurídicas”, na medida em que se tratam de conceitos indeterminados, nem sempre fáceis de enquadrar num cenário de planeamento fiscal, sendo que neste domínio a jurisprudência comunitária já se pronunciou sobre o conceito de meio artificioso ou fraudulento aquando da decisão do caso Cadbury-Schweppes (Processo C-196/04 de 12/09/2006) n.ºs 67-68), verificando-se que na asserção do TJCE, o conceito de meios artificiosos ou fraudulentos que nos é dado pelo legislador português traduz-se no uso de “expedientes puramente artificiais cuja finalidade é fugir à alçada da legislação do Estado-membro em causa”.

Avançando, e tendo presente o exposto pelo 1º Autor citado na decisão recorrida – Prof. Saldanha Sanches, diga-se que o planeamento fiscal legítimo “consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais” (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 21).
Por seu lado, o planeamento fiscal ilegítimo “consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo”.
Pois bem, é às situações que configuram planeamento fiscal ilícito ou extra legem que irá ser aplicada a CGAA e, consequentemente serão desconsiderados os efeitos fiscais do acto ou negócio jurídico lícito praticado pelo contribuinte que desencadeou na obtenção de vantagens fiscais.

Em termos de enquadramento, tendo presente o exposto na decisão recorrida, podemos ainda dizer que a norma acima apontada é complementada pelo extenso artigo 63.º do CPPT, que contém um conjunto disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições antiabuso, apontando-se os seguintes elementos:
- o elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida - acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos, sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal;
- o elemento resultado, que tem a ver com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos actos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente;
- o elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objectivamente, se o contribuinte «pretende um acto, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam»;
- o elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela»;
- e, por fim, o elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).

Pois bem, quanto ao elemento resultado, temos de conceder que analisando de uma forma isolada e objectiva os negócios jurídicos da transformação da sociedade em sociedade anónima e a subsequente venda das acções (actos ou negócios jurídicos realizados) e da eventual manutenção da sociedade como sociedade por quotas e a subsequente venda das quotas (actos ou negócios jurídicos equivalentes ou de idêntico fim económico), é inequívoco que a primeira situação beneficiava de um regime legal de tributação mais vantajoso do que a segunda, pois, enquanto a primeira não é objecto de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, a segunda é considerada uma mais-valia, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, rendimento tributado a uma taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4, do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro, o que significa que nenhuma dúvida quanto à existência deste elemento, pois os Recorridos obtiveram uma vantagem fiscal com a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima.

