Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00347/04.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/09/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CRIAÇÃO, MODIFICAÇÃO OU EXTINÇÃO DAS FREGUESIAS;
DEMARCAÇÃO; COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; AUTORIDADE DO CASO JULGADO; NULIDADE PROCESSUAL.
Sumário:I - A criação, extinção e alteração dos limites territoriais das autarquias locais é efectuada por lei, precedendo consulta dos órgãos das autarquias locais.
II - É da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre o regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais.
III - A demarcação, em concreto, dos limites territoriais das autarquias locais é da competência dos Tribunais Administrativos.”
IV – O Tribunal não se pode abster de conhecer de mérito, declarando-se incompetente em razão da matéria, invocando dificuldade no apuramento da matéria de facto.
V – Tendo o Tribunal Central Administrativo, em sede de recurso jurisdicional, determinado ao tribunal a quo retomasse a fase de julgamento da matéria de facto, com uma inspecção ao local e, se necessário, com reinquirição no local das testemunhas já ouvidas, viola a autoridade daquele caso julgado a decisão que, depois de feita inspecção ao local sem observância do formalismo legalmente imposto, a saber, sem se registar os elementos mais relevantes da inspecção, e sem reinquirir no local as testemunhas – ou justificar o facto de as não reinquirir, jugou o tribunal incompetente em razão da matéria.
VI - Verifica-se uma nulidade processual, por omissão da prática de um acto processual, a impor a anulação do processado incluindo a decisão recorrida que se absteve de conhecer de mérito, a impor a repetição do processado com a inspecção ao local, observando o formalismo legal, e reinquirição das testemunhas no loca, se necessário, tal como decidido pelo Tribunal de recurso. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Junta de Freguesia de S... e Outro(s)...
Recorrido 1:Junta de Freguesia de M... e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência dos recursos.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
A Junta de Freguesia de S... veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 21.11.2014, pela qual foi julgado o Tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção intentada pela Junta de Freguesia de M... contra a ora recorrente bem como para conhecer da reconvenção.

Invocou para tanto que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 613º e seguintes do Código de Processo Civil, e no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Também a Junta de Freguesia de M... veio interpor recurso da mesma decisão.

Invocou, por seu turno, que a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia e, em todo o caso, errou na interpretação e aplicação ao caso concreto, implicitamente, da norma constante do artigo 1º da Lei 11/82 (vigente à data da propositura da acção) pois é materialmente inconstitucional atribuir a competência à Assembleia da República para delimitar os terrenos das freguesias, face ao disposto nos artigos 110º, n.º 2, conjugado com os artigos 161º a 163º da Constituição da República Portuguesa

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência dos recursos.

Foi elaborado projecto de acórdão no sentido de ser revogada a decisão recorrida e, em substituição, julgada apenas improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção.

A Freguesia de M... veio opor-se ao projecto de acórdão reiterando que a sentença recorrida é nula por não ter discriminado os factos provados e não provados, nem apreciada a prova produzida de forma a fundamentar a decisão; por outro lado, não foi respeitado o decidido pelo Tribunal Central Administrativo relativamente à inquirição de testemunhas no local; questões estas que não são abordadas no projecto de decisão.

O Ministério Público nada veio promover face ao projecto de acórdão.
*
São estas as alegações do recurso da Freguesia de M... e que definem o respectivo objecto:

A. Na sentença não foram discriminados os factos provados e não provados, nem apreciada a prova produzida de forma a fundamentar a decisão.

B. Por outro lado, não foi respeitado o decidido pelo Tribunal Central Administrativo Norte relativamente à inquirição de testemunhas no local.

C. Por estes motivos a sentença é nula (artigo 615º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Civil: a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar).

D. A sentença em apreço padece de manifesto erro na interpretação da Lei: - a criação, extinção e alteração dos limites territoriais das autarquias locais é efectuada por lei, precedendo consulta dos órgãos das autarquias locais. - É da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre o regime da criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais. – É da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre o regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais. – A demarcação, em concreto, dos limites territoriais das autarquias locais é da competência dos tribunais administrativos.

E. O julgador a quo, ao julgar-se incompetente, aplicou, ainda que implicitamente, a norma constante do artigo 1º da Lei 11/82 (vigente à data da propositura da acção).

F. É materialmente inconstitucional essa norma, segundo a qual cabe à Assembleia da República proceder à demarcação (delimitação no terreno) de duas freguesias, por ofensa do princípio da tipicidade das competências constitucionais dos órgãos de soberania.

G. Com efeito, da simples leitura dos artigos 110º, n.º 2, conjugado com os artigos 161º a 163º da Constituição decorre claramente a impossibilidade de reconduzir a competência para demarcar a qualquer das competências constitucionalmente atribuídas à Assembleia da República. Neste sentido, o acórdão do Tribunal constitucional n.º 587/00 supra citado.

São estas as alegações do recurso da Freguesia de Pousada de S... e que definem o respectivo objecto:

A) A sentença denega Justiça.

B) A sentença impede, ou melhor, tenta impedir que um conflito se resolva na via judicial, indicando a Assembleia da República como solução.

C) A prova produzida - a documental – no entender da Recorrente, é suficiente para julgar a acção improcedente e procedente a reconvenção.

D) O “Tombo de M...” é um documento a que a autora dá muita importância e em que podemos ver que a freguesia de M... nunca confronta com a freguesia de Pousada de S....

E) Foi dado como provado que ocorreu um acordo – publicado no Diário do Governo (último quesito, n.º 26) – no qual se demonstra que J... (outra freguesia) cedeu terrenos/lugares à freguesia de Pousada de S..., para que esta desenvolvesse a paróquia recém-criada.

F) O documento é autêntico e faz prova plena.
*

I – A nulidade da decisão recorrida.

Por despacho de 24.05.2005 decidiu-se que o “tribunal é o competente”.

Sobre a questão da competência dos Tribunais e o momento oportuno para dela conhecer não valem as regras constantes dos artigos 64º, 96º, alínea a), 97º, n.º1, e 595º, n.º3, a contrario, do Código de Processo Civil de 2013, invocadas na decisão recorrida.

Não valem estas normas, nem as correspondentes do Código de Processo Civil de 1995, dado existir norma do contencioso administrativo a regular especificamente a matéria em sentido diverso, o que afasta a aplicação daquele diploma – artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Na verdade dispõe o n.º 2 do artigo 87º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas”.

A possibilidade de apreciação no caso concreto da questão da competência dos tribunais administrativos resulta de se ter configurado esta questão como uma questão de repartição de poderes ou competência ente o poder legislativo e o poder judicial, em particular os tribunais administrativos.

Como se sustentou no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.12.2012, no processo 00356/12.2BECBR:

“1. Depois de proferida a decisão em primeira instância não pode ser apreciada, designadamente em sede de recurso jurisdicional, qualquer questão nova e, mesmo as de conhecimento oficioso, não podem aqui ser conhecidas se obstarem ao conhecimento de mérito, face ao disposto no artigo 87.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2. A questão da competência absoluta dos tribunais administrativos para decidir o pleito é, no entanto, uma questão que não só pode como deve ser apreciada, pese o disposto nos artigos 87.º e 95º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, porque a questão da competência dos tribunais administrativos é uma questão de ordem pública e cujo conhecimento precede o de qualquer outra matéria, nos termos do disposto no artigo 13.º do mesmo diploma.

3. Impõe-se também o conhecimento da questão da competência do Tribunal, mesmo suscitada pela primeira vez em sede de recurso jurisdicional, quando se questiona, no âmago da questão da competência, o respeito pelo princípio da separação de poderes, essencial num Estado de Direito Democrático e consagrado expressamente no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

4. Aqueles preceitos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não se podem sobrepor ao disposto na Constituição e, em concreto, permitir que os tribunais decidam em matéria da competência dos órgãos políticos, em claro desrespeito pelo referido princípio constitucional da separação de poderes, pela circunstância de não ter sido suscitada e decidida a questão na oportunidade prevista pelo legislador ordinário.”

O Tribunal não estava, por isso, impedido de conhecer da questão da competência material, nos termos em que a colocou.

Ficando prejudicado o conhecimento de todas as demais questões concluindo, como conclui, pela incompetência dos tribunais administrativos.

Como impõe o n.º1 do artigo 95º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.

Resultado a que se chegaria também face às normas correspondentes do Código de Processo Civil.

Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil de 2013 (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil de 1995), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma (anterior artigo 660º, com sublinhado nosso): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Não se verifica, por isso, omissão de pronúncia na decisão recorrida, antes erro de julgamento, como veremos de seguida.

II – O mérito da decisão recorrida; a competência dos tribunais Administrativos.

A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o autor – vd. neste sentido, os acórdãos da Relação de Évora de 8.11.1979, Colectânea de Jurisprudência, 1979, IV, p. 1397, do Supremo Tribunal de Justiça de 3.2.1987, BMJ 364, p. 591, e de 9.5.1995, Colectânea de Jurisprudência /acórdãos STJ, 1995, II, p. 68; do Supremo Tribunal Administrativo de 10.3.1988, recurso 25.468, de 27.11.1997, recurso 34.366, e de 28.5.1998, recurso 41.012; e do Tribunal dos Conflitos, de 23.9.2004, processo n.º 05/04; na doutrina, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1ª ed., vol. I, p. 88.

Aos tribunais administrativos cabe dirimir os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (art.º 1º, n.º1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, e art.º 212º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa).

Saber se a situação jurídica descrita na petição pelo autor está ou não sujeita ao regime jurídico por si invocado é questão que se prende com o mérito da acção e não com o pressuposto processual da competência – ver o acórdão do Tribunal de Conflitos de 9.7.2003, recurso 09/02, em www.dgsi.pt.

Dito isto, vejamos.

É o seguinte o teor da decisão recorrida:

“Nem a autora, Freguesia de M..., nem a ré/reconvinte, Freguesia de Pousada de S..., dizem que os seus limites territoriais estejam fixados.

A 1ª diz (art.º 1 da petição inicial) que, “desde há uns anos a esta parte – 10 anos mais ou menos – que alguns representantes e moradores da freguesia de Pousada de S... têm vindo a levantar dúvidas sobre os limites exactos de ambas as freguesias”, e que (art.º 12) “ para a Autora, os limites referentes às confrontações das freguesias de M... e Pousada de S... são os que resultam, aproximadamente (o sublinhado é nosso), da carta topográfica que ora se junta” e que (art.º 17ª “(…) se utiliza como PROVA BÁSICA e FUNDAMENTAL (e não como título delimitador) o “TOMBO DE M...”, elaborado a partir de decisão de 12-Junho-1590 …)”.

Termina a pedir que se declare que “(…) os limites entre as freguesias (…) são os que resultam do presente articulado (…), englobando todos os prédios rústicos e urbanos aqui identificados (…)”, e não, apenas, que se declare que, atenta a pré-existente delimitação entre freguesias, tais prédios integram o seu território.

No seu recurso de fls. 906 e segs. (do processo físico que utilizamos, como as restantes citadas) afirma (ponto 7) que “a presente causa pretende decidir a delimitação entre duas freguesias.”.

A ré aceita o “tombo” (artigos 15 a 22 da contestação/reconvenção – fls. 214 e segs), e lamenta não ter um (art.º 37 da contestação), terminando como se vê a fls. 220).

O “tombo” (de 1590, sublinhe-se), na parte que aqui mais importa, a fls. 46 e segs. Do processo, fala em “Título da divisão e demarcação desta Igreja de Santa Maria de M...”, apenas usando o vocábulo freguesia 2 vezes, a fls. 49. Na 1ª, diz-se que “(…) estão as bouças de RP que jazem ao longo da estrada pública que vai para muitas partes as quais bouças ora possue DDT e LD da freguesia de J... de que se paga o dízimo a esta Igreja de M....”.

Na 2ª, não é claro se se diz que a bouça de Valinha é da freguesia de Santa Marinha de M... da de São TR.

O “tombo” inculca que freguesia e igreja são, nele, realidades diferentes.

De qualquer modo, do “tombo” não resulta, ao contrário do que pressupõem as partes, que as terras da Igreja de Santa Marinha de M... alguma vez tenham coincidido com o território da freguesia de M..., não vindo alegado (apenas no recurso de fls. 906, pontos 86 a 88, e conclusões V e X, a autora enuncia este raciocínio) nem se tendo, ainda, apurado, quando e em que termos, designadamente no que respeita aos limites territoriais, a paróquia eclesiástica com esse nome (dando de barato que igreja e paróquia eclesiástica são sinónimos) se tornou a paróquia civil, com nome idêntico, sabendo-se apenas que, segundo o art.º 2º da Lei 621, de 23.06.1916, as paróquias civis passaram a ser denominadas freguesias, o que não é, obviamente, o mesmo que o pretendido pela autora no ponto 88 da conclusão X do seu recurso.

Ou seja, falta causa de pedir, quer à petição inicial da acção quer à da reconvenção, nulidade dilatória, de conhecimento oficioso, não emissível neste momento, todavia, visto que houve despacho saneador – ver artigos 193º, n.º1 e 2, alínea a), do CPC vigente à data de entrada da acção e reconvenção, 2004, e 186º, n.º 1 e 2, alínea a) 196º, 200º, n.º2, e 578º do actual -, mas a poder ter lugar, como se sabe, aquando da sentença, ex vi art.º 608º, n.º1, ou do recurso ut art.º 663º, n.º2, parte final, do CPC.

Quer as “dúvidas por incerteza acerca dos seus limites”, quer a pretensão de delimitação são, justamente, conceitos ou critérios que – no dizer do douto acórdão do Tribunal de Conflitos, de 18.03.1997 (Fernandes Cadilha, DR II Série, Acórdãos do STA, Tribunal de Conflitos) – permitem deslindar a questão da atribuição da competência para a decisão de uma causa deste tipo, entre a sua Assembleia da República e os tribunais administrativos, no sentido da sua atribuição à primeira, nos termos do art.º 161º, alínea c), da Constituição, como se vê, por exemplo, da Lei 54/2014, de 25-08, e é assinalado neste aresto.

Pondera-se, aí, que:

“ É neste sentido que se pronunciou a Comissão Parlamentar da Assembleia da República de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a propósito do conflito suscitado entre as freguesias de Crestuma e Lever, concluindo o seu parecer do seguinte modo:

“1. Cabe ao tribunal julgar os diferendos surgidos entre freguesias quanto à fixação dos respectivos limites, restituindo estes à configuração pré-existente de harmonia com os títulos e outras formas documentais.

2. Tal competência não exclui a da Assembleia da República:

a) Sempre que se reclame a intervenção do legislador – constitutiva, extintiva ou modificativa – face à inviabilidade de fixação dos limites locais pelos tribunais;

b) Isto sem prejuízo das gerais competências legisladores do Parlamento, das iniciativas dos deputados e grupos parlamentares, no que respeita aos problemas de ordenamento de território”.

Sem dúvida que a AR poderá sempre avocar a sua competência legislativa, optando por redefinir os limites territoriais das autarquias locais que se encontrem em litígio, oficiosamente ou a pedido das entidades interessadas, e designadamente quando se verifique a inviabilidade de solucionar o conflito pela via judicial. Essa interferência do poder legislativo por ocorrer, todavia, em todas as demais situações da vida social que se encontrem submetidas a apreciação dos tribunais, e sucede sempre que o legislador regule de novo uma dada situação passando a influenciar, desse modo, a resolução jurídica concreta do caso.”.

Estamos seriamente convencidos da inviabilidade de, correctamente, solucionar o conflito em presença, pela via judicial – ainda que se julgue o tribunal competente e se desconsidere a falada ineptidão da petição inicial -, seja, pela dificuldade de interpretação do “tombo”, seja pela de transpor, para o terreno, as linhas (se “confirmadas” pela prova testemunhal), sem coordenadas geográficas, que daquelas possam resultar – dizer-se (fls. 46) que “(…) começa a partir por um marco que se chama Couto que está no monte de Santa Tecla do qual marco vem cortando rosto direito pelo meio do dito monte águas vertentes para esta Igreja do M... e águas vertentes para o dito Mosteiro de Oliveira (…)”, não resolve, como parece evidente, por exemplo, a questão de saber sobre a posição exacta em que deve encontrar-se o observador de “rosto direito” (no sentido de ponto cardeal, colateral ou subcolateral?), nem a que se pretende com deslindar o que seja o meio do monte”; veja-se, a propósito das dificuldades de interpretação, e mesmo confusão, destes marcos, o douto parecer de fls. 522 e segs..

A delimitação saída de um processo legislativo é algo muito mais moderno, científico e rigoroso, a nosso ver, que, nos dias de hoje, se delimitem “aproximadamente” os territórios das freguesias confinantes.

A competência material do tribunal pode ser apreciada neste momento – artigos 64º, 96º, alínea a), 97º, n.º1, e 595º, n.º3, a contrario, do CPC.

São termos em que se julga este tribunal incompetente, em razão da matéria, absolvendo-se a ré e a autora da instância, reconvencional no que se refere à segunda.

(…)”

A causa de pedir quer na acção quer na reconvenção é integrada desde logo, pela indefinição da linha divisória do território das duas freguesias, no que ambas estão de acordo.

Depois, a causa de pedir na acção é integrada pelos documentos e sinais no terreno que demostram, na perspectiva da autora, que a linha divisória dos terrenos das freguesias é aquela que defende.

O pedido na acção é o de que a ré (freguesia de Pousada de S...) seja condenada a reconhecer que “os limites entre as freguesias … são os que resultam do presente articulado, nomeadamente, tal como se encontra exposto na planta topográfica, englobando todos os prédios rústicos e urbanos aqui identificados…”.

Por seu turno, no que a distingue, a causa de pedir na reconvenção é integrada, pelos documentos, os sinais no terreno e o exercício de poderes de autoridade no território que a ré afirma ser seu.

O pedido deduzido na reconvenção é o de que a autora seja condenada a ver “fixados os limites de acordo com o documento 8 junto neste articulado”.

Estamos, indubitavelmente, tendo em conta as causas de pedir e os pedidos, da acção e da reconvenção, perante uma acção de demarcação do território de freguesias, da competência dos tribunais administrativos.

As normas invocadas pela recorrente Freguesia de M..., para defender a competência dos tribunais administrativos, são as seguintes:

O n.º4 do artigo 236º, da Constituição da República Portuguesa:

A divisão administrativa do território será estabelecida por lei.”

A alínea n) do artigo 164º da Constituição da República Portuguesa (reserva absoluta de competência legislativa):

“É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias:

(…)

n) Criação, extinção e modificação de autarquias locais e respectivo regime, sem prejuízo dos poderes das regiões autónomas;”.

O artigo 1º da Lei n.º 11/82, de 2 de Junho (Regime de Criação e Extinção das Autarquias Locais e de Designação e Determinação da Categoria das Povoações, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 8/93, de 5 de Março):

“Compete à Assembleia da República legislar sobre a criação ou extinção das autarquias locais e fixação dos limites da respectiva circunscrição territorial.”

Destes preceitos resulta que a criação, modificação e extinção das autarquias são da competência legislativa da Assembleia da República, em reserva exclusiva.

A demarcação em cada caso concreto dos limites territoriais das autarquias cabe aos tribunais administrativos.

É indubitável que a competência para estabelecer os limites territoriais entre duas ou mais freguesias, existindo litígio, como é o caso, compete aos tribunais administrativos.

Neste sentido se poderão ver os seguintes acórdãos e toda a doutrina e jurisprudência aí citada:

- O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-03-2005, processo n.º 01593/03 (sumário):

“I - A criação, extinção e alteração dos limites territoriais das autarquias locais é efectuada por lei, precedendo consulta dos órgãos das autarquias locais.

II - É da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre o regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais.

III – A demarcação, em concreto, dos limites territoriais das autarquias locais é da competência dos Tribunais Administrativos.”

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 04-02-2010, processo n.º 00528/07.1BEPRT-A (sumário):

“I. A criação, extinção e alteração dos limites territoriais das autarquias locais é efectuada através de lei é efectuada por lei, precedendo consulta dos órgãos das autarquias locais.

II. É da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre o regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais.

III. A demarcação, em concreto, dos limites territoriais das autarquias locais é da competência dos Tribunais Administrativos.”

A decisão recorrida mostra-se, assim, desconforme à Lei segundo o entendimento jurisprudencial pacífico.

E contrária também ao caso julgado formado pelo acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.01.2014, a fls. 1387-1399 dos presentes autos, como defende a Freguesia de M..., e veremos melhor adiante.

Desde logo, a referência à posição assumida pela Comissão Parlamentar da Assembleia da República de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a propósito do conflito suscitado entre as freguesias de Crestuma e Lever, no sentido de que a competência dos tribunais (administrativos) para “julgar os diferendos surgidos entre freguesias quanto à fixação dos respectivos limites, restituindo estes à configuração pré-existente de harmonia com os títulos e outras formas documentais… não exclui a da Assembleia da República”… face à inviabilidade de fixação dos limites locais pelos tribunais”, não afasta, antes confirma esta posição.

Só uma decisão judicial de mérito – e não uma decisão formal que afaste a competência dos tribunais administrativos, como a presente – pode “julgar diferendos” e só através de uma decisão judicial de mérito se pode concluir pela “inviabilidade de fixação dos limites locais pelos tribunais”.

Por outro lado, a dificuldade ou impossibilidade de apurar a matéria de facto não pode servir para não decidir, a pretexto da falta de competência material.

São as situações difíceis que se colocam por regra perante os tribunais para estes decidirem.

Se a dificuldade for intransponível, ou seja, uma impossibilidade, resolve-se com as regras sobre o ónus de alegar e provar: estas regras existem precisamente para ultrapassar a impossibilidade verificada no processo de provar determinados factos.

Cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.º2, do Código Civil, e artigos 5º, n.º1, 414º e 571º, estes do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 264º, 487º e 516º, do Código de Processo Civil 1995).

Assim como cabe ao autor, a par dos factos em que fundamenta o pedido, indicar as razões de direito, sem o que o articulado inicial será inepto, por ininteligibilidade – artigos 186º, n.º2, alínea a), e 571º, n.º2, do Actual Código de Processo Civil (artigos 193º, n.º 2, alínea a), e 467º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil de 1995).

O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 5º, n.os 2 e 3, e 412º do Código de Processo Civil actual - artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do anterior Código de Processo Civil).

Mas dentro da matéria de facto a que pode atender, o Tribunal pode (deve), mesmo depois de encerrada a discussão, reabrir o julgamento, ouvindo quem tiver por conveniente ou ordenar outras diligências de prova – n.º1, do artigo 607º do actual Código de Processo Civil (artigo 653º do Código de Processo Civil de 1995).

E suscitando o julgamento da matéria de facto dúvidas, cujo esclarecimento exija conhecimentos técnicos, o Tribunal pode (deve) “designar pessoa competente que assista à audiência final e aí preste os esclarecimentos necessários, bem como, em qualquer estado da causa, requisitar os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos” – n.º 1 do artigo 601º do actual Código de Processo Civil (n.º 1 do artigo 649º do Código de Processo Civil de 1995).

Já quanto às conclusões a tirar a partir dos factos e ao enquadramento jurídico o Tribunal não pode invocar dificuldade ou sequer impossibilidade indagar, interpretar e aplicar as regras que são aplicáveis – n.º3 do artigo 5º do Código de Processo Civil de 2013 – artigo 664.º, 2.ª parte, do anterior Código de Processo Civil).

O artigo 8º do Código Civil, não deixa, aliás, margem para dúvidas quanto ao dever de decidir em caso de dúvida:

“O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.”

Decidir não decidir, a pretexto da dificuldade em apurar factos é, objectivamente, denegar Justiça.

Caso a petição seja inepta por faltarem factos essenciais que constituem a causa de pedir e tal deficiência já não possa ser apreciada e suprida como excepção, por extemporaneidade, a consequência é a da improcedência da acção.

O que sucede é que o autor (ou réu reconvinte) não logrou provar (porque neste caso não alegou) os factos essenciais à procedência do pedido.

Finalmente, não se compreende o reparo feito na decisão recorrida quanto ao pedido deduzido no articulado inicial:

“Termina a pedir que se declare que “(…) os limites entre as freguesias (…) são os que resultam do presente articulado (…), englobando todos os prédios rústicos e urbanos aqui identificados (…)”, e não, apenas, que se declare que, atenta a pré-existente delimitação entre freguesias, tais prédios integram o seu território.”

Na verdade o pedido de declaração de que determinados prédios integram o território de uma freguesia “atenta a pré-existente delimitação” é um pedido próprio de uma acção de reivindicação, incompatível com o pedido de delimitação: se já existe uma delimitação, o que se pretende é reivindicar o que está contido nos limites da propriedade e não definir limites.

Pelo contrário, a referência a que determinados prédios definem, por inclusão, os limites de uma freguesia, como consta do articulado inicial, é próprio de uma acção demarcação ou definição dos limites territoriais, no caso de uma freguesia, com aqui sucede.

O que determinaria a revogação da decisão recorrida não fosse a mesma dever ser anulada, como veremos de seguida.

III – O julgamento em substituição.

Ao contrário do adiantado no projecto de acórdão – que, aliás, só foi elaborado tendo em conta a apreciação do mérito da acção, o que ficou prejudicado na decisão recorrida - e como veio defender face a este projecto a Freguesia de M..., o processo não fornece todos os elementos necessários e suficientes para este Tribunal de recurso conhecer do mérito da acção e da reconvenção, em substituição do Tribunal a quo nos termos do n.º 4 do artigo 149º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Tinham sido inquiridas no processo as testemunhas arroladas.

E foi feita a inspecção ao local.

Mas, como defende a Freguesia de M..., não foram (re) inquiridas as testemunhas no local, como ficou decidido no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.01.2014, a fls. 1387-1399 dos presentes autos.

E foi realizado o auto de inspecção, tal como decidido neste acórdão, mas sem satisfação das exigências legais.

Com efeito dispõe o artigo 493.º do Código de Processo Civil de 2013 (artigo 615º do Código de Processo Civil de 1991):

“Da diligência é lavrado auto em que se registem todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa, podendo o juiz determinar que se tirem fotografias para serem juntas ao processo.”

Este auto permite ao Tribunal em primeira instância ter o registo para memória no momento da decisão dos elementos relevantes recolhidos no auto de vistoria.

E permite ao Tribunal de recurso avaliar se houve ou não erro (grosseiro) na apreciação desta prova, caso a matéria de facto seja objecto de recurso jurisdicional.

No caso concreto, porém, consta do auto de inspecção judicial, de 22.10.2014, no que aqui importa reter:

“Chegados ao local, e sendo a hora designada para início da diligência, verificou-se estarem presentes os Senhores Mandatários das partes … bem como os Presidentes das respectivas Juntas de Freguesia.


*

Em seguida, o M.mo Juiz acompanhado …pelos Ex. mos Mandatários e Presidentes referidos, procedeu à inspecção do local em questão, tendo ouvido os esclarecimentos de uns e outros, e trocado com eles as impressões que entendeu por pertinentes.”

Tudo visto, nada ficou registado de relevante para o exame e decisão da causa, ao contrário do que determina o artigo 493.º do Código de Processo Civil de 2013.

E em desconformidade com o decidido no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.01.2014, a fls. 1387-1399, dos presentes autos.

O que constitui violação da autoridade do caso julgado formado por esta decisão - artigos 2º, n.º1, 89º, n.º1, alínea i), e 173º, n.º1, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigos 613º nºs 1 e 2 e 620º do novo Código de Processo Civil.

Na verdade, diz-se na parte final deste acórdão:

“(…)

Em suma, e porque nos parece que, estando ambas as partes em acordo relativamente à inspecção ao local e inquirição das testemunhas no mesmo, atenta a alegada falta de identificação das testemunhas dos locais nas plantas topográficas e de a questão não ser só de interpretação de documentos, como vimos, e que não levou a qualquer decisão sobre a delimitação das freguesias, é, pois, de deferir o recurso nesta parte devendo, por isso, os autos baixar para realização de inspeção ao local com eventual depoimento de testemunhas já inquiridas, que seja necessário confrontar na mesma.

Fica, pois, prejudicado o conhecimento das restantes questões assim como o recurso interposto pela freguesia Pousada de S...:


*

Em face do exposto acordam os juízes deste TCAN em:

A) Julgar procedente o recuso relativamente ao despacho de 28.10.05, anulando o mesmo e todos os actos subsequentes com ele incompatíveis;

B) Julgar prejudicado o recurso interposto por ambas as partes relativamente à decisão final de 22/3/012.

(…)”

Ora a autoridade do caso julgado estende-se aos pressupostos imediatos, de facto e de Direito, da decisão anulatória (neste sentido ver o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-12-2011, no processo n.º 0419/11).

Importa aqui reter o que ficou dito no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 22.05.2015, no processo n.º 1098/09.1BEVIS, assim como na doutrina e na jurisprudência aí citadas:

“(…)

A autoridade do caso julgado está intimamente interligada com a força do caso julgado material, que abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado - cfr. a este propósito o Ac. do STJ de 12-7-2011, processo n.º 129/07.4.TBPST.S1.

É nesta linha de orientação que se tem vindo a firmar jurisprudência consistente, citando-se, a título de exemplo, o recente acórdão da Relação de Lisboa de 18.4.2013, processo n.º 2204/10.9TBTUD.L1-2, disponível in WWW.dgsi.pt em cujo sumário se expendeu que «2. A autoridade de caso julgado de sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Enquanto esta tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir - aquela implica a proibição de novamente ser apreciada certa questão, podendo actuar independentemente da mencionada tríplice identidade.».

E esta linha de entendimento tem também acolhimento na melhor doutrina nacional.

(…)

Nesse sentido, veja-se Manuel Andrade, para quem o fundamento do caso julgado reside no prestígio dos tribunais (considerando que «tal prestígio seria comprometido em alto grau se a mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente») e numa razão de certeza ou segurança jurídica («sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa»). Resulta dos ensinamentos deste insigne professor que ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a exceção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objeto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.

Já A. dos Reis, in Código de Processo Civil, Volume III, pag. 96, escrevia que “ O caso julgado material forma-se mediante uma sentença de mérito, isto é, mediante sentença que conheça da relação jurídica substancial, declarando os direitos e obrigações respectivos. É a esta declaração que pretende garantir-se estabilidade, segurança e firmeza, porque representa a atribuição de determinados benefícios ou bens da vida; garante-se, por via da força e autoridade do caso julgado, isto é pela afirmação de que a sentença não poderá ser alterada nem desrespeitada”.

Também o Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, pag. 354, escreve que “ pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito” enquanto que “ a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…) Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.

E em igual sentido, veja-se ainda Miguel Teixeira de Sousa, in “ O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, publicado no BMJ 325, pag. 49 e segs, segundo o qual ” a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já "quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando da acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.

(…)”

Tendo este Tribunal Central Administrativo Norte decidido, como pressuposto de julgar procedente o recurso, que o Tribunal a quo devia realização a inspecção ao local “com eventual depoimento de testemunhas já inquiridas, que seja necessário confrontar na mesma.”, o Tribunal recorrido deveria ter feito a inspecção ao local com observância do indicado formalismo legal e ouvir as testemunhas no local ou então decidir, com o devidos fundamentos, que era desnecessária essa diligência.

O que não sucedeu.

E constitui, não uma nulidade da decisão recorrida, directamente, mas uma nulidade processual susceptível de influir no exame ou decisão da causa, o que determina a anulação de todo o processado no Tribunal recorrido posterior à prolação do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.01.2014, a fls. 1387-1399 dos presentes autos – artigo 195º, n.º1, do Código de Processo Civil de 2013; artigo 201º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1995).

Isto sendo certo que tal nulidade processual, decorrente da falta de cumprimento da anterior decisão deste Tribunal, foi invocada - artigo 196º, do Código de Processo Civil de 2013 (artigo 202º do Código de Processo Civil de 1995).

Embora incorrectamente como nulidade da própria decisão, mas o Tribunal, face às normas já invocadas, não está sujeito ao enquadramento jurídico dado aos factos pelas partes.

Termos em que se impõe anular todo o processado, a partir do momento em que se verificaram as apontadas omissões processuais.

IV – O mérito da acção e da reconvenção.

Impondo-se a prática, pelo tribunal recorrido, de actos de instrução omitidos, fica prejudicado o conhecimento de mérito quer da acção quer da reconvenção.


*

V - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em:

1. Julgar os tribunais administrativos competentes para conhecerem do mérito quer da acção quer da reconvenção, julgando nesta parte procedentes ambos os recursos.

2. Anular todo o processado no Tribunal recorrido posterior ao acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 17.01.2014, incluindo a decisão recorrida.

3. Determinar a baixa do processo para que se proceda a inspecção judicial ao local com observância do formalismo legalmente imposto e à eventual inquirição de testemunhas no local, tal como decidido no acórdão acabado de referir.

Não é devida tributação.


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Porto, 9 de Outubro de 2015
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Branco