Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00699/13.8BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/09/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IMI
BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS A BENS IMÓVEIS
PESSOA COLETIVA DE UTILIDADE PÚBLICA ADMINISTRATIVA
Sumário:I - Na ação administrativa especial, o juiz não tem que discriminar os factos não provados;
II - O juiz também não tem que se pronunciar sobre facto alegado em articulado que não releve para a decisão a proferir;
III - A alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro não constitui fundamento de isenção de imposto municipal sobre imóveis;
IV - A afetação dos rendimentos decorrentes da alienação ou oneração de imóvel à realização dos fins de pessoa coletiva de utilidade pública que o adquiriu não constitui fundamento da isenção de imposto municipal sobre imóveis a que alude o artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do CIMI;
V - As decisões proferidas no âmbito de normas fiscais revogadas não podem constituir instruções genéricas vinculativas para efeitos de decisão sobre benefícios fiscais inseridos em normas que essas decisões não apreciaram nem podiam ter apreciado.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Caixa...
Recorrido 1:Diretor Geral dos Impostos
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. Caixa…, n.i.f. 5…, com sede indicada na Rua…, em Lisboa recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a ação administrativa especial que interpôs contra o Sr. Diretor-Geral dos Impostos, tendo por objeto a decisão que este proferiu no recurso hierárquico da decisão proferida pelo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 1 que indeferiu o pedido de isenção de imposto municipal sobre imóveis relativo ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Travessa…, freguesia de C…, concelho de Coimbra, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 7….º.

Com a interposição do recurso, a Recorrente apresentou as correspondentes alegações, que rematou com as seguintes

«CONCLUSÕES

Vício “citra petita”

1. Face à parte final do nº 1 do artigo 125º do CPPT e aos vícios das sentenças aí plasmados: “ultra petita”, “extra petita” e “citra petita” causadores de nulidade das sentenças, há-de reconhecer-se face aos pedidos ou questões levantadas pela autora, que o aresto recorrido padece do vício “citra petita” porquanto, basta ver as questões levantadas nas alegações apresentadas, em desenvolvimento do que consta na petição inicial, para se concluir que não se apreciou praticamente nada dos fundamentos alegados pela autora.

2. A sentença padece, assim, da nulidade da parte final do n° 1 do artigo 125º do CPPT, posto que não examina praticamente nada do que foi alegado, não se pronuncia sobre os fundamentos alegados pela autora.


Insuficiência da matéria de facto

3. A AT não logrou provar matéria relevante que alegou, a saber: que foi com base na diferença de actividades e fins que não foi concedida a isenção à Autora, porquanto o fundamento do indeferimento consta no 3º parágrafo do Documento 4/5 junto com a PI, reproduzido no artigo 14º da PI.

4. Uma simples leitura do teor do parágrafo conduz-nos à constatação de que aí não são esgrimidos quaisquer argumentos que conduzam à legitimidade da afirmação ora plasmada na contestação.

5. Também não provou que o bem imóvel está devoluto e integra o activo imobilizado da CAIXA.... Trata-se de um facto alegado e não provado que não se aceita. Aliás, trata-se de facto falso, alegado pela Ré, ora impugnado cujo ónus da prova lhe comete. Posto que do que se trata é de um imóvel adquirido nos termos do artigo 18º da Lei das caixas económicas (Decreto-Lei nº 136/79, de 18 de Maio).

6. Impunha-se que se referisse expressamente essa matéria como tendo sido não provada, porquanto, como aliás resulta da decisão do TAF de Sintra que se juntou às alegações, essa matéria é relevante para o tipo de decisão que o TAF de Coimbra deveria adoptar.

7. Pelo que ocorre o vício da alínea b) do n° 1 do artigo 615º do CPC.


Erros de julgamento ou erros de direito

8. O aresto em recurso no ponto 1.1 e no ponto 1.3, contém vários erros de direito ou de julgamento.

9. Quanto ao referido de que a isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do CIMI e a da alínea d) do nº 1 da Lei 151/99, de 14.12 “são ambas dependentes de reconhecimento administrativo”, tal afirmação vai contra lei expressa. Com efeito,

10. A alínea e) do nº 1 do artigo 44° do EBF refere que “estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins” E o seu nº 2 refere que “as isenções a que se refere o número anterior iniciam-se: relativamente às situações previstas nas alíneas e) e f), a partir do ano, inclusive, em que se constitua o direito de propriedade”. O nº 4 do mesmo artigo refere que: “as isenções a que se refere a alínea b) do n.º2 são reconhecidas oficiosamente, desde que se verifique a inscrição na matriz em nome das entidades beneficiárias, que os prédios se destinem directamente à realização dos seus fins e que seja feita prova da respectiva natureza jurídica”.

11. Pelo que é de concluir que o aresto sob recurso decide contra lei expressa.

12. A isenção é “oficiosa”, ou seja, não esta sujeita ao procedimento do artigo 65º do CPPT. A Autora nem tinha que requerer a sua concessão.

13. Era a AT que tinha que “oficiosamente” reconhecê-la, pelo que o seu efeito útil (de se encetar um pedido) teve a ver com a condição “destinem directamente à realização dos seus fins”, a qual se basta pela alegação do contribuinte, como aliás ocorre em sede de IMT como infra se exporá.

14. Quanto à afirmação de que a “isenção prevista no diploma da AR se refere a prédios urbanos destinados à realização dos fins estatutários ... enquanto que a isenção prevista no EBF diz respeito a prédios destinado umbicalmente à realização dos respectivos”, não se percebe o que se quer significar.

15. É sabido que os prédios de uma entidade são usados: como instalações próprias; ou como aplicação de activos (capitais) visando obter proveitos, quer através da sua locação, quer através da realização de mais-valias pela sua alienação na parte final do tempo de posse.

16. Afinal as isenções aplicam-se a que prédios?

17. Ora, é bom de saber que a isenção - e uma só - aplica-se obviamente aos prédios que sejam instalações da PCUP e a todos os demais prédios pelo critério da afectação exclusiva do rendimento, desde que a sua afectação exclusiva (rendimento) se mostre destinada á prossecução dos fins da pessoa colectiva. É o caso.

18. Não há dois tipos de isenção de IMI para as PCUP. Basta ler a Lei da AR que é de 1999 (e sucedeu ao Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro) e verificar que a isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF vem de 1989 (redacção inicial do EBF) para se verificar que no fundo se plasmou a mesma literalidade que resultava do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro quanto à Sisa e ISD.

19. O que acontece é que a redacção - de 1989 - da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF quando diz: “quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins” está desajustada, e deve ler-se “prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários” por força da alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99, de 14.12, uma lei da AR posterior ao Decreto-Lei que aprovou o EBF em 1989.

20. Quanto ao referido de que Os resultados do exercício é que constituem o escopo social da autora” é simplesmente chocante, bastando a leitura de uma qualquer obra sobre Teoria Geral do Direito para se perceber a distinção entre fins (escopo ou fins mediatos) e objecto (fins imediatos, actividade desenvolvida).

21. A esse propósito consta das alegações apresentadas em Juízo: “Nota-se que na contestação o Réu parte de uma confusão técnica no que à distinção entre objecto (fim imediato) e fim teleológico (fins mediatos) dum determinado ente, diz respeito.

Recorrendo ao estudo “Da natureza jurídico das caixas económicas” (BMJ 312, 1982) do Prof. Januário Gomes, refere-se o seguinte a páginas 35/36: “Da mesma opinião é Vincenzo Sinagra que, acerca do critério de determinação da natureza jurídica escreve: A função dum ente jurídico é, na verdade, o que determina a sua natureza. A função, por sua vez, é determinada pelo escopo que explica a própria actividade, e por escopo deve entender-se não o escopo concreto, específico, imediato, mas o escopo último e directo, a finalidade suprema pelo qual o ente se constitui, uma vez que o primeiro é só um meio para a consecução do segundo. E continua: Entendemos por função, não a actividade concreta, a acção prática que o ente é chamado geralmente a efectuar, mas a função económico-social que é chamado a desenvolver em sociedade, a actividade que é chamada a desenvolver como fim em relação à primeira que tem o valor de meio”.

22. Ora, uma coisa é o objecto/actividade e os resultados daí decorrentes, outra bem distinta são os fins mediatos, o escopo, o verdadeiro fim de um ente.

23. Os fins mediatos, o escopo da Autora são os do próprio M… - Associação Mutualista: “Mais clara se configura a conclusão a que chega o Sr. Prof. Freitas do Amaral no estudo “Natureza jurídica da Caixa…, anexa ao M…” (precisamente quanto á autora) in “Estudos em Homenagem á Dra. Maria de Lourdes Correia do Vale”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, CEF, Lisboa 1995, páginas 100/1001: “As caixas económicas exercem uma função vincadamente social, de carácter previdencial e beneficente: a maioria delas são instituições anexas a associações de socorros mútuos ou a misericórdias, e de futuro só se se verificar esta ligação a instituições de beneficência é que serão autorizadas novas caixas económicas”.

24. Pelo que, sendo pacífico que o M…é uma IPSS que prossegue fins de previdência e beneficência, verifica-se que a CAIXA... a ele anexa tem a mesma natureza.

25. Quanto à “… apontada pecha decisória do ato impugnado, por omissão de pronúncia quanto á apreciação do pedido à luz do regime da Lei 151/99, embora subsistente, ... não se transforma num direito à isenção”... verifica-se que não foi nada disso que ocorreu, quer no âmbito do processo administrativo (PA) quer no pleito judicial.

26. O que a AT defende foi que no há hierarquia de normas e que o que vale é a norma do EBF, sem considerar a sua desactualização acima aponta.

27. Pelo que não faz qualquer sentido este tipo de justificação cuja relação com a verdade processual não tem qualquer tipo de suporte.


O que está em causa nestes autos: a questão de fundo

28. É a isenção de IMI das Pessoas Colectivas de Utilidade Pública na sua dimensão conferida pela Lei 151/99 de 14.12 (Lei da AP publicada em 1999).

29. No caso o benefício fiscal carece de um acto administrativo meramente declarativo.

30. O M… - Associação Mutualista e a sua Caixa Económica anexa são “UMA UNIDADE com as funções de realizar as FINALIDADES do M…” - artigo 2º da PI - Deliberação do Conselho de Administração Fiscal.

31. Em termos de natureza jurídica as entidades M… e sua CAIXA... anexa, tendo como base a atividade (fim mediato ou objeto), o M… insere-se nas “outras atividades complementares de segurança social” e a sua CE anexa insere-se em “outra intermediação monetária”, sendo ambas consideradas instituições financeiras nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97º do Código do IRC.

32. Sendo pacífico que o M… é uma IPSS que prossegue fins de previdência e beneficência, verifica-se que a CAIXA... a ele anexa, tem a mesma natureza ou carácter como resulta dos pareceres acima referidos e que aqui se dão por reproduzidos.

33. Ambas as entidades prosseguem ou comungam os mesmos fins, os do M…, sendo uma e a mesma unidade económico funcional, como o entendeu o Conselho de Administração Fiscal na deliberação citada no artigo 2 da PI.

34. Nº 2 do artigo 5º do EBF: O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário”. Ou seja, no caso, não é a AT que tem o poder para dizer o que cabe ou não no âmbito do benefício fiscal. Essa amplitude dimana da lei da AR, neste caso a Lei 151/99, de 14.12, uma vez que o acto de reconhecimento do benefício tem sempre efeito meramente declarativo.

35. Conforme tem sido jurisprudência uniforme de vários tribunais as normas com as que constam do EBF, ora em causa, são de mero controlo dos benefícios fiscais, e não podem limitar ou restringir os benefícios conferidos pela AR, como é o caso.

36. As normas sobre benefícios fiscais admitem interpretação extensiva (artigo 10º do EBF).

37. A atual lei das caixas económicas, o Decreto-Lei 136/79, de 18 de Maio, em lado algum diz que as caixas económicas têm ou mantêm personalidade jurídica e estatutos próprios, mas também não o proíbe, podendo dispor dos órgãos sociais homólogos e estar integradas na própria estrutura orgânica e funcional prevista nos estatutos das entidades a que estão anexas.

38. A CAIXA... integra o sector social da economia, não tem fins lucrativos. Os bancos comerciais do sector privado lucrativo integram o sector privado da economia. Não há comparação possível. Nem se pode colocar aqui em causa o princípio da igualdade (da isonomia/isocracia) porque se trata de situações muito diferentes.

39. Sendo os elementos literais das normas isentivas de IMI e IMT idênticos, ocorrendo que quanto à isenção do IMI, o EBF (redacção que vem desde 1989) diz mais que a lei da AR alinea d) do artigo 1º da Lei 151/99,de 14 12): “Contribuição autárquica - hoje IMI - de prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários”,

40. Surpreende como a AT sabendo como sabe que em sede de IMT a isenção é SEMPER conferida às PCUP, quer os bens sejam para instalações próprias, quer sejam para arrendamento (ou seja, sirvam para produzir proveitos de uso exclusivo para a entidade), bastando apresentar uma acta onde se declare o fim (é suficiente a mera declaração) venha dizer (na contestação) que se não fosse como entende então todos os prédios tinham isenção.

41. No caso, a isenção de IMI das PCUP, a sua amplitude, resulta da lei que é a alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14.12 (Lei da AR publicada em 1999) por força do nº 2 do artigo 5º do EBF, onde não se usa o termo “directamente” que e ainda usado na alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF que vem desde a primeira redacção do EBF (1989).

42. No caso do IMT a lei prevê a forma como se integra o conceito da “directa e imediata” afectação do bem aos fins. Refere o artigo 10º nº 2 alínea b) do CIMT que esse desiderato se comprova “b) Nos casos a que se referem as alíneas d), e) e f) do artigo 6.º, de documento comprovativo da qualidade do adquirente e de certidão ou cópia autenticada sobre a aquisição onerosa dos bens, da qual conste expressa e concretamente o destino destes.”

43. No caso do IMI a lei não tem uma norma igual à alínea b) do nº 2 do artigo 10º do CIMI. E não será preciso porque a alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99, de 14.12, não coloca limitações ao benefício fiscal.

44. Diz que pode ser concedida isenção de “Contribuição autárquica - hoje IMI - de prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários”.

45. Se a lei da AR que tem competência exclusiva sobre a matéria não coloca entraves à amplitude do benefício não poderá a lei ordinária, anterior (EBF com redacção de 1989) colocar entraves ao benefício tendo em conta o nº 2 do artigo 5º do EBF.

46. O reconhecimento do benefício tem efeito meramente declarativo.

47. Mas mesmo considerando que a redacção da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF se mantém em vigor. Ou seja, mesmo que se considerasse em vigor a expressão “directamente” ter-se-ia que aplicar o mesmo critério que a AT tem para interpretar e aplicar a norma de isenção de IMT, porque tem uma literalidade igual e mais restritiva (no IMI fala-se em “directamente” no IMT fala-se em “direta e imediatamente”).

48. No parecer acima reproduzido o que se pretende dizer é que o termo “directa” não causa problemas alguns porque se entende que aí cabem os prédios para instalações, para locação ou par revenda, ou seja, para obter proveitos para a PCUP.

49. Dir-se-à que a CAIXA... não pode exercer actividade de compra de prédios para revenda. Não pode, nem quer. O que acontece é o funcionamento do mecanismo do artigo 18º da Lei das Caixas Económicas (Decreto-Lei nº 137/79, de 18.05). Pode adquirir os imóveis para recuperar créditos e tem que os vender no prazo de 3 anos. No interim pode locá-los, mas tem que os alienar, certamente tentando obter mais-valias se possível.

50. A actividade/objecto da CAIXA... é um meio para obter proveito para entregar ao M…, que é detentor a 100% do seu capital institucional (não capital social/acções ou quotas).

51. Ou seja, ter-se á que aplicar, em última instância, a doutrina do parecer acima reproduzido parcialmente, por interpretação extensiva da lei.

52. Quer seja por aplicação do regime da Lei 151/99 de 14.12, quer seja pela aplicação extensiva do regime do IMT ao IMI quanto à prova suficiente do destino dos bens (mera declaração exarada ou não em acta) o certo é que, no caso dos autos deveria a AT conferir o benefício fiscal. Trata-se do princípio da legalidade ínsito na CRP.

53. Foram violadas as disposições legais a que se aduziu nas conclusões supra se interpretadas de forma diferente à que é proposta nestas alegações, para além da violação da CRP conforme também acima se explanou.

54. A ser como se diz no aresto, as custas têm que ser imputadas à AT, porque teria sido, que como se disse não (agiu como age em todos os processos e bem!), esta parta a dar causa ao suposto erro.

Termos em que, devem julgar-se procedentes as nulidades do aresto e julgar-se provada a factualidade acima indicada, considerando-se adicionada a decisão sobre a matéria de facto, anulando-se o aresto recorrido e julgando-se a acção procedente nos termos constantes do pedido inserto na petição inicial, assim se fazendo a costumeira,

Justiça!».

1.2. O recurso foi admitido com subida imediata nos autos com efeito suspensivo.

A Recorrida apresentou as contra-alegações, nos termos que a seguir se transcrevem:

«I – Da Matéria de Facto Provada e Não Provada

1º. A ora Recorrente, nas alegações de recurso jurisdicional deduzidas, começa por imputar à sentença recorrida ‘Insuficiência da matéria de Facto”.

2º. Entendendo-se que se refere aos factos dados como provados, alegará a Recorrente que não está provado que o bem imóvel está devoluto e integra o activo imobilizado da CAIXA.... Tratar-se-ia de um “facto falso”.

3º. Acontece que no âmbito do processo administrativo ou no presente processo contencioso a Recorrente referiria, apenas e tão-só, que o prédio em causa se destina “à directa e imediata realização dos fins da CAIXA..., uma vez que as mais valias eventualmente realizáveis pela sua alienação são transferidas, como resultado da Caixa, anualmente, para o M…, para que este as aplique em pensões, subvenções e subsídios aos seus beneficiários e pensionistas” e que “Igualmente os rendimentos derivados de eventuais situações temporárias de arrendamento são entregues, em regime de exclusividade, ao M…, para pagamento de pensões, subvenções e subsídios aos seus beneficiários e pensionistas, após constituição das reservas legais e estatutárias”.

4º. Tal fundamento do pedido de isenção foi levado aos factos provados pela sentença recorrida sob a alínea D.

5º. Aliás, a Recorrente não demonstrou, como lhe competia, que tal Facto não vinha provado nos autos. Nem esse Facto ou qualquer dos outros.

6º. Na verdade, a sentença sob recurso teve por base todos os documentos trazidos aos autos, tal como se escreveu: “A convicção do Tribunal assentou, em primeiro lugar, nos documentos juntos pelas partes e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação.

Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a preferir os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.

7º. A sentença “a quo” não incorreu em erro na fixação dos factos provados e não provados, nem procedeu a uma errónea subsunção da matéria de facto ao direito aplicável.

8º. Razão por que deve ser mantida.

II - Quanto à isenção de IMI prevista no art. 44°, n°1, al. e) do Estatuto dos Benefícios Fiscais:

9º. A isenção do art. 44º, n°1, al. e) do EBF abrange, como se já referiu, as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e mera utilidade pública, relativamente aos prédios destinados directamente à realização dos seus fins.

10º. Tal quer dizer que não é a totalidade dos prédios detidos pelas pessoas colectivas de mera utilidade pública que está abrangida pela isenção, mas apenas os que estiverem directamente afectos a realização dos seus fins.

11º. Tal isenção tem natureza selectiva, já que depende do requisito da afectação dos prédios aos fins específicos da pessoa colectiva.

12º. A Caixa… (CAIXA...) não é uma PCUP com personalidade jurídico-tributária própria, constituindo antes um centro autónomo de direitos e deveres em matéria tributária.

13º. De facto o art. 10°, n°1, al. b) do IRC anteriormente à redacção dada pelo art 113° da Lei 64-B1201 1, de 30 de Dezembro, isentava de IRC as IPSS e entidades anexas bem como as pessoas colectivas legalmente equiparadas às PCUP.

14º. Ao dizer que a isenção de IRC abrangia não apenas as IPSS como as entidades anexas, a anterior redacção do CIRC, no art. 10°, n° 1 reconhecia expressamente que as entidades anexas às PCUP tinham independência jurídico-tributária das PCUP.

15º. De outro modo, não seria necessária a ampliação da isenção do art. 10º, n°1, al. b) do CIRC às entidades anexas às PCUP.

16º. De facto, a CAIXA... não é uma PCUP mas uma instituição financeira.

17º. Actua em concorrência no mercado financeiro com as demais instituições financeiras que estão sujeitas e não isentas de IMI.

18º. O referido art. 15° da Lei 64-B/2011, de 30 de Dezembro, revogou a isenção de IRC anteriormente aplicável às entidades anexas às PCUP.

19º. Os rendimentos provenientes da sua actividade financeira passaram a ser sujeitos às normas gerais de tributação, o que resulta logicamente da sua natureza empresarial.

20º. Manteria, no entanto, a CAIXA... a condição de Pessoa Colectiva de mera Utilidade
Pública que lhe tinha sido reconhecida por despacho do Primeiro-Ministro publicado no
Diário da República, II Serie, n°243, de 22 de Outubro de 1991.

21º. Nos termos do art. 3° dos seus Estatutos, a Caixa Económica tem por objectivo o exercício da actividade própria das instituições de crédito do seu tipo, as chamadas caixas económicas, praticando operações e prestando serviços permitidos pelas normas legais que a regem e as previstas nos Estatutos.

22º. Está sujeita ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo art. 1° do Decreto - Lei n° 298/92, de 31 de Dezembro, sem prejuízo das especificadas dos arts. 3°, alínea b), 4°, n° 2, 19°, alínea b), 29° e 41° de que resulta não estarem obrigadas a adoptar a forma de sociedade anónima e não disporem do chamado passaporte comunitário, do que resulta não poderem exercer a sua actividade noutros países da União Europeia, através de sucursais ou em regime de livre prestação de serviços.

23º. A qualidade de utilidade pública da CAIXA... não lhe advém obviamente do exercido de uma actividade financeira.

24º. De outro modo, todas as restantes instituições de crédito deveriam partilhar, por um princípio de igualdade, de idêntico reconhecimento de utilidade pública.

25º. Resulta tal utilidade pública do art. 4° dos Estatutos, de acordo com o qual devem colocará disposição do M…, uma instituição de solidariedade social (IPSS), os resultados dos seus exercícios, feitas as deduções estatutariamente previstas, para que este os aplique na realização dos seus fins.

26º. Assim, a prossecução pela CAIXA... de fins de utilidade pública é meramente indirecta.

27º. Tais fins são directamente prosseguidos pelo M..., com os fundos entregues pela CAIXA....

28º. O fundamento da declaração de utilidade pública da CAIXA... não tem a ver, assim, com
a actividade financeira à qual os bens imóveis de que é proprietária estão legalmente
afectos.

29º. Inexiste, assim, qualquer conexão directa entre tais bens imóveis e o fundamento da declaração de utilidade pública da CAIXA....

30º. Os rendimentos prediais ou de mais-valias, gerados respectivamente pelo arrendamento ou Venda desses bens imóveis, não são necessariamente aplicados nos fins de solidariedade social desenvolvidos pelo M….

31º. Outra conclusão dependeria da verificação cumulativa dos seguintes três pressupostos:

a) Tais rendimentos estarem obrigatoriamente afectos ao M…;

b) Deverem ser obrigatoriamente entregues pela CAIXA... ao M…, sem qualquer possibilidade legal de serem retidos pela CAIXA...;

c) O M… não poder desenvolver, ainda que acessoriamente, qualquer actividade empresarial.

32º. Ora, esses rendimentos não são receita do M....

33º. O que é receita do M... é o resultado do exercício da CAIXA... de que esses rendimentos são apenas um elemento componente.

34º. No caso de resultado de exercício negativo, por exemplo, tais rendimentos não são, por impossibilidade estatutária, entregues ao M....

35º. Por outro lado, apenas uma parte dos resultados líquidos do exercício é receita do M....

36º. É o que resulta do art. 36° dos Estatutos, que dispõe que um mínimo do resultado de exercício é reserva legal e um mínimo de 5 % reserva especial, podendo igualmente a CAIXA... proceder a outras reservas, sem qualquer limite quantitativo.

37º. Nessa medida, porque apenas uma parcela da resultado de exercício é entregue ao M..., a CAIXA... tem empreendido uma agressiva política de aquisição de outras instituições financeiras.

38º. Nos termos do art. 3°, nº1, dos seus Estatutos, o M..., para auxiliar a realização dos seus fins: dispõe de uma caixa económica anexa, com personalidade jurídica e estatutos próprios, denominada Caixa... pode criar estabelecimentos dele dependentes; pode constituir rendas vitalícias e pode deter participações financeiras.

39º. Segundo o n° 2, o M... para a prossecução dos seus fins pode fazer, designadamente, aplicações mobiliárias e imobiliárias; contrair empréstimos e desenvolver outras iniciativas e realizar todos os actos e contratos legalmente permitidos.

40º. Existem, assim, no património do M… e CAIXA... bens imóveis que apenas indirectamente estão afectos a fins de utilidade pública.

41º. Se o legislador tivesse em vista uma isenção generalizada dos prédios das PCUP independentemente do fim a que se destinam, então não teria inscrito a palavra directamente. A sua aposição aponta claramente para um sentido restritivo na interpretação da norma e para a existência de uma conexão directa entre os imóveis de que sejam proprietárias as IPSS e os fins que prosseguem, como revela que o legislador teve em vista na al. e), do n° 1, do art. 44° do EBE beneficiar as IPSS relativamente ao imposto devido pela titularidade de prédios que sejam utilizados no âmbito da sua actividade ou que gerem rendimentos que fossem directamente aplicados na prossecução dos fins daquelas instituições.

42º. Não é pois de interpretar a norma aqui visada como se os prédios adquiridos por uma entidade se destinam directamente aos fins da outra entidade, com ela conexa, mas distinta.

43º. O legislador terá visado o objecto imediato da entidade em causa, definido nos Estatutos privativos, o que não se compadece com uma interpretação tão abrangente quanto a que defende a Recorrente.

44º. Outra solução esvaziaria o conteúdo restritivo da limitação da isenção de IMI aos bens imóveis directamente - e não indirectamente - aplicados nos fins de utilidade pública prosseguidos pela pessoa colectiva.

45º. Todos os bens imóveis da propriedade da pessoa colectiva de utilidade pública estariam abrangidos pela isenção, a não ser, na hipótese absurda de a pessoa colectiva prosseguir, com violação do seu estatuto e do princípio da especialidade, fins privados.

46º. Ainda que se entenda ser suficiente para se considerarem preenchidos os pressupostos da isenção, os bens imóveis proporcionarem qualquer rendimento à CAIXA..., essa hipótese não se verifica no presente caso.

47º. A própria Recorrente admitiu na petição de proposição da acção administrativa especial que tais bens imóveis poderiam vir a ser arrendados ou alienados, caso em que poderão originar mais-valias.

48º. Na verdade, o bem imóvel em causa não está directamente afecto a qualquer fim concreto de utilidade pública.

49º. Por outro lado, ainda que assim não fosse, é ao titular da isenção que, nos termos do art. 74°, n°1 da LGT e do art. 342°, n°1 do Código Civil, cabe a demonstração dos seus pressupostos, sendo apenas o direito aplicável conhecido oficiosamente pelo tribunal.

50º. Ora, a CAIXA... não fez qualquer demonstração da afectação do prédio a fins de utilidade pública, mesmo admitindo como válido que a utilização directa com fins de utilidade pública resultava de estarem a produzir rendimento.

51º. Pelo contrário, ao admitir que os prédios não estão, embora possam vir a produzir rendimento, a Recorrente admitiu que não estão a ser utilizados directamente em quaisquer fins de utilidade pública.

52º. De referir, ainda, que, ao contrário do que persiste em alegar a Recorrente, o Parecer Jurídico da Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso citado pela Recorrente pronuncia-se, em matéria de IMT, no sentido que os imóveis deverão ser afectos de forma directa e imediata aos fins estatutários da pessoa colectiva. A expressão “directamente” não afasta a aplicação da isenção desde que os rendimentos gerados pelo imóvel adquirido venham a ser directamente afectos aos fins da pessoa colectiva.

53º. Quanto à pretendida antinomia entre a al. d) do art. 1° da Lei n° 151/99, de 14/09, relativamente à al. e) do art. 44º do EBF, refira-se que a mesma não existe, porquanto enquanto na Lei citada se consagra a mera necessidade de concessão da isenção, no EBF estatui-se, sem necessidade de qualquer apreciação administrativa, a concessão da dita isenção.

54º. Acresce que a isenção prevista na Lei diz respeito a prédios que sendo da titularidade da pessoa colectiva de utilidade pública se destinem à concretização do seu escopo social, enquanto a isenção prevista no EBF tem por objectivo isentar os prédios ou parte deles que sendo pertença daquele tipo de Pessoas neles se desenvolva a respectiva actividade social.

55º. Quanto ao paralelo estabelecido pela Recorrente entre o beneficia da al. e) do n°1 do art. 44° do EBF e o disposto nas als. b) e c) do art. 6° e art. 10º do CMIT, importa referir que o IMI e o IMT são impostos distintos com factos geradores distintos e obrigações de natureza distinta.

56º. Não sendo automática a isenção de IMI prevista na al. e), do n° 1, do art. 44º do EBF, mas de reconhecimento oficioso e estando dependente da verificação dos pressupostos consignados no EBF que deverão permanecer ao longo do tempo, diferentemente do IMT, devido por um único acto translativo de propriedade, pelo que se exige para a verificação da isenção, a apresentação de um documento idóneo, emitido pela entidade legalmente competente, que comprove o destino do prédio adquirido

57º. O fundamento que conduziu ao indeferimento da pretensão da ora Recorrente residiu na falta de afectação directa e imediata do imóvel aos fins estatutários.

58º. Nenhum erro de julgamento há, assim, a apontar à sentença recorrida ao entender que “ressalta que das normas citadas [al. d), do art. 1° da Lei n° 151/99 e al. e), do n°1 do art. 4º] não há dispiciendas diferenças quanto à previsão da isenção de IMI. Assim, sendo ambas dependentes de reconhecimento administrativo, a verdade é que a que a isenção prevista no diploma da AR se refere a prédios urbanos destinados à realização dos fins estatutários da pessoa colectiva de utilidade pública, enquanto a isenção prevista no EBF diz respeito a prédios (ou parte de prédios) destinados umbilicalmente à realização dos respectivos fins.

(...)

Em sede de decisão recorrida decidiu-se que os prédios concretamente adquiridos não tinham qualquer conexão com os fins estatutários da Autora. Aliás, as receitas daqueles provenientes, não estão estatutariamente ou por outra forma consignadas aos seus objectivos, antes se referindo como objectivo social daquela o de ‘...pôr à disposição do M... os resultados dos seus exercícios, fritas as deduções estatutariamente previstas, para que este os aplique na satisfação dos seus fins...” (art. 4º dos Estatutos da autora). Ora, os resultados de exercício é que constituem o escopo social da Autor sendo os prédios em questão apenas potenciais e eventuais meios para obter aqueles resultados de exercício, o que se traduz na ausência do elemento de conexão duplamente previsto nas normas citadas (que é a conexão com o fim social, directo ou não).

59º. Concluindo, a decisão do Chefe do Serviço de Finanças ao ter decidido não conceder a isenção requerida pela Recorrente com fundamento na não afectação do imóvel aos fins da CAIXA..., não violou o entendimento constante no Parecer Jurídico citado e das Instruções da Direcção de Serviços do Património, tendo-se limitado a verificar a inexistência dos pressupostos de que depende a concessão da isenção prevista da al.e) do n°1 do art. 44° do EBF, por a requerente do beneficio não ter feito prova de que o imóvel estar afecto a um fim concreto de utilidade pública como lhe competia.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional pela Caixa..., mantendo-se a sentença “a quo, com todas as legais consequências.

1.3. O M.mº Juiz a quo apreciou globalmente as nulidades apontadas à sentença recorrida, concluindo que não se verificam.

Recebidos os autos neste tribunal, foi aberta vista à Exm.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta, que emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Nada obstando ao conhecimento do recurso – que tem o efeito e o modo de subida adequados – e tendo sido colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Do Objeto do Recurso

Das conclusões do recurso resultam as seguintes questões fundamentais a decidir:

1º. Saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, por não terem sido apreciados os fundamentos da ação [conclusões “1.ª” e “2.ª”];

2º. Saber se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de especificação de fundamentos de facto que interessam à decisão [conclusões “3.ª” a “7.ª”];

3º. Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao concluir que a ali Autora não tem direito à isenção [conclusões “8.ª” a “53.ª”];

4º. Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao imputar as custas da ação à Autora [conclusão “54.ª”].

3. Do Julgamento de Facto

3.1. Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:

«III – Com interesse para a decisão da presente questão, dão-se como provados os seguintes factos:

A. A Autora integra-se no M... com a designação de Caixa... (cf. docs. a fls. 41 a 44 e 101 a 115 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

B. Por despacho do Sr. Primeiro-ministro, de 08.10.1991, foi declarada de utilidade pública a Caixa… anexa ao M..., tendo o mesmo sido publicada em DR II Série de 22.10.1991 (cf. doc s. a fls. 45 a 46 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

C. Em 18.10.2012, a Autora adquiriu por «Título de Dação em Cumprimento», o prédio urbano constituído por casa de dois andares com a inscrição matricial n.º 7…º (cf. doc. a fls. 4 a 6 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

D. Em 13.11.2012, a Autora remeteu uma exposição escrita ao Serviço de Finanças da Figueira da Foz, onde solicitava a isenção de IMI relativa a “[… ] prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Travessa…, freguesia de C…, concelho de Coimbra, inscrito na matriz predial sob o artigo 7…º[… ]” (cf. docs. a fls. 2 a 8 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

E. A Autora teve conhecimento do projeto de decisão de indeferimento do pedido formulado na alínea anterior por ofício dos serviços do Réu datado de 30.11.2012, no qual se convidada aquela a exercer “[… ] o direito de audição, por escrito ou oralmente [… ]” (cf. doc. a fls. 18 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

F. Em 11.12.2012, a Autora enviou uma exposição escrita dirigida ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 1 onde solicitava, a final, que fosse “[… ] anulada a decisão de indeferimento de reconhecimento oficioso de isenção do IMI [… ]” (cf. doc. a fls. 9 a 10 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

G. Por despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 1, datado de 27.12.2012, foi indeferida a isenção solicitada referida na alínea «D», nele se considerando que: “[… ] No exercício do direito de audição não foi provado que o imóvel se destina diretamente à realização dos fins da entidade [… ]” (cf. doc. a fls. 23 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

H. À Autora foi dado conhecimento do despacho referido na alínea anterior por ofício dos serviços do Réu, datado de 27.12.2012 (cf. doc. a fls. 23 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

I. A Autora enviou uma exposição escrita que deu entrada no Ministério das Finanças e que designou por «Recurso Hierárquico» (cf. doc. a fls. 24 a 27 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

J. Em informação dos serviços da Impugnada, datada de 04.03.2013, relativamente à exposição escrita referida na alínea anterior, extrai-se que: “[… ] Relativamente à qualificação jurídica da Recorrente, constata-se que a Caixa..., anexa ao M..., instituição Particular de Solidariedade Social, é uma pessoa colectiva de utilidade pública, conforme despacho de 08/10/1991, publicado no Diário da República, II Série, n.º 243 de 22/10/1991.

Não obstante aquela qualidade, imposta por lei, também a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF exige que aquisição e posterior afectação do prédio vise directa e imediata realização dos fins estatutários prosseguidos pela pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, neste caso concreto da Caixa....

Salvo melhor opinião, entende-se que o legislador, ao utilizar o advérbio “directamente”, quis que fosse pressuposto para a concessão deste benefício fiscal a instrumentalização do prédio aos fins estatutários prosseguidos pela pessoa colectiva de utilidade pública, o que não se compadece com a aquisição e posterior alienação de prédios com vista à obtenção de mais-valias.

Essa instrumentalização implica, necessariamente, a afectação real e efectiva do imóvel aos interesses públicos da pessoa colectiva em questão, que é a causa e o fundamento do reconhecimento do direito à isenção.

[… ]

Conclusão

Pelas razões expostas, conclui-se que o recurso hierárquico não merece provimento, devendo manter-se o despacho recorrido, por não estarem reunidos os pressupostos legais exigidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 44º do EBF.

(cf. doc. a fls. 30 a 38 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

K. Na informação referida na alínea anterior, foi aposto pela Sra. Subdirectora Geral do Réu, com data de 07.05.2013, o seguinte: “Concordo, Nos termos e com dos fundamentos expostos, na presente informação e Pareceres nela exarados, indefiro o recurso hierárquico. Mantenho o despacho recorrido com todas as consequências legais” (cf. doc. a fls. 30 a 38 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

L. Da informação e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores teve a Autora conhecimento por ofício dos serviços do Réu, datado de 11.07.2013 (cf. docs. a fls. 29 a 38 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

M. A petição inicial do presente meio processual deu entrada neste Tribunal via SITAF em 10.10.2013 (cf. fls. 2 a 46 dos autos).


*

A convicção do Tribunal assentou, em primeiro lugar, nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação.

Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.».

3.2. Entre os fundamentos do recurso encontra-se a nulidade da sentença recorrida por falta de especificação de fundamentos de facto que interessam à decisão [conclusões “3.ª” a “7.ª”]. Considera o Recorrente que a administração tributária não logrou provar matéria relevante que alegou e que se impunha ao tribunal recorrido que a desse como não provada. Invoca a nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

Como ponto prévio, importa salientar que são nulidades distintas a falta de especificação de fundamentos de facto que interessam à decisão e a falta de pronúncia sobre factos alegados nos articulados. No primeiro caso, a sentença não é motivada (porque a falta de indicação dos fundamentos de facto impede que a parte afira a razão porque o juiz se pronunciou no sentido em que se pronunciou sobre determinada pretensão); no segundo caso, a sentença é motivada, mas o juiz deixou de resolver uma questão de facto que a parte submeteu à sua apreciação.

No caso, o Recorrente invoca a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, o que aponta para a nulidade decorrente da falta de motivação. Mas concretiza dizendo que o juiz não se pronunciou sobre factos alegados na contestação, o que remete para a nulidade decorrente da omissão de pronúncia.

Ora, pode adiantar-se desde já que a sentença recorrida não padece de nenhuma dessas nulidades.

Não padece da nulidade decorrente da falta de motivação, porque a sentença está motivada (também quanto à sua motivação de facto). De referir que o juiz não deixou de indicar os factos não provados, ainda que remissão para os factos alegados pelas partes nos respetivos articulados.

O que o juiz não fez foi a discriminação dos factos não provados, isto é, não indicou cada um dos factos que, tendo sido alegados nos articulados e relevando para a decisão, as partes não lograram provar em julgamento. Mas também não estava obrigado a tal. Porque o n.º 2 do artigo 94.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos apenas obriga a discriminar os factos provados. Nesse aspeto, o processo administrativo é menos exigente que o processo tributário, sendo que à ação administrativa especial se aplicam as regras do processo administrativo, por força do artigo 97.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

E a sentença também não padece da nulidade decorrente da omissão de pronúncia porque o juiz não tinha – ao contrário do que pretende o Recorrente – que se pronunciar sobre as referidas questões na resposta à matéria de facto.

O juiz não tinha que se pronunciar – na resposta à matéria de facto – sobre a questão de saber se foi com base na diferença de atividades e finalidades prosseguidas pela Caixa... (CAIXA...) e o M... (M…) que não foi concedida isenção à Autora (cfr. artigos 15.º e 16.º da douta contestação), porque não estamos perante nenhum facto. Saber quais foram as razões que suportaram o ato recorrido é um exercício interpretativo que não cabe fazer na resposta à matéria de facto, mas na aplicação do direito aos factos. Ali, importa apenas dar como provado que o ato recorrido teve determinado teor.

E o juiz não tinha que se pronunciar – na resposta à matéria de facto – sobre a questão de saber se o bem imóvel em causa está devoluto (cfr. artigo 30.º da douta contestação) porque, no entendimento deste tribunal, essa questão não releva para a decisão a proferir.

E não releva para a decisão a proferir porque a sua alegação pela administração tributária nunca poderia servir para confirmar nem infirmar a legalidade da decisão proferida. Se constasse do ato administrativo, a sua invocação em fase judicial era redundante; se não constasse, era inútil (porque a fundamentação a posteriori não é admissível). Sendo inútil também a pronúncia do tribunal sobre o mesmo na resposta à matéria de facto.

Pelo que o recurso nunca poderia merecer provimento nesta parte.

4. Do Julgamento de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente o pedido de anulação da decisão que confirmou hierarquicamente o indeferimento do pedido de isenção de imposto municipal sobre um imóvel.

Entre os fundamentos do recurso encontra-se a nulidade da decisão recorrida por o Mm.º Juiz a quo não se ter pronunciado sobre praticamente nenhum dos fundamentos alegados. Invoca o Recorrente a violação do artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário [conclusões “1.ª” e “2.ª”].

A título introdutório, impõe-se observar que o Recorrente não cumpriu cabalmente o ónus que sobre si recaía, porque se dispensou de identificar – na sua alegação e nas respetivas conclusões – as questões que suscitou e que a primeira instância não apreciou. A magreza do alegado neste segmento impede o tribunal de recurso de aferir sequer se tinha em vista verdadeiras questões ou argumentos, sendo que, como é sabido – e decorre do artigo 95.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – o tribunal tem o dever de apreciar questões mas não de rebater todos os argumentos invocados em apoio das mesmas.

De qualquer modo, pode adiantar-se desde já que o Recorrente pedia na petição inicial a anulação da decisão da administração tributária invocando para o efeito duas causas de invalidade: o erro de direito por não ter sido aplicada por esta a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro [tendo aplicado, em vez disso, a alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais]; o erro de direito por não ter sido aplicado o parecer da Direção dos Serviços Jurídicos e do Contencioso da Direção-Geral dos Impostos de 2003/05/14, sancionado pelo Despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 2003/06/24 (e que considera vinculativo, a coberto do n.º 1 do artigo 68.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

Para além disso, o Recorrente pedia na petição inicial que a decisão da administração tributária fosse substituída por outra que conferisse a isenção. Repristinando para o efeito o alegado no ponto 4 do pedido de isenção, do qual resultaria – no seu entendimento – a utilização do imóvel na prossecução da direta realização dos seus fins (cfr. artigos 35.º e 36.º da douta petição inicial).

Ora, o tribunal recorrido conheceu dos dois primeiros vícios nos pontos 1.1 e 1.2 da sentença. E apreciou a pretensão ao reconhecimento do direito à isenção e à condenação à prática do ato devido no seu ponto 2. A questão de saber se a respetiva fundamentação sustenta o decidido já não tem a ver com a validade da decisão, mas com o respetivo mérito.

É certo que, nos termos do disposto no artigo 91.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o autor pode invocar novos fundamentos do pedido, quando sejam de natureza superveniente.

Sucede que, lidas as doutas alegações (fls. 126 e seguintes dos autos) não se descortinam novos fundamentos (e muito menos que sejam de natureza superveniente): a Autora limitou-se ali a escalpelizar e contraditar os argumentos de direito avançados na douta contestação.

Pelo que o recurso também não pode merecer provimento nesta parte.

4.2. A questão fundamental do presente recurso é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao concluir que a ora Recorrente não tem direito à isenção de imposto municipal sobre imóveis.

Para a resolução desta questão identificamos dois problemas jurídicos fundamentais: o problema se saber qual a lei aplicável [ou seja, o de saber se é aplicável a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro, ou a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais – redação em vigor – ou ambas] e o problema de saber se, a ser aplicável (apenas) a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o que se deve entender por «prédios destinados diretamente à realização dos seus fins» (sublinhado nosso) para efeitos deste normativo.

Comecemos pelo primeiro problema.

Dos elementos dos autos resulta que a isenção foi requerida pelo ora Recorrente a coberto das duas disposições. E foi indeferida por não estarem reunidos os pressupostos legais exigidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (ou seja, a coberto apenas desta última disposição). Na ação administrativa especial, o ora Recorrente insistiu que a isenção e devida porque se lhe aplica a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro e – ainda que assim não fosse entendido – da aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais também decorreria que o benefício lhe deveria ser concedido. E na sentença recorrida considerou-se que não há diferenças relevantes entre as duas disposições e que não existe nenhuma antinomia normativa que deva ser resolvia por hierarquia legislativa estre essas normas, de ambas decorrendo que a ora Recorrente não tem direito à isenção.

Observa-se, a título introdutório, que os pressupostos objetivos da concessão do benefício contido em cada uma dessas normas não são totalmente sobreponíveis: enquanto a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro tem em vista prédios urbanos e pressupõe que sejam destinados à realização dos seus fins estatutários, o artigo 44.º, n.º 1, alínea f), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (na redação do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, que sucedeu ao artigo 40.º, n.º 1, alínea f), na redação anterior, sem alteração do seu teor) tem em vista prédios ou parte de prédios e pressupõe que sejam destinados diretamente à realização dos seus fins.

É verdade, no entanto, que não existe – desde a reforma da tributação o património –nenhuma antinomia entre as duas normas, ainda por razões bem diversas das que sustenta o Mm.º Juiz a quo.

É que a disposição correspondente da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro não consagra nenhuma isenção de imposto municipal sobre imóveis: consagra – isso sim – uma isenção de contribuição autárquica. E o artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não consagra (nem consagrava na redação vigente à data da aquisição do imóvel) nenhuma isenção de contribuição autárquica: consagra – isso sim – uma isenção de imposto municipal sobre imóveis.

Pelo que as disposições em causa têm âmbitos de aplicação distintos.

E é incontroverso que o Recorrente não pediu o reconhecimento oficioso de nenhuma isenção e contribuição autárquica sobre o prédio em causa. Aliás, o Código de Contribuição Autárquica já tinha sido revogado à data em que o Recorrente adquiriu o prédio em causa.

Pelo que o benefício em causa só poderia ser concedido ao abrigo do artigo 44.º, n.º 1, alínea f), do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

E não se diga que o imposto municipal sobre imóveis sucedeu à contribuição autárquica e que, por conseguinte, os benefícios consagrados na lei para aquele se transferem para este.

Porque a extinção do tributo importa a supressão da isenção respetiva do sistema tributário. Sem prejuízo, naturalmente, do direito à isenção adquirido na vigência do tributo extinto (como decorre do artigo 3.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais – que não vem ao caso, porque não está em causa nenhum direito adquirido na vigência da contribuição autárquica a coberto do regime transitório consagrado no artigo 11.º, nºs 3 e 4, e no artigo 31.º, nº.s 5 e 6, ambos do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro).

É o que decorre do facto de os benefícios fiscais serem medidas de desagravamento fiscal que incidem sobre normas de incidência fiscal: se a norma de incidência desaparece do ordenamento jurídico, a norma de desagravamento desaparece concomitantemente. Não se transfere para outra norma de incidência. A menos que a lei o determine especialmente, designadamente no seu regime transitório.

E a lei confirma esta interpretação, quando refere os benefícios fiscais são medidas fiscais de caráter excecional, relacionadas com a própria tributação que impedem – artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

No sentido de que a supressão do tributo a que o benefício fiscal respeita extingue o próprio benefício fiscal se pronunciou Nuno Sá Gomes, na sua obra «Teoria Geral dos Benefícios Fiscais» [in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (165), 1991, pag.s 222/223 e 281].

Do exposto decorre que a alínea d) do n.º artigo 1.º da Lei n.º 151/99 de 14 de setembro não se aplica ao caso e que nunca poderia decorrer da inobservância do seu teor alguma violação de lei, quanto ao ato impugnado.

4.3. Estando assente que ao caso se aplica (apenas) o artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, passemos ao segundo problema, que é o de saber como esta norma deve ser interpretada.

Podemos adiantar desde já que a isenção ali consagrada deve ser qualificada como um benefício fiscal misto (subjetivo e objetivo): é um benefício subjetivo porque atende à natureza ou qualidade do sujeito e é um benefício objetivo porque atende também ao elemento objetivo do facto desagravado.

Concretizando: a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais tem natureza subjetiva porque só dela beneficiam as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública; e tem natureza objetiva porque estas entidades só dela beneficiam quanto aos prédios ou parte dos prédios destinados diretamente à realização dos seus fins.

Saliente-se, também, que nunca esteve em causa no procedimento a verificação do pressuposto subjetivo do benefício fiscal a que os autos se reportam. Aliás, na informação que serviu de base à decisão do recurso hierárquico consignou-se expressamente que «relativamente à qualificação jurídica da Recorrente, constata-se que a Caixa..., anexa ao M..., Instituição Particular de Solidariedade Social, é uma pessoal colectiva de utilidade pública, conforme despacho de 08/10/1991, publicado no Diário da República, II Série, n.º 243 de 22/10/1991».

Pelo que o litígio dos autos se centra exclusivamente no seu pressuposto objetivo e muito em particular na questão de saber se o Recorrente destinou o imóvel em causa à direta realização dos seus fins, nos termos da parte final da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Ora, a interpretação que fazemos deste segmento do dispositivo é a de que só se verifica o pressuposto objetivo do benefício se os próprios prédios forem destinados à realização dos fins prosseguidos pelas pessoas coletivas de utilidade pública. E já não assim quando as pessoas coletivas de utilidade pública destinem à realização desses fins os rendimentos obtidos com a alienação ou oneração desses prédios.

Porque é para aí que apontam todos os fatores da hermenêutica jurídica, quando aplicados à norma em análise.

Como é sabido, a interpretação parte do teor verbal da lei, tendo em conta as regras da gramática e o uso corrente da linguagem.

Ora, do teor da lei resulta que tem que existir uma relação direta entre o destino dos prédios e os fins prosseguidos pela pessoa coletiva. Sendo que essa relação só é direta quando resulta da própria afetação ou utilização do prédio. Já quando são os rendimentos do prédio que estão afetos a utilidade pública da pessoa coletiva, a relação entre o prédio e os fins de utilidade pública não é direta, mas indireta. O prédio em si mesmo pode estar afeto a uma utilização particular, mas os rendimentos resultantes da sua exploração são aplicados nos fins públicos da pessoa coletiva.

Além do teor verbal da lei, deve atender-se à coerência interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos (interpretação logico-sistemática).

Ora, a interpretação que fazemos do preceito é também a única que se sustenta do ponto de vista da sua coerência interna. Porque a alternativa inutilizava totalmente a segunda parte do mesmo preceito: todos os prédios estariam destinados à realização dos fins de utilidade pública da pessoa coletiva, na medida em que não estivesse afastada a possibilidade de, em algum momento, ser afetado a essas finalidades o produto da sua alienação ou oneração. Deixaríamos de ter um benefício misto e passaríamos a ter um benefício meramente subjetivo.

A interpretação que fazemos é também aquela que se enquadra melhor no capítulo dos benefícios fiscais relativos a bens imóveis (em que a norma interpretanda se insere efetivamente). Se o legislador tivesse pretendido relevar a afetação à utilidade pública dos rendimentos dos imóveis, o mais adequado seria isentar de imposto esses rendimentos em si mesmos e não a propriedade ou posse dos imóveis.

E a interpretação que fazemos é também a que melhor se enquadra se atendermos ao conjunto de isenções consagradas naquele artigo 44.º. Sobretudo porque, quando o legislador enquadra ou concretiza os fins prosseguidos por essas entidades, o faz reportando-se sempre à utilização dos prédios em si mesma. Assim, as associações religiosas também estão isentas quanto aos templos ou edifícios exclusivamente destinados ao culto ou outros fins económicos (e não também quanto aos edifícios rentabilizados para financiar atividades religiosas). E as coletividades de cultura e recreio apenas estão isentas quanto aos prédios utilizados como sedes dessas entidades.

Finalmente, a interpretação que fazemos é também a que sugere a ratio do preceito (interpretação teleológica). Entendeu o legislador que não deveria tributar a capacidade contributiva das pessoas coletivas de utilidade pública revelada pela propriedade ou posse de imóveis se o seu proprietário ou possuidor abre mão do seu valor de utilização e os aloca a fins de utilidade pública. Porque o proprietário que afeta os seus bens a benefício público não revela riqueza disponível que deva contribuir para o bem comum, mas riqueza já afetada ao bem comum. Ora, a questão não se coloca do mesmo modo se o imóvel é rentabilizado ou se encontra disponível para gerar rendimento nos mesmos termos em que o faz qualquer contribuinte. Porque o seu proprietário não abre mão dessa riqueza. E se vier a abrir mão riqueza gerada pela sua exploração, a isenção deve incidir sobre o produto dessa exploração (e não sobre o imóvel em si mesmo).

A esta luz, não tem qualquer relevo a discussão sobre os fins estatutários da Caixa..., da sua relação com a associação mutualista M... e do destino que é dado ao seu resultado líquido. Porque não está em causa aqui a aplicação dos seus rendimentos, mas a afetação do imóvel em si mesmo.

4.4. Estando assente que o dispositivo em causa deve ser interpretado no sentido de que a isenção de imposto municipal sobre imóveis só abrange o imposto que incida sobre os prédios ou a parte dos prédios que, em si mesmos, sejam destinados aos fins de utilidade pública prosseguidos pela pessoa coletiva, importa agora acrescentar que a isenção em causa é reconhecida oficiosamente desde que, além do mais, se verifique que os prédios se destinem diretamente à realização dos sus fins, sem prejuízo do dever dos seus titulares de revelarem à administração tributária dos pressupostos da sua concessão – artigos 44.º, n.º 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 14.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.

Ora, tendo em conta que do título de aquisição não consta que o prédio seja destinado a fins de utilidade pública da Recorrente (aliás, consta que o destino do prédio é a «habitação»), cabia a esta revelar e justificar o destino que deu do imóvel.

A este respeito, importa referir que o Recorrente também não requereu a isenção com base em deliberação de onde constasse o destino que lhe foi atribuído. Em vez disso, veio declarar o seguinte (cfr. requerimento para que remete a alínea “D” dos factos provados na sentença recorrida):

«4. O imóvel identificado destina-se à direta e imediata realização dos fins da requerente, uma vez que:

· As mais-valias eventualmente realizáveis pela sua alienação – (obrigatória nos termos do n.º 1 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 136/79, de 18.05) – são transferidas, como resultado da Caixa, anualmente, para o M…, para que este as aplique em pensões, subvenções e subsídios aos seus beneficiários e pensionistas.

· Igualmente os rendimentos derivados de eventuais situações temporárias de arrendamento são entregues, em regime de exclusividade, ao Município, para pagamento de pensões, subvenções e subsídios aos beneficiários e pensionistas, após a constituição das reservas legais e estatutárias».

À luz de tal justificação e da interpretação que fazemos da lei aplicável, é notório que o Recorrente não tem direito à isenção. Porque invoca como fundamento do seu direito, não a afetação do imóvel a fins de utilidade pública, mas a afetação a esses fins dos rendimentos eventuais que consiga extrair da afetação desse imóvel a outros fins.

4.5. Estando assente que o imóvel não está isento de imposto municipal sobre imóveis, uma última questão se coloca: a de saber se, não obstante, a administração tributária estava vinculada a reconhecer esse direito por ter, anteriormente, uniformizado o seu próprio entendimento nesse sentido.

Com efeito, o Recorrente invoca a seu favor o entendimento firmado num parecer da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso da Direção-Geral dos Impostos, de 2003/05/14. E que, no seu entendimento, constitui uma orientação uniforme, quer por ser seguido desde 1976, quer por ter sido sancionado por despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 2003/06/24.

Na verdade, e nos termos do disposto no artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária, a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, desde que visem a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.

Deixamos consignado desde já que constitui, para nós, instrumento de idêntica natureza para efeitos daquele normativo, os despachos interpretativos ou as instruções que se destinem a esclarecer ou uniformizar o entendimento da lei e o procedimento dos serviços, isto é, os que não se dirigem à resolução de uma hipótese concreta mas à aplicação a uma pluralidade de casos.

Ora, os elementos disponibilizados nos autos são insuficientes para o concluir. O despacho em causa não foi inserido e não é possível saber se o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais determinou que o mesmo fosse aplicado a outras situações (qualquer que fosse o seu concreto teor). O mesmo se dizendo do parecer sobre que incidiu e de que só foi fornecida a transcrição de um trecho truncado.

Mas sabemos que ele não foi proferido a propósito da norma aqui em causa e – ao contrário do que pretende o Recorrente – também não o poderia ter sido a propósito do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, que à data ainda não vigorava. Quando muito, teve-se em vista disposição correspondente do Código do Imposto Municipal de Sisa (o seu artigo 11.º, § 16.º). E não decorre do dispositivo em causa que as orientações genéricas possam ser invocadas contra a administração tributária a propósito de outro dispositivo. Aliás, as orientações genéricas visam a uniformização da interpretação e aplicação de normas concretas, e não de expressões que sejam utilizadas em diferentes normas.

Mas a razão fundamental que nos leva a rejeitar a transposição direta de entendimentos administrativos sobre normas do IMT para normas do IMI é a de que estamos ali perante um imposto de obrigação única e aqui perante um imposto periódico. Diferença que tem reflexos nas diferentes soluções técnicas adotadas quanto ao modo como operam cada um destes benefícios e nos meios de controlo sobre os regimes de isenção respetivos e que pode justificar, em abstrato, interpretações diversas de dispositivos com redações equivalentes, quando esteja em causa um e outro imposto.

Razão porque entendemos que o teor do despacho invocado, ainda que tivesse por objeto normas de IMT, nunca podia valer como orientação genérica quanto a normas de IMI. O que nos dispensa também de aferir as consequências da inobservância de uma instrução administrativa numa ação judicial onde seja discutida a legalidade de uma decisão que a contrarie.

4.6. A última questão suscitada em via de recurso prende-se com as custas em que o Recorrente foi condenado. Entende o Recorrente que foi a administração tributária a dar causa à ação.

Mas também aqui não tem razão. Mesmo que o Recorrente tivesse sido induzido em erro por causa de algum entendimento administrativo, o mais que se poderia dizer era que tinha sido a administração tributária a dar causa ao pedido de isenção em sede administrativa, e não à impugnação judicial da decisão que infirma esse entendimento.

Pelo que o recurso não merece provimento e o sentido da decisão recorrida deve ser confirmado, também quanto a custas.

5. Conclusões

5.1. Na ação administrativa especial, o juiz não tem que discriminar os factos não provados;

5.2. O juiz também não tem que se pronunciar sobre facto alegado em articulado que não releve para a decisão a proferir;

5.3. A alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro não constitui fundamento de isenção de imposto municipal sobre imóveis;

5.4. A afetação dos rendimentos decorrentes da alienação ou oneração de imóvel à realização dos fins de pessoa coletiva de utilidade pública que o adquiriu não constitui fundamento da isenção de imposto municipal sobre imóveis a que alude o artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do CIMI;

5.5. As decisões proferidas no âmbito de normas fiscais revogadas não podem constituir instruções genéricas vinculativas para efeitos de decisão sobre benefícios fiscais inseridos em normas que essas decisões não apreciaram nem podiam ter apreciado.

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 09 de junho de 2015

Ass. Nuno Bastos

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina Bento