Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00381/18.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO;
TRABALHO POR TURNOS;
CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO;
Sumário:1 - Nos termos do disposto nos artigos 115.º, n.º 1 e 161.º, n.º 1, ambos da LGTFP, a que se reporta a Lei n.º 35/2014 de 20 de junho, considera-se trabalho por turnos qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas, sendo que, desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho noturno, os trabalhadores por turnos têm direito a um acréscimo remuneratório cujo montante varia em função do número de turnos adoptado, bem como da natureza permanente ou não do funcionamento do serviços.

2 - Exercendo a Autora as suas funções de forma rotativa, semanalmente e em horas diferentes e culminando parte desse trabalho num dos dois turnos em horário considerado nocturno, o modo, termos e pressupostos por que assim organizou o Réu esses serviços configura uma gestão do trabalho por turnos, cabendo à Autora o direito a que lhe seja prestado o suplemento remuneratório de turno, em conformidade com o disposto no artigo 161.º da LGTFP.

3 - Decorre do novo contencioso administrativo, resultante da aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que os actos administrativos de indeferimento expresso deixam de ser objecto de processos de estrita impugnação judicial destinados a obter a sua anulação ou declaração de nulidade, para passarem a ser objecto de processos de condenação à prática do acto administrativo devido.

4 - O acto administrativo a praticar pelo Réu, é um acto que não reserva qualquer margem apreciação ao seu autor, pois que se trata de um acto com conteúdo estritamente vinculado, na medida em que a Autora tem direito a auferir, ou seja, a que lhe seja prestado pelo Réu o suplemento remuneratório previsto no artigo 161.º da LGTFP, e para esse cálculo devem ser aplicadas as percentagens mínimas legalmente previstas neste normativo.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


MUNICÍPIO ..., Réu na acção que contra si intentou AA [ambos devidamente identificados nos autos], onde esta formulou pedido no sentido da anulação do acto administrativo datado de 11 de junho de 2018, por via do qual lhe foi indeferido o pedido de pagamento do subsídio de turno previsto no artigo 161.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas [LGTFP] apresentado em 17 de maio de 2018, assim como a condenação do Réu a praticar acto de deferimento do referido subsídio, acrescido de juros de mora contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações em falta, até efectivo e integral pagamento, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu pela qual, a final e em suma, foi a acção julgada procedente, veio interpor recurso jurisdicional de Apelação.

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES
1.a/ Está provado que a autora desempenha as suas funções no Complexo Desportivo Municipal que tem como horário de funcionamento abertura às 8h e encerramento às 22h30m onde são praticados, pelo publico em geral, diversos desportos no pavilhão e natação na piscina.
2.a/ É um facto notório que aquele estabelecimento é utilizado pelo publico em geral
para aquelas atividades em horário que seja compatível com o horário de trabalho da
sua atividade profissional, isto é, o publico em geral que trabalha no período diurno, por conta de outrem, ou que desempenha uma profissão independente, só pode beneficiar daquele serviço publico do complexo desportivo se este estiver aberto em horário pós laboral.
3.a/ Donde decorre que, tendo a autora um horário por turnos que coincide parcialmente com trabalho no período noturno, o direito a suplemento remuneratório previsto no artigo 161.º da LTFP é excluído por forca da exceção prevista no artigo 160.º n.º 3 da mesma lei.
4.a/ O Reu ao indeferir o pedido da autora teve por fundamento ou base o facto ou entendimento que o horário de trabalho desta era desfasado e que não lhe conferia o direito ao suplemento remuneratório.
5.a / Decidido, por sentença, que aquele ato é ilegal com fundamento de que o horário da autora e por turnos e que coincide parcialmente com trabalho prestado no período noturno, o novo ato a praticar pelo réu não é, necessariamente, o deferimento do pedido de pagamento do suplemento remuneratório, mas sim apreciar o mesmo pedido à luz do disposto no artigo 160.º n.º 3 da LTFP que consagra uma exceção à atribuição daquele suplemento.
6.a/ Razão pela qual o conteúdo do ato a praticar pelo réu, em sede de execução do julgado anulatório não é vinculado - deferimento do pedido - mas a sua apreciação à luz do quadro legal que atribui tal suplemento, nomeadamente, se verificar se ocorrem os pressupostos da exceção à sua atribuição.
7.a/ A douta sentença, ao considerar que o ato a praticar pelo réu, com conteúdo vinculado, era o deferimento da pretensão da autora na condenação no pagamento do
suplemento remuneratório, sem deixar margem para o réu apreciar o pedido à luz da
norma prevista no artigo 160.º n.º 3 da LTFP, fez incorreta interpretação e aplicação da lei e do direito, violando os artigos 160.º e 161.º da LTFP e artigo 71.º do CPTA.
TERMOS EM QUE deve ser julgado procedente o presente recurso e a final, revogando a sentença recorrida, deve ser substituída por outra que apenas anule o ato de indeferimento do pedido da autora, deixando ao réu, em sede de execução da sentença anulatória, a apreciação do pedido com a prolação de novo ato.
[…]”



