Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00280/14.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/12/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Cristina Flora
Descritores:RECLAMAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO
PROVA NOVA
Sumário:I. Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 125.º do CPPT, a oposição dos fundamentos com a decisão, constitui causa de nulidade da sentença;
II. Porém, esta nulidade apenas se verifica quando os fundamentos na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada;
III. «(…) [I]ndependentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) - acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (artigo 60º da LGT) […]» - acórdão uniformizador de jurisprudência nº 5/2012, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 244, de 22/10/2012;
IV. A apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação, não sendo possível, com base em prova – produzida em Tribunal - a que a Administração Tributária não teve acesso, considerar que aquela decisão padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto;
V. O órgão de execução fiscal ao afirmar que a insuficiência de bens da executada resulta da gestão da empresa, sem se concretizar um único facto constante da documentação apresentada como prova para sustentar a afirmação, e sem se fazer a referência a um único documento em concreto, estamos perante um juízo conclusivo, que não permite a um destinatário normal compreender o motivo pelo qual se decidiu num determinado sentido, impedindo ao tribunal, deste modo, o controlo da legalidade do acto, não respeitando, portanto, as exigências mínimas de fundamentação para que se possa ter por cumprido o disposto no n.º 4 do art. 268.º da CRP.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Instituto do Vinho e da Vinha, IP
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

C..., LDA., NIPC 5…, com demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu que julgou improcedente a reclamação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado em 27/04/2012, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2704200401002597.

O Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

A. Em causa nos autos está uma reclamação judicial apresentada pela C... contra o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado nos autos de execução fiscal n.º 2704200401002597.
Da preterição de audição prévia:

B. Ao apreciar a questão relativa à ilegalidade da decisão de indeferimento por preterição da audição prévia da C..., a sentença aqui posta em crise acolhe o entendimento pugnado no Acórdão do STA de 26.09.2012, proferido no processo n.º 0708/12, que acompanha a corrente que qualifica o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como um acto de natureza administrativa – cf., em particular, página 21 da sentença aqui posta em crise.

C. Consubstanciando a decisão de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia um acto administrativo em matéria tributária e, como tal, sujeito ao regime previsto na LGT para os procedimentos tributários (e, em particular, ao princípio da participação contido no artigo 60.º do mesmo diploma), não se pode aventar, no modesto entendimento da C..., a possibilidade da sua não observância ou simples dispensa, como acabou por concluir o Tribunal a quo.

D. Não parece ser legalmente admissível recorrer a uma possibilidade de dispensa de audição prévia prevista ou (i) num regime de aplicação supletiva (in casu, o regime previsto no CPA) ou (ii) num regime criado ad hoc (em concreto, um regime resultante da consideração de que o requerimento de dispensa de garantia, por dever ser fundamentado e instruído com prova, consubstancia, em si, a audição prévia do interessado), quando a própria Lei Geral Tributária não se mostra omissa quanto à matéria.

E. A aplicação do Código de Procedimento Administrativo às relações jurídico-tributárias, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 2.º da LGT, mostra-se de carácter supletivo: é a Lei Geral Tributária que se aplica em primeira linha à solução das questões postas ao intérprete-aplicador, só sendo legítimo o recurso aos restantes diplomas enunciados no artigo 2.º da LGT em caso de lacuna da mesma Lei.

F. A Lei Geral Tributária não contém qualquer lacuna quanto ao exercício de audição prévia ao indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, que possibilite ou autorize o recurso a regimes especiais previstos em legislação subsidiária ou interpretativamente criados para a situação concreta. Bem pelo contrário: a LGT claramente ordena que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal – como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia – seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final – cf. artigo 60.º, n.º 1, alínea b), da LGT -, sendo que os n.os 2 e 3 do mesmo artigo 60.º da LGT vêm indicar, peremptoriamente, as situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia no âmbito das relações jurídico-tributárias, nos quais não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

G. Ao fazer-se apelo a um regime previsto no Código de Procedimento Administrativo (ou mesmo a um regime que decorre da interpretação de que a própria petição fundamentada afastará a audição prévia) para justificar a possibilidade de dispensa de audição prévia no caso, está-se, em bom rigor, a revogar semelhante disposição da Lei Geral Tributária, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia, que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.

H. Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia, prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia – no que não se concede -, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de actos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão.» - cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op cit.

I. Ao contrário do que se verifica na situação dos autos, a urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente, devendo resultar objectivamente do acto e das suas circunstâncias (cf., neste sentido, Ac. STA de 28-05-2002, proc. 048378, disponível em www.dgsi.pt), não já por referência à situação procedimental de cumprimento de determinado prazo estipulado para a conclusão do procedimento Nas expressivas palavras do Exmo. Senhor Dr. Juiz Conselheiro Lino Ribeiro, em voto de vencido ao entendimento que fez maioria no mencionado Ac. deste STA de 26.09.2012: «O prazo de 10 dias para decidir o dito “procedimento” é assim meramente ordenador ou disciplinador, sem quaisquer consequências negativas para o requerente. Daí que não nos devemos impressionar com a alegação de que tal prazo determina a natureza urgente do procedimento, pois, pelo menos na perspectiva do executado, não há uma correlação necessária entre o prazo de decisão e a urgência na resolução da pretensão. Além disso, a aplicar-se as normas do CPA, seria sempre de exigir um “despacho” a justificar a urgência da decisão».
, que vem a ser, afinal, a justificação em que se escuda o Tribunal a quo (acolhendo o teor do mencionado Acórdão do STA) para considerar que este regime da dispensa de audiência prévia nas decisões urgentes dos procedimentos administrativos deverá ser aplicado ao pedido de dispensa de prestação de garantia em causa nos autos.

J. Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respectivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» - cf. Ac. STA de 26.9.2012, reproduzido na página 24 da sentença recorrida.

K. Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de um pedido ou petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária, teria de se aplicar esta interpretação de que semelhante petição inicial daquele procedimento jurídico-tributário precludia a necessidade de realização de audição prévia, pelo que os contribuintes, sempre que apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respectivo indeferimento pela Administração Tributária, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.

L. Por outro lado, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cf. artigo 170.º, n.º 3, do CPPT), é certo que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional, nas situações em que esses outros meios de prova se mostram imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte no seu pedido de dispensa.

M. São cogitáveis situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia, não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal.

N. A prova dos requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia poderá – e muitas vezes, apenas poderá - ser feita por recurso a outros meios de prova que não a documental – em especial tratando-se de prova de um facto negativo -, pelo que não deverá vingar o entendimento de que a petição inicial de dispensa de garantia desempenhe já a função de audição prévia do contribuinte ou precluda automaticamente a necessidade de realização dessa audição prévia, pois terão lugar diligências instrutórias e poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45.º do CPPT.

O. O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar.

P. Esta é a solução que se impõe no apuramento da verdade material e cabal esclarecimento dos factos alegados que incumbe à Administração Tributária e, bem assim, a solução que mais se coaduna com o preceituado no n.º 5 do artigo 267.º da CRP e no artigo 45.º do CPPT.

Q. No caso concreto dos autos, a necessidade, razoabilidade e utilidade da realização da audição prévia é manifesta:

· Por um lado, o fundamento apontado, no despacho do OEF que dá causa aos autos, para indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia em causa foi o facto de não resultar provado «o pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens». Ora, em sede de audição prévia, poderia a C... ter efectuado a junção dos elementos de prova que a Administração reputava por necessários;

· Por outro lado, ainda no caso concreto, o argumento que se funda no curto prazo de 10 dias do procedimento para afastar a necessidade ou possibilidade legal de audição prévia a esse indeferimento, é particularmente inexpressivo, pois que o pedido de dispensa de prestação de garantia foi apresentado pela C... em 27 de Abril de 2012 (cf. alínea C) da matéria de facto dada como provada) e veio a ser decidido, apenas, por despacho de 8 de Outubro de 2013, decorrido mais de 1 ano e 5 meses sobre a respectiva apresentação (cf. alínea F) dos factos provados).

R. Se a lei prevê um prazo que, na prática, é meramente ordenador ou disciplinador, e que, no caso dos autos (que é o que aqui nos interessa) foi incumprido, não se aceita que se retire a conclusão de que, in casu, a atribuição do carácter urgente que possibilita, na teoria acolhida na sentença recorrida, a dispensa da audição prévia com uma aplicação subsidiária do CPA encontre, sequer, justificação material.

S. Não se aceitando embora (conforme supra se fez notar) que o prazo estipulado na lei para a apreciação do pedido de dispensa justifique o afastamento do direito de audição prévia do contribuinte, não poderia, de qualquer modo, em face dos elementos de facto dos autos, ter sido decidido que não haveria lugar à audição prévia da C... devido à urgência do procedimento, uma vez que o procedimento em causa demorou a ser decidido bem mais do que o tempo legalmente previsto para o efeito.

T. Nos presentes autos, impunha-se determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição ilegal da audição prévia da C..., ao invés do que o Tribunal a quo decidiu, violando o disposto nos artigos 267.º, n.º 5, da CRP, 60.º da LGT e 45.º do CPPT.

Da falta de fundamentação do despacho reclamado:
U. A decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia proferida pelo órgão de execução fiscal atém-se por uma consideração genérica sobre os requisitos que necessitam de ser provados para o deferimento de um qualquer pedido de dispensa de prestação de garantia, afirmando, sem mais e sem qualquer fundamentação, que os documentos juntos demonstram que a insuficiência de bens resulta da gestão da empresa, e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração.

V. Não se encontra feita, sequer, qualquer apreciação crítica do teor dos documentos que ajude a compreender o iter cognoscitivo do decisor até à - ininteligível - conclusão que, no caso concreto, daqueles documentos resulta a culpa da empresa na insuficiência de bens (que elementos constantes dos documentos levaram a essa conclusão? Que factos retirou o Serviço de Finanças desses documentos para concluir que «a insuficiência resulta da gestão da empresa, e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração»?).

W. Um destinatário normal, perante o teor do acto de indeferimento em apreço e das suas circunstâncias, não fica em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu nesse sentido e não noutro, de forma a poder conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.

X. O conteúdo da decisão atém-se, pois, manifestamente, por uma consideração genérica, vaga e não aplicada ao caso concreto, em relação ao pedido formulado e respectiva prova, que, por isso, em nada fundamenta a decisão de indeferimento e que não poderá senão equivaler a uma falta de fundamentação.

Y. Ao considerar que a decisão em apreço cumpria os imperativos de fundamentação, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 3 do artigo 269º CRP, nos artigos 36.º e 37.º do CPPT, no artigo 77.º da LGT e mesmo nos artigos 124.º e 125.º CPA, devendo a sentença proferida ser revogada em conformidade.

Da alegada falta de prova do requisito da não responsabilidade na insuficiência de bens:

Z. A C..., conforme vem reconhecido pelo Serviço de Finanças de Tondela, não possui meios económicos para a prestação de garantia, por insuficiência de bens.

AA. Todavia, no que se refere ao outro requisito cumulativo para o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, o Tribunal a quo, acompanhando o Serviço de Finanças de Tondela, acaba por considerar como não verificada nos autos a comprovação da irresponsabilidade da Reclamante na insuficiência de bens.

BB. Estamos perante a prova de um facto negativo o que, como é sabido, se traduz numa dificuldade acrescida de prova, que deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade (decorrente do princípio do Estado de Direito do art.º 2.º da CRP e patente no artigo 18.º, n.º 2 da Lei Fundamental), uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito - cf. Ac. Pleno CT do STA, de 17.12.2008, proferido no processo 0327/08, disponível em www.dgsi.pt, reiterado no Ac. do Pleno CT do STA, de 05.07.2012, proferido no processo 0286/12.

CC. A C... procurou demonstrar este facto negativo através da enunciação de factos positivos, como as razões pelas quais ocorre a insuficiência de bens penhoráveis que foi considerada verificada pelo próprio Serviço de Finanças, arrolando testemunhas para complementar essa prova da falta de responsabilidade pela insuficiência de bens; e, inclusivamente, juntando documentos através dos quais é possível comprovar essa sua irresponsabilidade.

DD. A Jurisprudência tem entendido «dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado» - cf. Ac. Pleno CT do STA, de 17.12.2008, proferido no processo 0327/08.

EE. Uma das circunstâncias em que se revela a insuficiência de bens da C... para prestar garantia vem a ser, desde logo, a inexistência de bens imóveis no seu património.
(a este propósito, foi largamente explicado e provado nos autos que as alienações dos imóveis que eram propriedade da empresa, que tiveram lugar em 2005 e 2006, ocorreram no âmbito de um processo de reestruturação do grupo de empresas em que a C... se insere, não lhe sendo emprestado qualquer juízo de censurabilidade – cf. alínea M), como, ademais, concluiu o Tribunal a quo, ao considerar que a diminuição dos activos fixos tangíveis da C... não resultou de uma actuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores – cf. página 32 da sentença aqui posta em crise).

FF. Outra das circunstâncias que justifica essa insuficiência de bens vem a ser a falta de receitas e liquidez com que a C... se vem deparando.
(a este propósito, são expressivos os prejuízos que a sociedade tem vindo a acumular desde o exercício de 2010, ou o já pouco significativo resultado de €5.531,99 obtido no exercício de 2009 (cf. balanço reproduzido na alínea S) dos factos provados); são ainda ilustrativos da falta de culpa da C... na referida falta de liquidez ou receitas, os montantes que se encontram em dívida por parte de múltiplos clientes (cf. valores constantes do balanço reproduzido na alínea S) dos factos provados), muitos deles incobráveis em virtude da insolvência desses clientes (cf. alínea U) dos factos provados, por exemplo).

GG. Uma outra circunstância que particularmente justifica o depauperamento da situação económico-financeira global da C... vem a ser a diminuição de vendas que a empresa tem vindo a registar nos últimos anos, visível, por exemplo, no acentuadíssimo decréscimo das vendas da C... ocorrida no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros (perceptível pela análise da demonstração de resultados por naturezas constante da IES junta como documento n.º 4 com o pedido de dispensa de prestação de garantia, em que se constata que as vendas, que em 2009 ascenderem a €35.793.825,86, diminuíram em mais de dez milhões de euros, para o montante de €24.886.494,97 no exercício de 2010, por exemplo).

HH. Por outro lado, o facto de os bens da C... (o seu equipamento obsoleto e os seus stocks de vinhos) já se encontrarem dados em penhor (conforme melhor decorre da alínea P) dos factos provados), igualmente explica a insuficiência de bens para prestar garantia com que a C... se depara.

II. Uma outra circunstância que justifica o depauperamento da situação económico-financeira da C... prende-se com a precipitação da cobrança, por parte de diferentes instituições bancárias, dos financiamentos e responsabilidades que a C... detinha junto daquelas instituições - cf. alínea N) dos factos provados.

JJ. Outro facto alegado e provado pela C... que igualmente concorre para que se verifique a insuficiência de bens para prestação de garantia vem a ser a manutenção de garantias (por via da apresentação de garantias bancárias ou da compensação de créditos fiscais) noutros autos de execução fiscal, que ascendem a um total de €4.056.467,44 – cf. alínea R) dos factos provados.

KK. As vendas que a C... realiza - que vêm a consubstanciar os respectivos proveitos -, têm de ser contrabalançadas com os gastos necessários à geração de tais proveitos (e é precisamente do balanceamento desses rendimentos e gastos que surge o resultado do exercício – que, no caso da C..., ascendeu, em particular no exercício de 2010, a um resultado negativo superior a um milhão e duzentos mil euros (cf. balanço reproduzido na alínea S) dos factos provados).

LL. Da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo resultaram claras as causas da insuficiência de bens apontada pelo Serviço de Finanças de Tondela (a inexistência de bens imóveis, a falta de receitas e liquidez, a diminuição de vendas, a manutenção de garantias noutros autos de execução fiscal, que ascendem a um total de €4.056.467,44, o penhor constituído sobre os seus bens ou a precipitação da cobrança, por parte de diferentes instituições bancárias, dos financiamentos e responsabilidades que a C... detinha junto daquelas instituições), causas estas que, manifestamente, não são imputáveis à C..., porquanto decorrem das contingências do mercado e do actual contexto económico.

MM. Essas causas da insuficiência de bens tanto não são imputáveis à C... que o próprio IVV (ou a AT) não lograram fazer - como lhes competiria - qualquer prova positiva da concorrência da actuação da C... para a verificação daquela insuficiência de bens.

NN. Acolhendo o entendimento da melhor e uniformizada Jurisprudência (cf. o já referido acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 327/08 e disponível em www.dgsi.pt), deve considerar-se provada nos presentes autos a falta de culpa da C... na insuficiência de bens para prestar garantia, o que ora se requer a este Venerando Tribunal, com a consequente revogação da sentença proferida nos autos que assim não decidiu.

Sem prescindir,

OO. O Tribunal a quo julgou provados todo um conjunto de factos que demonstram e explicam – à saciedade - a causa da insuficiência de bens e falta de culpa da C... nessa insuficiência de bens para prestação de garantia (cf., em especial, alíneas M), N), P), R), T), U) e Y) dos factos provados, por exemplo), razão pela qual não poderia o Tribunal a quo concluir, a final, que não tenha ficado demonstrado que «a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Reclamante».

PP. Verifica-se, pois, uma ostensiva contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida, o que, nos termos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, e artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, fere de nulidade a sentença proferida, o que aqui expressamente – e sem prescindir - se vem arguir, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, com todas as consequências legais.

Finaliza com o seguinte pedido:”[t]ermos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.”.

****
A Recorrida, Instituto da Vinha e do Vinho apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:

A) A Recorrente insiste que foi ilegalmente preterido o direito de audição prévia ao indeferimento do pedido de dispensa de prestação previsto no artigo 60.º da LGT.
B) O acto de indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia, não obstante praticado por um órgão administrativo, consubstancia um verdadeiro acto processual ou judicial e não um acto meramente procedimental ou administrativo – Cfr. Acórdão do STA de 7 de Março de 2012, proferido no processo n.º0185/12 em que foi relator o Juiz Conselheiro Lino Ribeiro.
C) Tendo natureza judicial, aos actos praticados no âmbito dos processos de execução fiscal não são de aplicar as regras do procedimento tributário, designadamente a prevista no artigo 60º da LGT, cuja violação é alegada nos presentes Autos pela Recorrente.
D) Ainda que se defenda uma posição segundo a qual a decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como um verdadeiro acto administrativo em matéria a tese da Recorrente não pode proceder.
E) O princípio da participação dos interessados no procedimento administrativo, de que é manifestação o artigo 60° da LGT, comporta necessariamente excepções que se encontram previstas na Lei.
F) O processo de execução fiscal, se não processualmente urgente, deve pelo menos ser considerado como materialmente urgente na medida em que o artigo 177°, do CPPT estipula que este deve extinguir-se no prazo de um ano contado da sua instauração «salvo causas insuperáveis, devidamente justificadas» (cit.).
G) A urgência do processo de execução fiscal, está ainda patente nos curtos prazos definidos no artigo 170°, do CPPT e especificamente no nº 4 daquele preceito onde é imposto um prazo de 10 dias para que seja proferida decisão relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garanta.
H) O artigo 103.° nº 1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo 2°, alínea e) da LGT, prevê que, estando em causa a tomada de uma decisão urgente, a audição prévia do administrado seja afastada, pelo que a preterição da audição prévia no caso concreto, não consubstancia qualquer ilegalidade susceptível de conduzir à anulação da decisão recorrida - cfr. Acórdão deste venerando Tribunal de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.° 059/12, no qual foi relatora a Juiz Conselheira Dulce Neto.
I) «Ainda que não se aceite a aplicabilidade da referida norma do CPA, o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, no seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha já a função de audiência prévia, não havendo que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão dada a regra geral contida no n.º 3, do artigo 60.º da LGT, quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um acto final lesivo, seja ele ou não um acto de liquidação» - cfr. Acórdão de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.° 059/12, no qual foi relatora a Juiz Conselheira Dulce Neto (cit.).
J) No mesmo sentido do Acórdão citado, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Junho de 2012, proferido no processo n-° 625/12, 9 de Maio de 2012, proferido no processo n.° 446/12, de 23 de Maio de 2012, proferido no processo n.° 489/12 e de 26 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 708/12.
K) Perante os parcos factos colocados à consideração do órgão de execução fiscal
- que incluíram somente uma série de considerações genéricas sobre a situação financeira da Recorrente, sem qualquer suporte probatório associado, este limitou-se a aplicar o Direito em vigor...

L) Mesmo que pudesse considerar-se ter havido preterição indevida da audição do contribuinte - o que apenas por dever de patrocínio de concebe, e sem conceder - o acto de indeferimento do pedido de prestação de garantia sempre poderia ser aproveitado.
M) «Um acto tributário inválido por preterição de audição prévia pode ser aproveitado pelo juiz se houve a convicção de que, andado o acto, virá a ser praticado outro com conteúdo idêntico» - Cfr Acórdão do STA de 12 de Abril de 2012, proferido no processo n.° 0896/11, em que foi relator o Juiz Conselheiro Lino Ribeiro (cit.).
N) Como resulta provado nos Autos, a Recorrente é executada em inúmeros processos, todos pendentes no serviço de finanças de Tondela, tendo a Recorrente apresentado, massiva e recorrentemente pedidos de dispensa de prestação de garantia.
O) Em todos esses casos - mesmo naqueles em que o chefe de finanças entendeu ouvir a Recorrente de tomar a decisão final, note-se - os pedidos de dispensa foram instruídos com a mesma prova e indeferidos com base na não demonstração dos pressupostos de que depende essa mesma dispensa, tendo a validade material dos actos de indeferimento sido confirmada pelo TAF de Viseu em primeira instância e pelo TCA Norte em segunda instância.
P) A título de exemplo entre muitos outros possíveis - a Recorrente é executada em dezenas de processos com o mesmo objecto, apresentando pedidos , vejam-se os processos de reclamação judicial nºs 534/10.9BEVIS, 157/11.5BEVIS, 405/10.9BEVIS e 502/10.0BEVIS, no âmbito dos quais o TAF de Viseu e o TCA Norte, confirmaram a validade material dos actos de indeferimento dos pedidos de dispensa de prestação de garantia apresentados pela ora Recorrente junto do Serviço de Finanças de Tondela.
Q) Atendendo ao volume de processos de natureza semelhante e instruídos de igual forma pela Recorrente que conheceram desfecho idêntico junto do órgão de execução fiscal, do TAF de Viseu e do TCA Norte com toda a probabilidade, o chefe de finanças de Tondela, confrontado com a anulação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição de audição prévia à decisão subjacente aos presentes Autos, proferiria despacho com idêntico conteúdo após essa mesma audição.
R) À luz dos factos, o acto de indeferimento reclamado deve ser aproveitado ainda que venha a considerar-se ter havido preterição indevida do direito de audição prévia previsto no artigo 60.° da LGT.
S) O indeferimento notificado à Recorrente contém fundamentação clara, expressa e suficiente, que lhe permite apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo órgão de execução para chegar à decisão tomada.
T) A Recorrente não logra provar, como lhe cabia, que a insuficiência ou a manifesta falta de bens, entendida jurisprudencial e doutrinalmente em termos de dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores não é da sua da responsabilidade.
A este propósito, a Recorrente limita-se a afirmar - sem contudo demonstrar - que não dissipou os seus bens.
U) Todas as testemunhas arroladas pela Recorrente depuseram no sentido de que a Recorrente alienou, em 2005 e 2006 todo o património imobiliário de que dispunha a uma empresa do grupo de sociedades a que pertence.
V) A primeira testemunha arrolada pela Recorrente afirmou inclusivamente que a transferência do imobilizado foi subsequente à decisão de deixar de pagar as taxas de promoção ao IVV.
W) A prova produzida evidencia uma redução intencional do património da Recorrente, apta a reduzir as garantias dos credores.
X) Como é pacífico na jurisprudência, «a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de prova o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo atribuição àquele do ónus da prova respectivo, sendo sobre o executado que pretenda a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o respectivo direito, que recais o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido» - Cfr. Acórdão do STA de 9 de Dezembro de 2009, proferido no processo n. 03621/09 (cit.).
V) Decorre, sem margem para dúvidas, que a Recorrente não provou qualquer dos pressupostos de que depende o deferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantia, pelo que despacho reclamado não merece qualquer censura, devendo ser mantido.

Finaliza com o seguinte pedido. “[t]ermos em que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser mantida no que respeita ao indeferimento da pretensão da Recorrente em ver dispensada a prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal em que é executada, com as devidas consequências legais.
Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA! “
****
Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
****
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.
****
As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida (conclusões OO. E PP.);
_ Erro de julgamento quanto aos seguintes vícios: violação do direito de audição prévia (art. 60.º da LGT); falta de fundamentação do despacho reclamado; verificação dos pressupostos para a dispensa de prestação de garantia.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 08/06/2004, a reclamante deduziu impugnação judicial versando a liquidação da taxa de promoção devida ao I.V.V., I.P., relativa aos meses de fevereiro a agosto de 2003, que corre termos neste Tribunal sob o n.º 809/04.6BEVIS – cfr. fls. 78/79 do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) Em 14/06/2004, foi instaurado contra a reclamante, pelo Serviço de Finanças de Tondela, o processo de execução fiscal n.º 2704200401002597, com vista à cobrança coerciva de dívidas relativas à falta de pagamento da taxa de promoção dos meses de fevereiro a agosto de 2003, devida ao I.V.V., I.P. e juros de mora, no valor total de 174.047,09 € – cfr. fls. 1 a 5 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
C) Em 27/04/2012 a reclamante apresentou pedido de dispensa de garantia ao abrigo do disposto no artigo 170.º do CPPT, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 67/77 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Em anexo ao requerimento referido na alínea que antecede juntou quatro documentos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – cfr. docs. de fls. 78/159 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
E) Em 08/10/2013 o Serviço de Finanças de Tondela emitiu a informação constante de fls. 165/165 verso do processo de execução fiscal apenso aos autos, com o seguinte teor:
[…]




F) Na sequência da informação referida em E), em 08/10/2013, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Tondela, proferiu o despacho constante de fls. 166/167 do processo de execução fiscal apenso aos autos, com o seguinte teor:
(…)

G) A reclamante foi notificada do despacho a que se alude em F), na pessoa do seu mandatário judicial, em 11/10/2013, através do ofício n.º 1985, de 10/10/2013 – cfr. fls. 168/168 verso do processo de execução fiscal apenso aos autos.
H) Em 21/10/2013 a reclamante remeteu, por via postal registada, a presente reclamação para o Serviço de Finanças de Tondela – cfr. fls. 4/34 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Mais se provou que:
I) Por escritura pública de compra e venda, realizada em 11/08/2005, a reclamante declarou vender à U…, S.A., que por sua vez aceitou a venda, pelo preço total já recebido de 900.000,00 € o prédio misto, composto por casa térrea e parte de andar, onde se encontra instalada uma fábrica de saboaria, cortes de gado, terreno lavradio junto, com videiras, árvores de fruto, poço e mais pertenças, sito nos Carvalhos de Baixo, freguesia de Pedroso, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob os artigos 845 (urbano), 2503 e 3192 (rústico), com o valor patrimonial de 8.174,85 €. – cfr. doc. de fls. 77/80 dos autos.
J) Em 11/08/2005, a reclamante celebrou com a sociedade “U…, S.A.” um acordo escrito intitulado “acordo de compensação de créditos” do qual consta, para além do mais, o seguinte:
(…)

- cfr. doc. de fls. 223/227 dos autos.
K) Por escritura pública realizada em 28/12/2005 a Reclamante declarou vender à J…, S.A., que por sua vez aceitou a venda, pelo preço total já recebido de 1.915.000,00 € os seguintes imóveis:
prédio rústico correspondente ao artigo matricial …, sito na freguesia de Lageosa do Dão, Tondela, com o valor patrimonial para efeitos de IMT de 1.128,90 €, pelo valor de 360.000,00 €; prédio urbano, composto de três casas para armazém e atividade industrial e logradouro, correspondente aos artigos matriciais …, … e …, sito na freguesia de Olhaívo, Alenquer, com o valor patrimonial global para efeitos de IMT de 271.074,70 €, pelo valor de 1.499.000,00 €; prédio rústico correspondente ao artigo matricial … – secção M, sito na freguesia de Aldeia Gavinha, Alenquer, com o valor patrimonial para efeitos de IMT de 379,99 €, pelo valor de 56.000,00 €. – cfr. doc. de fls. 66/70 dos autos.
L) Por escritura pública de doação e compra e venda realizada em 14/03/2006, A… e M… declararam doar à Reclamante a parcela de terreno com 24,90 m2, do prédio rústico omisso mas atualmente inscrito na matriz urbana sob o artigo …, atribuindo-lhe o valor de 249,00 €; a Reclamante declarou vender à J…, S.A., que por sua vez aceitou a venda, pelo preço total já recebido de 860.000,00 €, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial de 144.000,00 €, após a anexação da parcela a ser constituído por edifício de cave, rés-do-chão, primeiro andar e logradouro destinado a escritórios e laboratórios, com a superfície coberta de 531 m2 e a descoberta a 1089,40 m2 – cfr. doc. de fls. 71/76 dos autos.
M) As alienações referidas em I), K) e L) supra ocorreram no âmbito de um processo de reestruturação do grupo de empresas em que a reclamante se insere – cfr. fls. 81/218 dos autos e depoimento da testemunha J….
N) Em meados de 2010, a reclamante e as empresas do seu grupo começaram a ser pressionadas pela Banca para garantirem os créditos da reclamante nas instituições financeiras, sob pena de execução dos avalistas – cfr. depoimento da testemunha J….
O) Em reunião da assembleia geral da C…, S.A., doravante C…, de 25/01/2011, foi deliberado por unanimidade aprovar a proposta de obtenção de financiamento junto do Banco Comercial Português, S.A. no valor de 9.650.000,00 € destinado a amortizar o valor do papel comercial e empréstimos lançados a descoberto na conta de depósitos à ordem da reclamante e afetação de um depósito à ordem no valor de USD 7.000.000,00 de que a C… é titular naquele Banco para garantia do montante de 4.800.000,00 € de que a reclamante é devedora àquele Banco, acrescido ao financiamento de 6.500.000,00 € que a C… obteve junto da CC-CCCAM para garantir as responsabilidades da reclamante junto daquela entidade, para o qual a C… “terá de recorrer à constituição de hipotecas por parte das suas participadas U…, S.A., O…, S.A. e A…, S.A. sobre imóveis propriedade destas” e, em contrapartida da qual, a Reclamante “obrigou-se e terá de obrigar-se perante a sociedade a reembolsá-la de tudo quanto esta desembolse em capital, juros, remuneratórios ou moratórios, comissões e despesas e, para garantia do cumprimento de tais obrigações, a constituir a seu favor e das suas mencionadas participadas, U…, S.A., O…, S.A. e A…, S.A., penhor mercantil sobre o seu património mobiliário, nomeadamente equipamentos e existências de vinhos”. – cfr. doc. de fls. 63/65 dos autos.
P) Em 15/02/2011 a reclamante constituiu a favor de C…, O…, S.A., U…, S.A. e A. R. C… –, S.A., penhor mercantil sobre os bens m.i. a fls. 41 /59 dos autos, a saber, stocks de vinho e equipamentos, com os valores totais, respetivamente, de 23.256.049,36 € e 931.725,10 €, estabelecendo-se, entre o mais, que,

(…)

- cfr. fls. 35/59 dos autos.
Q) Em 19/01/2011 a reclamante tinha pendentes vários processos de execução fiscal, nos quais é cobrado coercivamente o valor total de 35.073.038,61 €, correspondente a 29.517.726,21 € a quantia exequenda, 5.251.654,61 € a juros de mora e 303.657,038 € de custas – cfr. fls. 81/97 do processo de execução fiscal apenso.
R) No âmbito desses processos de execução fiscal a reclamante prestou as seguintes garantias: garantia bancária no valor de 93.574,82 € [execução fiscal n.º 2704200701014617]; garantia bancária no valor de 3.131.919,55 € [execução fiscal n.º 2704200701014625]; outras garantias no valor de 152.878,29 € [execução fiscal n.º 2704200401002570], 670.000,00 € [execução fiscal n.º 2704200501017586] e 2.094,78 € [execução fiscal n.º 2704200801001949] – cfr. fls. 97/99 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
S) Do balanço constante da Declaração de Informação Empresarial Simplificada relativa ao exercício de 2010, consta o seguinte:

- cfr. fls. 102/159 do processo de execução fiscal apenso aos autos, cujo teor se dá
aqui por integralmente reproduzido.
T) A rubrica de ativos fixos intangíveis do balanço da reclamante no ano de 2010, no valor de 737.792,25 €, abrange equipamento básico e benfeitorias feitas nos armazéns – cfr. fls. 104 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
U) Em datas que não foi possível apurar, a C... reclamou créditos de clientes, nos respetivos processos de insolvência, que ascendem a mais de cinco milhões de euros – cfr. docs. fls. 228/239 dos autos.
V) Através de ofício datado de 04/01/2013, o Banco Millenium BCP comunicou à aqui reclamante que o pedido de garantia bancária no montante de 116.474,27 €, não colheu aprovação – cfr. doc. de fls. 240 dos autos.
W) Através de ofício datado de 16/01/2013, a Caixa de Crédito Agrícola comunicou à aqui reclamante que o pedido de garantia bancária no montante de 116.474,24 €, a favor da Fazenda Pública não foi aprovado – cfr. doc. de fls. 241 dos autos.
X) Atualmente, e pelo menos desde fins de 2010, por força da conjuntura económica, o acesso ao crédito bancário revela-se mais difícil e mais caro, com menor abertura das instituições financeiras à concessão de novos créditos e a estipulação de maiores encargos e exigências contratuais – facto notório.
Y) Desde a reestruturação do grupo, ocorrida em 2005 e 2006, não se tem verificado qualquer venda de património da C... – cfr. depoimentos das testemunhas F… e N….
Z) A reclamante necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua atividade e giro comercial, designadamente para prestar garantias para as compras de mercadorias aos seus fornecedores espanhóis - cfr. depoimentos das testemunhas F… e N….
AA) No ano de 2011, a reclamante teve um volume de negócios na ordem dos 23.000.000,00 €, em 2012 de 30.900.000,00 € e em 2013 de 25.000.000,00 € - cfr. depoimentos das testemunhas F… e N….
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos para além dos supra descritos, designadamente:
1. A reclamante detém créditos sobre clientes que se revelam incobráveis;
2. Os montantes que a reclamante logra cobrar aos seus clientes são indispensáveis para obter fundo de maneio para a sua atividade corrente.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada assentou nos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise dos documentos juntos aos autos, bem como do depoimento das testemunhas ouvidas.
A prova do facto vertido na alínea M) resulta da conjugação do doc. de fls. 81/218 dos autos, com o depoimento da testemunha J…. O documento junto a fls. 81/218 dos autos constitui um estudo elaborado pela Ernst & Young, datado de julho de 2002, no qual é analisado o grupo empresarial em que a Reclamante se insere, as tendências de organização empresarial dos mercados em que a Reclamante e as demais empresas do seu grupo atuam e se apontam soluções de reestruturação do grupo com base em critérios económicos e financeiros e fiscais. Entre estas soluções encontra-se a fusão de sociedades do grupo dedicadas ao ramo imobiliário, com a agregação nas empresas imobiliárias dos terrenos e imóveis do Grupo disponíveis para venda e da gestão dos arrendamentos dos imóveis próprios e prestações de serviços conexas.
Também o depoimento da testemunha J… contribuiu para formar a convicção do Tribunal nesta matéria, tendo dado conta das circunstâncias concretas que motivaram a necessidade de uma novo sistema organizacional do Grupo, designadamente em face das dificuldades sentidas aquando do falecimento do sócio A….
Depôs de forma assertiva, revelando um elevado grau de conhecimento sobre as questões que lhe foram colocadas, sem hesitações que fizessem o Tribunal duvidar da consistência das suas declarações. Frisou que uma das indicações desse estudo foi a concentração nas empresas do ramo imobiliário do património imobiliário do grupo, resultando daí a transmissão, entre o mais, das instalações em que a reclamante laborava e do seu património imobiliário.
A prova do facto constante da alínea N) resultou da conjugação dos documentos de fls. 35/65 dos autos, com o depoimento da testemunha J…. Pelas razões já supra expostas o depoimento da referida testemunha mereceu a convicção do Tribunal, revelando razão de ciência e um discurso incisivo, contextualizado e sem hesitações. Revelou que, na sequência da crise financeira que se vive, os Bancos iniciaram diligências com vista a garantir ao máximo os seus créditos, pressionando a reclamante, os seus acionistas e ainda Sr. A… na qualidade de avalistas para maximizarem as garantias prestadas. Também dos documentos citados se verifica que foram lançados a descoberto na conta da reclamante alguns empréstimos dos Bancos, que conduziram a que o acionista maioritário se viesse a responsabilizar por algumas dívidas da reclamante.
A prova dos factos vertidos nas alíneas Y), Z) e AA) resultou, essencialmente, do depoimento da testemunha F… a qual, enquanto Técnica Oficial de Contabilidade da reclamante, desde fevereiro de 2003, demonstrou razão de ciência quanto a esta matéria.
Com efeito, as funções exercidas por esta testemunha permitem-lhe ter conhecimento, designadamente em termos comparativos, das condições contratuais obtidas pela reclamante atualmente e em momentos anteriores à crise financeira que hoje se vive. E, bem assim, das necessidades de financiamento e das garantias prestadas pela reclamante na sua atividade diária exigidas pelos seus fornecedores. Revelou conhecimento das razões da diminuição do valor do ativo da reclamante, bem como da evolução do volume de negócios da reclamante nos últimos anos, designadamente, em 2011, 2012 e 2013, tendo sido o seu depoimento confirmado pela testemunha N….
A coerência e assertividade dos depoimentos levou o Tribunal a formar a sua convicção assente nos mesmos.
Relativamente aos factos não provados, pese embora sejam notórias as dificuldades atualmente sentidas por todas as empresas, para se dar este facto como provado era necessário que a reclamante demonstrasse, designadamente por via documental, quais os principais devedores, montantes em dívida e respetiva data de mora, e bem assim, que diligências levou a cabo para cobrar os créditos e que viu frustradas. Apenas ficou demonstrada a tentativa de cobrança de créditos na ordem dos 5.000.000,00 €.
Importava, ainda, que se estabelecesse, designadamente mediante confrontação entre os montantes que recebe dos clientes e os custos que suporta na sua atividade e no seu dia a dia, a escassez de liquidez disponível para fazer face às necessidades de laboração. Não foi possível ao Tribunal concluir pela prova da factualidade alegada pela Reclamante em resultado da insuficiência dos documentos contabilísticos disponíveis e, bem assim, do depoimento das testemunhas ouvidas, especialmente da testemunha J….”.

2. Do Direito

Invoca a Recorrente a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida (conclusões OO. E PP.).

Com efeito, entende o Recorrente que “[o] Tribunal a quo julgou provados todo um conjunto de factos que demonstram e explicam – à saciedade - a causa da insuficiência de bens e falta de culpa da C... nessa insuficiência de bens para prestação de garantia (cf., em especial, alíneas M), N), P), R), T), U) e Y) dos factos provados, por exemplo), razão pela qual não poderia o Tribunal a quo concluir, a final, que não tenha ficado demonstrado que «a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Reclamante»”.

Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 125.º do CPPT, a oposição dos fundamentos com a decisão, constitui causa de nulidade da sentença.

Porém, esta nulidade apenas se verifica quando os fundamentos na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada.

Sucede que, in casu, não estamos perante qualquer contradição entre os fundamentos da sentença com a decisão, pois o invocado não se situa no plano da contradição, mas antes no plano da suficiência da matéria de facto dada como provada para o preenchimento de um pressuposto legal.

Ou seja, quando muito, estaremos perante erro na subsunção que o juiz a quo faz dos factos à norma jurídica, e deste modo, no âmbito do erro de julgamento, mas não de nulidade da sentença.

Face ao exposto, não se verifica a nulidade invocada.


II. Erro de julgamento (de direito) por violação do direito de audição prévia (conclusões B) a T).

A questão ora colocada pelo Recorrente já foi apreciada em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes Conselheiros em exercício na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, realizado ao abrigo na norma contida no art.148.º do CPTA, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência nº 5/2012, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 244, de 22/10/2012, nele se decidindo que «(…) independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) - acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (artigo 60º da LGT) […]»

Assim sendo, in casu, e independentemente da sentença recorrida ter sufragado o entendimento de que o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como um acto de natureza administrativa, sempre será de concluir, nos casos de pedido de isenção de garantia, que não lugar a exercício do direito de audiência previsto no art. 60.º da LGT.

Por outro lado, este entendimento já vinha sendo uniformemente seguido pelo STA, pois que a orientação assumida é unânime no sentido da inaplicabilidade do art. 60.º da LGT, divergindo apenas quanto à fundamentação, razão por que o Pleno do STA tem vindo a recusar o conhecimento dos recursos por oposição de acórdãos que tenham decidido nesse sentido, com o fundamento de que constitui jurisprudência consolidada o entendimento de que não se verifica, relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garantia, a obrigatoriedade legal de cumprir o disposto no art. 60.º da LGT (cfr. os acórdãos do Pleno de 12.12.2012, proc. nº 944/12, de 23.01.2013, proc. n.º 945/12, de 20.02.2013, proc. n.º 974/12).

Ora, concordando e aderindo à jurisprudência uniformizada supra citada, há que conclui, sem mais delongas, que in casu, não se verifica a violação do direito de audição prévia, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Face ao exposto, quanto a este fundamento, o recurso não merece provimento.

III. Invoca ainda a Recorrente erro de julgamento (de direito) por falta de fundamentação do despacho reclamado, pois o conteúdo da decisão é genérico e vaga, não fazendo uma apreciação crítica do caso concreto (conclusões U) a Y).

Relativamente a este vício a sentença recorrida, após analisar as normas jurídicas e jurisprudência aplicáveis em sede de fundamentação do acto, entendeu, que o vício invocado não se verificava, em suma, porque “(…) examinado o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela de 08/10/2013, constante da alínea F) do probatório, verifica-se que, após indicar os fundamentos invocados na petição e as provas apresentadas pela reclamante, o órgão de execução fiscal fez o enquadramento jurídico da questão suscitada, chamando à colação o disposto no n.º 4 do artigo 52.º e elencou cada um dos pressupostos necessários à obtenção da dispensa de prestação de garantia, aí se consignando que “os documentos apresentados, traduzindo a situação contabilística e financeira da executada, fazem prova da ausência/insuficiência do património da mesma, mas demonstram igualmente que tal insuficiência resulta da gestão da empresa e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração.”
Conclui, então, o Serviço de Finanças que “dos documentos apresentados juntamente com o requerimento de dispensa, não resulta a verificação do pressuposto da irresponsabilidade da atuação empresarial ou da respetiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens, pressuposto esse que tem necessariamente que ser demonstrado […].”
Ora, independentemente do acerto ou desacerto quanto à decisão tomada pelo órgão de execução fiscal, é perfeitamente clara quer a interpretação feita pelo Serviço de Finanças do requisito da ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens de que depende a isenção da prestação de garantia, quer a sua posição quanto ao respetivo ónus da prova, bem como a consequência que, no caso concreto e em face da prova produzida, retira destas premissas: a falta de demonstração, pela reclamante, do referido pressuposto.
Assim, resulta, a nosso ver, suficientemente explicado e compreensível o despacho do Chefe de Finanças ora reclamado, os fundamentos, de facto e direito pelos quais o pedido de dispensa de prestação da garantia formulado pela reclamante foi indeferido, não sendo de acolher a posição da reclamante de que não ficou apta a reconstituir o itinerário cognoscitivo e valorativo do autor do ato. (…)”

No que diz respeito à fundamentação de direito do despacho, não discordamos da sentença recorrida, no sentido de que é claro e suficiente para que se compreenda quais os normativos jurídicos em que se baseou a decisão.

Porém, no que diz respeito à fundamentação de facto, não podemos concordar com o decido em primeira instância, nem com as conclusões das contra-alegações da Recorrida que vão no mesmo sentido (cfr. conclusão S)), pois o acto não está minimamente fundamentado de facto.

Com efeito, o órgão de execução fiscal limita-se a dizer que “[o]s documentos apresentados, (…) demonstram igualmente que tal insuficiência resulta da gestão da empresa, e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração.”.

Mas de que forma demonstram? O que contêm os documentos que leva a esta afirmação? Que factos de entre os inúmeros que resultam de toda a prova documental apresentada pela Recorrente foram os que relevaram para a formação da convicção do órgão de execução fiscal de estávamos perante uma insuficiência de bens imputável à gestão da empresa?

Ora, ao afirmar-se que a insuficiência resulta da gestão da empresa sem uma única sustentação fáctica (não se concretiza um único facto constante da referida documentação), sem referência a um único documento em concreto (alude-se genericamente aos documentos apresentados), tal afirmação consubstancia um juízo conclusivo, que não permite a um destinatário normal compreender o motivo pelo qual se decidiu nesse sentido, impedindo ao tribunal, deste modo, o controlo da legalidade do acto, não respeitando, portanto, as exigências mínimas para que se possa ter por cumprido o disposto no n.º 4 do art. 268.º da CRP.

Com efeito, há que não olvidar que conforme se sumariou no acórdão do STA de 15/10/2014, proc. 0918/14 “[a] apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação, não sendo possível, com base em prova – produzida em Tribunal - a que a Administração Tributária não teve acesso, considerar que aquela decisão padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto. (…)”.

In casu, o dissídio está quanto ao requisito, cumulativo, previsto no n.º 4 do art. 52.º da LGT para que seja deferido o pedido de dispensa de garantia: a irresponsabilidade do executado na insuficiência ou inexistência de bens.

Ora, como pode o tribunal controlar a legalidade do acto reclamado face à prova que foi oferecida pelo Recorrente no momento da apresentação do requerimento de dispensa de prestação de garantia, se nem sequer se consegue descortinar as razões pelas quais o órgão de execução fiscal concluiu que a insuficiência de bens resulta da gestão da Recorrente? Ao tribunal, na apreciação da legalidade do acto reclamado, como facilmente se compreenderá, está vedada todo o tipo de especulações, devendo limitar-se a apreciar de forma objectiva os factos e subsumi-los ao direito aplicável. Da decisão reclamada não consta um único facto concreto que suporte o juízo conclusivo que foi feito.

Ou seja, in casu, desconhece-se os factos subjacentes ao juízo do órgão de execução fiscal quanto ao não preenchimento do pressuposto da irresponsabilidade do executado na insuficiência ou inexistência de bens, sendo certo que da prova documental efectuada pelo Recorrente, em que assentou tal juízo, resultam inúmeros factos, mas nenhum consta da decisão, e por conseguinte, não se pode ter por suficientemente fundamentado o acto reclamado.

Em suma, a fundamentação constante do acto reclamado não permite conhecer das razões de facto que subjazem ao indeferimento do pedido de dispensa de garantia, não satisfazendo o estatuído nos artigos 77.º, n.º 1 da LGT e art. 268.º, n.º 3 na CRP, e deste modo, o recurso merece provimento, devendo a sentença recorrida ser revogada, e o despacho reclamado ser anulado para que se profira nova decisão devidamente fundamentada. Fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso, nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.

3. Sumário do acórdão

I. Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 125.º do CPPT, a oposição dos fundamentos com a decisão, constitui causa de nulidade da sentença;
II. Porém, esta nulidade apenas se verifica quando os fundamentos na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada;
III. «(…) [I]ndependentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) - acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (artigo 60º da LGT) […]» - acórdão uniformizador de jurisprudência nº 5/2012, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 244, de 22/10/2012;
IV. A apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação, não sendo possível, com base em prova – produzida em Tribunal - a que a Administração Tributária não teve acesso, considerar que aquela decisão padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto;
V. O órgão de execução fiscal ao afirmar que a insuficiência de bens da executada resulta da gestão da empresa, sem se concretizar um único facto constante da documentação apresentada como prova para sustentar a afirmação, e sem se fazer a referência a um único documento em concreto, estamos perante um juízo conclusivo, que não permite a um destinatário normal compreender o motivo pelo qual se decidiu num determinado sentido, impedindo ao tribunal, deste modo, o controlo da legalidade do acto, não respeitando, portanto, as exigências mínimas de fundamentação para que se possa ter por cumprido o disposto no n.º 4 do art. 268.º da CRP.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, e em consequência, anula-se o acto reclamado para que seja proferida nova decisão devidamente fundamentada.

****
Custas pela Recorrida por ter apresentado contra-alegações.
D.n.
Porto, 12 de Dezembro de 2014.
Ass. Cristina Flora
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos