Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00438/06.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/16/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Cristina Flora
Descritores:IRC
GASTOS
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:I. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” – art. 23.º do CIRC;
II. Demonstrada suficientemente pela AT a desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização da empresa, compete ao sujeito passivo apresentar uma explicação acerca da “congruência económica” desses gastos;
III. Não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, tal como resulta da conjugação do disposto no art. 87.º, n.º 1, alínea b) e art. 88.º da LGT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:C..., Lda. e Fazenda Pública
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

O MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, que julgou “em parte” procedente a impugnação apresenta por C...– PRODUTOS ALIMENTARES, LDA da liquidação de IRC do exercício de 2001, no montante de 214.624,94€.

O Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

1. As correcções técnicas determinadas pelo Fisco encontram-se plenamente justificadas quer no seu substrato factual quer nos requisitos legais que as sustentam.
2. As despesas com a aquisição dos veículos supra descritos não tem fundamento algum à luz do critério de indispensabilidade aferido pelo objecto da empresa.
3. A sentença sob censura reconheceu que os elementos contabilísticos da recorrida não eram, efectivamente, verídicos o que integra um dos pressupostos da avaliação indirecta.
4. Decidindo em contrário, violou o disposto no artigos 23, n.° 1, do CIRC, e 87, b) e 88, a), ambos da LGT.
5. Deve, por conseguinte, ser revogada e substituída por outra que mantenha a liquidação impugnada e decrete a improcedência da acção.
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A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1ª Nas suas conclusões o Ilustre Recorrente levanta duas questões muito distintas, alegando que:
• 1º As correcções técnicas determinadas pela inspecção encontram-se plenamente justificadas, pelo que as despesas com a aquisição de alguns veículos não têm fundamento (Conclusões 1ª e 2ª)
• 2º A douta sentença é contraditória ao reconhecer que a contabilidade da Recorrida tinha erros, o que integra um dos pressupostos da avaliação indirecta. (Conclusão 3ª)
2ª Desde logo entende a Recorrida que o Recorrente não está a impugnar a matéria de facto porque, se o fizesse, teria de dar cumprimento ao ónus constante do n° 1 do art° 690°-A do CPC (aplicável “ex-vi” art° 2° do CPPT). O que, manifestamente, não faz. E tendo em conta a matéria de facto dada como provada (que o Recorrente não impugna), e ainda a matéria não provada, não poderia ter sido outra a decisão do Tribunal “a quo”
3ª Quanto à primeira questão. Contrariamente ao alegado pelo Ilustre Recorrente as correcções técnicas, que o mesmo entende não deverem ser consideradas corno custo fiscal, não se referem a “aquisição de veículos” mas sim a despesas originadas com o funcionamento dos mesmos (seguros, portagens, conservação e reparação, rendas de locação financeira e imposto de circulação)
4ª Tal como a Recorrida tinha alegado na petição inicial a legislação impõe limites nos custos inerentes a viaturas quando o preço de compra das mesmas ultrapassa determinados valores.
Mas já não limita o número de viaturas que as empresas podem adquirir e/ou utilizar. Sendo certo que as viaturas em causa são propriedade da Recorrida competia à Administração Fiscal o ónus de provar que tais viaturas não se encontravam ao serviço da empresa. Prova essa que, manifestamente, não foi feita.
5ª A segunda questão em causa no presente recurso é a de saber se a AF demonstrou estarem reunidos os pressupostos para a Recorrida ter sido tributada através dos chamados métodos indirectos. E também nesta caso, como é sabido, o Ónus da prova pertencia em exclusivo à AF
6ª O único argumento utilizado pelo Ilustre Recorrente é que a contabilidade da Recorrida tinha erros o que, no seu entendimento, integra um dos pressupostos da avaliação indirecta. De facto, esse é dos pressupostos constantes da lei. Mas não o único, nem sequer o principal.
7ª Existindo erros na contabilidade, torna-se necessário, além do mais, que tais erros tenham interferência nos resultados da empresa. E, caso tenham interferência, que seja de todo impossível a determinação da matéria colectável através dos métodos directos
8ª Acontece que todos os erros da contabilidade da Recorrida foram integralmente identificados pela Inspecção Tributária. Daí a existência das correcções técnicas em causa na primeira parte do presente recurso. (Sendo certo que algumas dessas correcções são de montantes perfeitamente irrisórios tendo em conta a dimensão da empresa Recorrida)
9ª Além disso, tal como consta na fundamentação da douta sentença que, com a devida vénia se passa a transcrever:
“Não se estabelece uma correlação entre essas anomalias e o volume de negócios, não se refere se houve omissão nas compras ou nas vendas, Não se questionam as compras e as vendas, não se aponta qualquer outro tipo de irregularidade passando de imediato à análise das margens das vendas”
10ª De resto a AF nunca poderia ter estabelecido essa correlação tendo em conta que os únicos argumentos constantes do relatório da inspecção, são os seguintes:
d) Descontrolo a nível dos fluxos financeiros:
e) Erros na movimentação das contas de clientes e fornecedores;
f) Sucessivos acertos nas contas de Caixa, Bancos, de terceiros (clientes, fornecedores e outros).
11ª Como se verifica, os erros detectados pela Inspecção situam-se todos em contas de “terceiros”. Nem uma única palavra sobre eventual omissão de vendas e/ou compras ou de quaisquer outras contas de “custos’ e “proveitos”;
12ª Sendo certo que a Administração Fiscal fez as correcções que entendeu, algumas delas de reduzido valor, tal facto demonstra à evidência que a contabilidade permitia que a Recorrida fosse tributada através dos métodos directos, forma normal de tributação. Veja-se, a este propósito, as páginas 43 e 44 do Relatório da Inspecção onde existem correcções de reduzido valor (€ 4,24 e € 3,65)
13ª Assim sendo a Administração Fiscal não fez prova, corno lhe competia, da existência e verificação dos pressupostos para aplicação dos métodos indirectos ria determinação da matéria tributária da Recorrida.
14ª Em face de tudo quanto se alegou supra não assiste qualquer razão ao Ilustre Recorrente pelo que a douta sentença deve ser confirmada na integra.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões a apreciar e decidir são as seguintes:

_ Determinar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento relativamente às correcções técnicas, designadamente, aferir a indispensabilidade das despesas objecto de correcção técnica (conclusões 1.ª e 2.ª);
_ Aferir do invocado erro de julgamento quanto ao preenchimento dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos, nos termos do disposto no art. 87.º, n.º 1, al. b) e art. 88.º da LGT (conclusões 3:º a 5.ª).

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“1 - A impugnante dedica-se ao fabrico de produtos alimentares congelados, designadamente bolinhos de bacalhau, rissóis de carne, croquetes de carne, panados, e outros.
2 - A ora impugnante foi objecto de uma inspecção tributária que decorreu de 5/2/2005 a 15/4/2005, abrangendo os exercícios de 2001 e 2002. Fls. 44.
3 - Na sequência da acção de inspecção foi a impugnante notificada do projecto de relatório da inspecção em 20.04.2005. Fls. 29.
4 - A impugnante exerceu o direito de audição conforme fls.32 ss.
5 - Em 12 de Maio de 2005 foi a ora impugnante notificada do relatório definitivo da inspecção tributária e das correcções efectuadas, conforme fls. 40 ss.
6 - Consta do relatório designadamente:
“…
1- Conclusões da Acção Inspectiva

IRC
C) Correcções técnicas
C1) correcções à Matéria Tributável
2001 - 57.964,08€
2002 - 64.209,46€
C2) Imposto em Falta
2000 - (170,22€)
2001 - (328,33€)
D) Correcções Met. Indirectos
D1) Correcções à Matéria Tributável
2001 - 574.790,59€
2002 - 774.313,68€
…2. Correcções Técnicas - em sede de IRC
2.1 Exercício 2001
2.1.1
O sujeito passivo, no exercício de 2000 adquiriu 2 viaturas ligeiras de passageiros (Mercedes Benz CLK 230 de matrícula …OS no montante de 66.838,92 € e Mercedes Benz ML 270 CDI de matrícula …PD no montante de 62.349,74 €). Em 2001 adquiriu mais quatro viaturas ligeiras de passageiros (Porsche 911 Turbo de matrícula …SJ no montante de 162.109,31 €, Mercedes Benz CL 500 de matrícula …RH no montante de 120.649,40€, ambas em sistema de leasing, Mercedes Benz S 400 CDI de matricula …RA no montante de 137.169,42€ e uma Audi A6 TDI Allroad de matrícula …RA no montante de 62.349,74 €). Para além destas viaturas o sujeito passivo disponha ainda de mais uma viatura lig. de passageiros, adquirida em 1998 ( Mercedes Benz E 300 de matricula …MB). Deste modo o sujeito passivo possuiu 7 viaturas ligeiras de passageiros que alega estarem afectas à actividade da empresa. Ora estamos perante uma empresa familiar com apenas dois sócios e sem quadros que justifiquem a atribuição deste tipo de viaturas (conforme se constata da leitura ao organigrama da empresa que se anexa, ANEXO 1). Assim, nos termos do art. 23°, que considera apenas custos os que comprovadamente forem indispensáveis ã obtenção dos proveitos, não serão aceites as despesas relacionadas com as viaturas adquiridas no exercício de 2001, precisamente por não se considerarem indispensáveis à obtenção dos proveitos.
O sujeito passivo contabilizou na conta 6221931622361 facturas da L... que, não são aceites como custo nos termos do art. 17° do CIRC, na medida em que, de acordo o princípio da substância sobre a forma, os bens adquiridos em regime de locação financeira devem ser considerados imobilizado da empresa e consequentemente amortizados não sendo portanto aceite como custo a amortização de capital das rendas de leasing. Além disso o contrato de leasing em causa refere-se à viatura Mercedes Benz CL 500 cujos custos não são aceites, nos termos do art 23° do CIRC.

O sujeito passivo contabilizou na conta 6222311 seguros relativos a viaturas cujos custos não são aceites nos termos do art. 23° do CIRC:
…RA …RA

O sujeito passivo contabilizou na conta 6222312 seguros relativos a viaturas cujos custos não são aceites, nos termos do art. 23° do CIRC:

Como o sujeito passivo submeteu a tributação autónoma estes custos temos que rectificar a favor do sujeito passivo imposto no montante de 216,48€ (6,4%*3.382,53)
sujeito passivo contabilizou na conta 622274 portagens relativas a viaturas cujos custos não são aceites nos termos do art. 23° do CIRC:


O sujeito passivo contabilizou na conta 622321 despesas com a conservação e reparação de viaturas cujos custos não são aceites nos termos do art. 23° do CIRC:

O sujeito passivo contabilizou na conta 622322 despesas com conservação e reparação de viaturas cujos custos não são aceites nos termos do art. 23°

O sujeito passivo contabilizou na conta 622323 despesas com conservação e reparação de viaturas cujos custos não são aceites nos termos do art. 23° do CIRC:

Como o sujeito passivo submeteu as despesas contabilizadas nesta conta a tributação autónoma temos que rectificar a favor do sujeito passivo imposto no montante de 152,56€ (6,4%*2.383,80 €).
sujeito passivo contabilizou nas contas 622982 e 688 facturas do S… Leasing, relativas a despesas com o contrato de locação financeira da viatura ligeira de passageiros 51-65-SJ cujos custos não são aceites, nos termos art. 23° do CIRC:

O sujeito passivo contabilizou na conta 6313 despesas com o imposto de circulação de viaturas cujos custos não são aceites, nos termos do art. 23° do

O sujeito passivo também não submeteu a tributação autónoma, nos termos do n.° 3 do art. 81° do CIRC, o imposto sobre circulação das viaturas ligeiras de passageiros cujos custos foram aceites:


O sujeito passivo contabilizou nas contas 68191 e 68192 despesas suportadas com juros e IVA decorrentes dos contratos de leasing da L... e S… referentes às viaturas ligeiras de passageiros …SJ e …RH, cujos custos não são aceites, nos termos do art. 23° do CIRC:

O sujeito passivo contabilizou na conta 622141 o doc. 1961 por 338,18 quando o documento apenas justifica 289,04€ pelo que não é aceite, nos termos do art. 23° do CIRC, por não se encontrar comprovado, o custo no montante de 49,14€.

O sujeito passivo contabilizou conta 622274 despesas com portagens relativas à viatura …FV que foi alienada em 2000, pelo que não são aceites os custos, nos termos do art 23° do CIRC:
O sujeito passivo contabilizou na conta 622321 despesas de conservação e reparação cujos documentos suporte não fazem menção a qualquer matrícula pelo que não podendo aferir se dizem respeito a viaturas afectas à actividade não são aceites, nos termos do art. 23° do CIRC:

O sujeito passivo contabilizou na conta 622322 uma factura que foi passada a Paiva & Couto Lda (doe. 786), no montante de 14,47€, pelo que o custo não é aceite nos termos do art. 23° do CIRC.


O sujeito passivo contabilizou na conta 622331- Publicidade e Propaganda uma factura da C… - Rádio /,Jornal relativa ao anúncio do “6° aniversário de falecimento” de alguém.
Assim este custo no montante de 6500$ (32,42€) não é aceite nos termos do art. 23° do CIRC.
O sujeito passivo contabilizou na conta 6321 a derrama relativa à autoliquidação de 2000, no montante de 8.064,88€. Este custo não é aceite nos termos da alínea a) do n.° 1 do art. 42° do CIRC.

O sujeito passivo contabilizou na conta 652, despesas relativas a Quotizações. O sujeito passivo tem como documento suporte para estas despesas os documentos bancários que demonstram as transferências para essas entidades, Estes documentos não servem de suporte aos custos pelo que não são aceites, nos termos da alínea g) do n.° 1 do art. 42° CIRC:

De referir que o documento 195 se traduz na contabilização em duplicado da quota paga á C..., na medida em que o sujeito passivo contabilizou o doc. 338 (recibo 70210 da C...) que foi aceite e se refere também à quota de 2001.
Sujeito passivo contabilizou na conta 6818, dois documentos do BCP, relativos a juros credores, como se de juros devedores se tratasse. Assim não só não são considerados os custos como deviam ter sido considerados proveitos do exercício:

O sujeito passivo contabilizou na conta 6880 doc. 351, no montante de 385,77€. Trata-se de um documento bancário que apenas comprova o pagamento à Telecel C Pessoais S.A. de um serviço. Na falta de factura ou recibo desta entidade este custo não se considera devidamente documentada não sendo inclusive possível aferir da sua indispensabilidade pelo que não é aceite nos termos do art. 23° e alínea g) do n.° 1 do art. 42°, ambos do CIRC.

Contabilizou como custo, donativos concedidos a diversas entidades, não reconhecidas nos termos do n.° 3 do artigo 1° do Decreto- Lei n.° 74199 De 16 de Março que aprovou o Estatuto do Mecenato ou simplesmente nele não enquadradas:

IFL- I…
1887
Ass. Cultural e Desport. S…
Confr…
Associação Moradores E…
Clube desportivo E…
A.

Deste modo, estes donativos no montante de 7.594,21 €, não são custos fiscalmente aceites.

O sujeito passivo apurou, no exercido de 2001, uma mais valia, no montante de 24.939,89 €. Da análise ao mapa de amortizações verificamos que o sujeito passivo considerou o valor de realização, associado a esta mais valia, reinvestido na viatura …RA. Apesar desta viatura não ter sido considerada pelos serviços de inspecção como afecta à exploração da empresa, o sujeito passivo efectuou, neste mesmo exercício, outras aquisições onde se pode considerar validamente reinvestido o valor de realização.
Assim e nos termos do n.° 1 do art. 45° do CIRC, o valor da mais valia deve ser considerada por um quinto do seu valor (4.987,98 €) no exercício da respectiva realização (2001) e por igual montante em cada um dos quatro exercícios subsequentes (2002/2003/2004/2005); ou ainda, nos termos do n.° 9 do art. 32° da lei 109/B2001, por opção do sujeito passivo, ser incluída na base tributável do exercício de 2001, por metade do seu valor (12,469,95 €). Por considerarmos ser esta última opção a mais vantajosa para o sujeito passivo, urna vez que exclui de tributação 50% da mais valia fiscal, decidimos incluir no lucro tributável de 2001 os 12.469,95€. Contudo, poderemos incluir no lucro tributável no exercício de 2001 e em cada um dos quatro exercidos seguintes 1/5 da mais valia fiscal, se o sujeito passivo manifestar essa vontade, em direito de audição.
O sujeito passivo contabilizou na conta 622122 despesas com combustíveis cujos documentos não fazem referência a qualquer matrícula pelo que não fica provado que tais despesas respeitam a viaturas pertencerdes ao seu activo. Assim não serão aceites, nos termos do art. 23° e da alínea i) do n°1 do art. 42° do CIRC, as seguintes despesas:

IV - Motivos e Exposição dos Factos que implicam o recurso a Métodos Indirectos
Exercício 2001
Feita uma análise aos fluxos financeiros designadamente à conta 111-Caixa e 121 1 1- Dep. à Ordem verificamos as seguintes situações:
Por diversas vezes deparamo-nos com lançamentos contabilísticos em sentido contrário, debitando contas quando as devia creditar e vice versa, lançamentos por valores diferentes dos que os documentos justificam, lançamentos com base em documentos internos não devidamente justificados:

Feita uma análise exaustiva à conta 111 constatamos que o sujeito passivo faz passar por esta conta os pagamentos e recebimentos em cheques. No caso dos recebimentos debita a conta caixa pelo total dos recebimentos e posteriormente com base nos documentos justificativo do depósito dos cheques credita esta conta debitando então a conta 12. No caso dos pagamentos credita a conta caixa pelo total dos pagamentos e posteriormente debita esta conta por contrapartida de 12, pelos cheques passados a fornecedores.
No que diz respeito aos pagamentos a fornecedores com cheques verificamos que ao longo do ano (Janeiro a Agosto) aparecem, na conta 11- Caixa, lançamentos a crédito que se referem a” valores pagos a fornecedores, que por lapso não foram contabilizados”;

Estes lançamentos são efectuados por um valor que é calculado de forma residual, existe uma listagem que resume todos os pagamentos efectuados por cheques a fornecedores de dc onde podemos ver o n.° do cheque, o fornecedor a quem se destina e qual o montante pago (p.e.: ANEXO II). Contudo a conta caixa não é creditada pelo valor total que nos é dado por essa listagem mas apenas por uma parte isto porque há pagamentos a fornecedores que constam dessa listagem que já haviam sido lançados na contabilidade com base nos recibos. Assim os lançamentos efectuados com base nos documentos enumerados no quadro acima visam dar saída de caixa pelos pagamentos efectuados que não foram lançados com base nos recibos. Contudo vejamos:
Janeiro
No extracto da conta caixa
(Doc.1+...+D1 5+...+Doc.22) = 32.781.162$ (163.411,99€). O somatório destes documentos perfaz o valor total da listagem dos pagamentos efectuados a fornecedores cio com cheques no mês de Janeiro (ANEXO II). O doe. 15 é calculado de forma residual de acordo com a expressão acima referida. Acontece que entre estes documentos existem saídas de caixa que não correspondem a pagamentos da listagem (ANEXO II) e portanto são considerados no cálculo do valor do doc. 15 indevidamente:

Assim da listagem de pagamento a fornecedores (ANEXO II) não foram lançados a crédito de caixa cheques no montante de 80.350,87€ isto porque os documentos do quadro acima dizem respeito a pagamentos a outros fornecedores que não fazem parte dessa listagem. Mas como já referi, estes cheques que dão salda por caixa posteriormente são debitados por contrapartida da 12 (p.e.: ANEXO III), o que significa que o sujeito passivo está dar entrada em caixa de valores de que na verdade nunca deu salda empolando assim o saldo devedor da conta caixa. Esta situação repete-se ao longo dos meses até Agosto.


Para além dos cheques que constam da listagem de cheques passados a fornecedores c/c (p.e. ANEXO II). há outros cheques que são passados a outros fornecedores. Ora estes outros cheques também estão a ser debitados na conta caixa por contrapartida da conta 12 (p.e. ANEXO III) no pressuposto que foi dada saída de caixa. Acontece que há cheques que não constam a crédito de caixa:


Também nestes casos se está a empolar o saldo devedor caixa porque se está dar entrada de cheques de que nunca foi dada saída. Por outro lado a conta de fornecedores (2211 e 2212) não está a ser debitada aquando do respectivo pagamento.
Verificamos ainda que o pagamento de ordenados que é efectuada por transferência bancária, como se pode comprovar pelos extractos bancários, é lançado na contabilidade creditando a conta 111- Caixa.
Feita uma análise às contas de clientes e fornecedores verificamos que na contabilidade geral não existem contas individualizadas para os diferentes clientes e fornecedores.
Contudo extra contabilidade existem contas correntes de fornecedores e clientes1 que foram disponibilizadas pelo sujeito passivo no decurso da acção inspectiva. Feita uma análise a essas contas correntes verificamos que o saldos de clientes e fornecedores, em 31/12/2001, ascendem a 503.370,83 € e 319.770,62€ respectivamente quando na contabilidade a conta de clientes apresenta-se com um saldo devedor de 332.262,88 € e a conta de fornecedores com um saldo credor de 507.826,73 €. De referir que existem movimentos nas contas de clientes e fornecedores que não se encontram devidamente documentados, tendo como suporte documentos de serviço interno, já referidos anteriormente:

Do exposto resulta claramente que a contabilidade do S.P. evidencia:

a) descontrolo ao nível dos fluxos financeiros de que resultam erros e pouca ou nenhuma transparência na movimentação das contas de disponibilidades que, inclusive, apresentam saldos credores em diversos momentos
b) erros e pouca ou nenhuma transparência na movimentação das contas de clientes e de fornecedores, conduzindo a discrepância, materialmente relevante, entre os respectivos saldos evidenciados pela contabilidade e pelo sistema gestão de concorrentes que o S.P. realiza extra contabilidade
c) sucessivos “acertos” de saldos nas contas de Caixa, Bancos, de terceiros (Clientes e fornecedores e outros) com base em documentos internos sem qualquer base material justificativa, isto é, sem que resultem de qualquer simples processo de auditoria de contas ou conciliação de saldos.
Destes factos é exemplo paradigmático o doc. n.° 1903, já citado, através do qual o S.P. pretendeu “corrigir” os saldo de Bancos, de Caixa, de Clientes, Fornecedores, Sector Público Estatal sem que tenha minimamente demonstrado a justificação para a discrepância encontrada entre os saldos contabilísticos das referidas contas e a corresponde extensão real dos valores que as mesmas contas deveriam representar à data.
Sendo certo que não obstante o pretenso “acerto” de saldos continuam a subsistir diferenças entre os saldos das contas de terceiros (clientes e Fornecedores) evidenciados pelo sistema de gestão de c/c extra contabilidade e os evidenciados pela contabilidade.
Com efeito, o S.P. apenas exibiu como justificativo para as referidas diferenças um documento assinado pela gerência onde se indicavam os pretensos saldos reais das contas em causa sem que nele se indicasse qual a respectiva base de cálculo, sendo que os consequentes movimentos a débito e a crédito das contas “acertaram” ou tiveram por contrapartida créditos na conta de “Suprimentos” dos sócios, entrando directamente na respectiva esfera patrimonial. Isto é, todas as pretensas diferenças seriam justificadas, no essencial e na perspectiva do S.P., por créditos dos sócios sobre a sociedade decorrentes quer de gratificações atribuídas em anos distantes quer da venda de activos particulares (em 1985), considerados pagos, ou seja, que na contabilidade estariam registados como pagos mas que, efectivamente não o teriam sido. Também nesta perspectiva o S.P. não logrou apresentar prova do que afirmou, ou seja, não evidenciou de forma clara e inequívoca, através de meios materiais de prova, designadamente através da competente conciliação de saldos entre os extractos das contas nas Instituições bancárias e as respectivas dc da contabilidade, a origem, natureza e mesmo a dimensão exacta de tais discrepâncias.
E, muito menos, e como seria necessário, não logrou demonstrar de forma inequívoca a correlação entre tais discrepâncias e os pretensos créditos dos sócios.
Ora, para que a contabilidade dos S.P. possa fazer boa fé, no sentido de que as demonstrações financeiras e os resultados das operações, designadamente os resultados tributáveis reflictam uma imagem verdadeira e apropriada da empresa, toma-se necessário que nenhuma dúvida subsista em relação à relevação de todos os factos patrimoniais, qualitativos e quantitativos, em conformidade com a boa prática contabilística, de acordo com as normas legais em vigor, designadamente o Plano Oficial de Contabilidade.
Tais boas práticas contabilísticas são absolutamente incompatíveis com a realidade verificada na escrita do S.P., conforme se acabou de referir, pelo que está posta em causa a presunção de verdade e de boa fé a que se refere o artigo 75.° da Lei Geral Tributaria …”
6 - Contra a fixação dos métodos indirectos a ora impugnante apresentou o pedido de revisão da matéria colectável, não tendo ocorrido acordo dos peritos fls. 151 ss.
7 - Em 19 de Dezembro de 2005 foi a ora impugnante notificada da liquidação, conforme fls. 186 a 188, com termo de pagamento a “11/1/2006”, no total de 214.624,94 mais juros comp.
10 - Os cálculos que estiveram na base das correcções por métodos indirectos
foram suportados pelas folhas de custeio fornecidas pela impugnante ou considerou-se o P.V. médio. Fls. 109.

11 - No processo de produção dos bolinhos de bacalhau existem perdas.
12 - Estas perdas são constituídas, designadamente por espinhas, embalagens que se estragam, filmes e etiquetas e outros desperdícios.
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Não se provaram quaisquer outros factos.
Quanto aos factos provados, a convicção do tribunal alicerçou-se no teor dos elementos juntos aos autos designadamente os referidos nos factos, que apontam no sentido dos factos tal como descritos, sendo aceites por ambas as partes ou por não abalada a sua credibilidade. Atentou-se ainda na testemunha indicada pela impugnante, que confirmou as perdas, descrevendo o processo que determina essas perdas e as circunstâncias que têm influência nelas.”

2. Do Direito

O Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida invocando, desde logo, que as correcções referentes às despesas com a aquisição dos veículos não têm fundamento à luz do critério da indispensabilidade aferido pelo objecto a empresa (Conclusões 1.ª e 2.ª das alegações de recurso).

Apreciando.

Na sentença recorrida, nesta matéria, decidiu-se que “[r]elativamente a todos os custos relativos às viaturas, a AF refere a aquisição em 2001 de mais quadro viaturas ligeiros de passageiros, além das duas que haviam sido adquiridas em 2000, e uma outra de 98, e que se trata de uma empresa familiar, com dois sócios gerentes e sem quadros que justifiquem a atribuição deste tipo de viaturas (gama elevada). Invocando o disposto no artigo 23° do CIRC os custos relativos às viaturas adquiridas em 2001 não foram aceites. Tendo em conta que não compete à AF interferir nos critérios de gestão, resulta manifesta a falta de fundamentação. Presume-se, sem outra demonstração, que os custos relativos às aludidas viaturas não foram executados em benefício da empresa. Nem, sequer se refere que as viaturas não estavam ao serviço da empresa, quais os quadros desta que inculquem a desadequação da posse de tão elevado número de veículos de gama alta. Ocorre pois falta de fundamentação pelo que nesta parte é de anular a liquidação.”

Ora, em matéria de gastos, o elemento determinante nos termos do n.º 1 do art. 23.º CIRC é o requisito da indispensabilidade.

Nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC, consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Se um gasto não é indispensável, então não integra a previsão normativa do n.º 1 do artigo 23.º, do CIRC, podendo, pois, ser por esta via, fiscalmente desconsiderado.

Assim, os gastos fiscais, em regra, são os derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização, e que para que relevem fiscalmente têm de estar afectos à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre os custos e os proveitos da empresa, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximalista de resultados.

O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Essa análise casuística, deverá ser efectuada subjectivamente, não podendo associar-se a um juízo meramente objectivo, dependendo da actividade e objectivos de gestão da própria empresa.

A AT pode excluir gastos quando casuisticamente haja motivos para se entender que aqueles foram incorridos na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, face às necessidades e capacidades da empresa.

Regressemos, então, ao caso dos autos.

As correcções ora em causa são relativas a despesas com as seguintes viaturas ligeiras de passageiros que foram adquiridas em 2001, pela Recorrida: Porsche 911 Turbo (162.109,31€), Mercedes Benz CL 500 (120.649,40€), Mercedes Benz S 400 CDI (137.169,42€), Audi A6 TDI Allroad (62.349,42€).

Subjacente à correcção está o entendimento de que as despesas relacionadas com tais viaturas não são indispensáveis à obtenção dos proveitos, nos termos do art. 23.º do CIRC.

Para fundamentar a correcção a AT considerou o tipo e o valor das viaturas, o facto de se tratar de uma empresa familiar com apenas dois sócios, a inexistência de quadros que justificassem a atribuição daquele “tipo” de viaturas e a aquisição, em anos anteriores, de outras três viaturas de valor elevado, concluindo pela não indispensabilidade das despesas relacionadas com essas viaturas.

Ora, ao contrário do que se concluiu na sentença recorrida, a AT, in casu, demonstrou de forma suficiente que as despesas ora em causa suscitam dúvidas sérias acerca da sua indispensabilidade, pelo que se encontram devidamente demonstrados os pressupostos da sua actuação, designadamente, a desconsideração das despesas como gastos fiscais ao abrigo do art. 23.º do CIRC.

Com efeito, as circunstâncias da aquisição das viaturas (a empresa tinha adquirido em anos anteriores próximos outras três viaturas, também de gama alta; apenas haver 2 sócios; inexistência de quadros), as características das mesmas (4 viaturas de “gama alta”, cujos valores são muito elevados), aliada à actividade da Recorrida (fabrico de produtos alimentares congelados, designadamente bolinhos de bacalhau, rissóis de camarão, croquetes de carne, panados de porco e outros) e à natureza familiar da empresa, são indícios suficientes para questionar a indispensabilidade das despesas que resultam da utilização daquelas viaturas.

A AT demonstrou suficientemente uma desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização da empresa, indiciando que aqueles foram incorridos na prossecução de outro interesse que não o empresarial. Com efeito, as viaturas são de valor muito elevado, e de “gama alta”, havendo uma manifesta desconexão fáctica entre as despesas resultantes dessas viaturas e a actividade produtiva da Recorrida que se situa no sector alimentar, onde, a priori, não existem razões económicas que justifiquem a utilização de viaturas tão luxuosas para a produção e comercialização de bolinhos de bacalhau, rissóis de camarão, croquetes de carne, etc.. Por outro lado, o número de viaturas dessa categoria (quatro) quando já existiam na empresa outras três, também afasta a racionalidade económica das novas aquisições.

Demonstrada suficientemente pela AT a desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização da empresa, compete ao sujeito passivo apresentar uma explicação acerca da “congruência económica” desses gastos.

No fundo é ao contribuinte – entidade que se encontra em contacto directo com a realidade empresarial – que se exige, um simples ónus de alegação da realidade subjacente às operações onde se vertem tais custos. Uma explicação acerca da congruência económica das operações (cfr. Tomás Castro Tavares, A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40 e ss).

In casu, a explicação da Recorrida reside na imagem de sucesso, prestígio e prosperidade que a empresa deve transmitir para o exterior, mas tal argumentação não convence.

Com efeito, havendo dois sócios na empresa, e já tendo sido anteriormente adquiridas 3 outras viaturas de gama alta, tal argumento não convence, atento ao valor próximo de meio milhão de euros das viaturas. Não vislumbramos racionalidade económica nessa argumentação, ademais, considerando a actividade da empresa de fabrico de produtos alimentares congelados, fica ainda mais irrealista a explicação avançada, porque não se trata de uma actividade económica que assuma recortes de natureza especial que justificasse gastos tão elevados para o transporte das mercadorias, por exemplo, e por outro lado, a utilização de tais viaturas e consequentemente as despesas que dela derivam, no âmbito da actividade da Recorrida, carecem de credibilidade.

Acresce que, não havendo altos quadros da empresa que justifiquem a aquisição de mais viaturas de gama alta, ditam as regras da experiência comum que, provavelmente, as viaturas estariam a ser utilizadas para fins estranhos à actividade da empresa, e assim, competia à Recorrida demonstrar a indispensabilidade dos gastos da utilização das viaturas em causa para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, o que não fez.

Na verdade, considerando os montantes manifestamente elevados gastos na aquisição de viaturas (quase meio milhão de euros) no contexto em que ocorre, e tendo em conta a actividade da empresa, não basta uma qualquer explicação baseada no prestígio, ou no princípio da livre gestão das empresas, nem tão pouco para transporte dos produtos neles fabricados (bolinhos de bacalhau, rissóis, croquetes, etc.) porque, neste último caso, como bem refere o Magistrado do Ministério Público nas suas alegações de recurso que tal transporte “estava longe de requerer tão valiosos e dispendiosos meios.”.

Face ao exposto, nesta parte, o recurso merece provimento.

II. Passemos então, ao segundo fundamento do recurso, que diz respeito ao apuramento da matéria colectável por métodos indirectos.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT a avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa de determinação do lucro tributário dos contribuintes, apenas podendo ser aplicada aquela primeira forma de avaliação nos casos expressamente previstos na lei e quando estejam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito (art. 81.º, n.º 1 da LGT).

O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ultima ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (art. 104.º, n.º 2 da CRP).

Ou seja, tendo a avaliação indirecta carácter subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. o art. 85.º, n.º 1, da LGT) e excepcional (cfr. o n.º 1 do art. 81.º da LGT), cabe à AT a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (art. 74.º, n.º 3, da LGT) (cfr. Ac. do STA de 17/03/2010, proc. n.º 01211/09).

Segundo o art. 87.º, n.º 1, al. b), da LGT, uma das situações que determina a possibilidade de se recorrer à avaliação indirecta é “[i]mpossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”, sendo que essa impossibilidade pode resultar das anomalias e incorrecções previstas nas alíneas a) a d) do art. 88.º da LGT, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável.

Com efeito, dispõe, o art. 88.º da LGT:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada. (Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro)”.

Passando ao caso dos autos, na sentença recorrida, quanto às correcções com recurso a métodos indirectos escreveu-se que “[r]esultam do relatório elementos que põem, efectivamente em causa a veracidade da contabilidade — irregularidades de fluxos, etc... - mas tal facto não conduz automaticamente à aplicação dos métodos indirectos. Os erros estão identificados pela própria AF. Não se estabelece uma correlação entre essas anomalias e o volume de negócios, não se refere se houve omissão nas compras ou nas vendas. Não se questionam as compras e as vendas, não se aponta qualquer outro tipo de irregularidade passando de imediato à análise das margens das vendas. Resulta assim que não está demonstrada a impossibilidade de apuramento da matéria tributável com recurso a métodos directos. Procede nesta parte a impugnação.”.

O Recorrente invoca que a sentença labora em contradição, pois reconheceu que os elementos contabilísticos não eram verídicos, o que integra um dos pressupostos da avaliação indirecta, e depois concluí pelo não preenchimento dos pressupostos para o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos (conclusões 3.ª a 5.ª).

Mas sem razão. A sentença recorrida não enferma de erro de julgamento ao concluir que “não está demonstrada a impossibilidade de apuramento da matéria tributável com recurso a métodos directos”, pois não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, pressuposto, tal como resulta da conjugação do disposto no art. 87.º, n.º 1, alínea b) e art. 88.º da LGT.

Resulta do relatório de inspecção que foram detectadas várias anomalias e irregularidades na contabilidade da Recorrida, mas já não resulta que essas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, bem pelo contrário, a AT identificou e quantificou directamente cada uma das irregularidades.

Na sentença recorrida se faz alusão à falta de veracidade da contabilidade, mas o que se conclui é que as irregularidades não conduzem automaticamente à aplicação de métodos indirectos.

Deste modo, não existe qualquer contradição na sentença recorrida, sendo que, no que importa, in casu, não resulta do relatório de inspecção a impossibilidade do apuramento da matéria tributável por métodos directos (art. 87.º, n.º 1, alínea b) e art. 88.º da LGT), mas tão-somente irregularidades contabilísticas que foram identificadas e quantificadas.

Por conseguinte, nesta parte, o recurso não merece provimento.

3. Sumário

I. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” – art. 23.º do CIRC;
II. Demonstrada suficientemente pela AT a desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização da empresa, compete ao sujeito passivo apresentar uma explicação acerca da “congruência económica” desses gastos;
III. Não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, tal como resulta da conjugação do disposto no art. 87.º, n.º 1, alínea b) e art. 88.º da LGT.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcialmente provimento ao recurso interposto, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, na parte em que julgou procedente a impugnação referente às correcções técnicas objecto de recurso.
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Custas pela Recorrida, na proporção do decaimento, considerando a isenção de custas de que beneficia o Recorrente.
D.n.
Porto, 16 de Outubro de 2014.
Ass. Cristina Flora
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos