Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00368/12.6BEAVR-C
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/01/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:EMBARGOS DE EXECUTADO; EXECUÇÃO;
Sumário:
1 – Aquele que tiver sido alvo de uma ação executiva para a cobrança coerciva de uma dívida pode apresentar a sua oposição através de embargos de executado.
A ideia que a Lei pretende transmitir com a designação “embargos de executado” é a de oposição à execução ou exequibilidade de uma decisão judicial.
2 – Tendo no âmbito de Providência Cautelar, sido estabelecida o pagamento de uma contrapartida pecuniária pela utilização de terreno Municipal, enquanto perdurasse aquela Providência, a mesma constitui um condenação, ainda que provisória, suscetível de ser objeto de execução, perante o seu incumprimento.
3 – Os embargos de Executado não poderão proceder a pretexto de que a fixada judicialmente contrapartida pecuniária pela utilização do terreno, ainda que apenas na pendência da Providência Cautelar, não constituir uma condenação.
4 – Tendo a referida contrapartida sido fixada em sede de Providência Cautelar, nos termos do nº 3 do art. 120.° do CPTA, não deixa de se consubstanciar numa condenação, não podendo qualquer das partes ignorar e incumprir o determinado, “escolhendo” apenas a parte do decidido que mais lhe convém. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de Oliveira do Bairro
Recorrido 1:KCO – ITH, Lda.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Município de Oliveira do Bairro inconformado com Sentença proferida no TAF de Aveiro, em 9 de outubro de 2018, que julgou procedentes os embargos de executado deduzidos pela KCO – ITH, Lda., mais tendo declarado extinta a execução e ordenado o levantamento da penhora e o cancelamento do respetivo registo, dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:
1) Salvo o merecido respeito, a sentença recorrida, ao decidir que o acórdão exequendo não constitui título executivo, priva-o de efeitos ou, no mínimo, priva-o do efeito útil fundamental nele ponderado e decidido, o qual decorre não só do seu conteúdo, como das decisões ulteriores proferidas no âmbito dos autos principais (providência cautelar) e que versaram sobre a regulação cautelar do litígio.
2) O acórdão exequendo é claro: enquanto a aqui Recorrida estiver a utilizar o kartódromo ao abrigo da suspensão de eficácia, tem que pagar € 4.000 mensais ao Município de Oliveira do Bairro, como contrapartida pela utilização do prédio.
3) O mesmo contém, portanto e inequivocamente, uma condenação (expressa ou implícita), sujeitando ou impondo à Recorrida uma contraprestação pela utilização do prédio durante a vigência da providência, a que aquela, tendo utilizado o bem, não pode escusar-se.
4) Deste modo, ao decidir como decide, a sentença recorrida retira ao acórdão exequendo os efeitos dele decorrentes e nele contidos e afronta a força obrigatória das decisões judiciais imposta pelos arts. 158.°, n.º 1 do CPTA e 205.°, n.º 2 da CRP, não podendo manter-se na ordem jurídica.
5) Dando ademais cobertura ao comportamento abusivo (o frontal incumprimento das decisões judiciais) da Recorrida, que bem sabia que a sua permanência no prédio, enquanto vigorasse a providência cautelar, estava sujeita ao pagamento da renda mensal, tanto que fez a conta-corrente e alegou uma pretensa compensação, dizendo agora que não foi condenada em nada — posição a que o Tribunal a quo, espantosamente, adere.
6) Por outro lado, o acórdão determinou a contrapartida pela utilização do prédio ao abrigo do art. 120.°, n.º 3 do CPTA e dos poderes que em sede cautelar são reconhecidos ao Tribunal, de fixar contramedidas que salvaguardem os diversos interesses envolvidos.
7) No caso, porque a suspensão de eficácia permitia que a Recorrida utilizasse o prédio pertencente ao Município, não podendo, como todos sabem, utilizar-se os bens públicos sem qualquer contraprestação. Cumpria, pois, salvaguardar o interesse público na rentabilização do bem.
8) Assim, o radical da obrigação é a decisão judicial que determina ou fixa o pagamento, bem como a lei que confere ao Tribunal os poderes para o fazer e impõe o cumprimento das decisões judiciais.
9) Parecendo-nos também evidente, ainda assim se refira, que a ocupação ou utilização de um bem pertencente a outrem gera ou é suscetível de gerar obrigações ou responsabilidades por parte de quem ocupa ou utiliza. Se é um vínculo que se procura, ele está obviamente na utilização do imóvel público pela Recorrida (sem o consentimento ou contra a vontade do Município).
10) O que vimos de expor não é infirmado pelo facto da contraprestação ser fixada a título de condição, rectius, estar sujeita à condição resolutiva da vigência da providência cautelar - tal não contende com a sua natureza e efeitos, tão-somente se reflete na respetiva duração.
11) Acresce que o Tribunal a quo parece olvidar que o Recorrente veio pedir a revogação da providência, logo em 18/10/2013 (sendo que o acórdão exequendo só transitou em julgado em 10/06/2013), a qual só veio a ser definitivamente decidida pelo TCA-Norte em 16/01/2015, por decisão que transitou em julgado em 23/02/2015.
12) Ou seja, se há atuação a censurar, é a da Recorrida, que não só protelou a decisão judicial de revogação da providência (alegando a compensação da dívida, que reconhece), como se manteve a utilizar o prédio, ao abrigo da providência cautelar, durante quase dois anos, a maior parte dos quais já depois de ter sido pedida a revogação por falta de pagamento.
13) O montante que vem peticionado corresponde, pois, ao montante que se venceu entre 10/06/2013 e 23/02/2015 (vigência da providência cautelar), período de tempo durante o qual a Recorrida utilizou o prédio, por sua única e exclusiva vontade e bem sabendo que não cumpria a condição para o efeito e, repise-se, durante a quase totalidade desse período, com o pedido de revogação da providência já pendente.
14) Deste modo, negar o direito do Recorrido a receber as rendas vencidas durante esse período seria, no mínimo, negar tutela ao interesse público subjacente à sua fixação (rentabilizar o bem público e impedir o prejuízo do erário público), o que é incomportável.
15) Admitir o entendimento propugnado pela sentença seria admitir que o acórdão exequendo é inócuo e não produziu quaisquer efeitos, que é um mero convite ou que o seu cumprimento e os termos desse cumprimento ficam na disponibilidade da Recorrida, o que é inadmissível.
16) Em suma, a sentença recorrida incorre em ostensivo erro de julgamento, por violação dos arts. 120.°, n.º 3 e 158.°, n.º 1 do CPTA, 205.°, n.º 2 da CRP e 703.°, n.º 1, al. a) do CPC, impondo-se a sua revogação por este Tribunal ad quem.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, para todos os efeitos e com todas as legais consequências, só assim se fazendo, Justiça!
*
O ora Recorrido KCO – ITH, Lda., contra-alegou em 27 de novembro de 2018, aí tendo concluído:
A - O recurso não deve merecer provimento, já que a sentença proferida decide a causa conforme ao melhor Direito que lhe é aplicável.
B - Acresce que, se dirá ainda, que o recurso não deve ter o efeito suspensivo pretendido pelo recorrente e não devem ser admitidos os documentos juntos com as alegações.
C - A recorrida insurgiu-se contra o efeito pretendido pelo recorrente, na medida que não existe qualquer disposição legal que determine que o recurso interposto tenha efeito suspensivo, não sendo mobilizável para o recurso em apreço o art.º 644.º, n.º 2, al. f) em combinação com o art. 647.º, n.º 3, alínea e) ambos do CPC. Nos termos do artigo 651.º do CPC será admitida a junção de documentos e de pareceres às alegações.
D - O recorrente não cumpre o ónus que sobre si impendia ao juntar os documentos e por forma a fazê-los caber na previsão do citado artigo, assim, deve a sua junção ser recusada.
E - Em todo o caso, tratam-se de cópias de atos processuais, os quais por não constituírem certidões, não tem valia plena e, em todo o caso, não têm a valia que o recorrente lhes pretende imprimir.
F - O recorrente entende que o Acórdão por si apresentado como título executivo deveria ter sido aceite como tal pelo Tribunal a quo; e que, ao não decidir dessa forma, o Tribunal a quo, na sentença recorrida, incorre em ostensivo erro de julgamento, por violação dos arts. 120.º, n.º 3 e 158.º, n.º 1 do CPTA, 205.º, n.º 2 da CRP e 703.º, n.º 1, al. a) o CPC.
I) A recorrida entende que o Acórdão não é título executivo e a recorrente não tinha, como ainda hoje não tem, qualquer título executivo que o legitime a executar o recorrido pela utilização do imóvel.
II) O Direito de que o recorrente se arroga, de ser indemnizado pelo recorrido ter utilizado o imóvel, teria de ser discutido em ação própria para esse efeito, com regras processuais próprias e com possibilidade de ampla discussão judicial.
III) Por outro lado, a posição processual adotada pelo recorrente no âmbito do processo de onde emanou o Acórdão que deu à execução, foi de molde a verificar incumprida a condição e exigir os verdadeiros efeitos que tal incumprimento importava: a revogação da providência cautelar.
G - E não se diga agora, como pretende o recorrente ao citar jurisprudência do STJ, de que seria necessário considerar o contexto da sentença e a fundamentação da mesma para determinar, reconstituir e fixar o verdadeiro conteúdo e alcance do título executivo, porque, se assim fosse, mais razão daria ao recorrido e ao próprio Tribunal a quo.
H - O Acórdão dado à execução foi proferido pelo TCA- Norte de 30/11/2012 é claro e decidiu o seguinte: «(…) acordam em conceder parcial provimento ao recurso, pelo que:
A) Deferem o pedido de suspensão do ato em apreço.
B) Condicionam o deferimento deste pedido ao pagamento mensal, no primeiro dia de cada mês do valor de 4.000€ (quatro mil euros) ao Município Requerido.»
I - De modo que, o que é estabelecido pelo Acórdão é uma condição para permitir a manutenção da suspensão do ato administrativo. Não é uma indemnização pela utilização do imóvel. Não é sequer uma indemnização pela privação do uso do imóvel pelo recorrente.
J - E não é, nem pode ser, o reconhecimento de qualquer Direito do recorrente a obter da recorrida uma qualquer quantia desligada do seu desiderato, que seria, repete-se o ato suspendendo se manter suspenso.
K - O ato suspendendo é proferido no sentido da cessação da utilização do imóvel «nos termos e ao abrigo do n.º 1 do artigo 109.º do Decreto-lei n.º 555/99, de 19 de Dezembro, na sua atual redação» isto é, por o recorrido não ter «autorização de utilização»!
L - Daí que, a condição de suspensão da eficácia do ato de cessação de utilização, na ponderação de interesses feita no Acórdão dado à execução, não tinha como desiderato indemnizar o recorrente pela utilização do espaço, mas sim pelo sacrifício temporário, da própria suspensão do ato, e do ato de a recorrida não ter, para efeitos urbanísticos, autorização de utilização.
M - Ora, o que o recorrido pretendia, por via do presente processo, era obter a condenação da executada e já não obter o cumprimento da condição imposta, caminho que declinou ao ter desencadeado os mecanismos legais derivados pelo incumprimento pelo recorrido de tal condição, mormente tendo suscitado a revogação da providência.
N - Uma Condição é “Uma cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que, ou só verificado tal acontecimento futuro e incerto é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então, só nessa eventualidade e que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva)” – Manuel de Andrade, «Teoria Geral da Relação Jurídica», Almedina, 1997.
O - Considerando o contexto da sentença, para fixar o verdadeiro conteúdo e alcance do título executivo, é importante observar o que os seus decisores com ela quiseram significar, bastando para tal ler o despacho proferido pelos Venerandos Desembargadores de 5 de Abril de 2013 a sustentar a sua decisão e admitir o recurso interposto pelo ora executado, onde se escreveu « Obviamente o seu incumprimento – no caso o não pagamento da importância fixada – não suscita dúvidas de interpretação. Apenas pode suscitar dúvidas na execução. / No caso, nem nessa sede se suscita porque, como é evidente, não verificada a condição para a suspensão, o Município pode executar de imediato o ato.» (V. pág. 5-6).
P - Desta forma, a ser o Acórdão exequendo título executivo, o mesmo sê-lo-ia apenas enquanto se pudesse dele obter efeito útil, tanto para o recorrente que, para manter a suspensão do ato executaria a recorrida para dela obter o valor de 4.000 euros; bem como, para a recorrida que pagando os 4.000 euros poderia, sem ficar dependente de qual iniciativa processual da recorrente e enquanto aguardasse a decisão da causa principal, gozar dos efeitos suspensivos da providência.
Q - Pelo que, a condição fixada pelo Acórdão só teria efeito útil, num concreto contexto processual de se manterem suspensos os efeitos do ato suspendendo.
R - O Acórdão não dava cobertura a duas atitudes processuais do recorrente: a de verificar o incumprimento da condição e a de exigir o valor da condição, porque assumindo a primeira atitude prejudicou e tornou inútil a segunda.
S - De todo o exposto, resulta que o Tribunal a quo não privou o Acórdão dado à execução dos seus efeitos úteis, a recorrente é que rejeitou os seus efeitos ao não o ter dado à execução enquanto condição para manter os efeitos provisórios e cautelares, já que, em concreto, optou por pedir a revogação da providência.
T - O Acórdão exequendo não diz que durante a providência cautelar a recorrida tem de pagar o que quer que seja à recorrida, ainda para mais que seja como contrapartida pela utilização do prédio. A única “contrapartida” eram os efeitos processuais suspensivos de um concreto ato, porque o Direito (e sua fonte) de utilizar o imóvel não era objeto, pelo menos imediato, da ação (isso discute-se noutro plano).
U - É a própria Lei que atribui à providência cautelar efeitos suspensivos do Ato, e entendeu o TCAN, que se impunha o cumprimento de uma condição pela recorrida para que pudesse obter os seus efeitos suspensivos.
V - Em suma, o Acórdão exequendo não é título executivo, no contexto em que recorrente o mobilizou, não sendo idóneo a obter da recorrida qualquer quantia.
W - Pelo que, a sentença recorrida, ao julgar pela inexistência de título executivo, bem andou ao julgar procedentes os embargos.
Termos em que, na improcedência do recurso, farão V. Exas. Venerandos Desembargadores, a costumada Justiça!”
*
O Recurso foi admitido por Despacho de 19 de Dezembro de 2018.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 22 de janeiro de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
*
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Há que apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, o suscitado erro de julgamento.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
A) Em 14.02.2012, o Presidente da Câmara de Oliveira do Bairro, exarou a seguinte proposta:
1. Na sequência informação técnica 44.2011/UOP foi a empresa KCO – ITH, Lda., notificada nos termos a para os efeitos do art.109º, n°1 do Decreto-Lei n° 555/99, de 19 de Dezembro, na sua atual redação, conjugado com o art. 100º e ss do Código do Procedimento Administrativo, de intenção da camara municipal de ordenar e cessação de utilização de todas as edificações e instituições existentes no Lote C32, atentas as razões de facto e de direito ali descritas e para, querendo, se pronunciar por escrito no prazo de 10 dias úteis, notificação que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
2. Em sede de audiência prévia, veio e requerente, em 10.11.2011, entre o mais, solicitar o agenciamento de uma reunião, a título de diligência complementar, comunicação que se anexa e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
3. A requerida reunião teve lugar em 05.12.2011, com a presença de representantes do Município de Oliveira do Bairro e do mandatário do requerente, Dr. LP, tendo, no final, sido concedidos 10 dias úteis, a partir da referida data, para a requerente vir ao processo, informar o que tivesse por conveniente.
4. Em 12.122011, veio a requerente, entre o mais, propor a aquisição do Lote C32, pelo preço de 4,98€./M2, mediante pagamento faseado, admitindo também a possibilidade de aceitar o pagamento de indemnização pelas benfeitorias efetuadas.
5. Como é sabido, o princípio que vigora no nosso ordenamento jurídico é o da proibição do uso privativo dos bens públicos ou exercício de atividades públicas.
6. Uso que, assim, e de molde a ser lícito deve ser titulado.
7. Ora, um dos títulos para o efeito é, a concessão, definida que é como a modalidade concessória que pressupõe a transmissão para um sujeito do direito de ocupar e de utilizar uma parcela do domínio público, limitando ou excluindo a sua utilização por terceiros.
8. Pois bem, no caso vertente é inequívoco que o particular em apreço vem, desde há longos anos, ocupando e usando domínio público (precisamente o lote C32) sem que esteja munido de título concessório para o efeito.
9. Isto apesar das sucessivas, reiteradas e constantes tentativas encetadas pelo Município de molde a legitimar a ocupação da sobredita parcela: num primeiro momento através da efetivação do direito de superfície (através da gorada realização de contrato para o efeito) e, posteriormente, através da celebração de contratos de compra e venda – cfr. p.a. a fls….
10. As condições de venda do Lote foram objeto deliberação camarária de 28.07.2011, tendo sido aceites pelo requerente, só não se concretizado a referida venda, conforme, aliás, decorre da correspondência trocada, atentas as alagadas dificuldades no acesso a financiamento bancário por parte do particular.
11. Na verdade, a proposta agora apresentada pelo particular (preço muito inferior ao acordado) é inaceitável, atentos desde logo os antecedentes do processo e, bem assim, em face dos princípios da legalidade, igualdade e prossecução do interesse público.
12. O preço de venda do lote foi aprovado pela Assembleia Municipal em 1'9.032004 (23,75€/m2), preço, aliás, pago pelos adquirentes dos demais lotes.
13. Outrossim inaceitável o pagamento de indemnização pelas obras ali edificadas e em funcionamento, obras que o Município não mandou fazer, não tendo, de resto quaisquer atribuições nesta matéria.
14. Ademais, veio o particular usufruindo, ao longo dos (muitos) anos, da ocupação e utilização do lote, sem efetuar qualquer tipo de pagamento ou compensação ao Município. Município este, que por diversas vezes instou o requerente à regularização da situação, tolerando a ocupação sempre sob o pressuposto e na condição do particular regularizar tal ocupação, o que até à data não logrou efetuar.
15. Às referidas propostas opõem-se ainda os principies da eficiência e boa gestão.
16. Por conseguinte, não estendo este particular em condições de utilizar o lote e, naturalmente, as edificações erigidas no mesmo, forçoso e concluir, como aliás se concluiu, que deve ser ordenada a cessação da utilização das edificações erigidas no mesmo (como, de resto e desde logo, impõe o art. 21.º do DL n.º 280/2007, de 07/08 – (“A Administração tem a obrigação de ordenar aos particulares que cessem a adoção de comportamentos abusivos, não titulados, ou em geral, que lesem o interesse público a satisfazer pelo imóvel e reponham a situação no estado anterior, devendo impor coercivamente a sua decisão, nos termos do Código do Procedimento Administrativo e demais legislação aplicável.”).
17. Deste modo, não se mostrando alterados os pressupostos do projeto da decisão da cessação da utilização de todas as edificações existentes no Lote C32 (restaurante, edifício polivalente, boxes, armazém, oficina e pista de kart), proponho que se ordene, nos termos e ao abrigo do nº 1 do art. 109º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, na sua atual redação, a cessação da utilização das referidas edificações, no prazo de 30 dias úteis, sob pena de, em caso de incumprimento, ser determinado o despejo administrativo dos edifícios e incorrer em responsabilidade criminal pela prática de um crime de desobediência.
(cfr. fls. 716 e ss, do processo administrativo junto ao processo n.º 484/12.4BEAVR – Volume IV);
B) Em 23.02.2012, a Câmara Municipal deliberou concordar com a proposta a que se reporta a alínea anterior (cfr. fls. 719, do processo administrativo junto ao processo n.º 484/12.4BEAVR – Volume IV);
C) Em 28.02.2012, foi enviado à Executada o ofício do qual se extrai o seguinte: “No âmbito do processo administrativo em referência, serve o presente para notificar V/ Exa. de que, em reunião da Câmara Municipal de 23.02.2012, foi deliberado por unanimidade aprovar a informação/proposta do Presidente da Câmara, datada de 14.02.2012, cuja cópia se anexa e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
Pelo que, em consequência, deverá V/ Exa. proceder à cessação de utilização de todas as edificações existentes no lote C32 (restaurante, edifício polivalente, boxes, armazém, oficina e pista de Kart) nos termos do n.º 1 artigo 109.º do RJUE, no prazo de 30 dias úteis, sob pena de em caso de incumprimento ser determinado o despejo administrativo dos edifícios (nº 2 do artigo 109º do RJUE) e incorrer em responsabilidade criminal pela prática de um crime de desobediência”. (cfr. fls. 720, do processo administrativo junto ao processo n.º 484/12.4BEAVR – Volume IV);
D) Em 02.04.2012, a Executada interpôs neste Tribunal providência cautelar onde requereu a suspensão de eficácia do ato administrativo a que se reporta a alínea anterior (cfr. fls. 1 e seguintes do processo n.º 368/12.6BEAVR);
E) Em 27.04.2012, a Executada interpôs, por apenso à providência cautelar a que se reporta a alínea anterior, ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo contra o Exequente, onde peticionou a anulação do ato administrativo a que se reporta a alínea a) (cfr. fls. 1 e seguintes do processo n.º 484/12.4BEAVR);
F) Em 18.07.2012, o Tribunal proferiu sentença e decretou a suspensão da eficácia da referida deliberação (cfr. fls. 406 e seguintes do processo n.º 368/12.6BEAVR);
G) Em 30.11.2012, em sede de recurso jurisdicional da sentença proferida, o Tribunal Central Administrativo Norte, proferiu acórdão no qual concedeu parcial provimento ao recurso, daí se extraindo o seguinte:
2. A. ponderação de interesses.
Cabe agora verificar se a sentença recorrida procedeu à adequada ponderação dos interesses em presença.
Como nos diz Cármen Chinchilla Maria em "La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa", Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: "… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia das atos administrativos... "
Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em toda a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente é que se impõe a execução imediata do ato, indeferindo-se, por esse facto o pedido de suspensão. - ­Acórdão do 'Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. 959/04.9BEVIS.
No caso concreto a Entidade Requerida invocou o interesse geral no cumprimento da legalidade que, como vimos, não releva nesta sede.
Mas invocou também prejuízos concretos.
Desde logo que a manutenção da situação em causa gera desconfiança e sentido de injustiça por parte dos proprietários dos demais lotes que tiveram de suportar custos de aquisição ou arrendamento para ali desenvolverem qualquer atividade, ao contrário da Requerente que está a ocupar o terreno da edilidade sem pagar nada por isso.
Assim como ficará impedida de vender o terreno a terceiros interessados.
O que traduz a lesão de urre interesse público concreto, diferenciado do interesse geral do cumprimento da legalidade.
Isto sendo certo que não foi constituído a favor da Recorrida - nem seria legalmente possível - o direito a usufruir a título gratuito de um espaço público eternamente.
Nem existem razões de interesse público que o justifiquem quando é certo que existe a alternativa de a Recorrente - ou outra empresa - suportar os custos do arrendamento ou da aquisição do terreno com o consequente enriquecimento, legitimo, do erário municipal.
A. cedência gratuita do terreno é, materialmente, uma forma de subsídio á atividade económica da Recorrida.
A edilidade é livre de manter ou fazer cessar esse subsídio, dentro, naturalmente, de critérios de justiça razoabilidade e proporcionalidade, permitindo à empresa Requerente, designadamente, encontrar em tempo útil soluções alternativas que, tanto quanto decorre dos autos, embora em termos pouco concretos, já procurou noutra espaço.
Não se pode obrigar a edilidade - no espaço da sua livre escolha politica - a que continue a subsidiar esta empresa desta forma e não outra empresa ou a mesma de outra forma.
Mas esta conclusão não significa que deva improceder o pedido de suspensão da eficácia do ato aqui em apreço.
Significa apenas que ruão pode proceder pura e simplesmente, como se decidiu.
Há que ponderar no caso o interesse público demostrado.
Não se extravasa aqui de modo algum o objeto do processo.
Dispõe o n.º 3 do artigo 120° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, a propósito dos critérios para a decisão de uma providência cautelar, o seguinte:
"As providências cautelares a adotar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão das interesses dos interessados defendidos pelo requerente, podendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em acumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados, em presença."
Ou seja nas providências cautelares a definição do objeto feita pelo requerente no seu articulado inicial – conjugada ou não com a posição do requerido - não constitui vinculação absoluta para o tribunal que pode até substituir a medida requerida por outra que entenda melhor defender todos os interesses era jogo.
O que limita o tribunal nas providências cautelares é, portanto, para além da provisoriedade da decisão, o objetivo de minimizar a lesão dos interesses do requerente dentro dos parâmetros de uma justa composição de todos os interesses em presença. Tão só.
A. solução proposta neste caso concreto às partes visa precisamente este desiderato: conceder a requerida suspensão de forma a acautelar também o legítimo interesse público em causa, o de o Município Requerido não ter prejuízo económico com a manutenção da cedência gratuita do terreno onde a Requerente pretende continuar a sua atividade.
Para a fixação dos parâmetros máximo e mínimo do valor a pagar mensalmente pela Requerente ao Requerido como condição para a suspensão da eficácia do ato em apreço partiu-se dos seguintes dados:
Conforme resulta do ponto 12 dois factos provados a Requerente suportava no início desta ano de 2012, com salários e contribuições para a segurança social, o valor global de 5.597,72 euros. Como valor máximo a impor como condição parai a suspensão da eficácia do ato em apreço mostra-se adequado o valor arredondado, por excesso, para os seis mil euros.
Por outro lado, encontra-se junto aos autos, como documento n.º 23, uma carta da Requerente dirigida ao Requerido, com a data de 27 de Junho de 2011, da qual se extrai o seguinte, a fls. 182 (corri sublinhado nosso):
“(…)
Pelo que pensamos que a serem devidamente ponderados e equacionadas todas as questões acima descritas a solução a encontrar para este impasse terá de ser uma solução mais equilibrada que permita à nossa empresa serenamente continuar a trabalhar na obtenção do financiamento com vista à compra do terreno/ lote bem como assegurar que V. Ex.cias terão um rendimento de modo a compensar a utilização do terreno por parte da nossa em presa enquanto a compra não se concretiza.
Assim sendo somos a propor a V. Ex.cias o seguinte: Assinatura do CPCV - ­Pagamento do sinal Proposto de 10% em doze reforços mensais de sinal, cada um no montante global de € 3.700.00 (três mil e setecentos euros mensais) perfazendo a quantia global de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros) - podendo a nossa empresa já no próximo mês de Julho fazer o próximo pagamento.
(…).
Tal como a Requerente, ora Recorrida, manifestava pelo menos na altura que escreveu esta carta, entendemos mais equilibrada e justa a situação de ocupar o terreno mediante o pagamento de uma importância do que ocupar sem qualquer contrapartida para a edilidade.
Juízo que vale também para o tempo que irá decorrer até à decisão do processo principal.
Por outro lado e não se demonstrando nos autos que a situação económica da Requerente se tenha degradado substancialmente desde 2011, entendemos fixar como limite mínimo o valor que a própria reconheceu como justo e capaz de pagar, arredondado, por excesso, para os milhares de euros, ou seja, 4.000 (quatro mil euros) por mês.
Quanto ao Município dado ter aceite, num primeiro momento, sem reservas, os valores propostos, implicitamente admitiu ser aceitável o valor mínimo adiantado, de 4.000€ (quatro mil euros) por mês.
Posição que veio depois confirmar expressamente na pronúncia sobre o parecer do Ministério Público em que, a fls. 595, faz cálculos no sentido de que poderia ter um rendimento mensal com o terreno entre os 3.943,05 euros e os 4.600 euros.
Termos era que se impõe revogar parcialmente a decisão recorrida, mantendo a suspensão, não pura e simples, como foi decidida, mas fazendo depender esta do pagamento da referida importância.
Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, pelo que:
A) Deferem o pedido de suspensão da eficácia do ato em apreço.
B) Condicionam o deferimento deste pedido ao pagamento mensal, no primeiro dia de cada mês, do valor de 4.000 € (quatro mil euros) ao Município Requerido.
Custas na proporção de metade para Requerente e Requerido, em ambas as instâncias.
(cfr. fls. 580 e seguintes do processo n.º 368/12.6BEAVR);
H) Em 05.04.2013, o Tribunal Central Administrativo Norte decidiu admitir o recurso de revista interposto pela Executada, da decisão a que se reporta a alínea anterior, fixando-lhe efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 726 e seguintes do processo n.º 368/12.6BEAVR);
I) Em 23.05.2013, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu não admitir este recurso de revista (cfr. fls. 726 e seguintes do processo n.º 368/12.6BEAVR);
J) Em 18.10.2013, o Exequente requereu ao Tribunal a revogação da providência cautelar com fundamento no incumprimento da condição estabelecida na decisão do Tribunal Central Administrativo Norte (cfr. fls. 869 e seguintes do processo n.º 368/12.6BEAVR);
K) Em 30.09.2014, o Tribunal concluiu que a providência cautelar não poderia produzir os seus efeitos, por incumprimento do encargo imposto sobre a Executada que o desrespeitou, decidindo pela sua recusa (cfr. fls. 1263 e seguintes do processo n.º 368/12.6BEAVR);
L) Em 16.01.2015, o Tribunal Central Administrativo Norte decidiu confirmar a decisão que antecede (cfr. fls. 1371 e seguintes do processo n.º 368/12.6BEAVR);
M) Em 29.10.2015, o Exequente deu entrada neste Tribunal da execução de que dependem os presentes embargos (cfr. fls. 1e seguintes do processo n.º 368/12.6BEAVR);
N) Em 12.09.2016, foi proferida sentença no processo n.º 484/12.4BEAVR, onde se decidiu pela improcedência do pedido aí formulado pelo Executado (cfr. fls. 205 e seguintes do processo n.º 484/12.4BEAVR);
O) As edificações existentes no lote C32, da Zona Industrial de O…, não dispõem de licença de utilização, tendo a Executada utilizado estas edificações entre 10.06.2013 e 23.02.2015 (acordo);
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IV – Do Direito
O Recorrente/Município interpôs recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro que em 9 de outubro de 2018 julgou procedentes os embargos de executado deduzidos pela KCO – ITH, Lda., mais tendo declarado extinta a execução e ordenado o levantamento da penhora e o cancelamento do respetivo registo.
Em bom rigor, o KCO veio deduzir os presentes embargos de executado, contra o Município de Oliveira do Bairro, peticionando a sua procedência e a consequente extinção da execução que havia sido apresentada por este em cumprimento do Acórdão do TCAN de 30 de novembro de 2012.
Em síntese, aquele que tiver sido alvo de uma ação executiva para a cobrança coerciva de uma dívida pode apresentar a sua oposição através de embargos de executado.
A ideia que a Lei pretende transmitir com a designação “embargos de executado” é a de oposição à execução ou exequibilidade de uma decisão judicial.
Em concreto, alega para o efeito o KC que com a execução o Município pretendia dar cumprimento ao acórdão do TCAN proferido no âmbito do processo cautelar, o qual não será condenatório, pois que o referido tribunal se terá apenas cingido a condicionar a eficácia da providência cautelar a um pagamento mensal de €4.000 como condição da manutenção da suspensão da eficácia do ato por via da manutenção da providência.
No que aqui releva e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância:
“Invoca a Executada a inexistência do título, mais concretamente, a falta de sentença condenatória que legitime a execução a que se reportam os presentes embargos.
Vejamos, então.
Dispõe o artigo 703.º, do Código de Processo Civil, que:
“1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.”
Ainda com interesse para a decisão releva o disposto no artigo 705.º, o seguinte:
“1 - São equiparados às sentenças, sob o ponto de vista da força executiva, os despachos e quaisquer outras decisões ou atos da autoridade judicial que condenem no cumprimento duma obrigação.
2 - As decisões proferidas pelo tribunal arbitral são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns.”
Conclui-se, por isso, que apenas as sentenças condenatórias têm força executiva, o que quer dizer que nem todas as sentenças têm a natureza de título executivo.
Acresce ainda dizer que mesmo perante uma decisão proferida em sede cautelar, a natureza provisoria desta decisão não impede que a mesma tenha a natureza de título executivo, bastando, para tanto, que estejamos perante uma sentença (ou despacho, atento o disposto no artigo 705.º) condenatória.
Cabe, por isso, decidir se a sentença em apreço é condenatória.
É condenatória "toda a sentença que, reconhecendo ou prevenindo o inadimplemento duma obrigação (cuja existência certifica ou declara), determina o seu cumprimento; é a que contém uma ordem de prestação" – cfr. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 62.
Como escreveram também Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, revista e atualizada, Coimbra Editora, “Diz-se condenatória toda a sentença que, reconhecendo a violação de um dever jurídico, cuja existência declara, determina o seu cumprimento.”
Vejamos, então.
Resulta da factualidade assente que a sentença que serve de título à presente execução é o acórdão proferido em sede de recurso jurisdicional da providência cautelar instaurada pela Executada contra o Exequente (onde aquele peticionava a suspensão da eficácia do ato praticado pelo Presidente da Câmara que determinou à Executada a cessação de utilização das edificações existentes no lote C32, da Zona Industrial de O…), no qual aquele Tribunal decidiu condicionar o deferimento deste pedido de suspensão de eficácia ao pagamento mensal, no primeiro dia de cada mês, do valor de 4.000€, ao Exequente (factos assentes nas alíneas a) a g) e o)).
Assim, aquele acórdão sujeitou a providência requerida (suspensão de eficácia do ato praticado pelo Presidente da Câmara Municipal) a uma condição, tendo-o feito ao abrigo do disposto no artigo 122.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Com efeito, como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4.ª edição, em anotação a este artigo 122.º, n.º 2 (onde esta decisão é, aliás, aí dada como exemplo de uma decisão de suspensão de eficácia sob condição): “A sujeição da providência a termo ou condição corresponde, por isso, a uma solução intermédia que se destina a acautelar, em certa medida, a situação de periculum in mora sem pôr em causa, em termos desproporcionados, o interesse público ou outros interesses privados contrapostos”.
Com efeito, o deferimento do pedido de suspensão de eficácia daquele ato ficou sujeito ao cumprimento da condição ali fixada (o pagamento de uma quantia mensal, a favor do Exequente), atenta a ponderação de interesses a que ali se procedeu.
Sucede que isto não corresponde ao reconhecimento da existência do dever da Executada pagar a Exequente aquela prestação em virtude de um qualquer direito deste em recebê-lo daquela, ou seja, o Tribunal não conheceu e decidiu sobre a existência de qualquer relação entre a Executada e o Exequente de onde resultasse para aquela a obrigação de proceder àquele pagamento a este (não tendo, assim, reconhecido a existência de um direito subjetivo do Exequente e o correspondente dever jurídico de prestar da Executada).
Assim, conclui-se que nesta sentença não foi declarada a existência de uma obrigação (de dare) por parte da Executada, mais concretamente, a obrigação da Executada pagar uma prestação mensal pela utilização das edificações existentes naquele prédio e, consequentemente, não foi a Executada condenada a cumprir tal obrigação.
Na verdade, a sentença que serve de título executivo na presente execução decidiu impor um dever jurídico (em sentido amplo) à Executada, no sentido de esta observar um determinado comportamento fixando uma cominação para o caso daquele não ser observado.
Com efeito, a suspensão de eficácia do ato administrativo ficou condicionada ao pagamento de uma quantia mensal, por parte da Executada, pelo que, não sendo paga essa quantia aquele ato produziria toda a sua eficácia, como aliás veio a suceder.
E como resulta ainda da factualidade assente, o Exequente, em 18.10.2013, veio (e bem), face ao incumprimento por parte da Executada da condição ali fixada, requerer a revogação da providência cautelar, o que lhe foi deferido por despacho de 30.09.2014 e confirmado pela decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 10.01.2015 (factos assentes nas alíneas j) a l)).
Não estamos assim perante uma sentença condenatória.
E o Exequente poderia ter vindo requerer a revogação da providência cautelar decretada logo que se mostrou vencida a primeira prestação mensal cujo ónus de pagamento recaía sobre a Executada, o que já não pode é requerer essa revogação por incumprimento daquela condição, no momento em que entendeu oportuno, e requerer simultaneamente o cumprimento daquela condição.
Pelo exposto, sem necessidade de maiores considerações, conclui o Tribunal pela inexistência de título executivo, mais concretamente, sentença condenatória que legitime a execução a que se reportam os presentes embargos.”
Em face do que precede, importa constatar que a decisão recorrida, ao admitir que o acórdão exequendo não constitui título executivo, retirou-lhe qualquer efeito útil.
Recorda-se que o acórdão exequendo decidiu que:
"1. Não extravasa o objeto do pedido de suspensão de eficácia - do ato de um órgão municipal que determinou a cessação da utilização de um prédio municipal por parte de uma empresa - o acórdão do tribunal de recurso que, concedendo parcial provimento ao recurso jurisdicional, concede a pedida suspensão, como decidido pelo Tribunal a quo, mas agora sujeita à condição do pagamento de uma importância a favor da edilidade, como contrapartida pela utilização do prédio enquanto vigorar a providência, ao abrigo do disposto n.º 3 do artigo 120° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais.
2. É de conceder a suspensão de eficácia do ato em causa se a referida empresa exerce naquele prédio a sua atividade mas, por outro lado, justifica-se, ponderando o interesse público concreto em causa, não manter a situação de uso do prédio sem qualquer contrapartida para a edilidade mas mediante a imposição de uma importância mensal tida por adequada." - cfr. sumário do Acórdão proferido pelo TCA-Norte em 30/11/2012.
Resulta singelamente da decisão exequenda que enquanto a aqui Executada (KC), estiver a utilizar o kartódromo ao abrigo da suspensão de eficácia, tem que pagar €4.000 mensais ao Município de Oliveira do Bairro, como contrapartida pela utilização do prédio.
Nesta conformidade o KC interpôs recurso de revista para o STA, invocando nulidades do acórdão do TCA-Norte, que motivaram a seguinte pronúncia confirmativa deste:
"(...) Serve isto para dizer que não basta que a Recorrente afirme que a aposição da condição de pagamento de uma importância à decisão de suspensão seja, pelo seu gravame, o indeferimento do pedido de suspensão para que assim seja.
Não é a Recorrente que decide o que é ou não indeferimento. É o Tribunal.
(...)
A Recorrente vai poder continuar a utilizar o prédio em causa, embora não gratuitamente como quer - contra a vontade do Município proprietário - mas mediante o pagamento de uma importância.
E, como a própria compreende, esta situação é precária, vigorará "enquanto vigorar a providência".
O facto de as importâncias não serem reembolsáveis e, nessa medida, o pagamento ser irreversível, não retira a natureza provisória da decisão.
Esses pagamentos apenas perdurarão enquanto durar a medida cautelar e se justificar a sua manutenção.
Por outro lado esta imposição não tem como pressupostos necessários a existência de um qualquer contrato ou uma qualquer manifestação de vontade das partes.
É um dever imposto pela própria decisão judicial. (...)" - cfr. acórdão do TCA-Norte de 05/04/2013, no Processo nº 368/12.6BEAVR.
O que é facto é que o KC, não obstante a decisão judicial, nunca pagou qualquer montante pela utilização do prédio, enquanto durou a suspensão de eficácia, não obstante se se tratar de uma condição judicialmente determinada à sua utilização.
Esta ausência de pagamento determinou que o Município de Oliveira do Bairro tenha requerido a revogação da providência, o que veio a ser determinado pelo TAF-Aveiro, em 30 de setembro de 2014, em cuja sentença se discorreu:
"(...) A Requerente veio tomar posição a fls. 585 e segs., pugnando que deve manter-se a providência decretada apenas se alterando a mesmo no sentido de, face ao alegado incumprimento reiterado da Entidade requerida e consequente prejuízo da Requerente, determinar a extinção da condição, para o que invoca, em síntese e entre o mais, que nada deve à Entidade requerida, em virtude de esta nunca lhe ter remetido a necessária fatura/recibo mensal para liquidar e de, do extrato de conta corrente que junta como doc. 1, a fls. 592 e 593, resultar que a Entidade requerida lhe é devedora da quantia de 23.500,00€, consubstanciada na diferença entre o débito e o crédito do referido extrato de conta corrente; mais invoca que, não obstante as dificuldades em laborar e prejuízos derivados do alegado comportamento culposo por parte da Entidade requerida em violação da providência cautelar decretara e justificativos da inexigibilidade do pagamento dos 4.000€, tem cumprido com esse pagamento, contabilizando-o no referido extrato de conta corrente; invoca, por último, que intentou ação em que pede que seja declarado que adquiriu, por via de acessão industrial, o prédio no qual exerce a sua atividade ou, em alternativa, que lhe seja reconhecido o direito a ser indemnizada pela Entidade Requerida, por benfeitorias úteis realizadas no mesmo.
(...)
A Entidade requerida veio tomar posição a fls. 619 e segs., reiterando a requerida revogação da providência cautelar decretada, para o que invoca, em síntese e entre o mais, que nunca a Requerente pagou a quantia fixada no âmbito do presente processo cautelar, que alertou a Requerente de que devia cumprir o determinado no acórdão do TCA Norte, que a Entidade requerida emanou e fez chegar à Requerente a declaração para efeitos de ligação elétrica que esta diz estar em falta, que não houve nem há qualquer incumprimento do acórdão prolatado por parte da Entidade requerida e que contestou a ação declarativa que foi intentada pela Requerente.
(…)
Na sequência do despacho proferido a fl. 740, em que este Tribunal solicitou à Requerente a junção aos autos dos documentos comprovativos de ter efetivamente pago à Entidade requerida a quantia mensal de 4.000 € (no primeiro dia de cada mês), conforme exigência do Acórdão do TCA Norte constante dos autos, a Requerente veio, a fls. 745 e 746, remeter para o extrato de conta corrente constante dos autos a considerar, entre o mais, ter havido compensação entre os valores devidos pela Entidade requerida à Requerente e por esta àquela, concluindo que a Requerente pagou à Entidade requerida e que esta pagou àquela, ambos se considerando pagos.
(…)
Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se documentalmente provados, atendendo, ainda, à posição processual assumida pelas partes nas peças processuais, os factos referidos no ponto I supra e, bem assim, os seguintes:
(…)
D) Notificada a Requerente do acórdão referido na letra anterior, a mesma não pagou à Entidade requerida o valor fixado de 4.000€ (quatro mil euros) mensais (cf. doc. n.°1, junto a fls. 624 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e posição processual assumida no requerimento da Requerente, a fls. 745 e 746, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E) A Requerente tem contabilizado o valor de 4.000 € (quatro mil euros) em documento particular que denomina de "extra to de conta corrente"(cf. doc. 1, junto a fls. 592 e 593, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e posição processual assumida no requerimento da Requerente, a fls. 745 e 746, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
F) Em 18 de Junho de 2013, a Entidade requerida alertou a Requerente para a necessidade de cumprir a condição definida no acórdão referido na letra C (cf. doc. 2 junto a fls. 625 e 626, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). (...)".
Decidiu-se nesta Sentença a “recusa da adoção da providência cautelar requerida”.
Desta sentença, o KC interpôs recurso para o TCA-Norte, em cujo acórdão se afirmou em 16/01/2015:
"(...) Perante isto verifica-se que em nenhuma das suas conclusões a Recorrente impugna especificamente o fundamento utilizado pelo TAF para revogação da providência cautelar adaptada, que outro não é senão o desrespeito do encargo que lhe foi judicialmente imposto de pagamento de uma renda mensal ao Recorrido, em contrapartida da utilização do Kartódromo.
Na verdade, em nenhuma das conclusões formuladas a Recorrente impugna essa imputação de falta de pagamento e, pelo contrário, admite pacificamente na conclusão 18 que "a sentença recorrida limitou-se a considerar o não pagamento pela Requerente à Requerida de €4.000, mensais para determinar a revogação da providência decretada".
Seja como for não foi impugnada a matéria de facto assente donde decorre inequivocamente que a Recorrente não pagou a renda fixada, tendo-se limitado a elaborar uma espécie de conta corrente onde consigna esses valores e outros, mas trata-se de mera operação contabilística particular à qual o TAF, justificadamente, não atribui relevância no caso - cfr. D) e E).
Por outro lado não está demostrado o incumprimento da obrigação imposta ao Recorrido, uma vez que da matéria de facto assente nada permite concluir que o Município haja tomado alguma medida, ou atuação por forma a impedir a utilização do prédio municipal e do Kartódromo pela Recorrente".
Em face de tudo quanto vem de se expender, é de mediana clareza que o acórdão exequendo, face ao qual foram apresentados os Embargos de Executado, contém uma condenação, e no que aqui releva, do KC, no Pagamento de uma contrapartida pecuniária pela utilização do prédio, enquanto perdurasse a providência cautelar, obrigação que não podia deixar de cumprir.
Aliás, foi este TCAN quem, no acórdão de 05/04/2013, afirmou já expressamente que a imposição da condição "constitui uma autêntica condenação", o que foi percecionado pelo embargante ao ter confessadamente elaborado uma conta-corrente das rendas mensais, a qual, não obstante se ter tratado de uma mera operação contabilística, que não implicou a efetivação de qualquer pagamento, denotou, no entanto, a consciência de que tinha a obrigação de efetivar tal pagamento.
Em face do que precede, mal se compreende como pôde o tribunal a quo ter desconsiderado o referido pagamento enquanto condenação, ainda que condicionada à utilização do controvertido prédio.
Sendo manifesto que o KC estava obrigado ao referido pagamento mensal pela sua permanência no identificado prédio, enquanto vigorasse a providência cautelar, mal se compreende pois como possa afirmar que não foi objeto de qualquer condenação, o que veio a ser admitido pelo tribunal a quo.
É pois clara a intenção resultante da decisão exequenda do TCAN ao ter estabelecido uma contrapartida pela utilização do prédio onde está instalado o kartódromo, enquanto a suspensão de eficácia perdurasse, e que se consubstanciou na definição de uma contrapartida por essa ocupação, correspondente a uma condenação no pagamento de uma renda mensal de €4.000.
Essa contrapartida assentou, como lhe competia, no nº 3 do art. 120.° do CPTA, em função dos poderes conferidos ao Tribunal para o efeito no sentido de fixar contrapartidas que salvaguardem os diversos interesses envolvidos, não podendo qualquer das partes ignorar e incumprir o determinado, “escolhendo” apenas a parte do decidido que mais lhe convém.
Em face do que precede, tendo a decisão exequenda determinado, designadamente, que o KC deveria pagar mensalmente 4.000€ pela ocupação do Kartódromo, impedir que o município possa receber a referida contrapartida na pendência da providência cautelar, como judicialmente determinado, consubstanciar-se-ia, no mínimo, na violação do interesse público e das decisões judiciais, violando, desde logo o estatuído no nº 1 do Artº 158º do CPTA (Obrigatoriedade das decisões judiciais).
Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso jurisdicional e revogando a decisão recorrida julgam-se improcedentes, por não provados, os embargos deduzidos, determinando-se consequentemente a baixa dos autos à 1ª instância a fim de ser retomada a normal tramitação da Execução.
***
Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAN, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a decisão recorrida, mais se determinando a baixa dos autos à 1ª instância nos termos e para os efeitos sobreditos.
Custas pela Recorrida
Porto, 1 de março de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Rogério Martins (Em substituição)