No entanto, e quanto ao elemento intelectual, considerando que a Recorrente não logrou êxito na sua tarefa de colocar em crise a factualidade apurada nos autos, não temos dúvidas em subscrever o exposto na sentença recorrida, quando aí se refere que:
“…
A este elemento se refere o segmento da norma que aponta para a prática de actos ou a celebração de negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos à obtenção de vantagem fiscal.
As referências a este respeito no acto tributário em sindicância – concretamente, na informação de 20.10.2010, transcrita para o probatório [“2.”] e reproduzida, no essencial, na informação n.º 20/2011 (cujo teor foi igualmente vertido para o elenco de factos assentes), elaboradas ambas no seio do procedimento a que se refere o art. 63.º do CPPT – cingem-se à falta de correspondência da operação de transformação com a sua “verdadeira substância económica”, não espelhando aquela os objectivos invocados em ordem à sua realização.
Refere-se ainda a respeito, e relevantemente, que “(...) os motivos invocados no Relatório de Transformação da sociedade, apesar de economicamente válidos, não são essenciais à venda.
Deles não depende a concretização do negócio, deles não resultam quaisquer mais-valias para os vendedores que não sejam o ganho individual por parte de P..., em usufruir do já citado benefício previsto no art. 43º nº 4 b) do CIRS.
Daqui extrai a ré o argumento relativo à inexistência de outra vantagem, que não a fiscal, inerente à operação de transformação da estrutura societária.
A administração apoia esta tese em dados objectivos, os quais se prendem, no essencial, com a brevidade do lapso temporal em que ocorreu a prática dos actos ou a celebração dos negócios jurídicos em causa.
Efectivamente, foi curto o período de tempo em que se sucederam as operações, intermediando, entre a promessa de compra e venda e a transformação da S... apenas 8 (oito) dias e entre esta transformação e a alienação das participações, um lapso de 11 (onze) dias.
Deste indício, a Autoridade Tributária retira a ilação relativa à conexão intencional interposta entre a transformação da sociedade e a obtenção da vantagem fiscal correspondente à não tributação das mais-valias resultantes da alienação das participações sociais.
Entende, com efeito a ré, segundo expõe nas informações trazidas ao probatório, que «a decisão de “Transformação” da S... é tomada em simultâneo com o Contrato Promessa de alienação das quotas e recebimento do sinal, e portanto, com a garantia de concretização do negócio, tal e qual como ele existia, e que a “Transformação” em si, ocorre em momento posterior a este firmamento, pelo que a mesma não espelha os objectivos invocados.»
Ora, o raciocínio assim exposto enferma de vício lógico, constatando-se que se partiu da conclusão para a premissa – no caso, da (suposta) finalidade para o meio. Explicando: a administração fiscal perspectiva a operação de transformação do ponto de vista da venda, assumindo que a primeira foi funcionalizada relativamente à intenção, final, de evitar a tributação da operação de alienação de participações sociais.
Ao fazê-lo, a ré assume desde logo que o objectivo prosseguido pela operação da transformação respeitava à obtenção de vantagem fiscal, respeitante à (não) tributação da venda das participações, para daí concluir que a operação de transformação não era condição da venda e, por conseguinte, que o meio adoptado não traduzia uma forma de obter aquele concreto fim.
Ora, além do vício lógico, o argumento soçobra à face de duas constatações, de ordem factual:
A primeira respeita à validação, à luz de razões de ordem económica e financeira, da opção pela transformação societária.
Na realidade, transparece, à luz da factualidade provada, a existência de um “fim comercial legítimo (“bona fide commercial purpose)”, de “uma razão empresarial legítima e não uma mera intenção de redução indevida do imposto a pagar” [as expressões são de SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2ª edição, 2002, pp. 119 e 123, respectivamente].
Efectivamente, como se apurou para os autos, subjacente à opção pela modificação da estrutura da S... para uma sociedade anónima estiveram considerações de necessidade e adequação desta estrutura face a exigências de investimento e de profissionalização da gestão da empresa (“15.” e “16.” dos factos provados).
E a administração fiscal, ao desconsiderá-las, não só falhou em demonstrar que a operação era unicamente dirigida pela motivação fiscal (como pretende), mas ainda que era essencial ou principalmente preordenada à obtenção de vantagem na tributação da operação de alienação, pois que sequer operou o “balanceamento” ou ponderação requisitados pelas normas dos artigos 38.º, n.º 2 da LGT e 63.º, n.º 9, al. b) do CPPT. A avaliação da preponderância da motivação fiscal em detrimento da não fiscal impunha, na verdade, a consideração de uma e outra, e a sua omissão inviabiliza, assim, a afirmação da prevalência da motivação de pendor fiscal.
Por outro lado, a segunda ordem de considerações conduz à conclusão de que, mesmo na tese da administração fiscal, perspectivando a operação de transformação societária do ponto de vista da venda das participações, mesmo assim se deveria concluir pelo fracasso da argumentação aduzida.
Também aqui, com efeito, a ré partiu de premissa errada: a da indiferença, da parte dos compradores, face à estrutura societária adoptada pela S....
E o erro reside justamente na afirmação como facto desta indiferença, que tornaria a transformação da sociedade em condição perfeitamente dispensável à celebração do negócio.
É que, como se deixou apurado para o probatório e se explicitou em sede de motivação da decisão de facto, a transformação da S... estava incluída no clausulado do contrato promessa de compra e venda das participações sociais. Foi, portanto, consensualmente estabelecida como condição de celebração do contrato definitivo, não se podendo configurar, deste modo, como formalidade desnecessária ou dispensável à celebração da compra e venda.
Soçobra, pelo exposto, também deste ponto de vista, a argumentação cujo núcleo reside na motivação unicamente (ou eminentemente) fiscal da operação de transformação, a qual surge, assim, indemonstrada.
A falta de um dos pressupostos de aplicação da cláusula geral anti-abuso redunda naturalmente na impossibilidade da sua aplicação. ”.

Como se compreenderá, assente o que ficou exposto sobre a motivação não fiscal subjacente à operação de transformação, e que em concreto essa motivação não fiscal respeita justamente às vantagens inerentes à estruturação da S... como sociedade anónima, a sorte da Recorrente não conhece melhor destino no que diz respeito ao elemento meio, porquanto, com este pano de fundo não é possível afirmar a existência de incongruência ou desfuncionalização da operação em face dos resultados visados, revelando-se aquela, ao invés, idónea à consecução destes, o que coloca em crise a ideia de que a transformação da sociedade se reconduz a uma “tax driven operation” e de que a mesma foi inusual ou anormalmente adoptada, em vista da obtenção da vantagem fiscal.