**

A Autora ora Recorrida veio apresentar Contra alegações, onde a final elencou as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
1. Da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo resulta que a Recorrida presta a sua actividade, ao serviço do Recorrente, em regime de turnos e que um destes turnos e parcialmente coincidente com o período de trabalho nocturno.
2. Pelo exposto, estão, nos presentes autos, alegados e provados os pressupostos dos quais a lei faz depender o pagamento do subsidio de turno.
3. O Recorrente não impugnou a matéria de facto considerada provada na sentença recorrida.
4. Não o tendo feito, o acto que foi condenado a praticar é um acto de conteúdo vinculado e não discricionário, pois a sentença recorrida não imputou ao acto que fora praticado apenas vícios formais.
5. Pelo exposto, nunca o Tribunal a quo não fez incorreta interpretação e aplicação da lei aplicável, pelo que a sentença proferida deverá ser confirmada.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se na sua integra a sentença prolatada, assim fazendo V. Ex.as a tão Costumada JUSTIÇA!

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que se reconduzem, a final, em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 160.º e 161.º, ambos da LGTFP, e do artigo 71.º do CPTA.

**

III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
IV – Fundamentação de facto:
Com relevância para a prolação de decisão nos presentes autos, resulta provada a seguinte factualidade:
A) A Autora exerce funções ao serviço do Réu, estando integrada na categoria de Assistente Operacional, em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 4);
B) A Autora exerce as suas funções no Complexo Desportivo Municipal (cfr. PA);
C) De acordo com o Regulamento de Utilização do Complexo Desportivo Municipal do Réu, tal equipamento está aberto desde as 08h00 até às 22h30, excepto aos Domingos e Feriados (cfr. fls. 6 e ss. do PA);
D) Ainda de acordo com as indicações do Réu, os horários dos funcionários do Complexo Desportivo Municipal estão organizados nos seguintes moldes:
Horário dos Funcionários da Bilheteira
1ª Semana: 35 horas semanais
Segunda a Sexta-feira 08:00 às 13:00 = 5H x 5 Dias = 25 Horas
Sábado 09:00 às 12:00 e das 13:00 às 20:00 = 10 Horas
2ª Semana: 30 horas semanais (Jornada Contínua)
Segunda a Sexta-feira 14:00 às 20:30 = 6,5 H x 5 Dias = 32,5 Horas
Horário dos Funcionários do Pavilhão
1ª Semana: 35 horas semanais
Segunda a Sexta-feira 08:00 às 13:00 = 5H x 5 Dias = 25 Horas
Sábado 09:00 às 13:00 e das 15:00 às 21:00 = 10 Horas
2ª Semana: 30 horas semanais (Jornada Contínua
Segunda a Sexta-feira 16:00 às 22:30 = 6,5 H x 5 Dias = 32,5 Horas (BB – 14:00 às 22:30)
Horário dos Funcionários da Piscina
1ª Semana: 35 horas semanais
Segunda a Sexta-Feira 08:00 às 13:00 = 5 H x 5 Dias = 25 Horas
Sábado 08:00 às 13:00 e das 14:00 às 19:30 = 10 Horas
2ª Semana: 30 horas semanais (Jornada Contínua)
Segunda a Sexta-Feira 14:30 às 21:00 = 6,5 H x 5 Dias = 32,5 dias

(cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 3);
E) No mês de Janeiro de 2018, a Autora prestou os seus serviços ao Réu, nas 1ª e 3ª semanas, no período das 08h00 às 13h00 e, nas 2ª e 4ª semanas, no período decorrido entre as 14h30 e as 21h00 (cfr. documento junto pelo Réu a fls. 87 e seguintes);
F) Ao longo dos meses de Fevereiro a Maio de 2018, a Autora foi prestando os seus serviços ao Réu no mesmo regime rotativo, conforme descrito em E) (cfr. idem);
G) A 17/05/2018, a Autora dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal ... um requerimento, solicitando a atribuição do subsídio de turno previsto no artigo 161º da LTFP, arguindo que pelo menos um dos turnos por si praticados coincide, parcialmente, com o período de trabalho nocturno (cfr. fls. 4 e ss. do PA);
H) A 11/06/2018, o requerimento apresentado pela Autora foi indeferido pelo Réu, tendo por base as seguintes observações: “O movimento anterior foi o seguinte: «Perante teor de presente requerimento de atribuição de subsídio de turno e de anexo 1, entendo o seguinte: - O suplemento remuneratório de turno encontra-se previsto no art. 161 da LTFP, cujo nº 1 estabelece que “Desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho nocturno, os trabalhadores por turnos têm direito a um acréscimo remuneratório cujo montante varia em função do número de turnos adoptado, bem como da natureza permanente ou não do funcionamento dos serviços”; a fixação das percentagens de acréscimo remuneratório deverá ser efectuada em regulamento interno ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho – ns. 2 e 3 do citado art. 161. – Os horários praticados no ... e outros espaços desportivos configuram horários desfasados, nos termos do art. 113 da LTFP e cláusula 9ª do ACEP e não trabalho por turnos, tal qual este se encontra previsto nos arts. 115 e 116 da LTFP e cláusula 10ª do ACEP; não há assim lugar ao recebimento de suplemento remuneratório de turno.” (cfr. fls. 1 do PA);
I) O designado “Regulamento interno da duração de trabalho dos trabalhadores da Câmara Municipal ...” prevê, nos seus artigos 6º a 9º, quatro modalidades distintas de horários, sendo elas as de horário fixo, flexível, jornada contínua e específicos, regulamento este que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 7);
J) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 10/09/2018 (cfr. fls. 1 e ss. dos autos).
*
Factos não provados:
Com pertinência para o conhecimento da lide, não se deram quaisquer factos como não provados.
*
Motivação da decisão sobre a matéria de facto:
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes, como foi sendo especificamente indicado ao longo do probatório coligido.”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 24 de outubro de 2019, que com referência ao pedido formulado pela Autora a final da Petição inicial, julgou pela sua procedência.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Cumpre apreciar e decidir.

Conforme assim deflui das conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, não assacando o mesmo qualquer erro de julgamento em matéria de facto, tal significa que o mesmo se conformou com o probatório e respectiva fundamentação constante da Sentença.

Assim, o cerne da sua pretensão recursiva encerra-se na sua discordância face ao decidido pelo Tribunal a quo em torno do disposto nos artigos 160.º e 161.º, ambos da LGTFP, e do artigo 71.º do CPTA.

Em concreto, sustenta o Recorrente que trabalhando a Autora num complexo desportivo que está aberto no período das 08,00 às 22,30 horas, e que os cidadãos que trabalham em período diurno só podem usufruir desse equipamento municipal se o mesmo funcionar em período pós laboral, e que apesar de o período de trabalho da Autora coincidir parcialmente com trabalho no período nocturno, que não tem a mesma direito ao suplemento remuneratório, desde logo porque o trabalho é prestado em horário desfasado, e desta feita, que mesmo considerando que o acto que indeferiu o pedido formulado pela Autora é ilegal com fundamento em que o horário da Autora é por turnos e que coincide parcialmente com trabalho prestado no período noturno, que tornou a errar o Tribunal a quo quando o condenou a deferir o pedido de pagamento do suplemento remuneratório, pois que não se está perante a prática de um acto vinculado, antes porém que o que assim devia ter sido decidido era em condená-lo a reapreciar o pedido à luz do disposto no artigo 160.º n.º 3 da LTFP, em ordem a verificar se ocorrem os pressupostos da excepção à sua atribuição.

Por sua vez a Recorrida sustenta que face ao que decorre da matéria de facto julgada como provada pelo Tribunal a quo, na mediada em que a mesma presta a sua actividade ao Recorrente, em regime de turnos e que um destes turnos é parcialmente coincidente com o período de trabalho nocturno, estão já provados os necessários pressupostos dos quais a lei faz depender o pagamento do subsidio de turno, e que apenas se impõe a condenação do Réu na prática de um acto de conteúdo vinculado e não discricionário.

Atentemos pois no teor da essencialidade da fundamentação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos termos que para aqui extractamos como segue:

Início da transcrição
“[…]
Veio ainda a Autora imputar ao acto impugnado o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Alega para o efeito, e em suma, que exerce as suas funções laborais no Complexo Desportivo Municipal em regime de turnos. Mais invoca que, porquanto alguns dos turnos a que é chamada a cumprir serem coincidentes com o período nocturnos, tem direito a auferir subsídio de turnos, nos termos definidos na LTFP bem como no ... para o MUNICÍPIO ... (doravante abreviadamente ACEP). Conclui, assim, que, ao indeferir o Réu o seu pedido de pagamento de tal subsídio, classificando o seu horário de trabalho como sendo desfasado, incorre em violação de lei, mais considerando que tal entendimento comportaria um enriquecimento sem causa do Réu, à sua custa.

Já na óptica propugnada pelo Réu, o horário da Autora é desfasado, nos termos do previsto no artigo 113º da LTFP, uma vez que, durante o dia e durante a semana, não tem hora certa para o início da sua prestação laboral, nem para a sua saída, variando de acordo com as necessidades do serviço onde desempenha funções. Considera, assim, estar excluído da natureza e regime do horário por turno e nocturnos, pelo que é o acto impugnado válido.
Vejamos.
A matéria atinente às modalidades de horário de trabalho, em regime de contrato de trabalho em funções públicas, vem estabelecida nos artigos 110º e seguintes da LTFP.
Prescreve o nº 1 do artigo 110º da referida lei, sob a epígrafe “Adopção das modalidades de horário”, o seguinte:
“Em função da natureza das suas atividades, podem os órgãos ou serviços adotar uma ou, simultaneamente, mais do que uma das seguintes modalidades de horário de trabalho (sublinhado nosso):
a) Horário flexível;
b) Horário rígido;
c) Horário desfasado;
d) Jornada contínua;
e) Meia jornada;
f) Trabalho por turnos.”
Com pertinência para a presente lide, esclareça-se que o horário desfasado é aquele que, embora mantendo inalterado o período normal de trabalho diário, permite estabelecer, serviço a serviço ou para determinado grupo ou grupos de pessoal, e sem possibilidade de opção, horas fixas diferentes de entrada e de saída (cfr. artigo 113º da LTFP). Por outro lado, considera-se trabalho por turnos qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas (cfr. nº 1 do artigo 115º da LTFP).
Iguais definições decorrem, aliás, das cláusulas 9ª e 10ª do ACEP (publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 250, de 23/12/2015).

Ora, resulta do probatório coligido que, no cumprimento do estabelecido pelo Réu, a Autora presta o seu trabalho, numa semana, no período matutino, com início às 08h00 e término às 13h00, e, na semana imediatamente seguinte, no período vespertino, com início às 14h30 e término às 21h00 (factos D) a F) da matéria de facto dada como provada). Resulta ainda que tal sucessão de horários ocorre de forma rotativa e continuada.
Dúvidas não existem, assim, que é classificável a organização da prestação do trabalho pela Autora como sendo por turnos, na acepção descrita no artigo 115º da LTFP e também na cláusula 10º do ACEP, contrariamente ao afirmado pelo Réu.
O que vem de se afirmar não implica que não fosse o horário da Autora igualmente classificável como sendo desfasado. Efectivamente, e atento o horário de funcionamento do Complexo Desportivo Municipal de ..., os trabalhadores afectos a este serviço têm horas fixas (que não flexíveis, contrariamente ao propugnado pelo Réu) de entrada e de saída distintos daqueles previstos para outros serviços municipais, sendo esta a ratio de tal modalidade de horário, que nenhuma outra. Recorde-se que, como advém do artigo 110º da LTFP, diferentes modalidades de horários podem ser adoptadas de forma simultânea, uma vez que nada obsta a que um horário em regime de jornada contínua, por exemplo, não seja prestado por turnos.
O que importará, na realidade, é apurar da verificação dos pressupostos legalmente previstos para uma das modalidades de horários. Para além do mais, o facto de ser o horário da Autora classificável como desfasado em nada impossibilita, pelo contrário, que seja o seu trabalho prestado em regime de turnos.
Assim, resulta de forma cristalina que a Autora ocupa, sucessivamente, os mesmos postos de trabalho, de forma rotativa, executando o seu trabalho a horas diferentes, no decurso de cada semana, pelo que é indubitável ser tal organização do trabalho como sendo por turnos, nos termos previstos na lei.
Isto posto, determina a cláusula 11ª do ACEP que se considera trabalho nocturno aquele prestado no período compreendido entre as 20 horas de um dia e as 07 horas do dia seguinte.
Resulta do probatório coligido que um dos dois turnos previstos para a Autora, e em cumprimento dos quais esta presta o seu trabalho, se estende até às 21h00, pelo que é o mesmo considerado parcialmente nocturno.

[…]
Dúvidas não existem, assim, que tem a Autora direito a auferir o suplemento remuneratório previsto nesta norma. Ao indeferir a sua pretensão, incorreu o Réu em vício de violação de lei, gerador da anulabilidade do acto administrativo impugnado, o que desde já se declara.
*
Posto isto, e analisando a pretensão condenatória formulada pela Autora, atento o disposto nos artigos 66º e seguintes do CPTA, já se concluiu ser o acto impugnado anulável, por preterição do direito de audiência prévia e ainda por vício de violação de lei. Mais se afirme que, contrariamente ao propugnado pelo Réu na sua contestação, tratando-se de um acto de conteúdo vinculado, pelo menos parcialmente, pode aquele, nos termos prescritos nos artigos 71º e 95º do CPTA, ser condenado a deferir o peticionado pela Autora.
Na verdade, já há muito que o contencioso administrativo deixou de ter natureza estritamente cassatória, no qual se limitaria o Tribunal a ordenar a Administração a reexercer o poder administrativo, desta feita expurgada dos vícios apontados, tendo actualmente uma natureza verdadeiramente condenatória.
[…]
Assim, e atento tudo quanto ficou afirmado supra, tem a Autora direito a auferir o suplemento remuneratório previsto no artigo 161º da LTFP.
Não obstante, e perscrutado o ACEP, verifica o Tribunal que não foram no mesmo previstas as percentagens de suplemento a que se refere o nº 2 do artigo 161º da LTFP. Não podendo a Autora ser prejudicada por tal omissão, assiste-lhe razão quando peticiona que, em sede de cálculo do peticionado suplemento remuneratório, devem ser aplicadas as percentagens mínimas legalmente previstas no indicado preceito normativo.
[…]”
Fim da transcrição

Mas o assim julgado pelo Tribunal a quo é de manter, por não ser merecedor da censura jurídica que lhe faz incidir o Recorrente.

Vejamos pois.

O que apreciou e decidiu o Tribunal a quo em face da matéria de facto que deu como provada, e com o que se conformou o Recorrente, é que apesar de a Autora exercer as suas funções ao serviço do Réu em horário desfasado [com o que assim entende o próprio Réu], que de todo o modo também ainda prossegue esse trabalho em regime de turnos, pois que em semanas alternadas, um dos seus períodos de trabalho termina às 21,00 horas [Cfr. alíneas D) e E) do probatório].

Mas para além do exercício do trabalho prosseguido pela Autora ser levada a cabo por turnos, por assim resultar do probatório incluso na Sentença recorrida, também assim o Recorrente o admite/sustenta sob as conclusões 2.ª e 3.ª das suas Alegações de recurso, no sentido de que a Autora tem um horário por turnos que coincide parcialmente com trabalho no período nocturno.

Só que o dissenso em que assenta o entendimento do Réu, em suma, é que sustentando o mesmo que o exercício desse trabalho da Autora é por turnos e que em parte coincide com período nocturno, que não pode todavia atribuir-lhe o suplemento remuneratório, por assim dispor o legislador sob o artigo 160.º, n.º 3 da LGTFP [Cfr. conclusão 3.ª], e desta forma, que não podia ser condenado na prática do acto.

Mas sem razão alguma.

Neste conspecto, por julgarmos revestir interesse para a decisão a proferir, para aqui se extraem os artigos 115.º, 116.º, 159.º, 160.º e 161.º todos da LGTFP, a que se reporta a Lei n.º 35/2014 de 20 de junho, como segue:

“Artigo 115.º
Trabalho por turnos
1 - Considera-se trabalho por turnos qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - Devem ser organizados turnos de pessoal diferente sempre que o período de funcionamento do órgão ou serviço ultrapasse os limites máximos do período normal de trabalho.
3 - A duração de trabalho de cada turno não pode ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho.
4 - A prestação de trabalho por turnos deve obedecer às seguintes regras [sublinhado da autoria deste TCA Norte]:
a) Os turnos são rotativos [sublinhado da autoria deste TCA Norte], estando o respetivo pessoal sujeito à sua variação regular;
b) Nos serviços de funcionamento permanente não podem ser prestados mais de seis dias consecutivos de trabalho;
c) As interrupções a observar em cada turno devem obedecer ao princípio de que não podem ser prestadas mais de cinco horas de trabalho consecutivo;
d) As interrupções destinadas a repouso ou refeição, quando não superiores a 30 minutos, consideram-se incluídas no período de trabalho;
e) O dia de descanso semanal deve coincidir com o domingo, pelo menos uma vez em cada período de quatro semanas;
f) A mudança de turno só pode ocorrer após o dia de descanso.

Artigo 116.º
Regimes de turnos
1 - O regime de turnos é: [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
a) Permanente, quando o trabalho for prestado em todos os dias da semana;
b) Semanal prolongado, quando for prestado em todos os cinco dias úteis e no sábado ou domingo; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
c) Semanal, quando for prestado apenas de segunda-feira a sexta-feira.
2 - O regime de turnos é total quando for prestado em, pelo menos, três períodos de trabalho diário e parcial quando prestado em apenas dois períodos. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[...]”

Artigo 159.º
Condições de atribuição dos suplementos remuneratórios
1 - São suplementos remuneratórios os acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - Os suplementos remuneratórios estão referenciados ao exercício de funções nos postos de trabalho referidos na primeira parte do número anterior, sendo apenas devidos a quem os ocupe.
3 - São devidos suplementos remuneratórios quando trabalhadores, em postos de trabalho determinados nos termos do n.º 1, sofram, no exercício das suas funções, condições de trabalho mais exigentes: [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
a) De forma anormal e transitória, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho suplementar, noturno, [sublinhado da autoria deste TCA Norte] em dias de descanso semanal, complementar e feriados e fora do local normal de trabalho; ou
b) De forma permanente, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho arriscado, penoso ou insalubre, por turnos, [sublinhado da autoria deste TCA Norte] em zonas periféricas, com isenção de horário e de secretariado de direção.
4 - Os suplementos remuneratórios são apenas devidos enquanto perdurem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição e haja exercício de funções efetivo ou como tal considerado em lei.
5 - Os suplementos remuneratórios devem ser fixados em montantes pecuniários e só excecionalmente podem ser fixados em percentagem da remuneração base mensal.
6 - Os suplementos remuneratórios são criados por lei, podendo ser regulamentados por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

Artigo 160.º
Trabalho noturno
1 - O trabalho noturno deve ser remunerado com um acréscimo de 25 % relativamente à remuneração do trabalho equivalente prestado durante o dia. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - O acréscimo remuneratório previsto no número anterior pode ser fixado em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, através de uma redução equivalente dos limites máximos do período normal de trabalho.
3 - O disposto no n.º 1 não se aplica ao trabalho prestado durante o período noturno, salvo se previsto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho: [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
a) Ao serviço de atividades que sejam exercidas exclusiva ou predominantemente durante esse período, designadamente as de espetáculos e diversões públicas;
b) Ao serviço de atividades que, pela sua natureza ou por força da lei, devam necessariamente funcionar à disposição do público durante o mesmo período;
c) Quando o acréscimo remuneratório pela prestação de trabalho noturno se encontre integrado na remuneração base.

Artigo 161.º
Suplemento remuneratório de turno
1 - Desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho noturno, os trabalhadores por turnos têm direito a um acréscimo remuneratório cujo montante varia em função do número de turnos adotado, bem como da natureza permanente ou não do funcionamento do serviços. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - O acréscimo referido no número anterior, relativamente à remuneração base, varia entre:
a) 25 % a 22 %, quando o regime de turnos for permanente, total ou parcial;
b) 22 % a 20 %, quando o regime de turnos for semanal prolongado, total ou parcial;
c) 20 % a 15 %, quando o regime de turnos for semanal total ou parcial.
3 - A fixação das percentagens, nos termos do número anterior, tem lugar em regulamento interno ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
4 - O acréscimo remuneratório inclui o que fosse devido por trabalho noturno, mas não afasta a remuneração por trabalho suplementar.“ [sublinhado da autoria deste TCA Norte]

De igual modo, por revestir interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai parte do teor das cláusulas 9.ª, 10.ª e 11.ª do ACEP n.º 325/2015, como segue:




“Cláusula 9.ª
Horário desfasado
1 - O horário desfasado é aquele que, embora mantendo inalterado em cada dia e semana, respetivamente, o período normal de trabalho diário e semanal, permite estabelecer serviço a serviço ou para determinadas carreiras ou categorias, e sem possibilidade de opção, horas fixas diferentes de entrada e saída. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]”

Cláusula 10.ª
Trabalho por turnos
1 - Considera -se trabalho por turnos qualquer modo de organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupem sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o ritmo rotativo, que pode ser de tipo contínuo ou descontínuo, o que implica que os trabalhadores podem executar o trabalho a horas diferentes no decurso de um dado período de dias ou semanas. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[...]”

Cláusula 11.ª
Trabalho noturno
1 - Considera -se trabalho noturno o trabalho prestado no período compreendido entre as 20 horas de um dia e as 07 horas do dia seguinte, [sublinhado da autoria deste TCA Norte] para os trabalhadores inseridos nas seguintes carreiras:
a) Carreira de assistente técnico; ´
b) Carreira de assistente operacional;
[...]“

Ora, como vimos supra, o Recorrente não põe em causa que a Autora lhe preste serviço em regime de turnos, e que um dos períodos em que tal acontece coincide parcialmente com o período de trabalho em serviço nocturno.

O Recorrente admite-o, só que pretende encerrar esse exercício de funções por parte da Autora no regime previsto no artigo 160.º, n.º 3 da LPGTP, no qual não cabe a subsunção da situação de facto, pois que no local onde a Autora presta serviço, o mesmo é levado a cabo, como assim resultou provado, em regime de turnos rotativos, em que um deles cai em parte em período nocturno, que de acordo com o disposto no ACEP n.º 325/2015 [publicado no DR 2.ª série, de 23 de dezembro de 2015], é aquele que é realizado entre as 20,00 horas de um dia e as 07,00 horas do dia seguinte.

Cotejada a contestação deduzida pelo Réu ora Recorrente face ao que foi invocado na Petição inicial, o mesmo limitou-se a concluir que a Autora exerce funções em horário desfasado, referindo [Cfr. pontos 6.º, 7.º e 8.º] que durante o dia e durante a semana, não tem hora certa para o início da sua prestação laboral, nem para a sua saída, variando de acordo com as necessidades do serviço onde desempenha funções, e que está o trabalho assim por ela prestado excluído da natureza e regime do horário por turno e nocturno, referindo a final, que foi bem indeferido o pedido de subsídio formulado pela Autora ao Réu.

Nas Alegações de recurso apresentadas, o Recorrente vem enxertar uma questão nova, que é a de que não discordando do julgamento a que o Tribunal a quo chegou ao classificar o trabalho prestado pela Autora como trabalho por turnos, discorda todavia do dever de pagamento do suplemento remuneratório, e da condenação decidida pelo Tribunal a quo a fazê-lo, porque ainda lhe cabe apreciar se tem ou não cabimento na excepção de não atribuição a que se reporta o artigo 160.º, n.º 3 da LGTFP.

Para além de essa concreta questão de direito não ter sido objecto de apreciação por parte do Tribunal a quo, porque assim não foi suscitada pelas partes [Cfr. artigo 5.º do CPC], a concreta realidade é que lido o requerimento que a Autora apresentou ao Réu datado de 17 de maio de 2018, ele é totalmente claro em termos de se perceber o que constituía a pretensão administrativa deduzida pela requerente, e de resto, assim bem o percebeu e entendeu o Réu, pois que sob o ponto 8.º da Contestação refere que foi bem indeferido o pedido de subsídio de turno.

De todo o modo, sempre julgamos, em torno e para efeitos do disposto no artigo 160.º n.º 3 da LGTFP, como assim sustenta o Recorrente, isto é, visando a exclusão do não pagamento do trabalho nocturno, que pese embora nada ter alegado o Réu em sede da Contestação, para assim fixar a causa decidenda, no sentido de que a actividade a que se reporta o serviço que a Autora presta ao Réu no complexo desportivo não é exercida de forma exclusiva ou predominantemente nocturna, nem se trata de uma actividade que pela sua natureza ou por força da lei deva estar forçosamente à disposição do público no período nocturno, ou que a Autora já beneficia de acréscimo remuneratório pela prestação de serviço nocturno, que essa colocação da Autora [assim como de outros funcionários municipais em iguais circunstâncias], é antes o resultado de uma opção estratégica do município para assim poder abarcar todo o público interessado em aceder aos serviços prestados no interior do complexo desportivo.

Como assim resultou provado, e na decorrência do disposto no artigo 115.º da LGFFP e das cláusulas 10.ª e 11.ª do ACEP, exercendo a Autora as suas funções de forma rotativa, semanalmente e em horas diferentes e culminando parte desse trabalho num dos dois turnos em horário considerado nocturno, o modo, termos e pressupostos por que assim organizou o Réu esses serviços configura uma gestão do trabalho por turnos, cabendo à Autora o direito a que lhe seja prestado o suplemento remuneratório de turno, em conformidade com o disposto no artigo 161.º da LGTFP, como assim bem apreciou o Tribunal a quo.

De maneira que não incorreu o Tribunal a quo no invocado erro de julgamento em matéria de direito em torno do disposto nos artigos 160.º e 161.º ambos do CPTA.

Neste patamar, cabe agora apreciar o invocado erro de julgamento em torno da errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 71.º, do CPTA.

Neste conspecto, referiu o Recorrente que errou o Tribunal a quo quando o condenou a deferir o pedido de pagamento do suplemento remuneratório, pois que não se está perante a prática de um acto vinculado, antes porém que o que assim devia ter sido decidido era que reapreciasse o pedido à luz do disposto no artigo 160.º n.º 3 da LTFP, em ordem a verificar se ocorrem os pressupostos da excepção à sua atribuição.

Ora, como já vimos supra, não assiste razão alguma ao Recorrente.

Para além de ter sido apenas nesta instância recursiva que o mesmo colocou pela 1.ª vez a questão da convocação do disposto no artigo 160.º, n.º 3 do CPTA, resulta evidente que estando o trabalho da Autora organizado por dois turnos, rotativos, em que o horário de um deles cai no âmbito do trabalho em período nocturno, que em face de um pedido formalmente apresentado pela Autora no sentido de lhe ser pago o devido suplemento remuneratório, e tendo o mesmo sido indeferido, e como enfatizou o Réu ora Recorrente na sua Contestação, bem indeferido, e como assim julgamos, em confirmação da apreciação que o Tribunal a quo fez, não sendo de todo aplicável o disposto na norma de excepção a que se reporta o artigo 160.º, n.º 3 da LGTFP, a discricionariedade do Réu está resumida a “zero“, pois que o acto a praticar decorre directamente da lei. De resto, a concessão desse suplemento remuneratório, não carecia de ser requerido pela Autora para que lhe fosse prestado pelo Réu, pois que assim tendo organizado os trabalhos por turnos, o que lhe concede uma comodidade, dessa sua organização do Réu resulta que tem um correspectivo dever de prestar quanto a quem exerce o seu trabalho por turnos rotativos e em que ainda que parcialmente, um deles cai em período nocturno.

Para lá do exposto, importa ainda dizer que, com a entrada em vigor do CPTA, a impugnação do acto e a sua apreciação pelos Tribunais deixou de ter em vista unicamente esse acto, mas também e principalmente a pretensão formulada, neste caso pela Autora, que a final, para além da anulação do acto de indeferimento [cfr. alínea a) do pedido] requer a condenação do Réu “… a praticar acto que defira o requerimento apresentado pela Autora em 17.05.2018, pagando-lhe, consequentemente, o montante dos subsídios de turno que deveria ter auferido, tudo acrescido de juros de mora contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações em falta até efectivo e integral pagamento.” [cfr. alínea b) do pedido].

Decorre do novo contencioso administrativo, resultante da aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que os actos administrativos de indeferimento expresso deixam de ser objecto de processos de estrita impugnação judicial destinados a obter a sua anulação ou declaração de nulidade, para passarem a ser objecto de processos de condenação à prática de acto administrativo devido – é o que resulta dos artigos 66º. nº. 2, 67º. nº. 1 alínea b), 71º. nº. 1 e 51º. nº. 4, todos do CPTA.

É que com a reforma do contencioso administrativo, operada pela aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, concretiza-se o principio constitucionalmente consagrado da plenitude da jurisdição e da tutela jurisdicional efectiva, e sobretudo, deixa de ser um contencioso centrado no acto administrativo, um contencioso de ataque ao acto, para ser um contencioso centrado na relação jurídica administrativa.

Ou seja, o acto administrativo a praticar pelo Réu, é um acto que não reserva qualquer margem apreciação ao seu autor, pois que se trata de um acto com conteúdo estritamente vinculado, na medida em que a Autora tem direito a auferir, ou seja, a que lhe seja prestado pelo Réu o suplemento remuneratório previsto no artigo 161.º da LGTFP, e para esse cálculo devem ser aplicadas as percentagens mínimas legalmente previstas neste normativo.

De modo que, tudo visto e ponderado, atentas as posições sustentadas pelo Recorrente e pela Recorrida, julgamos que a decisão proferida pelo Tribunal a quo tem assim de manter-se, por não ser merecedora da censura jurídica que lhe vem assacada pelo Recorrente, improcedendo assim as conclusões das suas Alegações de recurso.

*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Suplemento remuneratório; Trabalho por turnos; Condenação à prática do acto devido.

1 - Nos termos do disposto nos artigos 115.º, n.º 1 e 161.º, n.º 1, ambos da LGTFP, a que se reporta a Lei n.º 35/2014 de 20 de junho, considera-se trabalho por turnos qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas, sendo que, desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho noturno, os trabalhadores por turnos têm direito a um acréscimo remuneratório cujo montante varia em função do número de turnos adoptado, bem como da natureza permanente ou não do funcionamento do serviços.

2 - Exercendo a Autora as suas funções de forma rotativa, semanalmente e em horas diferentes e culminando parte desse trabalho num dos dois turnos em horário considerado nocturno, o modo, termos e pressupostos por que assim organizou o Réu esses serviços configura uma gestão do trabalho por turnos, cabendo à Autora o direito a que lhe seja prestado o suplemento remuneratório de turno, em conformidade com o disposto no artigo 161.º da LGTFP.

3 - Decorre do novo contencioso administrativo, resultante da aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que os actos administrativos de indeferimento expresso deixam de ser objecto de processos de estrita impugnação judicial destinados a obter a sua anulação ou declaração de nulidade, para passarem a ser objecto de processos de condenação à prática do acto administrativo devido.

4 - O acto administrativo a praticar pelo Réu, é um acto que não reserva qualquer margem apreciação ao seu autor, pois que se trata de um acto com conteúdo estritamente vinculado, na medida em que a Autora tem direito a auferir, ou seja, a que lhe seja prestado pelo Réu o suplemento remuneratório previsto no artigo 161.º da LGTFP, e para esse cálculo devem ser aplicadas as percentagens mínimas legalmente previstas neste normativo.

***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente MUNICÍPIO ..., e consequentemente, em manter a Sentença recorrida.

*

Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

**

Notifique.

*

Porto, 10 de fevereiro de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro