Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00151/11.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/18/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Sumário:I. Não padece de omissão de pronúncia a decisão do tribunal de primeira instância que, julgando verificado o vício de falta de fundamentação da decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de dispensa de garantia, considerou prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhe eram imputados;
II. A fundamentação do acto tributário ou de acto «praticado em matéria tributária» que afecte os direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte, deve ser contextual e integrada no próprio acto, expressa, clara, suficiente e congruente.
III. A decisão do órgão de execução fiscal que identifica os pressupostos de que depende a dispensa de garantia e a norma legal onde se encontram inseridos e nomeia os pressupostos de dispensa de garantia em falta não padece de falta de fundamentação;
IV. Sobre o requerente da isenção da prestação de garantia incumbe o ónus da prova dos pressupostos contidos no art. 52º nº4 da LGT (prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia). E em relação a ambos os casos, a lei impõe, ainda, que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - Relatório
A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a presente reclamação de atos do órgão de execução fiscal, que A…, n.i.f. 1…, com domicílio na Rua…, 4415 Pedroso, interpôs a coberto dos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante sob a abreviatura «C.P.P.T.»), tendo por objeto o despacho proferido pela Sr.ª Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde no processo de execução fiscal n.º 1902200901065254, que indeferiu o requerimento ali entrado em 2010.11.30, onde pedia a dispensa da prestação de garantia.
Com a interposição do recurso, apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões:
I. A Douta sentença de que se recorre concedeu provimento à presente reclamação, considerando que o despacho reclamado padece de falta de fundamentação, por não fazer alusão à “possível fundamentação” existente em informação constante do processo executivo,
II. Assim, incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento, por errada valoração da prova e erro na aplicação do direito.
III. O despacho reclamado, mais do que ser conjugado com a informação que o antecede, deve ser lido como integrando essa informação, ou, pelo menos, como sequência material e formal daquela, dado que a informação que antecede o Despacho é lavrada na mesma página que este, e assim é notificada ao reclamante, colocando-o na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, o mesmo que dizer, na posse do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada da decisão.
IV. Na sentença recorrida reconhece-se a existência de informação fundamentadora que legitima a decisão controvertida que foi comunicada ao interessado.
V. Em todo o caso, a sentença recorrida dá igualmente como provado que o despacho reclamado, por si só, refere qual a fundamentação de direito para a decisão tomada; e, do mesmo modo,
VI. Ora, a dignidade constitucional do direito à fundamentação procura acautelar quer a racionalidade da decisão tributária, quer as condições materiais para o adequado exercício dos direitos de defesa por parte dos executados;
VII. Nos casos em que a lei não imponha especiais requisitos de fundamentação, o cumprimento do dever de fundamentar por parte da administração tributária afere-se em face do disposto nos números 1 e 2 do artigo 77.º da L.G.T., e atendendo aos fins visados pelo dever de fundamentação;
VIII. Sem que possa deixar de observar o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT, um pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação, a verdade é que, estando o conteúdo do ato tributário em sintonia com a sequência lógica do processo em que o executado participou, de cujos atos/decisões lhe foi sempre dado conhecimento pela via adequada, e tendo este reagido contra o ato de indeferimento da pretensão que originou a decisão reclamada, não se verifica motivo determinante da anulação do ato tributário por falta de fundamentação.
IX. Tendo em conta o teor da comunicação decisória efetuada ao reclamante, pela qual o destinatário demonstrou, pelo próprio teor da reclamação apresentada, perfeito conhecimento das razões de facto e de direito que conduziram ao indeferimento da sua pretensão, não se concebe o despacho controvertido como não fundamentado ou insuficientemente fundamentado.
X. A doutrina e jurisprudência vêm entendendo, de forma uniforme, pacífica e reiterada que a fundamentação há de ser expressa, (através de uma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara, (permitindo que através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a atuar como atuou), e congruente (de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão).
XI. É jurisprudência uniforme e constante que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao Tribunal, em face de cada caso, ajuizar da sua suficiência, mediante a adoção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos atos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
XII. No caso em presença, temos que, considerando a factualidade apurada, o despacho objeto da presente ação se tem como dotado de fundamentação suficiente porquanto, atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, fica em condições de saber o motivo pelo qual foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia.
XIII. Mais, se a fundamentação de direito está, pela própria sentença recorrida, considerada verificada, e se esta fundamentação consiste na apreciação dos requisitos exigidos nos art. 170º do CPPT e 52° da LGT para a dispensa de prestação de garantia, requisitos cujo preenchimento depende sempre de prova a efetuar pelo reclamante, se o reclamante não fez essa prova, e se o órgão de execução fiscal, através do despacho, isso declarou, o ato deve ter-se por completamente fundamentado.
XIV. Não existe qualquer ilegalidade no despacho reclamado que acarrete o provimento da reclamação, devendo o mesmo manter-se na ordem jurídica, tendo a sentença recorrida violado o disposto nos art. 77º da LGT e 125º do CPA.­
XV. Em todo o caso, tendo a Douta sentença concedido provimento à reclamação interposta, constata-se que aquela necessita de esclarecimento.
XVI. Considerando que o Tribunal a quo prestou esclarecimento no sentido de que a Douta decisão deve ser interpretada:
A) Extensivamente, no sentido de que deu provimento à totalidade do pedido, nomeadamente à revogação da decisão do Órgão de execução Fiscal, impondo ao Órgão de Execução Fiscal que a deva substituir por outra que dispense o Reclamante de prestar garantia nos presentes autos a fim de ver suspensa a Execução Fiscal.
XVII. Considera-se que, tendo a Douta sentença concedido provimento à reclamação interposta, apenas por ter considerado como provado o vício de falta de fundamentação do despacho reclamado,
XVIII. e dado como prejudicado a análise do vício arguido de erro nos pressupostos de facto, que não poderia concluir como concluiu, decidindo “Face ao exposto, concedo provimento à reclamação em apreço.”
XIX. Sendo que, através desta forma processual, a Reclamação das decisões do órgão de execução fiscal, prevista nos art. 276 e ss. do CPPT, o Tribunal se limita a anular, ou não, o despacho reclamado,
XX. Não poderia o Tribunal a quo conhecer do pedido da forma que o fez,
XXI. na medida em que tendo julgado extensivamente, “num sentido amplo” procedente a reclamação, sem se reportar ao pedido formulado no requerimento inicial, e não tendo apreciado a matéria de facto que poderia suportar a decisão de dispensa de prestação de garantia requerida pelo reclamante,
XXII. encontra-se desta forma a Douta sentença viciada de nulidade, em virtude de o douto Tribunal a quo não ter apreciado todas as questões que importavam ser apreciadas.
XXIII. nomeadamente sobre a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis ou a sobre a possibilidade da prestação da garantia causar ao reclamante prejuízo irreparável, e não um mero prejuízo inerente a qualquer execução fiscal, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da sua responsabilidade, nos termos do n° 4 do art. 52° da LGT.
XXIV. Sem conceder, considerando que o Tribunal a quo prestou esclarecimento no sentido de que a Douta decisão deva ser interpretada:
B) Restritivamente no sentido de que apenas se deu provimento à primeira parte do pedido, nomeadamente à revogação da decisão do Órgão de execução Fiscal;
XXV. Considera-se que, e na eventualidade de efetivamente ter existido falta de fundamentação do despacho sub judice, essa formalidade essencial degrada-se numa formalidade não essencial, porquanto a decisão do órgão de execução fiscal
XXVI. analisada a matéria de facto, não poderia ser outra, que não aquela que deu, indeferimento do pedido de isenção de garantia.
XXVII. Acresce ao expendido que o pedido do reclamante é pela procedência da isenção de prestação de garantia,
XXVIII. Assim sendo, não se pronunciando acerca da totalidade do pedido, condenando em objeto diverso do formulado pelo reclamante, a Douta Sentença recorrida violou o disposto nos artºs 123º do CPPT, 264º e 660º do CPC, importando a sua nulidade nos termos dos artºs 125.º, n.º 1, do CPPT, ne 668º nº 1 e), do Código de Processo Civil.
O Recorrido apresentou contra-alegações nos termos que constam de fls. 558 e seguintes dos autos, concluindo fosse negado provimento ao recurso.
Neste Tribunal, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos – «C.P.T.A.» – e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – «C.P.C.»), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II -DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
São as seguintes as questões a decidir, devidamente delimitadas pelas conclusões do recurso:
a) Saber se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia e condenação em objeto diverso do formulado pelo reclamante
b) Saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada valoração da prova e erro na aplicação do direito na parte em que concluiu que o despacho reclamado padece de falta de fundamentação;
III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
a) Em 22.08.2009, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Vila do Conde contra sociedade denominada “V…, Lda.”, o processo executivo que ali corre termos sob o nº 1902200901065254, no âmbito do qual, não sendo conhecidos bens penhoráveis primitiva devedora, por despacho do Exmo Senhor Chefe daquele Serviço de Finanças, datado de 21 de janeiro de 2010 foi ordenada a reversão da execução contra o ora reclamante A… (cfr fls 1 e302 a 309 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
b) O agora reclamante deduziu Oposição à execução fiscal identificada na alínea a) (cfr. fls 349 e 362 dos presentes autos);
c) No âmbito do processo executivo nº 190220090l065254, o ora reclamante foi notificado para prestar garantia para assegurar a cobrabilidade da dívida exequenda e acrescido;
d) Em 30.11.2010 o reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Vila do Conde o competente pedido de dispensa de prestação de garantia (cfr. carimbo de recebimento aposto no rosto do requerimento a fls. 349 e ss dos presentes autos);
e) Em 10.12.2010, o reclamante foi notificado, em pessoa diversa, do despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, proferido em 07.12.2010, nos seguintes termos: “Uma vez que não se verificam os pressupostos do n.º 04 do art. 52 da Lei Geral Tributária, nomeadamente quanto à inexistência de bens penhoráveis, ou manifesta falta de meios económicos indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia. Notifique-se” - cfr. folhas 355 e 358 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos -legais que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
f) Do cadastro eletrónico de ativos penhoráveis do Ministério das Finanças existe, em nome do agora reclamante, um bem imóvel inscrito na matriz urbana sob o artigo 2196, fração C, com o valor patrimonial de € 28 063,92 (cfr. fls. 345 e 346 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
g) No ano de 2009 o ora reclamante auferiu rendimentos do trabalho dependente, no valor de € 97. 271,00 (cfr. fls. 347 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
h) Em 21.12.2010, não se conformando como despacho proferido em 07.12.2010 pela Exma Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, o ora impetrante deduziu a presente reclamação (cfr. carimbo de recebimento aposto a folhas 360 dos presentes autos).
Factos não provados: «não se provou a insuficiência de bens penhoráveis por parte do reclamante».
O juízo formulado pelo tribunal recorrido e assinalado no ponto anterior tem natureza conclusiva, situando-se já no momento metodológico da subsunção dos factos ao direito. Que assim é resulta, desde logo, de a sua formulação não poder deixar de partir duma avaliação da relevância jurídica dos factos que a M.mª Juiz assinalou sob as alíneas f) e g) dos factos provados. Do que se trata, no fundo, é de concluir se estes factos traduzem insuficiência de bens penhoráveis para efeitos do artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária.
Razão porque, atento o disposto no artigo 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aqui aplicado com as devidas adaptações, se tem por não escrita esta resposta à matéria de facto, neste segmento.
III.2. Fundamentação de Direito
2.1. Merece prioridade o conhecimento das nulidades apontadas à decisão recorrida visto que a sua procedência poderá conduzir à remessa dos autos à primeira instância para o seu suprimento.
Alega a Recorrente, nesta parte, que o tribunal recorrido não se pronunciou acerca da totalidade do pedido e condenou em objeto diverso do formulado pelo reclamante (ora Recorrido) – cfr. conclusão XXVIII.
No entanto, este tribunal não consegue perceber como é que a Recorrente foi concluir que o tribunal recorrido condenou em objeto diverso do formulado pelo reclamante, visto que em lado nenhum se identifica decisão que tenha incidido sobre pretensão que o ora Recorrido não tivesse ali formulado. Estamos, assim, reconduzidos à omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal devesse ter apreciado.
Reconheça-se desde já que o reclamante tinha pedido a revogação da decisão do órgão de execução fiscal e o julgamento por substituição, dispensando o reclamante de prestar garantia. Ou seja, o Reclamante pretendia que o tribunal recorrido julgasse inválida a decisão de indeferimento da dispensa de garantia, mas também que o tribunal recorrido deferisse a dispensa de garantia. Sendo que a invalidade da decisão recorrida decorreria, de um lado, do vício de forma (falta de fundamentação) e do erro sobre os pressupostos de dispensa de garantia.
Sobre esta matéria, o tribunal recorrido já teve a oportunidade de frisar – ao apreciar o pedido de esclarecimento respetivo – que «a decisão que indefere o pedido de dispensa de garantia é anulada por padecer de vício de forma (falta de fundamentação), sem que daí decorra a dispensa de prestação de garantia por parte do reclamante (questão que não foi apreciada na sentença, por se ter entendido que ficou prejudicada pela procedência do vício de forma)» (cit. despacho de fls. 571 dos autos).
E, com efeito, pode ler-se no último parágrafo da parte dispositiva da sentença recorrida: «Destarte, imperando concluir padecer o despacho reclamado de falta de fundamentação, procede o vício que lhe é assacado pelo ora reclamante, quedando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos autos».
Ou seja, o tribunal recorrido concluiu que, procedendo a reclamação pelo vício de falta de fundamentação já não teria que apreciar o mérito do pedido de dispensa de garantia, porque a procedência da reclamação com base no primeiro vício importaria a prolação de nova decisão pelo órgão de execução fiscal.
Assim sendo, a decisão recorrida nunca poderia padecer de omissão de pronúncia. Poderia, quando muito, padecer de erro de julgamento, na parte em que se considerou prejudicada a apreciação do mérito do pedido de dispensa de garantia. Questão que nos autos não foi devidamente suscitada.
Improcede, assim, o recurso, na parte em que tem por base a conclusão XXVIII.
2.2. A segunda questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na parte em que concluiu que o despacho reclamado padece de falta de fundamentação.
Para se conhecer desta questão é essencial termos presente a matéria de facto pertinente e que é a seguinte:
-Em 30/11/2010 o recorrente apresentou um requerimento em que pedia a dispensa de prestação de garantia em que invocou, resumidamente, além do disposto no art. 52º, n.º 4 da LGT:
-prejuízo irreparável, porque o facto do prosseguimento dos autos através de cobrança coerciva impedi-lo-á de exercer condignamente a sua profissão, o que concretiza;
-não ser possuidor de bens penhoráveis, vivendo exclusivamente do seu salário e não sendo proprietário de quaisquer bens imóveis;
-não lhe podendo ser imputável a insuficiência de bens penhoráveis.
-Na sequência deste requerimento foi prestada a seguinte informação:
Informo que efetuada a consulta do Cadastro Eletrónico de Ativos penhoráveis, bem como as aplicações informáticas disponíveis, verifiquei que consta um imóvel em nome do executado, no distrito do Porto, Concelho de Vila Nova de Gaia, freguesia de Canelas, artigo 2196, fração C, urbano, com valor patrimonial de €28.063,92….
Mais informo que no ano de 2009, auferiu rendimentos de trabalho dependente no valor de €97.271,00…..
Quanto à garantia a prestar, calculada de acordo com o n.º 5 do artigo 199º do CPPT, remonta ao valor de €2.463.885,60.
É o que me cumpre informar.”.
-Na mesma folha em que foi prestada esta informação, foi proferido, sequencialmente, o seguinte despacho, que é o Despacho reclamado, com o seguinte teor:
Uma vez que não se verificam os pressupostos do n.º 4 do art. 52º da Lei Geral Tributária, nomeadamente quanto á inexistência de bens penhoráveis ou manifesta falta de meios económicos, indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia.
Notifique-se.”.
Sobre a fundamentação deste tipo de atos já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, nos acórdãos de 03/11/2010 e de 06/10/2010, respetivamente processos, n.º 0784/10 e 0667/10, tendo-se escrito naquele primeiro acórdão: “É sabido que o direito à fundamentação dos atos tributários ou «praticados em matéria tributária» que «afetem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes», estabelecido no art. 268º, nº 3, da CRP, no art. 77º nº 1 da LGT e no art. 125º do CPA constitui uma garantia específica dos contribuintes.
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do art. 1°, nº 1, als. a) e c) do DL nº 256-A/77, de 17/6, quer da própria Constituição (art. 268°, nº 3 da CRP) - vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Atos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss.
E, como se salienta no ac. deste STA, de 02/02/2006, rec. nº 1114/05, «este dever legal da fundamentação tem, a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.»
Por isso, “… a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
Utilizando a linguagem da jurisprudência, o ato só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do ato, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos corretos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do ato, para o que há de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correção formal do ato, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, pág. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).” (in acórdão de 3-11-2010, relatado pelo Conselheiro Casimiro Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt).
Face a estes ensinamentos e ao teor contextual em que o despacho foi emitido podemos concluir que o mesmo se mostra fundamentado, isto é, permite ao recorrente saber quais as razões (não se trata agora de saber se erradas ou não) que determinaram a prática do ato com aquele sentido.
Efetivamente ao ser aposto tal despacho na mesma folha, e de forma sequencial, em que foi prestada a informação sobre a existência de bens na titularidade do recorrente, permite que o seu destinatário (o recorrente), ao conhecer o processo genético do próprio ato, apreenda de forma inequívoca o itinerário cognoscitivo e valorativo do autor do despacho, uma vez que o mesmo despacho, ao incluir a referência expressa à norma legal aplicável, se assume como a conclusão das premissas que conduzem àquela decisão.
Lido atentamente o teor do despacho em crise, podemos surpreender que o pedido do recorrente, quanto à dispensa de garantia, foi indeferido porque não se verificava “…a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis…”, uma vez que era facto assente e incontrovertido que o recorrente era titular de rendimentos do trabalho e de um imóvel, o que era atestado pela informação que o antecedeu.
E, além disso, no requerimento em que formula o seu pedido, o recorrente não alega que a prestação de garantia lhe poderá causar um prejuízo irreparável, o que alega é que o prosseguimento da execução lhe poderá causar um prejuízo irreparável, o que, evidentemente, não é a mesma coisa, cfr. arts. 5 a 12 do seu requerimento (certamente terá até sido por esta razão que a AT nem sequer se referiu a ela no despacho que vem reclamado e nem teria que se pronunciar quanto à mesma uma vez que se trata de questão que está fora do âmbito do disposto no art. 52º, n.º 4 da LGT).
Assim, perante os termos e terminologia em que o despacho em crise foi proferido, conjugado com o teor do requerimento formulado pelo recorrente, pode-se concluir que o recorrente ficou em condições de compreender os motivos da decisão, em ordem a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos, uma vez que o seu contexto se encontra intimamente ligado à informação que, lógica e estruturalmente, o antecede.
Aliás, o por si alegado nos artigos 30º, 31º e 32º da petição de reclamação revela bem que o recorrente percebeu qual a razão determinante para a prolação do despacho com o sentido que efetivamente se lhe imprimiu.
Se porventura discorda da subsunção jurídica que a AT fez dos factos ao direito, ou se porventura entende que a AT errou quanto aos pressupostos de facto que teve em conta para a sua decisão, ou se não teve em conta determinados pressupostos de facto, esse “erro” já não contende com a fundamentação do ato propriamente dita, mas antes com a legalidade do próprio ato.
Concluindo-se, agora, que o despacho impugnado está devidamente fundamento há agora que saber se esse mesmo despacho enferma de alguma ilegalidade substantiva ou se, em contrário, deve ser mantido na ordem jurídica, o que se fará, conhecendo do mérito da reclamação, questões cuja apreciação foram prejudicadas em 1ª Instância pela procedência do vício de forma, em substituição, por força do preceituado no art. 715º nº 1 do CPC, pelo que se passa de imediato, fixados que se mostram os factos pertinentes à sua apreciação jurídica.
Conhecendo em substituição:
2.3. A este propósito, se adianta desde já, que idêntica questão ou apreciação foi por nós já realizada no âmbito do processo n.º 01307/11.BEPRT em 23.11.2011, em que o Recorrente era um outro sócio gerente da executada originária, também ele chamado à execução em sede de reversão – embora em execução distinta - , que aqui relembramos pela similaridade de situação:
“O executado/reclamante/recorrente em ….. dirigiu ao processo de execução requerimento a solicitar a dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do n.º 2 do art. 52º da LGT e do art. 170º do CPPT, com fundamento “… o prosseguimento através dos mecanismos de cobrança coerciva, enquanto não houver decisão definitiva acerca da Oposição à execução por si deduzida, trazer-lhe-á prejuízos significativos. (…) impossibilitará o Requerente de exercer condignamente a sua profissão, designadamente através do contacto com várias entidades oficiais, quer no Estrangeiro, quer em Portugal, tais como o Estado e entidades bancárias (…) fará com que perca o seu posto, que é o seu único meio de sustento e da sua família.(…) o requerente não é possuidor de bens penhoráveis (…) não lhe podendo ser imputável a insuficiência de bens penhoráveis…”.
Foi aquele pedido indeferido pelo despacho ora objeto de reclamação, por considerar que o reclamante/recorrente, tendo em conta que é ao executado que incumbe o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos, conforme art°74 n°1 da LGT, e art°342 do Código Civil e por este nada foi provado.
Estipula a norma do art.º 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.
Nos termos do disposto no art.º 52.º n.º4 da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 1999, por força do seu art.º 6.º, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Da letra do preceito resulta, pois, que a lei estabelece dois pressupostos, em alternativa, a isenção pode ser concedida nos casos de prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos.
Mas a isenção não depende, apenas, da constatação daquele prejuízo irreparável, em resultado da prestação de garantia ou da evidenciação de o executado não possuir bens, ou os possuir em medida inferior à necessária para prestar a garantia: também aqui a redação do preceito não deixa margem para dúvidas – impõe-se como condição para o pleno funcionamento daqueles requisitos que, relativamente a qualquer deles, a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
E, como se refere no Ac. do Tribunal Central Sul de 15.05.2007, rec. nº 01780/07, «não tem (...) qualquer cabimento reportar tal exigência da lei à insuficiência dos bens, de um lado, e à inexistência do outro, desde logo porque o legislador, para o efeito que aqui nos importa, fez equivaler, para estes efeitos, a insuficiência e a inexistência, enquanto índices reveladores da incapacidade quantitativa de assegurarem o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Dito de outra forma, a inexistência de bens e, por inerência, por mais abrangente, a sua insuficiência, equivalem-se, para efeitos da lei, enquanto elementos de ponderação pelo decisor, no sentido de deferir, ou não, a pretensão de isenção de garantia, como bem se compreende, aliás, já que não faria qualquer sentido que o executado pudesse, voluntária e intencionalmente, colocar-se em tal situação, em prejuízo dos seus credores (Na linha do que se sustentam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in LGT comentada e anotada, quando sustentam que a responsabilidade do executado em questão “(...) se deve entender em termos de dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores, e não como mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens”, e, ainda assim e posteriormente, vir pedir a dispensa de garantia).»
Consequentemente, o executado numa dada execução fiscal contra si instaurada ou revertida, e que se encontre em alguma das situações subsumíveis à citada norma do art.º 52.º n.º4 da LGT (no caso de a garantia lhe causar prejuízo irreparável ou no caso de manifesta falta de bens penhoráveis para o pagamento da dívida e do acrescido), e que pretenda obter dispensa de prestação de garantia, pode requerer tal ao órgão da execução fiscal, invocando os correspondentes factos e o direito aplicável ao caso, mas desde que em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da sua responsabilidade. Matéria esta que, desde logo, cabe ao requerente alegar, nos termos citados, como parte do direito que pretende ver reconhecido e como factos que lhe são pessoais e que ninguém melhor do que a requerente se encontrará em condições de os conhecer e, depois, os vir provar.
Remetendo-se nesta matéria para o regime geral da prova, em que se dispõe que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado – art.º 342.º n.º1 do Código Civil, consagrado no domínio tributário no art. 74º n.º 1 da LGT em que se dispõe que, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, ou seja, aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram.
Ora, como acentuam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, comentada e anotada, reimpressão, pag., 153) "a responsabilidade do executado, prevista na parte final do n.º 4, se deve entender em termos de dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores, e não como mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens, então só pode concluir-se que ao executado incumbe provar que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores".
Tecidas estas considerações, cumpre retomar o caso concreto.
Já vimos que o recorrente no requerimento que formulou tendente à obtenção de dispensa de garantia, alegou:
-prejuízo irreparável, porque o facto do prosseguimento dos autos através de cobrança coerciva impedi-lo-á de exercer condignamente a sua profissão, o que concretiza;
-não ser possuidor de bens penhoráveis, vivendo exclusivamente do seu salário e não sendo proprietário de quaisquer bens imóveis;
-não lhe podendo ser imputável a insuficiência de bens penhoráveis.
Como já se referiu, resulta do disposto no art.º 52.º n.º4 da Lei Geral Tributária (LGT) que, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Condição essencial para que o interessado possa beneficiar do disposto nesta disposição legal é que alegue e prove os fundamentos do seu pedido, isto é, tem que alegar factualidade concreta suficiente para se poderem dar por preenchidos os requisitos ali previstos e além disso tem ainda que provar por meio idóneo a factualidade que alega a esse propósito.
Ora, no caso concreto, e como é evidente, está desde logo arredada a eventual prova dos factos que o recorrente alega e que são integradores do prejuízo irreparável, tal como ele o alega, quer porque o recorrente nenhuma prova, documental ou testemunhal, indicou a esse respeito, quer porque a factualidade alegada não é de conhecimento oficioso, por não se tratarem de factos de conhecimento público ou notório.
Além do mais, e como já anteriormente vimos, no requerimento em que formula o seu pedido, o recorrente não alega que a prestação de garantia lhe poderá causar um prejuízo irreparável, o que alega é que o prosseguimento da execução lhe poderá causar um prejuízo irreparável, o que evidentemente não é a mesma coisa, cfr. arts. 5º a 12º do seu requerimento.
Resta, portanto, saber se se preencherá ou não o segundo requisito previsto por aquela disposição legal.
É certo que o valor em dívida é muito superior ao rendimento anual do recorrente e bem assim ao valor patrimonial do bem imóvel que se encontra inscrito em seu nome.
No entanto, nada há nos autos de onde se possa concluir que o recorrente não possa prestar a garantia necessária à suspensão da execução, nem que os bens existentes, o vencimento mensal do recorrente, cerca de 7.000,00€ (x14) e o imóvel possam garantir a divida exequenda.
Se por um lado nada foi alegado nesse sentido no requerimento dirigido à AT em que foi pedida a dispensa de prestação de garantia, isto é, não foi alegado qual seria o valor a pagar mensalmente ou semestralmente pela garantia, se haveria dificuldade em obtê-la junto de instituição bancária, ou outra, etc.
Por outro lado é facto incontrovertido de que o recorrente auferia à data um rendimento anual superior a 97.000,00€, o que perfazia um rendimento mensal de, cerca de, 7.000,00€ (x14), tratando-se, por isso, de um rendimento mensalmente renovável e portanto apto a satisfazer o pagamento, ainda que parcial, da dívida exequenda (na medida do legalmente disponível para tal efeito) e o imóvel igualmente poderia dar satisfação a uma parte da dívida exequenda, devendo, por isso, considerar-se não preenchido o requisito da manifesta falta de meios económicos para a prestação da garantia.
E, mais se diga, na sequência da fundamentação expendida no acórdão deste TCANorte supra citado, que no presente caso, o pedido de isenção/dispensa de prestação da garantia requerido pelo ora recorrente, nunca poderia deixar de improceder, desde logo, por falta da invocação/articulação no seu requerimento onde formula tal pedido, da situação subsumível à parte final da norma do art.º 52.º n.º4 da LGT - desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado – já que sobre este pressuposto apenas foi articulado pelo requerente “(…) não lhe podendo ser imputável a insuficiência de bens penhoráveis. Com efeito o requerente não tem dívidas exigíveis para com nenhum credor. Nunca tendo sonegado ou furtado o seu património à responsabilidade pelas suas dívidas prejudicando desse modo os seus credores (…)” e nenhuma prova o ora recorrente veio juntar ou requerer, no citado requerimento como dele se pode ver, de fls. 349 a 354 dos autos. Tal alegação nos termos feitos, erroneamente referindo-se a sua situação como credor, equivale a nada provado no que se refere à insuficiência ou inexistência de bens da sua responsabilidade, como lhe cabia alegar e provar, nos termos das citadas normas Cfr. neste mesmo sentido, o acórdão do TCA Sul de 15.5.2007, in recurso n.º 1780/07., e o mesmo se diga em sede de Reclamação, em que mantém a mesma alegação atinente a este pressuposto (cfr. art. 47º e 48º da petição de reclamação de fls.395 a 414 dos autos) e nenhuma prova apresentou. Posto isto, é impossível concluir que a situação de inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis não tenha sido da sua responsabilidade, com a consequente dissipação dos seus bens de molde a colocar-se nessa situação, desta forma não podendo deixar de se manter o despacho reclamado, que é assertivo, desde logo, na falta do preenchimento deste pressuposto.
E como este pressuposto é, nos termos da parte final da norma do n.º4 do art.º 52.º da LGT, comum, quer quando a prestação de garantia lhe cause prejuízo irreparável, quer quando ocorra manifesta falta de meios económicos para a prestar, como é expressiva a inserção “desde que em qualquer dos casos”, que são os dois casos antes enunciados em que tal dispensa/isenção pode ter lugar, o não preenchimento deste último, como no caso, conduz, inevitavelmente, a que tal dispensa/isenção da garantia não possa ser concedida.
Concluindo, dos elementos juntos aos autos resulta por demais evidente, face à existência de bens e direitos penhoráveis, ao não preenchimento da parte final do n.º 4 do art. 52º da LGT, que o pedido de dispensa de prestação de garantia nunca poderia proceder, quer por não ter sido devidamente alegada e provada a factualidade atinente a este pedido, quer porque, na parte em que se provou, dever-se concluir que o recorrente não preenche os requisitos legalmente previstos para a dispensa de prestação da garantia.
IV - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em concedendo provimento ao recurso:
§ Revogar a decisão recorrida,
§ Conhecendo em substituição, negar provimento à reclamação apresentada pelo recorrente.
Custas pelo recorrente em ambas as instâncias.
Porto, 18 de abril de 2012

Ass. Irene Neves (relatora por vencimento)

Ass. Aragão Seia

Ass. Nuno Bastos (Vencido nos termos da declaração que junto em anexo:

Declaração de voto

Negaria provimento ao recurso e confirmaria a douta decisão recorrida pelas razões que, de seguida, resumirei:
Como ponto prévio, devo referir que, em convergência com o decidido no recente acórdão do S.T.A. de 2012.02.23 (processo n.º 059/12), entendo agora que a decisão sobre o pedido de dispensa de garantia deve qualificar-se também como um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária, inserido em procedimento tributário autónomo, ainda que enxertado na execução fiscal. Foi assim revista posição anterior com fundamentação que desenvolvi no projeto inicial mas que seria ocioso estar, neste âmbito, a explanar.
O que interessa para o caso que é entendo agora que a legalidade formal da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia deve ser aferida à luz das regras do procedimento tributário e, subsidiariamente, do procedimento administrativo. O que, de resto, se fez na douta sentença recorrida.
No que tange ao dever de fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia deverão, assim, ser consideradas as disposições constitucionais que garantem aos administrados a fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa), bem como as disposições gerais da lei tributária (seu artigo 77.º, n.º 1) e, subsidiariamente, do Código do Procedimento Administrativo.
Deve entender-se que a exigência constitucional de fundamentação expressa impõe aos órgãos da administração que, querendo valer-se de fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária explicitem a concordância com esses fundamentos e, sendo mais do que um, concretizem aqueles para que remetem, de modo a que o administrado se possa inteirar do conteúdo exato da respetiva fundamentação de suporte.
Deve entender-se, também que a exigência constitucional de fundamentação acessível impõe aos órgãos da administração um esforço de concretização das razões que os levaram a decidir no sentido em que decidiram, garantindo, assim, o efetivo acesso dos administrados ao «itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão» - DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2.ª edição Revista e Aumentada, Vislis 2000, pág. 328.
Ora, a meu ver, a decisão de indeferimento do pedido de dispensa da garantia do ali reclamante – ora Recorrido – não permite o acesso ao itinerário cognoscitivo daquele órgão decisor, visto que não explicita as razões que o levaram a concluir «que não se verificam os pressupostos» da dispensa de garantia.
Não satisfaz tal exigência a alusão à «inexistência de bens penhoráveis ou manifesta falta de meios económicos», visto que não traduz mais do que a referência aos descritores da hipótese normativa, que integra apenas a primeira premissa do raciocínio fundamentador (que assim esquematizamos: “1.ª premissa” - a dispensa da garantia depende, além do mais, da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis; “2.ª premissa” – o requerente dispõe dos seguintes bens (…) que são penhoráveis e não são manifestamente insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e o acrescido; “Conclusão” – o requerente não pode beneficiar da dispensa da garantia).
Por outro lado, aquela decisão também não remete explícitamente para informação ou parecer anterior, nomeadamente para a informação colocada na mesma página do processo executivo, onde a Sr.ª Funcionária do Serviço de Finanças de Vila do Conde dá conta de que «consta um imóvel em nome do executado, no distrito do Porto, Concelho de Vila Nova de Gaia, freguesia de Canelas, artigo 2196, fracção C, urbano, com valor patrimonial de € 28.063,92» e que «no ano de 2009, auferiu de rendimentos de trabalho dependente no valor de € 97 271,00».
Contrapõe o Recorrente que o despacho controvertido deve ser lido como integrando aquela informação, uma vez que foi proferido em sequência da mesma e na mesma página.
Todavia, o mais que se poderia extrair daí era que a decisão remete implicitamente para a informação que imediatamente a antecede. Mas, como vimos, a lei constitucional não admite fundamentação implícita dos atos da administração, nela incluída a fundamentação por remissão implícita.
Contrapõe também a Recorrente que, tendo a dita informação sido lavrada na mesma página e, como tal, notificada ao reclamante, este teria ficado na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão.
Na verdade, se a eventual insuficiência de fundamentação não impediu o acesso do reclamante à informação fundamentadora, a preterição da formalidade respetiva degrada-se em preterição de formalidade não essencial, sem efeitos invalidantes.
Mas entendo que isso não se pode extrair sem mais do facto de existir uma informação lavrada na mesma página e a decisão ter sido proferida em sequência. Porque podem existir outros elementos e outras informações nos autos que suportaram o itinerário cognoscitivo do órgão decisor que não estejam contidos naquela informação.
Aliás, a finalidade da obrigação de remissão expressa é precisamente a de obviar à fundamentação aberta, isto é, a fundamentação que remeta genericamente para informações anteriores ou até processos inteiros e que, assim, possa ser reconstituída a posteriori ou moldada de acordo com vicissitudes posteriores do processo ou até do conteúdo da própria defesa do administrado.
A questão que sobrava seria a de saber se a degradação da formalidade em não essencial poderia ser deduzida do conteúdo da defesa do ali reclamante, visto que a partir do artigo 27.º do respetivo articulado aprecia a legalidade do ato partindo justamente do pressuposto de que se sustenta naquela informação (que, de resto, transcreve no artigo 18.º) e reafirmando o mérito do pedido de dispensa de garantia.
Mas entendo que a resposta seria, ainda aqui, negativa.
Em primeiro lugar, porque o ali reclamante (ora Recorrido) não aprecia o mérito da decisão reclamada. Limita-se a constatar que nem através da informação de serviço que precede o despacho de indeferimento é possível extrair as razões que levaram ao indeferimento do seu pedido e, no mais, a reafirmar o mérito da sua pretensão e a apelar ao tribunal para que o reconheça nos seus próprios fundamentos.
Observe-se que não é o mesmo contestar o mérito da decisão reclamada e reafirmar o mérito do seu pedido. No primeiro caso, ataca-se o conteúdo dos fundamentos do ato e demonstra-se ter acedido ao respetivo discurso fundamentador; mas no segundo caso, o reclamante desliga-se do ato e limita-se a remeter para a sua própria fundamentação.
Em segundo lugar, porque o reclamante também tem razão nesta parte. Nem do confronto entre a informação e a decisão é possível reconstituir verdadeiramente o itinerário cognoscitivo do órgão decisor. Como foi a Sr.ª Chefe do Serviço de Finanças entender que não havia manifesta falta de meios económicos se o valor do bem indicado na informação em que se poderia suportar é de € 28.063,92 e a garantia a prestar é de € 2.463.885,60? Seria por causa dos rendimentos anuais de € 97.271,00? E a ser o caso, é porque esses rendimentos permitem contrair uma garantia desse valor?
Pelo que confirmaria integralmente a douta sentença recorrida.
Porto, 18 de Abril de 2012)