No que diz respeito ao elemento normativo, tal como se aponta na decisão recorrida, ganha acuidade o exposto pelo Prof. Saldanha Sanches quando sustenta que:
“(...) teremos de concluir que não podemos ter um recurso administrativo ao instituto da fraude à lei nos múltiplos sectores em que o legislador, por incúria ou falta de coragem política, deixou que se multiplicassem as situações, mesmo quando anti-sistemáticas, de não tributação de certos tipos de negócios jurídicos (...).
Consideremos, por exemplo, o que sucede com as tributações das mais-valias: se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais.
A operação em si mesma - a sociedade que se transformou em sociedade anónima tem o seu capital em poucas mãos e não vai recorrer ao mercado de capitais -, poderia ser catalogada entre as que têm uma mera motivação fiscal e, por isso, desconsiderada, mas para tal seria necessário que houvesse da parte do legislador uma intenção clara de tributar qualquer tipo de mais-valias tal como se pode discernir no texto normativo a respeito dos rendimentos de capital.” (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 182).

Tal remete para uma resenha da evolução legislativa nesta matéria, onde é sabido que na redacção inicial do CIRS, previa-se já a tributação em IRS das mais-valias obtidas com a «alienação onerosa de partes sociais» (artigo 10.º, n.º 1, alínea b), na redacção do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro), mas excluíam-se as mais-valias provenientes da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 24 meses» (artigo 10.º, n.º 2, alínea c)), limite temporal este que tinha como objectivo evidente afastar a exclusão da tributação relativamente a mais-valias que, no conceito então vigente, eram consideradas especulativas, sendo que esta regulamentação era completada com a que constava do EBF, na redacção inicial, dada pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, em que se estabelecia no seu art. 35.º, sob a epígrafe Transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas o seguinte: “Para efeitos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS e do artigo 34.º deste Estatuto, considera-se que a data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas é a data da aquisição das quotas que lhes deram origem.”.
Esta norma, que tinha em vista o regime transitório, era completada com uma norma idêntica de aplicação permanente, que constava do artigo 18.º, n.º 5, alínea a), do EBF e estas duas normas evidenciam a enorme dimensão da preocupação legislativa em incentivar a transformação de sociedades por quotas em anónimas, que vai ao ponto de afastar a tributação em sede de mais-valias mesmo em situações em que o sujeito passivo detém as novas acções resultantes da transformação por um período muito curto, inclusivamente em situações em que a venda das novas acções é feita imediatamente a seguir à transformação, pois é precisamente a situações de detenção das novas acções por curtíssimo prazo que se aplicam as normas referidas.
Com a Lei n.º 30-B/92, de 28 de Dezembro, esta alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º passou a excluir da tributação as «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», aumentando, assim, o âmbito da não tributação da alienação de acções, ou, doutra perspectiva, a restrição do conceito de mais-valias especulativas.
A Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, reafirmou a vigência deste regime, eliminando a alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º, mas transpondo a sua redacção para a nova alínea b).
A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, eliminou a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções, mas limitou a exclusão às acções adquiridas após a sua entrada em vigor, mantendo expressamente o regime anterior para as acções adquiridas antes dessa data (artigo 4.º, n.º 5, do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000).
Este novo regime não chegou a ser aplicado, pois a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, estabeleceu, no n.º 9 do seu artigo 147.º, que nos anos de 2001 e 2002 seria aplicável regime anterior à Lei n.º 30-G/2000 e, depois, o Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, reintroduziu o regime de não tributação das mais-valias derivadas da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», ao dar uma nova redacção à alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.
Esta redacção manteve-se até à sua revogação pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
A «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 1/IX, que veio a dar origem à Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, que concedeu ao Governo a autorização legislativa necessária para aprovar o Decreto-Lei n.º 228/2002 é elucidativa no sentido de se ter reconhecido que a não tributação das mais-valias não especulativas provenientes da alienação de acções era preferível à sua tributação dizendo-se:
Com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, que tornou indispensável a revisão do Código de IRS operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, foi alargado o âmbito de incidência a todas as mais-valias de valores mobiliários e eliminou-se a taxa liberatória de 10%.
Na sequência desta alteração as mais-valias de valores mobiliários são simultaneamente englobadas e sujeitas às taxas gerais progressivas, que se situam entre 12% e 40%. Acresce que, de acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 30-G/2000, o referido regime de tributação das mais-valias só é aplicável aos valores mobiliários adquiridos após 1 de Janeiro de 2001, mantendo-se o anterior regime de tributação para as mais-valias quanto aos adquiridos antes dessa data.
Aquele regime tributário foi contudo alterado, transitoriamente, pela Lei n.º 109- B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2002), a qual veio estabelecer uma isenção da tributação das mais-valias relativamente a rendimentos inferiores a 2500 Euros, fazendo-se, no entanto, o englobamento, apenas, para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos.
Considerando que o impacto desta reforma fiscal no mercado de capitais foi altamente prejudicial para os investidores, configurando-se como um desincentivo ao investimento, com todas as inerentes consequências negativas para o desenvolvimento de uma política de recuperação económica, urge revogar o regime de tributação das mais-valias aprovado pela Lei n.º 30-G/2000 e, posteriormente, acolhido pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 e, em consequência, retomar o regime de aplicação da taxa liberatória de 10%, bem como da exclusão de tributação das mais-valias de valores imobiliários detidos pelo seu titular durante mais de 12 meses, tributando-se apenas as mais-valias especulativas.
O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que reintroduziu a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular há mais de 12 meses é também elucidativo sobre a existência desta intenção legislativa ao dizer:
O regime de tributação dos rendimentos de mais-valias derivados da alienação onerosa de valores mobiliários, aquando da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi significativamente alterado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Os traços mais salientes do quadro então instituído consistiram na abolição da exclusão tributária de que beneficiavam as mais-valias provenientes da alienação de obrigações e de outros títulos de dívida e da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, passando a incidir uma tributação generalizada sobre estes rendimentos, atenuada por uma isenção de base para os saldos positivos inferiores a determinado montante e pela consideração dos saldos positivos ou negativos em percentagem variável em função do período de detenção dos títulos pelo alienante.
Por força do estabelecimento, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, de um regime transitório de tributação aplicável a estes rendimentos nos anos 2001 e 2002, o regime emergente da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, não chegou a ser aplicado.
O presente decreto-lei vem dar execução à autorização concedida ao Governo pela Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, no sentido da reposição, no Código do IRS, das linhas essenciais do regime de tributação destes rendimentos.
Do ponto de vista sistemático, acresce a preferência manifestada pelo legislador pela adopção do modelo de organização societária da sociedade anónima, cuja adopção desde a redacção inicial do CIRS pretendeu fomentar e é patente no Decreto-Lei n.º 76- A/2006, de 29 de Março, que reformou um vasto conjunto de leis relacionadas com as sociedades comerciais, com especial atenção para a simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais (artigo 1.º, n.º 1) e para as sociedades anónimas (artigo 1.º, n.º 2: «o presente decreto-lei visa ainda actualizar a legislação societária nacional, adoptando designadamente medidas para actualizar e flexibilizar os modelos de governo das sociedades anónimas»).
Explanando as razões de política económica subjacentes à reforma, o legislador afirma, no preâmbulo daquele Decreto-Lei:
Assim, as linhas de fundo da reforma realizada por este decreto-lei prendem-se com as seguintes ideias. De um lado, a preocupação de promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com modelos organizativos avançados. A presente revisão do Código das Sociedades Comerciais assenta no pressuposto de que o afinamento das práticas de governo das sociedades serve de modo directo a competitividade das empresas nacionais. Esse é o primeiro objectivo de fundo que este decreto-lei visa prosseguir, em prol de uma maior transparência e eficiência das sociedades anónimas portuguesas. Ao encetar este caminho, Portugal colocar-se-á a par dos sistemas jurídicos europeus mais avançados no plano do direito das sociedades, salientando-se o Reino Unido, a Alemanha e a Itália como países que têm identicamente orientado reformas legislativas com base nestes pressupostos. […] Importa ainda apontar o atendimento das especificidades das pequenas sociedades anónimas como preocupação que esteve subjacente à preparação deste decreto-lei”.

Neste contexto, volta a destacar-se o exposto pelo Prof. Saldanha Sanches quando sublinha que se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, sendo que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38º nº 2.
Naturalmente, tal realidade tem de ter consequências, não podendo aceitar-se a aplicação da cláusula geral antiabuso numa situação que contende com aquilo que foi o desígnio legislativo, a não ser que o mesmo seja comprometido como no caso em que a criação da sociedade anónima não é seguida da sua manutenção como realidade económica por um período de tempo apreciável, o que não sucede no caso presente.
Assim, tem de entender-se, para além do que já ficou exposto, que foi satisfeito com a operação de transformação das sociedades por quotas em sociedades por acções o interesse que, na perspectiva legislativa, é o principal a atender, superior ao da própria tributação, o que equivale a dizer que os Recorridos actuaram em perfeita sintonia com tal desígnio, verificando-se que a transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas está expressamente prevista na lei como um meio normal de criação de sociedades deste tipo, inclusivamente no âmbito da tributação do rendimento.
Consequentemente, tal como decidido, não se verifica uma situação enquadrável no nº 2 do art. 38º da LGT, desde logo por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais (pois ele foi dirigido também à criação de uma sociedade anónima por se pretender que ela funcionasse com as características e potencialidades que lhe são inerentes), mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais, o que quer dizer que o acto tributário em sindicância padece efectivamente de vício de violação de lei, na forma de erro sobre os pressupostos, o que é de molde a impor a respectiva anulação.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 28 de Setembro de 2017
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova