Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01155/16.8BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/20/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:LITISPENDÊNCIA; PEDIDOS; CAUSAS DE PEDIR; CONCURSO.
Sumário:Não se verifica litispendência, por falta de identidade de causas de pedir e de pedidos, em dois processos nos quais existe uma identidade essencial na causa de pedir e no que é pedido, o reconhecimento do mestrado da autora como “habilitante profissionalmente para a docência no ensino público, privado e cooperativo e, consequentemente, a permitir a sua candidatura a concursos abertos para o recrutamento de professores, por meio do seu enquadramento no(s) grupo(s) de recrutamento para o(s) quais se encontra profissionalmente habilitada”, mas este pedido genérico é concretizado em cada acção como relativo a dois concursos diferentes e tendo em conta grupos diferentes, para que a autora foi excluída, no primeiro concurso os grupos 210, 220, 320 e 330 e no segundo concurso os grupos 120, 210 e 220, o que distingue também as acções quanto às respectivas causas de pedir.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:P. C. F. R. T.
Recorrido 1:Estado Português
Recorrido 2:Ministério da Educação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

P. C. F. R. T. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 29.07.2019, pelo qual foi julgada procedente a excepção dilatória de litispendência e, em consequência, foi absolvido da instância o Ministério da Educação, quanto a todos os pedidos formulados e absolvido o Estado Português da instância, quanto aos pedidos formulados nas alíneas B) a D), considerando prejudicado o conhecimento da excepção da litispendência quanto ao pedido formulado na alínea A), atenta a precedente absolvição da instância quanto a este com fundamento em ilegitimidade passiva.

Invocou para tanto, em síntese, que se verifica a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia e que não se verifica a excepção da litispendência, por o pedido e a causa de pedir não serem idênticos.

Os Recorridos contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.

O Juiz a quo pronunciou-se sobre a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia no sentido de que a mesma não se verifica.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1) Entendeu o Tribunal a quo absolver os Réus (ora recorridos) da instância;

2) Porém, mal andou ao fazê-lo, pois que não existe litispendência;

3) O Tribunal a quo laborou em erro de julgamento e, pior do que isso, a sua sentença é nula por omissão de pronúncia, como decorre do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 608 0 no 2 e 615 0, no 1. alínea d), ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA.

4) Com efeito, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

5) Por outro lado, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras;

6) Assim, no caso sub judicio deveria ter-se pronunciado quanto ao facto de à Recorrente ter sido vedado concorrer ao ensino público, para o qual se encontrava profissionalmente habilitada (causando-lhe prejuízos de que pretende ser indemnizada), mais concretamente, por lhe ter sido vedado o acesso ao Concurso para recrutamento de docentes para o Ensino Público, a que se reporta o Aviso concursal no 3597-K/2016, Parte II, publicado no D. R., II. a Série, no 53, de 16 de Março de 2016 (cf. artigo 2º da P.I.) — destacado nosso;

7) Já na anterior acção judicial intentada pela A. contra os mesmos Réus, sob o Proc. no 457/14.2BEPNF (acção administrativa comum) que correu termos no TAF de Penafiel, em causa estava o Aviso concursal n.0 54664/2013 — destacado nosso;

8) Com efeito, a litispendência, pressupondo a repetição da mesma accão em dois processos, depende, pois, da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior;

9) Porém, apesar da mesma identidade de sujeitos, não há a mesma '-causa de pedir" e "pedido"

10) Não apenas porque os Avisos concursais são diferentes e respeitam a diferentes anos lectivos, mas também, porque surge ex novo na segunda accão o impedimento da A. ora Recorrente em candidatar-se ao grupo 120, quando na acção anterior tal situação não se colocava, pois tinha sido admitida a leccionar em tal grupo;

11) Por conseguinte, apenas se concederia que, face às normais delongas de uma accão judicial deste tipo, ao ter sido primeiramente intentada a Acção Administrativa Comum sob o Proc. no 457/14.2BEPNF, que correu termos no TAF de Penafiel, tendo por base o Aviso concursal n. 0 5466-A/2013, essa constituísse uma "questão prejudicial" desta nova (segunda) acção administrativa, que correu termos no mesmo TAF de Penafiel, sob o Proc. no 1155/16.8BEPNF, mas reportando-se ao Aviso concursal no 3597-K/2016. Parte II, publicado no DR.. II.a Série, no 53, de 16 de Março de 2016 (cf. artigo 20 da p. i., o que implicaria, eventualmente, a suspensão da instância na segunda accão administrativa, face à "questão prejudicial" subsistente na primeira;

12) E, com a devida vénia, estava ao alcance do Tribunal "a quo" tê-lo feito, nos termos do disposto no artigo 272º do CPC;

13) Naturalmente, em termos de prejuízos, ao não ter sido resolvida a situação da accão anterior, pelas normais delongas num processo desta natureza, obviamente que os mesmos subsistiam e tiveram de ser peticionados na segunda acção; Aliás, subsistirão, enquanto a situação não for, definitivamente regulada;
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II – Matéria de facto.

Factos com relevo tendo em conta a única questão a apreciar, face às conclusões das alegações, a excepção de litispendência (além da nulidade da sentença):

1. Nos presentes autos os pedidos formulados são os seguintes:

“Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui douto suprimento do tribunal, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência deve o Estado Português e o Ministério da Educação e Ciência serem, solidariamente condenados a:

A) Reconhecer o mestrado da A. como habilitante profissionalmente para a docência no ensino público, privado e cooperativo e, consequentemente, a permitir a sua candidatura a concursos abertos para o recrutamento de professores, por meio do seu enquadramento no(s) grupo(s) de recrutamento para o(s) quais se encontra profissionalmente habilitada;
B) Subsidiariamente, condenar-se o Estado a pagar à autora, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causou ao não reconhecer o seu mestrado para a docência, como sobredito, em quantia não inferior a 35.000,00€;
C) Em qualquer dos casos, deve o Estado ser condenado a indemnizar a A. dos danos que lhe causou supra descritos referidos na presente petição, em quantia não inferior a 5.000,00€,
D) Sempre com juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral cumprimento.”

2. No processo n.º 457/14.2BEPNF, os pedidos formulados são os seguintes:

“Termos em que e nos mais de Direito deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência deve o Estado Português (Ministério da Educação e Ciência) ser condenado a:
A) Reconhecer o mestrado da A. como habilitante profissionalmente para a docência no ensino público, privado e cooperativo e, consequentemente, a permitir a sua candidatura a concursos abertos para o recrutamento de professores, por meio do seu enquadramento no(s) grupo(s) de recrutamento para o(s) quais se encontra profissionalmente habilitada.
B) Subsidiariamente, condenar-se o Estado a pagar à Autora, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causou ao não reconhecer o seu mestrado para a docência, em especial os supra referidos nos artigos 76 a 84 e 103 e 105, em quantia não inferior a 35.000,00€.
C) Em qualquer dos casos, deve o Estado ser condenado a indemnizar a A. dos danos que lhe causou referidos nos artigos 85 a 102 da presente petição, em quantia não inferior a 5.000,00€;
D) Sempre com juros à taxa legal desde a citação.”

3. Dá-se aqui por reproduzida a petição inicial da acção nº 457/14.2 PNF, relativa ao concurso para recrutamento de docentes para o ensino público publicado pelo Aviso nº 5466-A/2013, no Diário da República II Série nº 78, de 22.05.2013, para o ano lectivo 2013/14 e no qual foram invalidados à Autora todos os grupos: 210, 220, 320 e 330.

4. Dá-se aqui por reproduzida a petição inicial da presente acção, relativa ao concurso para recrutamento de docentes para o ensino público publicado pelo Aviso nº 3597-K/2016, no Diário da República II Série nº 53, de 16.03.2016, para o ano lectivo 2016/17, e no qual foram invalidados à Autora os grupos 120, 210 e 220.
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III - Enquadramento jurídico.

A tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir caracteriza a litispendência tal como o caso julgado, com a diferença de que a primeira pressupõe a pendência de ambas as acções.

Determina o artigo 581.º do Código de Processo Civil:

“1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”.

No caso concreto é inequívoca e indiscutida a identidade de sujeitos.

Mas, ao contrário do decidido, não existe identidade de causas de pedir nem, consequentemente de pedidos.

Existe, é certo, uma identidade essencial na causa de pedir e no que é pedido, o reconhecimento do mestrado da Autora como “habilitante profissionalmente para a docência no ensino público, privado e cooperativo e, consequentemente, a permitir a sua candidatura a concursos abertos para o recrutamento de professores, por meio do seu enquadramento no(s) grupo(s) de recrutamento para o(s) quais se encontra profissionalmente habilitada”.

Mas este pedido genérico deve ser interpretado para cada acção como relativo a cada um dos concursos e tendo em conta os grupos diferentes, para que a Autora foi excluída, no primeiro concurso os grupos 210, 220, 320 e 330 e no segundo concurso os grupos 120, 210 e 220, o que distingue também as acções quanto às respectivas causas de pedir.

Termos em que, ao contrário do decidido, não se verifica a excepção e de litispendência.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Julgam improcedente a excepção de litispendência pelo que revogam nesta parte a decisão recorrida.

B) Ordenam a baixa dos autos para prosseguirem os seus termos se nada mais a tal obstar.

Custas pelos Recorridos.
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Porto, 20.12.2019

Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco