Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00541/13.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL
SEGURO FACULTATIVO; LEGITIMIDADE PASSIVA
Sumário:I-No âmbito de um contrato de seguro facultativo, o lesado só tem o direito de demandar directamente (= sem passar pelo segurado) a seguradora se no contrato estiver previsto esse direito (artº 140º/2 da LCS) ou se o segurado o tiver informado da existência do contrato e na sequência a seguradora tiver entrado em negociações directas com o lesado (artº 140º/3 da LCS).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:NSM
Recorrido 1:G... Companhia de Seguros, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
NSM, residente na Rua…, instaurou acção administrativa comum, com processo sumário, contra G... Companhia de Seguros, S.A., sita na Rua …, pedindo a sua condenação no pagamento das seguintes somas:
-€ 4.991,42 a título de danos patrimoniais;
-€ 500,00 a título de danos morais.
Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada improcedente a acção e absolvida do pedido a Ré.
Desta vem interposto recurso.
A Autora recorre ainda do despacho de fls. 168/170 que indeferiu o pedido de intervenção principal do Município de Águeda por ser extemporâneo.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1- Entende a ré pela admissibilidade do referido pedido de intervenção principal do Município de Águeda, isto porque,
2 - A R. na sua contestação defende-se por exceção, juntando, a pedido da A. a apólice referente ao seguro em questão, pelo que,
3 - Sendo o último articulado admissível, apenas em sede de audiência que a autora podia responder às questões deduzidas na contestação.
4 – E, por assim entender, foi em sede de audiência prévia e face à matéria deduzida na contestação de 9º a 17º que a A. requereu a intervenção provocada do réu Município de Águeda, que não demandou inicialmente contra quem pretendia dirigir o pedido.
5 – Que no entender da Autora deveria ter sido admitido pelo tribunal a quo, ficando prejudicado o conhecimento da exceção arguida oficiosamente pelo tribunal em sede de audiência prévia.
6 - Ao não admitir o pedido de intervenção principal do Município de Águeda deduzido pela autora em sede de audiência prévia o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 591º e 201º nº1 do C.P.Civil

Da sentença proferida:

7 - Entende a autora que a exceção peremptória que se afigura ao tribunal a quo existir “inexistência do direito da autora accionar directamente a R.”, não foi deduzida na contestação pela R., pelo que,
8 - Não tendo sido alegada pela parte que dela aproveita, a R., o tribunal a quo não podia conhecer da mesma oficiosamente.
9 – Isto porque, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 579º do C.P.Civil, o tribunal conhece oficiosamente das exceções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado.
10 – E, a R. aceitou ser demandada diretamente pela A., ao não se defender por exceção relativamente a tal matéria, sendo que do diploma enunciado na sentença não resulta o contrário.
11 - Antes, até prevê que a R. acorde nesse sentido – vide entre outros Acordão do Tribunal da Relação do Porto, de 14.03.2013, processo 977/09 e Acordão da Relação do Porto de 14.11.2013, processo 1394/13 ambos consultados em Jusnet.
12 - Ao decidir, oficiosamente, julgar procedente a exceção peremptória da inexistência do direito da autora accionar directamente a ré, absolvendo-a do pedido a sentença recorrida viola o disposto no artigo 579º do C.P.Civil.

Nestes termos deve o despacho recorrido ser revogado por outro que admita a intervenção principal do Município de Águeda para os termos da acção, sendo a sentença recorrida revogada em conformidade, com todas as legais consequências
É o que se pede e se espera desse Tribunal, assim se fazendo
JUSTIÇA!

A Ré ofereceu contra-alegações, sem conclusões, pugnando pela improcedência dos recursos.
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
A) A Ré outorgou com o Município de Águeda um contrato de seguro de responsabilidade civil, com inicio a 01.01.2011 e termo a 01.01 de cada ano, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e do qual se extrai o seguinte:
“(…)Artigo 2.º - Objecto do Contrato
O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas respectivas Condições Especiais e Particulares.
Artigo 3.º - Garantias do Contrato
A Seguradora garante o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, pelos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais acidentalmente causados a terceiros, de harmonia com o estipulado nas Condições Especiais e Particulares, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes. (…)” (cfr. fls. 1 e ss, do processo administrativo);
B) Em 19.12.2011, a Autora conduzia o veículo automóvel de passageiros de matrícula **-**-UV, na Rua …, quando se despistou (acordo);
C) Com data de 11.04.2012, a Ré remeteu ao Município de Águeda, um ofício de onde se extrai o seguinte:
“Reportamo-nos à participação de sinistro que V. Exas nos remeteram, através da qual tomámos conhecimento dos danos reclamados pela Sra. D. NSM.
Nesse sentido, após cuidada análise dos elementos em presença, cumpre informar que os prejuízos reclamados não são susceptíveis de merecer enquadramento nas garantias concedidas em apreço.
De facto, analisados todos os elementos em presença, cumpre informar que os prejuízos reclamados não são susceptíveis de merecer enquadramento nas garantias concedidas pela Apólice em apreço.
De facto, analisados todos os elementos carreados para o nosso processo, concluímos que não existe qualquer responsabilidade por parte de V. Exas., relativamente aos factos relatados, em virtude de não se ter observado qualquer omissão de dever de cuidado a que estivessem obrigados nas circunstâncias em concreto, dado que o local do acidente se encontra devidamente sinalizado com indicação da presença de trabalhos na estrada.
Com efeito, cabia à reclamante ajustar a sua condução e velocidade da viatura que conduzia, às condições da via em que circulava.
Face ao acima exposto, iremos proceder ao encerramento do processo em apreço (…).” (cfr. junto a fls. 105 do processo físico);
D) Por ofício datado de 10.05.2012, o documento transcrito na alínea anterior foi enviado, pelo Município de Águeda, à Autora (cfr. junto a fls. 104 do processo físico).
X
DE DIREITO
Estão postos em causa o despacho e a sentença do TAF de Aveiro acima apontados.
Na óptica da Recorrente, que não questiona a factualidade apurada, ao não admitir o pedido de intervenção principal do Município de Águeda, deduzido em sede de audiência prévia, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 591º e 201º/1 do CPC; já a sentença, ao julgar procedente a excepção peremptória da inexistência do direito da Autora accionar directamente a Ré, absolvendo-a do pedido, violou o estatuído no artigo 579º do CPC.
Cremos que não lhe assiste razão.
Antes, porém, atente-se no discurso jurídico fundamentador das peças processuais sob censura:

Do Despacho-

Em sede de audiência prévia (cfr. acta de fls. 151 e ss.), a Autora veio requerer a intervenção provocada do Município de Águeda, ao abrigo do disposto no artigo 316.º, do Código de Processo Civil, alegando, para tanto, que na contestação a Ré coloca em dúvida qual o sujeito da relação material controvertida, entendendo que o seguro celebrado com o Município não cobre a situação trazida a juízo.

A Ré, notificada para se pronunciar quanto ao pedido formulado veio alegar, ainda em sede de audiência prévia, que nos termos do artigo 260.º, do Código de Processo Civil a instância deve manter-se a mesma no que diz respeito às partes e ao pedido; que a título excepcional é possível a intervenção de terceiros; que a Autora na sua petição inicial alega reiteradamente omissões de dever e de cuidado que imputa à Ré, quando em rigor as queria imputar ao Município, sendo que não demandou este para a acção.

Vejamos, então.

O artigo 316.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, dispõe o seguinte:

“1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.”

Por sua vez, o artigo 318.º, n.º 1, reportando-se ao momento para requerer esta intervenção, dispõe o seguinte:

“1 - O chamamento para intervenção só pode ser requerido:

a) No caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.º;

b) Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 316.º, até ao termo da fase dos articulados;

c) Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 316.º e no artigo anterior, na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito.”

Antes de nos debruçarmos sobre os fundamentos do pedido de intervenção formulado cabe antes de mais avaliar da sua tempestividade.

Ora, é inequívoco que decorre das aludidas normas que o momento para a Autora ter requerido a intervenção do Município era até ao termo da fase dos articulados, sendo certo que a possibilidade de responder em sede de audiência prévia às excepções invocadas pela Ré, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, não se confunde com a possibilidade que lhe é conferida de, ao abrigo deste artigo 316.º, vir requerer a intervenção provocada do Município, o que, no entanto, cuja possibilidade, porém, tinha como limite temporal máximo o termo da fase dos articulados que não ocorre, de todo, em plena audiência prévia.

Na verdade, os articulados previstos no Código de Processo Civil reconduzem-se à petição inicial e à contestação, sendo que em situações excepcionais é agora permitida a apresentação de réplica (cfr. artigos 558.º a 589.º, do Código de Processo Civil).

Assim, a fase do fim dos articulados, nos presentes autos, é a que coincide com a apresentação da contestação, pelo que, perante a posição assumida pela Ré na sua contestação, à Autora sempre lhe teria sido possível apresentar um novo articulado nos 10 dias posteriores à notificação daquela contestação, atento o disposto no artigo 149.º, n.º 1, conjugado com o disposto nos artigos 316.º e 318.º, todos do Código de Processo Civil, apresentando nesse prazo um articulado superveniente onde deveria ter requerido a intervenção do Município, após o que seria proferido despacho a decidir sobre a sua admissibilidade e se seguiria a tramitação processual seguinte (cfr. artigo 590.º, do Código de Processo Civil).

Acresce ainda que a Autora usou da faculdade que lhe é concedida pelo artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e apresentou resposta à matéria das excepções invocadas pela Ré, sem que aí tenha apresentado tempestivamente, como deveria ter sucedido, o seu pedido de intervenção principal do Município, apenas o fazendo já em sede de audiência prévia e após ter sido proferido despacho a declarar legítimas as partes.

E se é verdade que, nos termos do artigo 261.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, até ao termo do trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir nos termos dos indicados artigos 316.º e ss, também é verdade que tal situação não ocorreu nos presentes autos onde a Ré, pelo contrário, foi declarada parte legítima (no sentido que pugnou, aliás, a Autora na resposta que apresentou à contestação).

Por tudo o exposto, indefiro o pedido intervenção principal do Município de Águeda, por ter sido apresentado extemporaneamente, atento o disposto no artigo 318.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Da Sentença-
….
Pretende o Autora, através da presente acção, que a Ré seja condenada a pagar-lhe os prejuízos decorrentes de acidente de viação cujos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual alega verificarem-se em relação ao segurado da Ré, o Município de Águeda.
Vejamos, então.
Resulta da factualidade assente que a Ré e o Município de Águeda outorgaram contrato de seguro de responsabilidade civil tendo por objecto a sua actividade; que a Autora no dia 19.12.2011, quando conduzia o veículo automóvel de passageiros de matrícula **-**-UV, na Rua …, se despistou; e, que a Ré averiguou o sinistro e informou o Município de Águeda da inexistência de qualquer responsabilidade no sinistro reclamado pela Autora e do encerramento do processo.
Assim, tendo a Autora demandado directamente e isoladamente a Ré, peticionando a sua condenação por danos que lhe teriam sido causados em consequência da actuação do segurado daquela (o Município de Águeda), cabe antes de mais decidir se, efectivamente, nos termos do regime legal aplicável ao contrato de seguro em causa (seguro facultativo), a Autora podia demandar directa e isoladamente a Ré.
Conforme se adiantou já quando foi suscitada a excepção peremptória da inexistência do direito da Autora demandar directa e isoladamente a Ré, a Autora veio demandar a Ré com fundamento na existência de um contrato de seguro facultativo celebrado entre esta e o seu segurado (Município de Águeda), sendo certo que daquele contrato não decorre o direito da Autora, enquanto lesada, poder demandar directamente esta seguradora, nem tão pouco a Autora alegou que tenha iniciado quaisquer negociações directas com a Ré, para ser ressarcido do pagamento da indemnização que vem peticionar nos autos.
Ora, a possibilidade da acção directa do lesado relativamente à seguradora vinha sendo admitida entre nós pela jurisprudência, por se entender que o contrato de responsabilidade civil, mesmo que facultativo, era um contrato a favor de terceiro.
Sucede que o novo regime do contrato de seguro constante do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, mais concretamente, no seu artigo 140.º, n.ºs 1, 2 e 3, veio admitir expressamente a acção directa do lesado em relação à seguradora mas apenas em dois casos: quando o contrato de seguro assim o preveja ou quando o segurado tenha informado o lesado da existência do seguro com o consequente início de negociações directas entre este e o segurador.
Assim, e remetendo para as considerações tecidas quanto a esta matéria no acórdão proferido em 14.11.2013, pelo Tribunal na Relação do Porto, no processo n.º 1394/13.3TBMAI-A.P1, conclui-se necessariamente, atenta a factualidade assente, pela procedência da aludida excepção.
Assim, lê-se naquele acórdão o seguinte: “As normas que importam são as que resultam dos nºs. 2 e 3 do art. 140. Nº. 2 do art. 140 da LCS.
No nº 2 diz-se que “[o] contrato de seguro pode prever o direito de o lesado demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado.”
Ou seja, têm que ser as concretas normas daquele contrato de seguro a prever tal direito. Ele não pode resultar de qualquer consideração abstracta da natureza do contrato de seguro, entre elas a de que o contrato de seguro é um contrato a favor de terceiro, porque, se assim fosse, ter-se-ia que entender que todos os contratos de seguro previam o direito de o lesado demandar directamente o segurador e a norma não faria sentido.
Para além de que daquela norma decorre hoje que o contrato de seguro não pode ser considerado em abstracto um contrato a favor de terceiro. Sê-lo-á quando ele previr a constituição de um qualquer direito a favor de um terceiro, entre eles o de accionar directamente (sem passar pelo tomador de seguro) a seguradora.
Como diz Margarida Lima Rego: “as partes num contrato de seguro de responsabilidade civil podem atribuir ao terceiro lesado uma pretensão contra o segurador, um direito de exigir-lhe o pagamento de uma indemnização pelos danos imputável ao segurado que se encontrem cobertos pelo seguro [cfr. o art. 140/2 LCS]. Tratar-se-á pois, de um contrato a favor de terceiro. Esta pretensão, fundada no contrato, só existe quando as partes assim estipularem. [Em rigor, nos casos em que as partes assim o estipularem e nos casos em que, não o tendo feito, pelo menos inicialmente, o seu comportamento para com o terceiro lesado desencadeie a aplicação da presunção inilidível de que o fizeram na sequência da verificação do sinistro. Neste sentido, o art. 140/3 LCS] O mesmo é dizer que, se todos os seguros de responsabilidade civil podem ser gizados como contratos a favor de terceiro, no sentido, desta feita, de que em todos podem as partes estipular a atribuição, ao terceiro lesado, de um direito de exigir ao segurador o cumprimento da sua obrigação de prestar, também poderá não o ser, pelo que essa qualificação terá de resultar da interpretação que se faça de cada contrato [Coloca bem o problema Vaz Serra, Fundamentos, p. 228: ‘O contrato de seguro pode ser feito de maneira a vincular-se o segurador apenas para com o segurado, caso em que o credor da indemnização pelo acidente só pode exigi-la do responsável, o qual, por sua vez, pode reclamar do segurador a reparação; e pode ser celebrado de modo a constituir-se o segurador em obrigação para com a vítima do acidente, havendo então um contrato a favor de terceiro (o lesado).’ […]] Dizer que essa qualificação terá de ser o resultado da interpretação equivale a dizer que não pode ser o resultado de um raciocínio abstracto, de feição globalizante. Nem para afirmar que o seguro de responsabilidade civil é um contrato a favor de terceiro. […] Nem para afirmar que não poderá sê-lo em caso algum.” (Contrato de seguro e terceiros. Estudo de direito civil, Dissertação para doutoramento na FDUNL, Agosto de 2008, págs. 530/531 da edição electrónica, consultada no repositório desta universidade).
Ora, do contrato de seguro em causa – que se encontra junto aos autos (e se leu com a atenção possível) - não resulta a previsão daquele direito (que por isso não é invocada nem pelo autor nem pela sentença recorrida).
Pelo que esta hipótese está afastada.

*
No nº. 3 do art. 140 da LCS dispõe-se que “[o] direito de o lesado demandar directamente o segurador verifica-se ainda quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador.”
Ora, o autor nem sequer alegou os factos necessários à verificação do segundo requisito (consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador) constitutivo deste direito, sendo que todos os documentos por ele juntos indiciam precisamente o contrário, isto é, que entre o autor e a seguradora nunca houve qualquer negociação directa, nem mesmo considerando ainda (ainda, porque é facto que nem sequer foi alegado por ele) que a seguradora lhe respondeu, num e-mail de 27/04/2010, que “[r]eportando-nos ao seu e-mail infra […] permitimo-nos esclarecer que, e conforme mencionado por V. Exas, estamos perante uma ocorrência tipificada como furto e não como responsabilidade civil, ou seja, o nosso segurador não é responsável pelo sinistro ocorrido, consequentemente os danos não são transferíveis para a garantia de responsabilidade civil da presente apólice […] Deste modo, lamentamos não poder ir ao encontro da vossa pretensão, aconselhando-o a accionar a apólice de danos próprios do veículo reclamado.” Se bastasse este tipo de resposta para configurar uma negociação directa, haveria negociações directas sempre que a seguradora respondesse, mesmo para dizer que não aceitava a responsabilidade.
Como diz José Vasques (LCS anotada, em co-autoria com outros, Almedina, 2011, pág. 483, “[…] além da referida informação é necessário que se tenham iniciado negociações directas entre o lesado e o segurador, o que, em nenhum caso, poderá equivaler à mera apresentação de reclamação do lesado perante o segurador com a consequente resposta deste.”
Assim, conclui-se que, mesmo que as coisas se tenham passado ou sejam como o autor conta, ele não tem o direito de demandar directamente a seguradora, direito esse que era o que está a exercer aqui, pelo que a excepção tem que ser considerada procedente (se não tem o direito não o pode exercer…), implicando a absolvição da ré.
O que ele tinha de fazer era de demandar directamente o segurado e este, entendendo que tinha a situação coberta pelo seguro, poderia provocar desde logo a intervenção da ré na acção.”
Acresce ainda dizer que a excepção suscitada, ao contrário do que defende a Autora, é de conhecimento oficioso, uma vez que nos termos do disposto no artigo 579.º, do Código de Processo Civil, o Tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado.
Ora, a verdade é que não resulta da lei, mais concretamente do indicado diploma legal, que a invocação desta excepção dependa da vontade da Ré, como teria que suceder para se concluir pela impossibilidade de ser suscitada oficiosamente.
Por outro lado, ao contrário do que também alega a Autora, o facto da Ré não se ter insurgido, na sua contestação, contra o facto da Autora a ter demandado isoladamente, não configura a previsão do indicado artigo 140.º, n.º 2, que faz depender esta possibilidade da existência prévia de cláusula contratual nesse sentido e não de qualquer acordo posterior, nomeadamente, entre a Autora e a Ré, sendo certo que da ausência de invocação desta excepção em sede de contestação também não é de concluir-se pela existência desse acordo.
Pelo exposto, julgo procedente a excepção peremptória da inexistência do direito da Autora accionar directamente a Ré, e em consequência absolvo o Réu do pedido, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ex vi o artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
X
Vejamos:
A Recorrente, como resulta da leitura da petição inicial, intentou a presente acção contra a ora Recorrida, imputando-lhe obrigações de remoção, sinalização e vigilância de situações de perigo em vias municipais.
O que pretendia a Autora dizer era que tais obrigações eram da incumbência do Município, no caso de Águeda, mas a acção não foi proposta contra ele.
A Ré, na contestação, defendeu-se por excepção, alegando i) incompetência material do tribunal; ii) ilegitimidade da ré; iii) não cobertura do seguro; iiii) franquia.
A aqui Recorrente, em face de tal matéria de excepção, apresentou articulado - resposta.
Depois, em sede de audiência prévia, quando confrontada com a eventual existência da excepção peremptória de inexistência do direito de accionar directamente a Recorrida, requereu, (nessa audiência), a intervenção principal do Município de Águeda.
Ora, nos termos do disposto no artº 318º do CPC a Recorrente só poderia usar de tal faculdade até ao termo da fase dos articulados, ou seja, dez dias após a contestação da Recorrida, sendo que o poderia ter feito, com a resposta apresentada.
Porém, não o fez, pelo que ficou vedada a possibilidade de o fazer em momento posterior, nomeadamente na audiência prévia - vide, neste sentido, Salvador da Costa, em Os incidentes da instância, 2014, 7ª ed., Almedina, Coimbra, págs. 93 e segs..
Assim sendo, bem esteve o despacho recorrido ao reconhecê-lo.
Da sentença:
A Recorrente defende poder demandar directamente a Seguradora/Recorrida, o que contraria o vertido no artº 140º do DL 72/2008, de 16 de abril, onde é prevista esta possibilidade única e exclusivamente em duas circunstâncias i) quando o contrato de seguro assim o preveja e ii) quando o segurado tenha informado o lesado da existência do seguro com o consequente início de negociações directas entre esta e o segurador - cfr. o acordão da Relação do Porto de 14/11/2013, no proc. 1394/13, cujo sumário é do seguinte teor:
No âmbito de um contrato de seguro facultativo, o lesado só tem o direito de demandar directamente (= sem passar pelo segurado) a seguradora se no contrato estiver previsto esse direito (artº 140/2 da LCS) ou se o segurado o tiver informado da existência do contrato e na sequência a seguradora tiver entrado em negociações directas com o lesado (artº 140/3 da LCS).
Tal como refere Abrantes Geraldes, em O Novo Regime do Contrato de Seguro, Antigas e Novas Questões, publicado em www.trl.mj.pt, a solução encontrada quanto à questão da acção directa na nova lei do contrato de seguro ficou a meio caminho e mostra-se excessivamente complexa: “Embora se admita a intervenção da seguradora em qualquer processo judicial em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco assumiu (artº 140º, nº 1), a sua demanda directa fica, em princípio, dependente da existência de previsão contratual ou do início de negociações estabelecidas com o lesado, factor que é necessariamente posterior à ocorrência do sinistro que deveria servir para fixar o pressuposto processual da legitimidade passiva.”
No caso em concreto não ocorreu nenhuma dessas circunstâncias, pelo que o tribunal tinha a obrigação de conhecer de tal excepção, o que fez, nos termos do artº 579º do CPC, uma vez que tal matéria é de conhecimento oficioso.
Tendo sido este o entendimento da decisão recorrida, manter-se-á na ordem jurídica.
A contrario sensu, improcedem as conclusões da Recorrente.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento aos recursos.
Custas pela Autora/Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 30/11/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Rogério Martins