Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00644/06.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:FUNDAMENTOS DE IMPUGNAÇÃO; PRAZO; INÍCIO DA CONTAGEM;
EXTEMPORANEIDADE; DEFICIT INSTRUTÓRIO
Sumário:i) Conforme estatui a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, a impugnação com os fundamentos previstos no artigo 99.º do mesmo Código tem de ser apresentada, na falta de prazo especial, no prazo de 90 dias, contados (nos termos do art. 279.º do CC) a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte.
ii) Tendo sido junto aos autos documento emitido pela Administração Tributária e notificado à Impugnante, donde consta, designadamente, referências ao tipo de imposto e períodos em causa, bem como a indicação de uma determinada “Data Limite de Pagamento”, o Tribunal a quo não pode, sem mais, concluir pela extemporaneidade da impugnação sem ter em consideração a factualidade que lhe é subjacente, dada a sua relevância para o efeito nos termos do disposto do art. 102.º, n.º 1, al. a), do CPPT (prazo de apresentação da impugnação judicial).
iii) Este Tribunal não pode ainda decidir se ocorreu ou não a caducidade do direito de deduzir impugnação, uma vez que aquele documento, junto aos autos por cópia pela Impugnante e constante também por cópia simples do processo administrativo, se mostra parcialmente ilegível.
iv) Perante o déficit instrutório existente, devem os autos baixar à 1.ª instância para os termos acima referidos (2.ª parte do n.º 4 do art.º 712.º do CPC, na redacção aplicável).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:V..., SA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:8

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

V... – Gestão de Projectos, SA (Recorrente), não se conformando com a sentença da Mma. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente, por caducidade do direito de a deduzir, a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IRC do ano de 2001, no valor de EUR 274.770,64, dela veio interpor o presente recurso, que dirigiu ao STA, formulando, a final, as seguintes conclusões:

A. A data limite de pagamento do imposto titulado pela liquidação impugnada não é a que o Tribunal considerou como verdadeira, sendo que esse erro factual substantivo resulta do erro procedimental prévio de considerar uma força probatória do documento de fls. 173 do procedimento administrativo que, por lei, lhe não pode ser atribuída.

B. O n.º 2 do artigo 76° da LGT estatui que “[a]s cópias obtidas a partir dos dados registados informaticamente ou de outros suportes arquivísticos da administração tributária tem a força probatória do original, desde que devidamente autenticadas”.

C. Percebe-se que assim seja, uma vez que não seria congruente com a opção legislativa subjacente ao regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (n.º 1 do artigo 371° do Código Civil) a atribuição de um estatuto probatório privilegiado às informações prestadas pela administração tributária, que nem sequer está funcionalmente colocada no procedimento tributário numa situação de alheamento em relação ao sentido da decisão, que é uma garantia da isenção da prestação das informações.

D. Daí que os meros prints de dados arquivísticos informáticos da Administração fiscal, como documentos integralmente produzidos por esta, não sejam aptos a servir de prova irrefutável sobre a realidade dos factos que alegadamente comprovam e que, portanto, uma prova em juízo assente unicamente na junção aos autos de documento daquele tipo seja irremediavelmente insuficiente.

E. No caso vertente, estamos perante um print informático, não autenticado, que constitui a única prova carreada para o processo, pela Administração fiscal, para prova de uma data de que depende a verificação da extemporaneidade da apresentação da Impugnação Judicial.

F. A solução não há-de ser, pois, outra que não a de dar por não provada a ocorrência da data limite de pagamento voluntário no dia 14/11/2005.

G. É que, além de todas as demais conclusões que devem ser retiradas do regime probatório dos documentos não autenticados da Administração fiscal, acima aludido, deve obrigatoriamente ter-se por incontestável que a prova resultante de documento simples apresentado por aquela pode ser sempre invalidada pela apresentação, por qualquer interessado (desde logo, pelo contribuinte em litígio com ela), de documento com igual força probatória e de teor contrário.

H. No caso concreto, foi exactamente isso que aconteceu, com a junção pela Impugnante da cópia da liquidação da qual consta como data limite de pagamento voluntário o dia 14/12/2005.

I. Ou seja, confrontada com dois documentos relativos à mesma realidade, com teor de sentido oposto, a decisão recorrida deveria, pelo menos, ter considerado o apuramento da realidade em causa – a efectiva data de limite de pagamento da liquidação impugnada – uma questão controversa e um facto a provar, em vez de, como fez, ter dado a questão por resolvida a priori, com total desmerecimento e completo alheamento do documento junto pela Impugnante (a cópia da liquidação notificada) – e, nessa medida, em contravenção do princípio do inquisitório previsto no n.º 1 do artigo 99° da LGT.

J. Assim, deve a Sentença recorrida ser julgada anulável, por errado julgamento da sua matéria de facto e de direito, e, em consequência, revogada.

Termos em que se deve dar provimento ao presente Recurso, com a revogação da Sentença recorrida e todas as demais consequências legais.

A Recorrida, Fazenda, não apresentou contra-alegações.



A Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso (decisão a fls. 331-333), por competente ser para o efeito este TCAN.


Remetido o processo a este Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, defendendo a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4 todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), sem prejuízo do que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente, traduz-se em apreciar se o Tribunal a quo errou ao ter concluído pela extemporaneidade da impugnação.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e que aqui se reproduz ipsis verbis:

a) Foi efectuada à sociedade “V... Gestão de Projectos, SA”, aqui impugnante, a liquidação de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas do ano de 2001, na sequência da correcção aritmética à matéria tributável declarada para aquele ano - cfr. folhas 169 e ss do pa. em apenso;

b) A data limite para efectuar o pagamento voluntário ocorreu em 14.11.2005 – cfr. folhas 173 do p.a. em apenso;

c) Em 13.03.2006, foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação efectuada em a) – cfr. folhas 2 da reclamação graciosa em apenso.

d) A presente impugnação deu entrada neste TAF por fax, em 14.03.2006 – cfr. folhas 1 dos autos..

Não foram consignados factos não provados.



II.2. De direito

Vem o presente recurso interposto da sentença do TAF do Porto que, com fundamento na extemporaneidade da apresentação da petição inicial da impugnação, julgou procedente a excepção de caducidade do direito de a deduzir impugnar.

A questão controvertida assenta na circunstância de o TAF do Porto ter dado como adquirido que a data de pagamento voluntário no caso era o dia 14.11.2005, com base no documento de fls. 173 do p.a. apenso (uma cópia de um print informático dos serviços). Enquanto que a Fazenda alegou que aquela data ocorria no dia 14.11.2005, a Impugnante, ora Recorrente, defende que na nota de liquidação que lhe foi notificada consta, para o efeito, o dia 14.12.2005.

Neste ponto está em causa o seguinte facto, levado ao probatório pela Mma. Juiz do TAF de Viseu: “b) A data limite para efectuar o pagamento voluntário ocorreu em 14.11.2005 – cfr. folhas 173 do p.a. em apenso.

Um ponto prévio se impõe. A interpretação que fazemos do que vem consignado neste ponto do probatório é a de que a data limite de pagamento voluntário é a fixada no aludido documento de fls. 173 do processo administrativo apenso; ou seja, a data de 14.11.2005 que desse documento consta e que se consigna neste ponto. Na verdade, saber quando “ocorreu” a data limite para o pagamento voluntário em causa não encerra uma realidade fáctica em si mesma, mas antes um juízo conclusivo que se alcança perante um determinado (ou determinados) dado(s) de facto.

Neste caso, apresenta-se como seguro que, apesar da redacção dada ao facto em causa, que o facto dado como provado pelo Tribunal a quo é que no dito documento de fls. 173 do processo administrativo apenso consta como data limite de pagamento o referido dia 14.11.2005. Aliás, assim foi também interpretado pela Recorrente, dado que esta vem alegar que a Mma. Juiz do TAF do Porto se bastou com “a verificação da data inscrita numa cópia de uma mera impressão do sistema informático da Administração fiscal — constante de fls. 173 do processo administrativo junto aos autos”.

Posto isto, entende a Recorrente que a Juiz do TAF do Porto errou ao ter concluído pela intempestividade da apresentação da p.i. de impugnação, uma vez que a data limite de pagamento do imposto titulado pela liquidação impugnada não é a que o Tribunal recorrido considerou como verdadeira, atribuindo-se, aliás, força probatória a um documento que, por lei, lhe não pode ser atribuída. Sendo que, sustenta ainda a Recorrente, confrontada com dois documentos relativos à mesma realidade, com teor de sentido oposto, a decisão recorrida deveria, pelo menos, ter considerado o apuramento da realidade em causa (a efectiva data de pagamento da liquidação impugnada) uma questão controversa e um facto a provar, em vez de, como fez, ter dado a questão por resolvida a priori, alheando-se do documento junto pela Impugnante (a cópia da liquidação notificada) — e, nessa medida, com desrespeito do princípio do inquisitório previsto no n.º 1 do artigo 99.° da LGT.

E, com efeito, a Impugnante, ora Recorrente, juntou com a p.i. de impugnação uma cópia de uma notificação postal a si remetida pelo Departamento de Cobrança da Direcção-Geral dos Impostos – o documento “n.º 1”, a fls. 45 –, a que alude no art. 1.º da mesma p.i. de impugnação com referência a que esta se trata da liquidação impugnada, com origem esta numa inspecção aos exercícios de 2001 e 2002, da qual resultou uma alteração à matéria tributável no valor de EUR 2.256.245,70. Posteriormente, em sede de resposta à matéria de excepção suscitada na contestação, onde foi suscitada a intempestividade da apresentação da p.i. perante a data constante do dito documento de fls. 173 do p.a. apenso (o dia 14.11.2005), a Impugnante juntou novamente o mesmo documento referindo expressa e claramente que a notificação que lhe foi enviada tinha como data limite de pagamento o dia 14.11.2005 (cfr. art. 5.º da resposta).

Apesar desta divergência, escreveu-se na decisão recorrida o seguinte:

“(…)

Prescreve o artigo 102º n° 1 alínea a) do CPPT que a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contadas a partir do termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos.

Como resulta da matéria dada como provada, o termo de pagamento voluntário do imposto aqui em apreciação ocorreu em 14.11.2005 – cfr. alínea b)

Consequentemente tendo a petição inicial dado entrada apenas em 14.03.2006, cfr. alínea d) da matéria de facto dada como provada, há que concluir que tal prazo se mostra ultrapassado e, portanto, a impugnação é extemporânea.

Porém, adiantamos já, a sentença recorrida não pode manter-se.

Como se referiu supra, resulta dos autos que foi junto com a petição inicial uma cópia de uma notificação da Administração Tributária, a comunicar à V...-Gestão de Projectos, SA, a ora Recorrente, uma “demonstração de acerto de contas”, com referência a um determinado saldo a pagar e uma data limite de pagamento. Também foi junto com o articulado de resposta à matéria de excepção esse mesmo documento, no sentido de demonstrar a tempestividade da apresentação da p.i. em face da data dele constante.

Perante estes elementos, com o devido respeito, impunha-se que o Tribunal a quo não deixasse de atender na decisão recorrida a esse documento e do alegado em sede da discussão da excepção.

Na verdade, da leitura da sentença recorrida resulta que a Mma. Juiz a quo se bastou com os dados de facto constantes da cópia do print informático junto a fls. 173 do p.a. apenso e no qual consta um item “data limite de pagamento” onde está inscrita a data “2005-11-14”. Porém, os prints informáticos elaborados pela Administração Tributária constituem meros documentos elaborados pela própria Administração para efeitos internos e não provam, por si só, a realidade fáctica neles referida (cfr., i.a., o Acórdão deste TCAN de 30.04.2013, proc. n.º 706/06.0BEVIS, por nós relatado).

E uma vez que concorria para a determinação da mesma realidade fáctico-jurídica (a data limite de pagamento voluntário notificada ao contribuinte), haveria que atender ao teor do documento anteriormente referido (a notificação da AT), daí extraindo as pertinentes consequências sobre a (in)tempestividade da apresentação da impugnação.

E não o tendo feito o Tribunal a quo, cabe ao Tribunal a quo fazê-lo, considerando os poderes adjectivos que legalmente lhe são conferidos.

Todavia, este Tribunal não pode ainda decidir se ocorreu ou não a caducidade do direito de deduzir a impugnação, porquanto o citado documento de fls. 45 (também junto a fls. 174) é uma reprodução de muito má qualidade gráfica, apresentando-se parcialmente ilegível. Não se percebendo com a necessária segurança diversas menções neste apostas, designadamente a data limite de pagamento que nele vem escrita. E compulsado o p.a. apenso, também o documento de fls. 27 do mesmo, que é uma cópia da notificação em causa, padece das mesmas deficiências, pelo que não permite, também ele, extrair os dados de facto assinalados.

Por conseguinte, há que concluir que a decisão da matéria de facto, tal como consta da sentença recorrida, é insuficiente e que a mesma deverá ser ampliada.

Importa referir que no que toca ao conhecimento/ apuramento dos factos em causa, preceitua o artigo 13.º do CPPT que incumbe aos juízes dos tribunais tributários realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer. No mesmo sentido, o n.º 3 do artigo 265.º do CPC, na redacção aplicável, dispõe que incumbe “ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, sendo que nos termos do artigo 513.º do mesmo Código a “instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova”.

Assim, no processo tributário, e com base no princípio do inquisitório, temos que ao juiz é atribuído o poder de ordenar as diligências de prova consideradas necessárias para a descoberta da verdade, o que sempre deverá ocorrer quando perante uma questão que não é apenas de direito, o processo não fornecer os elementos necessários para decidir as questões de facto suscitadas. O que no caso, considerando que estamos ainda muito longe de uma situação de non liquit a resolver por via das regras do ónus da prova, passará pela determinação da junção aos autos do original do documento em questão ou, pelo menos, de uma cópia legível do mesmo (aliás, como prevê o art. 541.º do CPC).

Deste modo, perante esta evidência de déficit instrutório dos autos, impõe-se a este Tribunal a anulação da sentença, nos termos do disposto na 2.ª parte do n.º 4 do art. 712º do CPC – ampliação da matéria de facto –, e a remessa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de aí serem ordenadas diligências instrutórias e fixada a pertinente factualidade (subjacente ao mencionado documento) e, depois, ser proferida nova decisão.

III. Conclusões

Sumariando:

i) Conforme estatui a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, a impugnação com os fundamentos previstos no artigo 99.º do mesmo Código tem de ser apresentada, na falta de prazo especial, no prazo de 90 dias, contados (nos termos do art. 279.º do CC) a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte.

ii) Tendo sido junto aos autos documento emitido pela Administração Tributária e notificado à Impugnante, donde consta, designadamente, referências ao tipo de imposto e períodos em causa, bem como a indicação de uma determinada “Data Limite de Pagamento”, o Tribunal a quo não pode, sem mais, concluir pela extemporaneidade da impugnação sem ter em consideração a factualidade que lhe é subjacente, dada a sua relevância para o efeito nos termos do disposto do art. 102.º, n.º 1, al. a), do CPPT (prazo de apresentação da impugnação judicial).

iii) Este Tribunal não pode ainda decidir se ocorreu ou não a caducidade do direito de deduzir impugnação, uma vez que aquele documento, junto aos autos por cópia pela Impugnante e constante também por cópia simples do processo administrativo, se mostra parcialmente ilegível.

iv) Perante o déficit instrutório existente, devem os autos baixar à 1.ª instância para os termos acima referidos (2.ª parte do n.º 4 do art.º 712.º do CPC, na redacção aplicável).

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, com a consequente remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí serem efectuadas as diligências necessárias ao apuramento da factualidade relevante, nos termos que ficaram referidos, e proferida nova sentença em conformidade.

Sem custas.

Porto, 15 de Novembro de 2013

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves