Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00122/03-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:2ª AVALIAÇÃO; FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO
Sumário:i) A fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser expressa, clara, congruente, suficiente e contemporânea do acto. Ou seja, deve conter a explicitação das razões de facto e de direito que motivam o acto (os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto), não podem ser confusas ou ambíguas e o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados.
ii) Para o acto estar fundamentado, mostra-se essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não noutro.
iii) Não está suficientemente fundamentado o acto da 2.ª avaliação de um prédio urbano, quando nele se empregam expressões como “localização do prédio”, “zona envolvente”, “materiais utilizados na construção” e “infra-estruturas existentes”, desacompanhadas de outros elementos circunstanciais justificativos.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:P...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Fazenda Pública (Recorrente) não se conformando com a sentença proferida pelo TAF do Porto que julgou procedente, com fundamento na falta de fundamentação do acto, a impugnação deduzida por P...contra o acto de fixação de valor patrimonial tributário do seu imóvel em EUR 209.737,92, em sede de segunda avaliação, dela veio interpor recurso jurisdicional, culminando com as seguintes conclusões:

I. Julgou a douta Sentença recorrida procedente a impugnação deduzida contra a deliberação da Comissão de Avaliação que, em sede de segunda avaliação, atribuiu o valor patrimonial de 209.737,92 euros, ao prédio urbano, cuja declaração modelo 129 para inscrição na matriz havia sido apresentada em 08.10.2002.

II. O decidido, louva-se na consideração de que a “fundamentação da 2ª avaliação é manifestamente insuficiente, o que integra uma ilegalidade por preterição de formalidades legais.”

III. Não se conforma a Fazenda Pública com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento - de facto e de direito.

IV. De molde a subsumir a situação real respigada dos autos à boa decisão da causa, o probatório deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual, ao abrigo do disposto no art. 712º, n.º 1 alínea a) do CPC, completando-se os factos dados por provados sobre os itens – item 3 , 4 e 5 – que se mostram documentalmente provados e importam à boa decisão da causa.

V. Contrariamente ao sentenciado, consideramos que da prova produzida resulta a demonstração de que o acto de fixação do valor patrimonial se encontra suficientemente fundamentado, na senda aliás do propugnado pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público.

VI. Em discordância com o acto de fixação resultante da primeira avaliação, o contribuinte requer segunda avaliação e, de igual modo o Chefe de Finanças promove essa avaliação, de harmonia com o art. 279º do CPIIA.

VII. A avaliação que veio a ser efectuada por louvados diferentes, em número de três – dois nomeados pela Administração Tributária e um nomeado pelo contribuinte.

VIII. Afinal e, por unanimidade, veio a ser encontrando um valor patrimonial para o imóvel, coincidente com o valor proposto na primeira avaliação.

IX. Sendo aquele o valor considerado por todos os membros da Comissão de Avaliação como o correcto, e nessa conformidade subscrevem o Termo de Avaliação e, consequentemente o valor patrimonial de 209.737,92 euros.

X. A deliberação do órgão colegial, como a Comissão de Avaliação, foi tomada com observância do quorum legalmente exigido, pelas suas próprias circunstâncias, sendo portanto apta a representar a vontade do respectivo órgão que in casu considerou o valor da avaliação conforme à lei.

XI. A nosso ver, ressalta do autos que a entidade decidente emanou declaração fundamentadora do seu juízo, bem como, enunciou os elementos fáctico-jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo.

XII. A fundamentação dos actos administrativos em geral, constitui um imperativo constitucional, cujo escopo imediato é esclarecer concretamente a motivação do acto, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo que determinou a adopção do acto, com determinado conteúdo.

XIII. Em direito tributário, dimana do art. 77.º da LGT esta exigência de fundamentação.

XIV. A fundamentação de um qualquer acto da administração deve ser o suporte, por que foi efectuada aquela concreto acto e não outro, de molde a permitir ao contribuinte apreender os factos donde ele emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou a reagir, se entender que o mesmo se encontra maculado de vício que o inquine de ilegal, variando assim, a densidade dos elementos de fundamentação, consoante a natureza de acto em causa e a participação, ou não, do mesmo no procedimento da sua formação.

XV. Sobre a matéria versada veja-se o Acórdão do TCASul de 10.05.2005, proferido no processo n.º 00965/03:

XVI. Neste âmbito, podemos afirmar que o acto impugnado está adequadamente fundamentado pois o valor encontrado surge justificado, em concretização dos critérios enunciados na primeira avaliação e em cumprimento dos arts. 268° n.º 3 da CRP, 125° do CPA, art. 77° da LGT e 142º a 145º e 279º do CPIIA.

XVII. As razões da entidade decidente, ante as circunstâncias que imperavam à data a que se reporta a realização do acto de fixação, mostram-se credíveis e motivadas e determinam que se possa considerar como suficientemente fundamentado,

XVIII. atendendo, designadamente, a que houve unanimidade e aproximação entre cada um dos louvados, como resulta da matéria de facto assente, se considerada a alteração ao probatório, percebendo-se destarte, as razões que levaram a Comissão de Avaliação a aferir da justeza do valor encontrado.

XIX. O mesmo é dizer, a fundamentação continha os esclarecimentos concretos e suficientemente, aptos a sustentar a decisão e, assentando a exposição nos motivos aduzidos pela entidade decidente ficou o contribuinte e o chefe de finanças que também havia promovido aquela avaliação a saber o porquê de tal decisão.

XX. E, e este a poder determinar-se com a decisão e aquele a reagir contra ela.

XXI. A fundamentação do acto administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do contribuinte/administrado do uso correcto de todos os meios processuais de defesa em relação à Administração, defesa essa que só é susceptível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste, como sucedeu no caso sub judicio.

XXII. O Tribunal a quo decidiu com violação das disposições legais supra citadas.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta Decisão recorrida, com as legais consequências.

Não houve contra-alegações.


Neste Tribunal, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, onde concluiu pela procedência do recurso nos termos seguintes:

“(…)

Em matéria de fundamentação de actos administrativos é comummente aceite que goza de suficiente fundamentação se a exposição da motivação, quer de facto, quer de direito, do acto permitem a respectiva compreensibilidade a uma destinatário normal (bónus pater famílias), hipoteticamente colocado na situação concreta do destinatário, de forma que possa conhecer as razões porque o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente.

Os critérios legais exigidos para determinar a avaliação de imóveis não arrendados (como era o caso do imóvel ora em apreço), para efeitos de CA são, em conformidade com as disposições legais aplicáveis do CPIIA, os seguintes:

a) O rendimento obtém-se deduzindo do valor locativo a percentagem e encargos mencionados no art. 113.º do CPIIA;

b) O valor locativo corresponde à justa renda pelo período de uma ano em regime de liberdade contratual (art. 125.° do CCPIIA);

c) O valor locativo determina-se por confronto com outros que se encontrem dados de arrendamento, em regime de liberdade contratual, de preferência na mesma localidade e que melhor sirvam de padrão (art. l44.°, regra 7.ª do CCPIIA).

Do texto do acto de avaliação ora em causa constam, como factores justificativos do resultado que:

a) Trata-se de um prédio urbano destinado a habitação, composto por cave r/c, andar com 5 quartos, 3 casas de banho, cozinha, sala e ampla cave para arrumos, com a área coberta de 206,55 m2 e área descoberta de 227,45 m2;

b) O rendimento colectável e o correspondente valor patrimonial foi apurado tendo em conta a localização, zona envolvente, materiais utilizados na construção e infra-estruturas existentes.

Como os encargos a deduzir ao valor locativo são fixos, apenas se questiona se este foi apurada em face da justa renda praticada na mesma localidade e relativa a casas de habitação com o mesmo padrão. E esse valor (da justa renda) a comissão fixou-a face a factores que enumerou no acto – tipologia, área coberta e área descoberta, localização, matérias utilizados, envolvente e infra-estruturas existentes. Obviamente que se o valor da justa renda para a habitação em questão é elevado é porque a comissão, dentro dos seus poderes discricionários, que sempre envolvem esta matéria, achou que os factores de valorização que utilizou justificavam aquele valor.

Assim, através do texto do acto avaliativo em causa, ficou o destinatário a saber qual o rendimento colectável do prédio e quais os factores que o determinaram (tipologia, localização, materiais utilizados, envolvente e infra-estruturas). E ficou também a saber que, se os factores utilizados para a justificação do valor a que chegou a comissão não justificavam o valor atribuído, ou se havia outros factores atendíveis e não valorizados, tinha a possibilidade de contenciosamente pugnar pelo desacerto da decisão procedimental, alegando e provando que a localização, a envolvente, as infra-estruturas e os matérias utilizados não tinham a qualidade compatível com o rendimento colectável atribuído, ou mesmo que o valor da renda, em regime de liberdade contratual, para prédio com o mesmo padrão e localização, era inferior àquela que determinou o rendimento colectável em concreto

Nos sobreditos termos, nem se justifica a requerida ampliação da matéria de facto, porque o acto de avaliação, cotejado com outros elementos constantes da restante matéria assente, mostra-se, como se disse, suficientemente fundamentado.


Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos, vem agora o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4, todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), traduzem-se em apreciar:

i) se a sentença recorrida enferma de insuficiência da matéria de facto provada;

ii) se o Tribunal a quo errou ao não ter considerado suficientemente fundamentado o acto de avaliação patrimonial (2.ª avaliação) impugnado.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e que aqui se reproduz:

1. Em 08 de Outubro de 2002 o ora impugnante, apresentou a declaração modelo 129, para a inscrição de uma casa composto de cave, rés do chão e andar com garagem, nos termos constantes de fls. 28 a 30 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.

2. A declaração identificada em 1), deu lugar à avaliação do imóvel em causa, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial de € 209.737,92.

3. O ora impugnante foi notificado daquele valor, por carta datada de 27 de Junho de 2004, cfr. fls. 17 do PA e que aqui se dá por reproduzida.

4. [n.º 3, repetido, no original] O valor patrimonial fixado em sede de avaliação tem por base os seguintes fundamentos: “A Comissão de Avaliação, após visita directa ao local, tendo em atenção à localização do prédio, zona envolvente, materiais utilizados na construção e infra-estruturas existentes, declarou por unanimidade atribuir os seguintes valores (...) rendimento colectável (...) 13.982,53€ (...) Valor Patrimonial (...) 209.737,92€”.

5. [n.º 4 no original] O impugnante por não concordar com o valor patrimonial fixado, requereu em 26.11.2002 uma segunda avaliação, nos termos constantes de fls. 22 do PA e que aqui se dá por reproduzida.

6. [n.º 5 no original] Em 25.06.2003 foi efectuada a segunda avaliação ao imóvel em causa onde foram exarados os seguintes fundamentos: “A comissão em deslocação ao local verificou tratar-se de uma moradia unifamiliar sita na freguesia de Rio Tinto, na Rua… n.º …, propriedade de P...destinada a habitação permanente, composta por s/c andar e garagem.

Assim, a comissão por inspecção directa e em conformidade com todas as disposições legais e por unanimidade, face à sua localização, tipicidade e aos valores locativos praticados no local acordaram manter os mesmo valores atribuídos pela 1°comissão de avaliação pois foram considerados correctos para o local”.

7. [n.º 6 no original] O resultado da segunda avaliação foi notificado ao ora impugnante por carta datada de 08.09.2003, cfr. fls. 37 do PA e que aqui se dá por reproduzida.

Factos não provados:

Com interesse para a presente decisão, inexistem.

O Tribunal a quo alicerçou a motivação da matéria de facto nos seguintes termos:

Para assentar a matéria de facto provada, alicerçou-se a convicção do Tribunal nos documentos acima identificados e não impugnados.



Ao abrigo do disposto no art. 712.º do CPC, uma vez que do processo constam os elementos para o efeito, acorda-se em aditar à factualidade fixada o seguinte:

8. O “termo de avaliação” a que se reporta a segunda avaliação identificada em 6. supra, foi subscrito por unanimidade dos louvados (cfr. doc. constante de fls. 35 do P.A. apenso aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).



II.2. De direito

Começa a Recorrente por imputar erro de julgamento de facto à sentença recorrida com fundamento em o Tribunal a quo não ter dado como assente factualidade que reputa como essencial para a discussão da causa.

Concretamente, alega a Recorrente que a sentença recorrida enferma de insuficiência da matéria de facto assente, que deverá ser ampliada, ao abrigo do art. 712.º, n.º 1, al. a), do CPC, de molde que aos pontos 4, 5 e 6 do probatório (na numeração por nós corrigida) seja acrescentada a seguinte factualidade:

4- O valor patrimonial fixado em sede de 1ª avaliação tem por base os seguintes fundamentos: Moradia unifamiliar de cave, r/c e andar com garagem, sito na Rua…, Lugar da Campainha, n…., Rio Tinto – 4435 Gondomar, com a área coberta de 206,55 m2, área descoberta de 227,45 m2 e uma área total de 434,00 m2. A comissão de avaliação, após visita ao local, tendo em atenção à localização do prédio, zona envolvente, materiais utilizados na construção e infra-estruturas existentes, declarou por unanimidade atribuir os seguintes valores: Rendimento colectável 13.982,53€ Valor Patrimonial 209.737,92 €

5- O impugnante por não concordar com o valor patrimonial fixado, e de igual modo a administração tributária requererem em 26.11.2007 e em 27.11.2002, respectivamente, a segunda avaliação, nos termos constantes de fls. 22 e 23 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

6- Em 25.06.2003 foi efectuada a segunda avaliação ao imóvel em causa onde foram exarados, por unanimidade dos membros da comissão de avaliação, os seguintes fundamentos:(…).”

Nos termos do artigo 685.º-B do CPC incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e

c) no “caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.

Resulta pois do citado artigo 685.º-B do CPC a consagração de um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, o qual impende sobre a aqui Recorrente e que a mesma, efectivamente se considera ter satisfeito.

Com efeito, vem imputado erro do Tribunal a quo na apreciação dos factos levados ao probatório e que não foram consignados na sua integralidade, identificando-se, neste ponto, os concretos factos que a Recorrente entende que deviam ter sido dado como provados, bem como quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnada (conclusão IV. e pontos 4. e 5. das alegações). Ou seja, nesta parte, mostra-se devidamente cumprido o ónus de alegação consagrado no referido artigo 685.º-B do CPC.

É sabido que cabe ao Tribunal discriminar a matéria de facto provada da não provada, seleccionando a matéria relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 511.º, n.º 1 e 659.º, n.º 2 do CPC. Pelo que, estando em discussão saber se o acto impugnado estava ou não fundamentado, o que passa pela verificação de todos os elementos que constituem a sua motivação, pois só assim se conseguirá avaliar da suficiência da sua fundamentação, importa levar ao probatório tal factualidade, e só nessa matéria, tal como a Recorrente a esse propósito sustenta.

Razão pela qual, para além do aditamento por nós já efectuado, e procedendo parcialmente o recurso nesta parte, acorda-se em dar como provado, em substituição do respectivo ponto do probatório fixado pelo Tribunal a quo, o seguinte:

4- Na fixação do valor patrimonial em sede de 1ª avaliação, foram referidos os seguintes elementos (cfr. doc. de fls. 25 do PAT):

- “casa Moradia unifamiliar de cave, r/c e andar com garagem, sito na Rua …, Lugar da Campainha, n.º …, Rio Tinto – 4435 Gondomar, com a área coberta de 206,55m2, área descoberta de 227,45m2 e uma área total de 434,00m2.

- A comissão de avaliação, após visita directa ao local, tendo em atenção à localização do prédio, zona envolvente, materiais utilizados na construção e infra-estruturas existentes, declarou por unanimidade atribuir os seguintes valores: Rendimento colectável 13.982,53€ // Valor Patrimonial 209.737,92 €.”


Vejamos agora se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por ter concluído que o acto de fixação de valor patrimonial impugnado - 2ª avaliação - padece de fundamentação insuficiente e, com base na existência desse vício, ter julgado a impugnação procedente.

Alega a Recorrente que da prova produzida resulta a demonstração de que o acto de fixação do valor patrimonial se encontra suficientemente fundamentado, tendo sido enunciados os elementos fáctico-jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo.

A sentença recorrida, neste ponto, alcançou a conclusão de que a fundamentação da 2ª avaliação era manifestamente insuficiente, o que integra uma ilegalidade por preterição de formalidades legais, no seguinte discurso fundamentador:

“(…) A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não) o contribuinte e permitir-lhe o controlo do acto.

Traduz-se isto em dizer que o contribuinte deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, tem que lhe ser comunicado ainda que de forma sucinta, nota do itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido, para a tomada da decisão.

Só assim o contribuinte pode analisar e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por esta via, ele fica munido dos elementos essenciais para exercer o seu direito de impugnar a decisão: só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.

Pretende-se pois, que o contribuinte fique ciente do modo e das razões por que se chegou a determinado valor tributável ou por que foi tributado em determinado imposto ou quantia.

Nesta perspectiva, e tendo por base a matéria de facto dada como assente, temos de concluir pela insuficiente fundamentação quer a efectuada no âmbito da 1ª avaliação, quer a efectuada aquando da 2ª avaliação.

Na verdade, desta consta apenas o seguinte: “A comissão em deslocação ao local verificou tratar-se de uma moradia unifamiliar sita na freguesia de Rio Tinto, na Rua… n° …, propriedade de P...destinada a habitação permanente, composta por s/c andar e garagem. (... ) Assim, a comissão por inspecção directa e em conformidade com todas as disposições legais e por unanimidade, face à sua localização, tipicidade e aos valores locativos praticados no local acordaram manter os mesmo valores atribuídos pela 1ª comissão de avaliação pois foram considerados correctos para o local”.

Ou seja, da fundamentação em causa não se conclui por quaisquer dados objectivos.

Pois, da deliberação efectuada pelo comissão, fica-se sem saber qual o tipo de construções que constituem os prédios avaliados, que tipo localização em que a mesma se insere, quais os acessos, quais os preços praticados no local para prédios idênticos, quais os valores patrimoniais atribuídos aos prédios confinantes, etc.

Há pois, total omissão de pronúncia quanto a questões essenciais para se poder efectuar o controle do acto de avaliação, designadamente, como a indicação de dados objectivos e claramente informativos.

Em conclusão, a fundamentação da 2ª avaliação é manifestamente insuficiente, o que integra uma ilegalidade por preterição de formalidades legais.

E, pode já adiantar-se, o assim decidido é de manter.

Nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da CRP os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Como a jurisprudência tem vindo a entender, de forma reiterada, a elevação à categoria de garantia do contribuinte do dever de fundamentação facilmente se percebe quando atentamos nos objectivos deste instituto, quer se trate do propósito de pacificação das relações entre a Administração e o Administrado, quer na perspectiva da defesa do contribuinte, quer, ainda, tendo em vista o próprio autocontrole da Administração. Na verdade, um contribuinte conhecedor dos motivos do acto praticado pode convencer-se da sua justeza e aceitá-lo ou, conhecendo os motivos e deles discordando, pode atacar o acto pondo em causa os seus fundamentos, sendo certo, também, que tal dever funcionará, ainda, como forma de a própria Administração se autofiscalizar e autocontrolar em resultado da reflexão e ponderação sobre os motivos que estão na origem do acto (cfr. o acórdão deste TCAN de 17.05.2012, proc. n.º 137/02-Porto).

A fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser expressa, clara, congruente, suficiente e, naturalmente, contemporânea do acto. Ou seja, deve conter a explicitação das razões de facto e de direito que motivam o acto (os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto), não podem ser confusas ou ambíguas e o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados.

Assim, para que se possa considerar satisfeita a exigência legal da fundamentação dos actos necessário se torna que “o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica” (cfr. acórdão do STA de 25 Jun. 98, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 391, p. 236).

A fundamentação visa, essencialmente, permitir ao destinatário uma opção esclarecida e consciente entre a aceitação do acto e a sua impugnação graciosa ou contenciosa (função exógena), e bem assim, impor ao decisor a ponderação, de forma cuidada, séria e isenta, dos vários factos e normas jurídicas em jogo contribuindo para a transparência da actuação administrativa (função endógena) (v. os Acórdãos do STA de 14.09.2011, proc. n.º 255/11 e de 26.06.2013, proc. n.º 1290/12).

Assim, equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, pela sua obscuridade, contradição ou insuficiência não permitam em concreto esclarecer o destinatário do acto acerca dos motivos da decisão. Sendo que o critério para aferição da clareza, congruência e suficiência da fundamentação consiste em verificar se na situação em concreto e perante o acto em causa e as circunstâncias específicas em que o mesmo é praticado um destinatário normalmente diligente ou razoável ficaria em condições de conhecer o itinerário funcional, cognoscitivo e valorativo do autor do ato, que o levou a decidir em determinado sentido.

No caso em apreço, estando em causa um acto de fixação de um concreto valor patrimonial de um imóvel – o prédio urbano a que se referem os pontos 1., 4. e 6. do probatório - , importaria que do seu teor resultassem expressos e justificados os factores/critérios que motivaram a fixação daquele valor e não de qualquer um outro.

Se bem atentarmos no termo de avaliação, tal como resulta da factualidade assente, facilmente se conclui não serem apreensíveis os motivos que levaram a Comissão de Avaliação a atribuir os seguintes valores: Rendimento colectável 13.982,53€”, “Valor Patrimonial 209.737,92 €.” De resto, como aponta a sentença recorrida – quando nesta se afirma que da fundamentação em causa não se conclui por quaisquer dados objectivos –, nem se alcança em que medida os factores indicados da “localização do prédio, zona envolvente, materiais utilizados na construção e infra-estruturas existentes” determinaram, cada um e com que peso – proporção de cada factor para o valor final apurado –, o valor patrimonial fixado.

Com efeito, operando-se a fundamentação do acto da 2.ª avaliação para a fundamentação do acto de avaliação anterior – o qual é expressamente mantido nos seus pressupostos como resulta do provado em 6. supra – o emprego das expressões “localização do prédio, zona envolvente, materiais utilizados na construção e infra-estruturas existentes, por si só, desacompanhadas de outros elementos circunstanciais justificativos, não permite perceber em que medida tal se traduziu numa determinada quantificação e não noutra qualquer. E se se pode ainda determinar qual é a concreta localização do imóvel em causa, já nada se alcança, porque nada vem dito no termo de avaliação, quanto à zona envolvente, aos materiais utilizados na construção e às infra-estruturas existentes. Elementos estes que não surgem minimamente densificados e que impossibilitam acompanhar o raciocínio que permitiu à Comissão extrapolar para os valores fixados relativos ao rendimento colectável de EUR 13.982,53 e a um valor patrimonial de EUR 209.737,92.

Na realidade, pela generalidade e falta de concretização do termo de avaliação, não se pode afirmar, nem que o Recorrido, enquanto destinatário da decisão impugnada, tenha ficado ciente das razões que levaram os louvados a concluir pela adequação do valor patrimonial fixado, nem tão pouco aferir do grau de ponderação exigível aos ditos louvados, na quantificação concreta de cada uma das variáveis consideradas e que resultaram na avaliação contestada.

Como se percebe, e contrariamente ao que defende a Recorrente e o que sustenta o MP no seu parecer, a mera enunciação pela Comissão dos factores em que assentou o acto de avaliação – tipologia, área coberta e área descoberta, localização, matérias utilizados, envolvente e infra-estruturas existentes – não se mostram suficientes para minimamente demonstrar as razões justificativas do apuramento dos valores alcançados. Aliás, salvo o devido respeito, o argumento avançado no parecer emitido pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto de que “se o valor da justa renda para a habitação em questão é elevado é porque a comissão, dentro dos seus poderes discricionários, que sempre envolvem esta matéria, achou que os factores de valorização que utilizou justificavam aquele valor” é vazio de conteúdo. Obviamente que a questão não se reconduz ao que “achou” a Comissão, mas sim à explicitação das razões por esta consideradas e que concorreram para a determinação do valor alcançado. É que, para o acto estar fundamentado, mostra-se essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro (cfr., neste exacto sentido, o Acórdão do STA de 14.09.2011, proc. n.º 255/11). Por outro lado, discricionariedade administrativa não se confunde com arbitrariedade, nem o preenchimento valorativo de conceitos indeterminados com subjectividade.

No caso presente, se o valor locativo a atender corresponde à “justa renda pelo período de uma ano em regime de liberdade contratual” (art. 125.° do CCPIIA), na determinação dessa renda justa concorrem factores objectivos ou objectiváveis, como o confronto com outros prédios que se encontrem dados de arrendamento, em regime de liberdade contratual, de preferência na mesma localidade e que melhor sirvam de padrão (art. l44.°, regra 7.ª do CCPIIA). E, certo é que, nada é dito sobre as rendas anuais que se praticam na zona da situação do prédio avaliado.

Deste modo, face ao teor do termo de avaliação, ao seu discurso fundamentador, subscreve-se o entendimento no sentido de que, efectivamente, o mesmo não consubstancia fundamentação bastante, considerando as finalidades que, com o dever legal de fundamentação, o legislador quis atingir e que acima deixámos apontadas.

Em suma, o acto de avaliação contestado não esclareceu, como devia, o seu destinatário acerca do itinerário cognoscitivo e valorativo que levou à prática desse acto com um certo conteúdo, impedindo-o de conhecer as razões, de facto e de direito, que levaram a Administração a decidir num sentido e não noutro. No caso, a fundamentação externada no termo de avaliação não permite apreender, de forma acessível e tendo como referência um destinatário normal, de que modo foram considerados os factores enumerados na fixação do valor patrimonial aqui em causa.

Nestes termos, bem andou a Mma. Juiz a quo quando decidiu que, no caso, a fundamentação do termo de avaliação era manifestamente insuficiente, o que, de acordo com o disposto no artigo 125.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, equivale à falta de fundamentação.

E, como está bem de ver, face ao que vimos de dizer, para os efeitos de apreciar o cumprimento do dever de fundamentação do valor patrimonial, é absolutamente indiferente que o perito indicado pela parte tenha assinado o termo de avaliação e que a Comissão tenha deliberado por unanimidade, já que “a fundamentação relevante não só tem de ser contextual como também tem de revelar-se alcançável pelo administrado colocado na posição de destinatário normal” (cfr. acórdãos deste TCAN de 8.03.2012, proc. n.º 1163/04.1 BEPRT, de 26.04.2012, proc. n.º 138/02-Porto e de 17.05.2012, proc. n.º 137/02).

Face ao que ficou dito há que concluir que a impugnação judicial não podia deixar de ser julgada procedente, com fundamento na falta de fundamentação do acto, pelo que é de confirmar a sentença que assim, e bem, o decidiu, com o que improcede o recurso interposto pela Fazenda.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser expressa, clara, congruente, suficiente e contemporânea do acto. Ou seja, deve conter a explicitação das razões de facto e de direito que motivam o acto (os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto), não podem ser confusas ou ambíguas e o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados.

ii) Para o acto estar fundamentado, mostra-se essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não noutro.

iii) Não está suficientemente fundamentado o acto da 2.ª avaliação de um prédio urbano, quando nele se empregam expressões como “localização do prédio”, “zona envolvente”, “materiais utilizados na construção” e “infra-estruturas existentes”, desacompanhadas de outros elementos circunstanciais justificativos.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 15 de Novembro de 2013

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves