Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00011/04.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/28/2013
Tribunal:TAF de Braga
Relator:José Maria da Fonseca Carvalho
Descritores:FALTA DE NOTIFICAÇÃO DAS CONCLUSÕES DO RELATÓRIO DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA E DA LIQUIDAÇÃO NO PRAZO DA CADUCIDADE
Sumário:I - A notificação de um acto ou procedimento tributário tanto pode ser encarada como acto formal a integrar a formação da vontade de um acto ou órgão como também pode ser encarada como condição de eficácia do acto notificando
II - No primeiro caso, a sua omissão ou falta constitui preterição de formalidade legal não passível de impugnação autónoma mas sim no acto definitivo ou principal in casu nos termos aliás do disposto no artigo 11 do RCPIT.
III - Quando a notificação é condição de eficácia do acto notificando a sua falta não contende com a perfeição do acto notificando mas determina a sua inexigibilidade e uma ineficácia interna superveniente desse mesmo acto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório
J…, NIF 1…, com os demais sinais nos autos, impugnou judicialmente as liquidações de IVA respectivos juros compensatórios dos exercícios de 1999 e 2000, no montante global de 118.336,06€.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação, anulando-se parcialmente a liquidação de 1999, relativamente aos períodos de 03/99T e 06/99T, por caducidade, no mais improcedeu a impugnação.
O impugnante não se conformou com a decisão, interpôs o presente recurso jurisdicional, apresentando alegações, que termina com as seguintes conclusões:
A) A sentença incorre em erro de julgamento em matéria de direito ao desconsiderar a preterição de formalidades essenciais invocada quanto à falta de notificação de actos administrativos em matéria tributária, confundindo-a com a falta de notificação da liquidação, que nunca foi alegada.
1) Foi dado como provado que, posteriormente à notificação para exercício do direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção tributária, realizado no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e do Imposto sobre o Valor Acrescentado, para os anos de 1999 e 2000, não foi efectuada qualquer notificação dos actos que se praticaram posteriormente.
2) Designadamente: o relatório final do procedimento, devidamente sancionado; os actos de fixação da matéria colectável de IRS, fixada por métodos indirectos, da competência do Director de Finanças de Braga; e a decisão de rectificação das declarações periódicas de IVA, por nelas figurar um imposto superior ao devido, da competência, exclusiva do chefe de finanças de Braga – 1.
3) A falta de notificação legalmente exigida constitui preterição de formalidade essencial do procedimento, face ao disposto nos artigos 36º, 1 do CPPT e 77º, 6 da LGT, por constituir requisito de eficácia do próprio acto, impeditivo de se proceder à prática do acto subsequente (ver Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, 4ª Edição, 2003, pág.s 209 e 447).
4) De tal omissão veio a resultar a impossibilidade de requerer a revisão da matéria colectável de IRS, e a impossibilidade de, se o entendesse necessário, recorrer hierarquicamente das decisões em sede de IVA.
5) A referida preterição de formalidade essencial constitui vício determinante da anulação das liquidações, nos termos do art. 99º alínea d) do CPPT.
6) Tais liquidações não podem hoje ser já renovadas por a isso obstar a caducidade do seu direito.
B) A sentença incorre em erro de julgamento em matéria de direito ao aplicar indevidamente o disposto no art. 82º do CIVA.
1) Aquele artigo do CIVA atribui ao chefe de finanças de Braga 1 a competência exclusiva para rectificar as declarações periódicas quando, com base em relatório de inspecção, considere que nelas figura um imposto superior ao devido.
2) O chefe de Finanças de Braga-1 não praticou tal acto.
3) A omissão de acto legalmente devido, de que resulta a não intervenção de órgão legalmente convocado, constitui também preterição de formalidade essencial determinante da anulação das liquidações.
4) Que não fica suprida pela explicitação das correcções efectuadas no relatório de inspecção, atendendo à natureza preparatória ou acessória que este desempenha no procedimento tributário.
C) A sentença é nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão de desconsiderar o vício de fundamentação uma vez que se limita à referência de várias decisões jurisprudenciais e à citação, acrítica, do relatório de inspecção,
Ou, quando assim, se não entenda,

D) A sentença incorre em erro de julgamento, na medida em que os indícios apresentados pela administração tributária são, por si mesmos, insuficientes para se concluir da falsidade das facturas,
1) Ou porque se reportam a meras irregularidades quanto aos elementos que nelas deviam constar (número de contribuinte e morada inexistente),
2) Ou porque não são verdadeiros: preço praticado pelo fornecedor em causa quando comparado com os preços dos demais fornecedores para o mesmo produto;
3) Ou porque nem sequer foram provados e assentam em mera convicção pessoal do funcionário inspectivo: o de que as facturas tinham quantidades elevadas que não podiam ser transportadas de uma só vez.
E) A sentença incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto resultante da produção de prova efectuada na medida em que as testemunhas depuseram com conhecimento dos factos e de molde a desfazer todas as dúvidas suscitadas pela Meritíssima Juiz a quo.

TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA, COM O QUE SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!


*

Não houve contra-alegações.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.


*

Colhidos os vistos cumpre decidir:

*

Foi a seguinte matéria de facto que o Tribunal “ a quo” deu como provada:


A – Factos provados


1. O impugnante exerce a actividade fundição de “mercadorias” e transformação em peças. fls. 11 do apenso.
2. Em 7 de Abril de 2003 foi o impugnante pessoalmente notificado da ordem de serviço nr. 16996, e do início formal do procedimento externo de inspecção, credenciado por aquela ordem de serviço, de âmbito geral e a incidir sobre os exercícios de 1999 e 2000 pelo exercício de uma actividade de natureza industrial.
3. A inspecção decorreu de 07/04/03 a 09/05/03. fls. 37.
4. Em 26 de Maio de 2003, pelo ofício nr. 5127476 da Direcção de Finanças de Braga, foi o impugnante notificado para exercer o direito de audição previsto no art.° 60° da Lei Geral Tributária (LGT) e art.° 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), sobre o Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção, que foi junto, conforme fls. 34 a 43, para a seguinte morada, R. A… 4710 Braga (fls. 7 do apenso).
5. Do projecto consta designadamente:
I – Conclusões da acção Inspectiva
1.1 IVA deduzido indevidamente resultante de operações forjadas (facturas falsas).
a) Exercício 1999
Período
Base tributável
IVA
03/99 T
26 700 000$ - 133 179,04 euros
4 539 000$ - 22 640,44 euros
06/99 T
12 894 000$ - 64 315,00 euros
2 191 980$ - 10 93355 euros
09/99 T
27 105 000$ - 135 199,17 euros
4 607 850$ - 22 983,86 euros
12/99 T
32 071 000$ - 159 969,47 euros
5 452 070$ -27 19461 euros
TOTAL
492 266,68 euros
83 752,66 euros

b) Exercício 2000
PeríodoBase tributávelIVA
03/00 T
13.067 000$ - 65 177,92 euros
2 221 000$ - 22 640,44 euros

B-Motivo, âmbito e incidência temporal
A Acção de inspecção teve a sua origem uma vez que aquando a recolha do Anexo P – IVA
mapa recapitulativo – Fornecedores – anexo à declaração anual exercício de 1999, o NIPC 811 892 387
era inválido…
6 - A firma J…, segundo o Sr C…, iniciou a actividade em
1998, tendo exercido a actividade até Fevereiro de 2000, data a partir da qual a sua actividade
consiste em facturar o Stock existente á empresa “M…, Ld”.
7 - Valores declarados pelo sujeito passivo (declaração modelo 3)

Descriçao
1999
2000
Vendas de Produtos
512807,05
48.697,85
Prestação de serviços
10 599,46
0
Variação de existências
85 274,44
32 094,53
Outros proveitos
80 738,79
24 665,56
Total de proveitos
689419,74
105 457,94
Compras de matérias primas
560 423,30
69 367,87
Despesas gerais
106 957,59
38611,23
Total de custos
667380,89
107 979,11
Lucro
22 038,85
(2 521,17)

7.1 - Analisados os documentos de suporte contabilístico, nomeadamente de compra constatamos que o principal fornecedor de matéria-prima era “A…”,

1999
2000
Compras a “Á…”
98 77 000$ - 492 662,68
13 067000$00 – 65 177,92
Restantes compras
13 584 800$ - 67 760, 70 euros
840 000$ - 4 189,90
Total de compras
112 354 800$- 560 423,38 euros
13 907 000$ - 69 367, 82
% compras a “Á…”
87,91
93,96

7.1.2 – Determinação do custo médio da matéria prima por fornecedor

a) Á…
Designação
Quantidade – kg
Custo total
Custo médio/kg
Lingote de latão303 35077 425 000$-386 194,27
255$-1,27 euros
Sucata de latão45 9009 516 000$ -47 465,61
207$ - 1,03 euros
Limalha de latão531009 288 000$-46 328,35
175$ - 0,87 euros
Metal76001596 000$ - 7 960,81
210$ - 1,05 euros
Bronze3500945 000$ - 4 713, 64
270$ - 1,35 euros
TOTAL413 45098 770 000$ - 492 662, 68
b) António…

Designação
Quantidade -kg
Custo total
Custo médio/kg
Lingote de latão 9960
2 639 400$ - 13 165,27
265$ - 1,32 euros

c)S…

Designação
Quantidade -kg
Custo total
Custo médio/kg
Quilos Fundição 9479
4 549 922$ - 22 694,92
480$ - 2,39 euros

d)Arnaldo…

Designação
Quantidade -kg
Custo total
Custo médio/kg
Latão fundido 13 375
286 253$ - 31 350,71
470$ - 2,34 euros

7.1.3 - Analisado o custo unitário e comparando o mesmo tipo de matéria prima, constatamos que a matéria prima adquirida ao fornecedor “Á…” foi mais cara que a adquirida fornecedor mencionado no quadro b).

7.2 - O sujeito passivo não possui contabilidade organizada, tendo optado pelo sistema informatizado. Para o efeito efectuou a respectiva comunicação nos termos do artigo 50° do código do IVA. A contabilidade não evidencia recebimentos nem pagamentos.

III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas.
1 - Conforme, descrito no ponto C, nomeadamente, ponto [, 2 e 4.1 e ainda à informação remetida pela Direcção de Finanças do Porto a qual deu entrada nestes serviços em 20/05/2003, onde é informado que a morada constante das facturas do “possível” emissor das facturas “Á…” é falsa, uma vez que não existe lugar de Lamelas na Trofa. Existe um lugar de Lamelas mas pertence a St° Tirso e neste local o possível fornecedor é desconhecido.
Foram ainda efectuadas diligências, segundo a mesma informação, junto de familiares, cujos sujeitos passivos constam do sistema informático, tendo um já falecido em 04-02-1 988 e a outra pessoa é um jovem de 13 anos neto do falecido e nunca exerceram actividade ligada ao comércio de sucatas. Desta forma estamos perante facturas “Falsas”, em que o emitente é inexistente, consequentemente as operações constantes das respectivas facturas são fraudulentas e nos termos do n°3, artigo 190 do código do imposto sobre o valor acrescentado não é dedutível o imposto que resulte de operação simulada violando desta forma o sujeito passivo o respectivo preceito legal, sendo tipificado como crime de fraude fiscal nos termos do artigo 23° do Regime Jurídico das
Infracções fiscais não aduaneiras (RJIFNA) e 103 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RG1T) em vigor desde 05/07/2001. Mais informamos de que as quantidades mencionadas nas facturas são avultadas que seria impossível transportar de uma sã vez as respectivas quantidades, pois o acesso ás instalações era muito rudimentar e segundo o Sr. J… (pessoa que recebe a matéria prima) ao local só chegava carrinhas abertas que transportavam entre 3000 e 4000 quilos.

1.1 - IVA deduzido indevidamente resultante de operações forjadas (facturas falsas) - ver anexo
relação de facturas fls. 1 a 12

a) Exercício 1999

Período
Base tributável
IVA
03/99 T 26 700 000$ - 133 179,04 euros 4 539 000$ – 22 640,44 euros
06/99 T 12 894 000$ - 64315,00 euros 2 191 980$ - 10 933,55 euros
09/09 T 27 105 000$- 135 199,17 euros4 607 850$ - 22 983,86 euros
12/99 T32 071 000$ - 159 969,47 euros5 452 070$ - 27 194,81 euros
TOTAL492 266,68 euros 83 752,66 euros

c) Exercício 2000

Período
Base tributável
IVA
03/00 T
13.067 000$ - 65 177,92 euros
2 221 000$ - 22 640,44 euros
6.
7. Em 1 de Agosto de 2003, a impugnante foi notificada, por cartas com aviso de recepção, para a seguinte morada R.A…., 4710 Braga, das liquidações do IVA dos anos de 1999 e 2000, e respectivos juros compensatórios, conforme fls 24 a 29.

8. Por carta de 17/6/03, com aviso de recepção, foi enviada notificação ao impugnante do relatório final da inspecção e fixação dos rendimentos por metidos indirectos, conforme fls. 3 ss do apenso, para a morada! R…. 4710, Braga!

9. Tal carta foi devolvida com indicação de ‘endereço incompleto 23/6/03”. fls. 1 do apenso

10.A AF enviou segunda carta com aviso de recepção, com o mesmo endereço, que veio devolvida com indicação “endereço incompleto 1/7/03”. fls. 2 do apenso e doc 4 junto com petição


11.Com data de 17/6/03 foi proferido o despacho que consta de fls. 17 do apenso, por J…, Tec. Econ. Assessor principal, por delegação, conforme do mesmo conta, determinando a fixação da matéria tributável com recurso à aplicação de métodos indirectos.

12.Dou por reproduzido o teor do relatório final constante de fls. 17 ss do apenso.

B – Factos não provados:

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

*

O Impugnante como se vê da sua petição inicial, fundamentou a presente acção na falta de notificação, do relatório definitivo da inspecção e no facto da notificação que lhe foi feita não poder considerar-se perfeita, por não ter sido remetida para o seu domicilio fiscal.

Refere também, que a liquidação em causa não se encontra fundamentada e que ocorreu já a caducidade do direito a esta liquidação.

A Mª Juiz “ a quo” no enquadramento jurídico da situação a analisar e a decidir considerou que as questões a apreciar se reportavam às notificações em falta, à omissão de acto devido, à caducidade do direito de liquidar e ainda à falta da fundamentação da liquidação e sua legalidade.

Relativamente as notificações em falta, considerou que as liquidações eram o resultado de meras correcções aritméticas, pelo que as omissões relativas as liquidações invocadas em sede de IRS, não relevavam para o caso.

Considerou que, as cartas enviadas para a notificação do relatório final, da inspecção e do despacho proferido em 17.6.2003, em que se referiam as correcções em sede de IVA, tinham sido enviadas para endereço incorrecto, pelo que o impugnante se deve ter por não notificado.

Todavia, considerando que as notificações são um acto exterior, ao acto de liquidação acobertando-se da Doutrina do Pleno do STA no acórdão proferido em 25/10/1992, publicado DR de 24/3/95 a página 211 da II série, considerou que as deficiências destas notificações não afectavam a validade do acto notificado, relevando apenas quanto à eficácia do acto.

Mas, a eficácia ou à falta dela, não é fundamento legal de impugnação, muito embora a jurisprudência dos Tribunais superiores a considere como fundamento de oposição a enquadrar no art. 204. nº 1 alínea e) do CPPT, por não contender com a apreciação de legalidade da própria interpretação. Nesse sentido cita um acórdão do STA de 10.2.99 e na CTF 394 pág. 322.

Por isso, a Mª Juiz “ a quo” conclui pela inexistência de preterição de formalidades, susceptível de fundamentar a impugnação das liquidações.

Debruçando-se sobre a segunda questão, a que chama de omissão de acto devido, refere a Mª Juiz “a quo” que compete ao Chefe de Repartição de Finanças, proceder às rectificações das declarações dos sujeitos passivos, quando fundamente e considere que nelas figura um imposto inferior ao devido, liquidando-se adicionalmente a diferença – art. 82 do CIVA.

No caso dos autos, o que ocorreu foi uma correcção em sede de IVA, proposta no relatório da inspecção e devidamente fundamentada, pelo que não existe aqui omissão de acto devido.

Relativamente ao vicio de fundamentação, que a Impugnante diz enfermar a liquidação, a Mª Juiz “ a quo” considera que tal vicio não existe, porquanto do relatório da inspecção, constam as razões, pelas quais a Administração Tributária, considera as facturas falsas e o porquê da correcção decorrente de tal constatação.

Quanto à invocada caducidade do direito de liquidar a Mº Juiz atentas as datas da liquidação e os períodos a que se referem os impostos considerou que relativamente ao IVA dos trimestres 03/99 e 06/99 tal excepção peremptória tinha ocorrido e nesta parte julgou procedente a impugnação.

Por último debruçando-se a legalidade das deduções do IVA a Mº Juiz concluiu que as facturas ditas simulação não titulavam verdadeiras operações transaccionáveis e consequentemente entendeu que a liquidação correctiva não enfermava de ilegalidade alguma pelo que julgou improcedente a impugnação relativa as liquidações referentes aos períodos em que considerou não ter ocorrido a caducidade invocada.

Como se vê das alegações de recurso e suas conclusões o impugnante não se conforma com o segmento da decisão que julgou improcedente a impugnação e reitera as razões e fundamentos que invocou na PI como fundamento da impugnação.

Cumpre então decidir:

Em nosso entender não ocorre a incompetência do órgão que decidiu da liquidação oficiosa do IVA em causa.

Efectivamente, os serviços do SIVA formam um todo orgânico e hierarquicamente organizado que tem como objectivo a cobrança do IVA, em todas as transacções que legalmente estejam sujeitas ao gravame deste imposto.

E só quando algum dos órgãos ou agentes têm competência específica e exclusiva para a prática de determinado acto é que releva o vício da incompetência em razão da hierarquia.

No caso dos autos, não se verifica esta excepção, pelo que consideremos não existir o vício apontado nesta parte confirmando a sentença recorrida.

Mas existe contudo, uma preterição de formalidade legal, invocada também na PI, que não foi considerada relevante pela sentença recorrida mas que entendemos de relevar pelas razões que de seguida aditaremos:

Como é sabido o procedimento da liquidação é um conjunto de atos e procedimentos que visam a obtenção do ato final que culmina todo o procedimento como o da fixação do imposto, que é conhecido como liquidação do imposto.

O procedimento tributário de liquidação, como os outros procedimentos administrativos coadjuvantes, a que fizemos referência é uma garantia dos contribuintes na medida em que são o modo de exprimir a vontade de um órgão ou pessoa colectiva pelo que as preterições de formalidade legalmente impostas no decorrer de cada um dos procedimentos tenha de considerar-se como omissão de acto, comportamento ou ritualismo devido, susceptível de inquinar o acto administrativo final.

Neste sentido Marcelo Caetano in “ Manual do Direito Administrativo” Vol I pág. 470.

Efectivamente, considera-se que um acto administrativo só está perfeito quando se encontram preenchidos todos os elementos que funcionam como requisitos da sua validade.

Mas mesmo quando o acto administrativo por força da verificação desses requisitos se diz válido, tal não significa que esse mesmo acto se deva considerar eficaz.

A falta de eficácia pode resultar entre outras causas do facto de não ter sido notificado determinado acto ou procedimento imposto por lei.

O fundamento legal da obrigação de notificar resulta do art. 268 da CRP, preceito constitucional onde se insere as garantias dos administrados.

Mas quer o RCIPT, quer a LGT, quer o CPPT, mais detalhadamente regulam a notificação dos atos tributários.

Quando existe falta de notificação em absoluto, o ato é ineficaz em que a vontade da Administração Pública não chegou a exteriorizar-se.

Todavia o acto administrativo emanado de uma entidade com poder público como é a Administração Fiscal, aparece sempre como acto obrigatório e os seus efeitos jurídicos são vinculantes quer para a Administração Pública, quer para os administrados, dado que o princípio da presunção de legalidade de que gozam estes actos determinam que em regra tais actos se tenham por válidos e produzam naturalmente os seus efeitos jurídicos enquanto tal presunção se considera meramente “juris tantum” ou seja admitida prova em contrário.

No caso dos autos, ficou provado que as cartas remetidas para notificação do impugnante, referente ao processo de inspecção e seu relatório final, foram enviadas para endereço diferente do indicado e do verdadeiro relativo ao impugnante.

Conclui-se assim, que estes actos inseridos no procedimento inspectivo, quando omitidos constituem preterição de formalidade legal, mas porque inseridos num procedimento meramente preparatório ou instrumental não são passíveis de impugnação autónoma mas sim no acto definitivo ou principal nos termos aliás do disposto no art. 11º do RCIPT.

Decorre do exposto que estas não notificações apenas podem ser apreciadas na acção de impugnação do ato administrativo que integrariam ou seja as liquidações ora impugnadas.

O que ocorreu neste processo é que a Administração Fiscal, procedeu à liquidação do imposto servindo-se para tal dos elementos do relatório da Inspecção sem que tal relatório fosse do conhecimento do administrado.

Ora, o RCIPT no capítulo III sobre a epígrafe “Notificações e Informações” que engloba os artigos 37º a 43º, remete para o CPPT e para a LGT, quanto ao modo de tramitação e efeitos da notificação.

O artigo 36º do CPPT, bem como o 77º nº6 da LGT, estipulam que em matéria tributária os actos que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhe sejam validamente notificados.

Assim sendo, a falta de notificação de relatório retira-lhe a sua eficácia em relação ao acto principal da liquidação, ou seja, a preterição desta formalidade inquina as liquidações em causa.

Por último, um breve considerando sobre a tese sustentada pela sentença recorrida no que concerne à validade e perfeição do acto da liquidação quando a liquidação tenha ocorrido tempestivamente mas a sua notificação seja posterior e mesmo nesta última situação há que distinguir se a notificação ocorre no prazo fixado por lei para a liquidação ou após o decurso de tal prazo.

Como bem se acentua no douto acórdão do STA de 28/11/2012, in processo 457/12 que seguimos de perto na questão a decidir se o termo liquidação deva ser entendido como um procedimento, isto é como um complexo de actos e procedimentos tendentes do montante do imposto e em posição da obrigação do seu pagamento ao contribuinte que também incluía notificação onde só o acto com eficácia externa é capaz de impedir a caducidade ou se o acto da liquidação que como pedra angular encerra tal procedimento sendo esse acto final que impede a caducidade do direito à liquidação

Ou como se interrogou o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 20 de Janeiro de 2012, in recurso 882/08 saber se para a efectivação da caducidade a notificação do acto tributário e uma condição de validade ou antes condição de eficácia do acto.

Se considerarmos, que é condição de validade a notificação, será entendida como uma forma ou procedimento na formação da vontade ainda que posterior a decisão incorporando uma condição de validade do acto mas se a notificação for considerada como acto instrumental posterior à fixação da vontade será apenas uma condição de eficácia e a sua falta determina a ineficácia relativa do acto.

O nº 6 do artigo 77º da LGT, na esteira do principio geral do Direito Administrativo consagrado no artigo 127 do CPA, considera o acto perfeito antes da notificação mas a notificação é condição da eficácia deste mesmo acto o que aliás já vínhamos anteriormente referindo.

Donde decorre que se o direito à liquidação se encontra limitado por lei ao prazo legal para tanto fixado o termo desse prazo determinara a caducidade do direito de liquidar; mas se como é o caso a eficácia externa dessa liquidação tem de ocorrer no prazo da caducidade importará verificar se tal determinação ocorreu ou não no prazo.

É que nesta situação o facto impeditivo da caducidade é a notificação da liquidação.

Ou seja, para que se verifique a caducidade não basta o acto da liquidação, exige-se também que se aprecie a certeza jurídica de que o acto não tenha sido levado ao conhecimento do contribuinte dentro daquele prazo.

E não se diga que a notificação pelo facto de ser posterior ao prazo real da caducidade não tem como consequência a produção da eficácia.

Como bem acentua o acórdão que seguimos a notificação cumpre a sua função específica de promover a certeza da cogncibilidade do conteúdo do acto, determina a possibilidade de execução do acto e marca o início da contagem do prazo de impugnação judicial.

Enquanto a caducidade não for declarada pela Administração Tributária ou pelo Tribunal a liquidação produz os efeitos jurídicos que lhe são próprios dado que em direito administrativo a caducidade não é automática.

Resumindo se a liquidação foi efectuada após o prazo da caducidade è originariamente ilegal, se foi efectuada dentro do prazo o acto da liquidação mas sem ter sido notificada dentro desse prazo converte-se num acto inválido num acto materialmente ineficaz.

Com Colaço Antunes, in Caderno de Justiça nº 79, página 13, podemos mesmo dizer que a notificação não tempestiva não determina a ilegalidade do acto mas determina a ineficácia interna de um acto valido cujos efeitos ao contrariarem a ordem jurídica não se podem manter.

Assim, sem necessidade de mais considerações acordam os Juízes do TCA Norte, em julgar verificada a preterição de formalidade consistente na falta de notificação do relatório da inspecção sendo que tal preterição vicia o acto administrativo da liquidação daí resultante.

Acordam por isso em dar procedência ao recurso, revogar a sentença recorrida e em substituição julgar as liquidações improcedentes com todas consequências legais.

Sem custas.

Notifique e registe.

Porto, 28 de Fevereiro de 2013

Ass. Fonseca Carvalho

Ass. Anabela Russo

Ass. Catarina Sousa