Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01172/06.6BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 01/28/2010 |
Relator: | Álvaro Dantas |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO - IVA - PRESCRIÇÃO |
Sumário: | 1. A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade; 2. Assim, o prazo máximo de prescrição em procedimento contra-ordenacional tributário é de sete anos e meio; 3. Na contagem do referido prazo máximo de prescrição (sete anos e meio) deve ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição; 4. Constitui causa de suspensão da prescrição a pendência do procedimento após a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima; 5. Nessa situação, o período máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo de prescrição retomará o seu curso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. Relatório O Digno Magistrado do Ministério Público (doravante, Recorrente), não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que concedeu provimento ao recurso da decisão de aplicação da coima no montante de 10.164,71 euros interposto pela Arguida Geldouro , S.A., NIF , com sede no Lugar da Fonte – Modivas, Vila do Conde (doravante, Recorrida) e a absolveu da prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 26º nº 1 e 40º nº 1 do Código do IVA e artigo 114º nºs 1 e 2 do RGIT que lhe era imputada, veio dela recorrer. Concluiu, em sede de alegações: 1°- A desaplicação da norma do art. 114° nºs 1 e 2 do RGIT, pressupõe que o imposto (IVA) não entregue não está em poder do sujeito passivo; 2° - Tal circunstância há-de resultar da prova inequivocamente produzida nesse sentido em sede de audiência de julgamento, complementada com a inerente prova documental; 3° - Ao dar como provado que a recorrente atravessou um período de grandes dificuldades económico-financeiras que ocorreram essencialmente por atraso na cobrança dos seus créditos, que a impediu de cumprir pontualmente as suas obrigações tributárias, o Tribunal não podia concluir que essa foi a única causa do incumprimento; 4°- Com efeito, a expressão "essencialmente" não tem o alcance decisivo e unívoco da expressão "exclusivamente", donde, outras causas existiram para além das imputáveis ao atraso na cobrança dos créditos da recorrente; 5° - O depoimento obedientemente debitado pelas duas únicas testemunhas, ambas trabalhadoras da recorrente, não é prova bastante para fundar a convicção do Tribunal; 6° - Com efeito, a prova da indisponibilidade da prestação tributária pela recorrente, terá forçosamente de se alicerçar em prova documental que, caso a caso, demonstre inequivocamente que o IVA não entregue não estava em poder do sujeito passivo; 7° - Os requisitos de isenção da coima previstos no art. 32° do RGIT são de verificação cumulativa, sendo certo que a falta de entrega da prestação tributária nos cofres do Estado no prazo legal, ocasiona sempre prejuízo efectivo, o que afasta liminarmente a possibilidade da isenção da coima. Foram apresentadas contra-alegações pela Arguida no sentido da manutenção do decidido na sentença recorrida. O Digno Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal não emitiu parecer. Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir. 2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância e que aqui passamos a reproduzir ipsis verbis: “Dos Factos Considero provados os seguintes factos, com relevância para a apreciação da questão colocada: a) Em 02/01/2003, a arguida, doravante recorrente, enviou ao SAlVA a declaração periódica relativa ao período de 01/11, sem o correspondente meio de pagamento do imposto liquidado no montante de 46.203,23€, tendo o prazo de pagamento terminado em 10/01/2002, cf. fls. 3 e 2 dos autos. b) O Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde proferiu, em 12/12/2005, decisão através da qual condenou a recorrente pela infracção ao disposto nos artigos 26, nº 1 e 40° nº 1 alínea a) do CIVA, punível pelos artigos 114º, nº 2, na coima de 10.164,71€, em razão do facto referido na alínea anterior, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 9 dos autos e que aqui se dão por reproduzidos. c) A recorrente foi notificada da decisão em 23/12/2005 e apresentou o presente recurso em 16/01/2006. d) A recorrente regularizou a situação tributária em falta, e aqui em causa, em 2/01/2003, cf. fls. 7 dos autos. e) Durante o período de 2001 a 2003, a recorrente atravessou um período de grandes dificuldades económico-financeiras que ocorreram, essencialmente, por atraso na cobrança de créditos, o que a impediu de cumprir pontualmente as obrigações tributárias, nomeadamente o pagamento atempado do IVA, cf. depoimento de testemunha. f) Há (sic) medida que os créditos eram regularizados a recorrente procedeu de imediato à entrega do IVA, correspondente a esses créditos, cf. depoimento de testemunha. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provou que a recorrente tenha recebido o valor do imposto exigível em momento anterior à entrega à Administração da declaração periódica referida na alínea B) da matéria de facto dada como provada, uma vez que não foi trazido aos autos qualquer elemento nesse sentido pela Fazenda Pública. A decisão sobre a matéria de facto assentou na análise crítica da prova documental e testemunhal produzida nos autos.” 2.2. O direito aplicável Embora não tenha sido suscitada pelo Recorrente nem pela Recorrida, importa conhecer oficiosamente da questão, que se nos afigura pertinente, da prescrição do procedimento contra-ordenacional. Vejamos. Estabelece-se na norma do artigo 33.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT): “1 - O procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. 2 - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. 3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”. Por sua vez, em matéria de interrupção do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional preceitua-se no artigo 28º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) na redacção resultante da Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, o seguinte: “1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação do arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação. 3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade” – (sublinhado nosso). No caso concreto, a data em que terminou o prazo para o cumprimento da obrigação de entrega da declaração periódica de IVA e, simultaneamente, do imposto exigível, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 26º nº 1 e 40º nº 1 alínea a) do Código do IVA e em que, portanto, se teria consumado a infracção imputada à Arguida foi, como resulta da alínea a) da matéria de facto provada, a de 10 de Janeiro de 2002. A partir da referida data (10 de Janeiro de 2002) iniciou-se a contagem do prazo de prescrição, a qual foi interrompida com a notificação da Arguida para exercer o seu direito de defesa nos termos do artigo 70º do RGIT que teve lugar em 27 de Julho de 2005 e, mais tarde, com a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima e que ocorreu em 12 de Dezembro de 2005. A interrupção da prescrição, ao contrário do que sucede com a suspensão, tem como consequência que o tempo decorrido antes da causa de interrupção fique sem efeito, devendo, portanto reiniciar-se novo prazo logo que desapareça essa mesma causa, tal como resulta da norma contida no artigo 121º nº 2 do Código Penal. No entanto, como bem se compreende, a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse, indesejavelmente, eternizar-se a possibilidade de prosseguir o processo contra o arguido. Em ordem a evitar uma tal situação, estabeleceu-se no RGCO (como, de resto, já sucedia no Código Penal) um limite à admissão de um número infinito de interrupções e à ideia de que cada interrupção da prescrição implica um novo decurso da totalidade do prazo, através da norma do nº 3 no artigo 28º, introduzida pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro na qual, expressamente, se consagra que “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”. Desta norma resulta que o prazo máximo de prescrição em procedimento contra-ordenacional tributário é de sete anos e meio. Importa considerar, no entanto, que na contagem do referido prazo máximo de prescrição (sete anos e meio) deve ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição. Ora, em matéria de suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação, o normativo contido no artigo 27º-A do RGCO, na redacção introduzida pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, aplicável às contra-ordenações tributárias por força da norma remissiva do artigo 33º nº 3 do RGIT, estabelece o seguinte: “1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do artigo 40º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.” Por sua vez, a norma do artigo 33º nº 3 do RGIT prevê causas específicas de suspensão do procedimento contra-ordenacional tributário estabelecendo-se aí que a suspensão da prescrição se verifica também: - Por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º; - No caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento. No caso dos autos, a única causa de suspensão que se verifica é a prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 27º-A, ou seja, a pendência do procedimento após a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima. No entanto, em tal situação, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, como resulta do estatuído no art. 27º-A nº 2 do RGCO, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120º nº 3 do Código Penal – neste mesmo sentido, acórdão Relação do Porto, 8 Fev. 2006, processo 0545259, www.dgsi.pt. Deste modo, contado o prazo prescricional de sete anos e meio, acrescido de seis meses de suspensão, a partir 10 de Janeiro de 2002, verifica-se que o mesmo se consumou em 10 de Janeiro de 2010. A prescrição é de conhecimento oficioso em qualquer momento ou fase do processo e implica a extinção do procedimento e da responsabilidade contra-ordenacional – cfr. artigo 33º nº 1 do RGIT. A conclusão que antecede no sentido de que, in casu, ocorre a prescrição do procedimento contra-ordenacional, implica que fique prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo Recorrente. 3. Decisão Assim, pelo exposto, decide-se: a) Declarar extinto, por prescrição, o presente procedimento contra-ordenacional instaurado contra a Arguida Geldouro – , S.A.; b) Não conhecer, por prejudicado, do objecto do recurso interposto pelo Ministério Público. Sem custas. Porto, 28 de Janeiro de 2010 (Álvaro António Dantas) (Francisco Areal Rothes) (Moisés Moura Rodrigues) |