Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01078/11.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO
INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO
QUESTÃO NOVA
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I) Os recursos jurisdicionais destinam-se a alterar ou a anular a decisão de que se recorre, dentro dos fundamentos da sua impugnação, e que não lhes cabe o conhecimento ex novo de questões que não foram apreciadas na decisão recorrida (como sucede no caso presente com a matéria da insuficiência do património) - regra que só pode ser quebrada quando lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso.
II) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
III) A gerência realizada através de procuração dos gerentes a terceiro, porque os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante, tem de considerar-se gerência de facto, verificando-se que o Recorrente admite que a sociedade terá desenvolvido o seu giro normal em função da actividade do identificado mandatário, tendo como pano de fundo a procuração outorgada pelo Recorrente, o que significa que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o ora Recorrente foi gerente de facto da sociedade, sendo que os elementos que o mesmo aponta no sentido de afastar a sua ligação à sociedade não apresentam qualquer valor na medida em que existia um terceiro por si mandatado para o efeito e que protagonizava todos esses actos, além de que o entendimento de que a mera emissão de procuração desresponsabilizaria o oponente conduziria ao afastamento deliberado e unilateral da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada pois, continuando embora gerentes ou administradores de direito, facilmente afastariam a responsabilidade subsidiária outorgando procuração para o exercício de tais funções, ou seja, estava assim encontrada a fórmula legal para beneficiar de uma actividade sem ter de arcar com os correspondentes riscos.
IV) A partir daqui, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do ora Recorrente, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a SS, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
J..., devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 08-03-2017, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO com referência ao processo de execução fiscal que corre termos no IGFSS do Porto, com o n.º 130120060138162 por dívidas de contribuições e cotizações para a segurança social, dos períodos de Junho a Outubro de 2005, no valor total de €2.913,02.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 160-167), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1º para se aplicar a reversão é necessário que o devedor originário não possua património sendo que na douta sentença tal fato é ignorado
2º não se faz prova nem se pronuncia a douta sentença sobre tal existência de bens prova essa que competia à segurança Social
3º viola assim a sentença o disposto no artigo 23º do LCT
4º para se imputar a reversão ao recorrente é necessário que o mesmo tenha na data de pagamento exercido as funções dê gerente de fato
5º resulta da douta sentença que o recorrido não exercia as funções de gerente da sociedade
6º tais funções de gerente de fato eram exercidas pelo sr Joaquim… irmão da gerente E…
7º não provou a Segurança Social qualquer outro ato de gerência do recorrente
8º A Juíza “a quo” confunde capacidade profissional com alvará pelo que aí reside a essência de referir que “sem alvará a sociedade não funciona”
9º pelo fato de dar capacidade profissional a uma empresa não existe qualquer presunção legal de que é gerente de fato da mesma
10º para ser gerente de fato tem que praticar atos de gestão, atos de administração, atos de efetiva gerência
11º a gerência de fato não se presume
12º não foi feita qualquer prova de gerência de fato nos autos
13º houve uma errada qualificação do ato praticado pelo recorrendo na empresa, pois o recorrente não emprestou qualquer alvará à empresa apenas deu inicialmente na sua formação capacidade profissional à mesma
14º capacidade profissional que resultante do Dec. Lei 257/2007 que não estabelece qualquer presunção legal de gerência
15º não existindo gerência de fato não pode haver reversão da divida
Pelo que nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas proficientemente suprirão, requer - se que seja concedido provimento ao recurso e anulada a douta decisão recorrida por uma que julgue procedente a oposição à execução fiscal e absolva o recorrente das custas e demais encargos do processo, com que se fará Justiça!”

O Recorrido IGFSS não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em averiguar da existência de uma situação de insuficiência do património da sociedade devedora originária para a satisfação da dívida exequenda e bem assim apreciar se o ora Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. No IGFSS foi instaurado, em 11.03.2006, o PEF n.º 1301200601381628 e apensos, contra a sociedade E… Unipessoal, Lda., com o NIF5…– PA em anexo;
2. Desde 23.05.2005 que o oponente figura no registo comercial da SDO, como gerente, juntamente com E… - fls. 12 e ss.;
3. Tendo registado a renúncia à gerência da SDO em 13.12.2010, ali fazendo constar que foi dado conhecimento à SDO em 30.12.2008 – fls. 12 e ss.;
4. O OEF determinou a reversão das dívidas da SDO contra o Oponente J…– fls. 14, do PA;
5. Por dívidas de contribuições e cotizações para a segurança social, dos períodos de Junho a Outubro de 2005, no valor total de €2.913,02 – fls. 23 e ss. do PA;
6. O Oponente possuía alvará para actividade de transportes – acordo.
*
Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não foram apurados.
*
Motivação.
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes tendo por base os documentos juntos aos autos e o PA, os quais não foram objecto de impugnação, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados.
A convicção do Tribunal funda-se ainda no depoimentos da parte e das testemunhas, que se revelaram credíveis tendo levado o Tribunal a crer que o Oponente assumiu o cargo de gerente da SDO com a finalidade de permitir aos donos da empresa desenvolveram a actividade de transportes. Não se apurou se o Oponente recebia qualquer remuneração em troca, mas resultou demonstrado que era prática comum do Oponente ceder a sua capacidade profissional, sem desenvolver outros cargos nas empresas.
Foram ouvidas as testemunhas M… (empregado de escritório); R… (Padre) e A… (professora), todos amigos do Oponente que declararam que o Oponente exercia unicamente a actividade profissional de professor nos anos em causa. A testemunha E… (co-gerente nominal da SDO) declarou que a gerência da SDO era exercida apenas pelo seu irmão, Jaquim… e que pensa que o Oponente nunca teve nada a ver com a SDO.
Tudo isto levou o Tribunal a ficar convencido que efectivamente o Oponente se limitou a emprestar a sua capacidade profissional à SDO, ou seja, aceitou a nomeação de gerente para que o seu alvará de empresa de transportes pudesse ser utilizado pela SDO.”
«»
3.2. DE DIREITO
Nas suas primeiras conclusões de recurso, o Recorrente refere que para se aplicar a reversão é necessário que o devedor originário não possua património sendo que na douta sentença tal fato é ignorado e não se faz prova nem se pronuncia a douta sentença sobre tal existência de bens prova essa que competia à segurança Social, de modo que, viola assim a sentença o disposto no artigo 23º do LCT (crê-se que se pretendeu dizer LGT)
Neste domínio, a existência de uma situação de insuficiência do património da sociedade devedora originária para a satisfação da dívida exequenda envolve questão nova que não foi apreciada pelo tribunal recorrido, por lá não ter sido suscitada, pois que percorrida a petição inicial subjacente à presente oposição, não se encontra rasto da matéria que agora se pretende ver apreciada nos autos.
Tal significa que se está perante uma questão nova, integrada no processo através das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, realidade até aí, em absoluto ausente do processo, não tendo sido suscitada em qualquer peça processual e não tendo, por isso, sido apreciada na sentença.
Assim, tal como se afirma no recente Ac. do S.T.A. de 13-03-2013, Proc. nº 0836/12, www.dgsi.pt, “… como é sabido, e é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova (cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.).
Por isso, e em principio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões de conhecimento oficioso.
Tem-se, assim, como assente que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81. …”.
Deste modo, tratando-se, como se trata, de matéria nunca antes suscitada nos autos, e que naturalmente não foi apreciada na decisão recorrida, forçoso é concluir que nesta parte o presente recurso está condenado ao insucesso.

O Recorrente aponta depois que para se imputar a reversão ao recorrente é necessário que o mesmo tenha na data de pagamento exercido as funções de gerente de facto e resulta da douta sentença que o recorrido não exercia as funções de gerente da sociedade, sendo que tais funções de gerente de facto eram exercidas pelo sr Joaquim… irmão da gerente E…, verificando-se que não provou a Segurança Social qualquer outro ato de gerência do recorrente.
A Juíza “a quo” confunde capacidade profissional com alvará pelo que aí reside a essência de referir que “sem alvará a sociedade não funciona” e pelo facto de dar capacidade profissional a uma empresa não existe qualquer presunção legal de que é gerente de facto da mesma, quando para ser gerente de facto tem que praticar actos de gestão, actos de administração, actos de efectiva gerência, a gerência de facto não se presume e não foi feita qualquer prova de gerência de fato nos autos, o que significa que houve uma errada qualificação do acto praticado pelo recorrente na empresa, pois o recorrente não emprestou qualquer alvará à empresa apenas deu inicialmente na sua formação capacidade profissional à mesma, capacidade profissional que resultante do Dec. Lei 257/2007 que não estabelece qualquer presunção legal de gerência, não existindo gerência de facto não pode haver reversão da divida.

Tal significa que se impõe avançar para a questão de saber se o Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.


Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.

Sendo as dívidas exequendas provenientes de contribuições e cotizações para a segurança social, dos períodos de Junho a Outubro de 2005, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, com referência ao caso dos autos, tem de dizer-se que incumbe à Segurança Social, na qualidade de exequente e titular do direito de reversão, o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o administrador/gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto em conformidade com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos (artigo 342º, nº 1, do CC e artigo 74º, nº 1, da LGT). Deste modo, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária e só quem goza de uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350º, nº 1, do CC).
Nesta sequência, e com interesse neste âmbito, importa considerar o exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.

Na decisão, para recusar abrigo à pretensão do ora Recorrente, foi ponderado que:
“…
De volta ao caso em apreço, temos, conforme resulta do probatório e motivação que o Oponente aceitou a nomeação de gerente da SDO, tendo cedido a sua capacidade profissional à mesma, ou seja, permitindo assim que o seu alvará fosse utilizado em nome da empresa para que esta pudesse desenvolver a actividade para a qual foi criada.
Ora, se uma empresa de transportes necessita de um alvará para poder funcionar e se o detentor desse alvará era o Oponente, que era gerente da SDO, forçoso é concluir que exerceu efectivamente essa gerência, pois a sua participação na sociedade foi essencial ou mesmo imprescindível ao desenvolvimento da actividade para a qual foi constituída. …”.

Será assim?
Pois bem, quando se olha para o probatório, temos que o oponente figura no registo comercial da SDO, como gerente, juntamente com E…, tendo registado a renúncia à gerência da SDO em 13.12.2010, ali fazendo constar que foi dado conhecimento à SDO em 30.12.2008 e ainda que o Oponente possuía alvará para actividade de transportes.

Neste ponto, e numa primeira linha de análise, importa salientar que a presunção a que alude o art. 11º nº 3 do Código do Registo Comercial tem o seu efeito limitado à situação jurídica e não abrange a situação fáctica que lhe subjaz no que diz respeito ao efectivo exercício dos poderes correspondentes à detenção da posição jurídica de gerente.

Depois, é sabido que o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra o ora Recorrente ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo o mesmo de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

A partir daqui, o único elemento que se retira do probatório é que o Oponente possuía alvará para actividade de transportes, sendo que, na sua petição inicial, o mesmo refere que cedeu a Capacidade Profissional que detinha para a SDO poder exercer a sua actividade de transportes.

Ora, como se aponta no Ac. deste Tribunal de 22-03-2018, Proc. nº 893/09.6BEVIS Que o Relator deste processo subscreveu como 2º Adjunto, ainda inédito, “… Acresce ainda referir que, embora a Recorrente admita que através da sua capacidade profissional facilitou (“ofereceu”) a obtenção do alvará de transportes nacionais e internacionais, a quem não podia, face às exigências do Decreto-lei n.º 38/99 de 6.2, isso, por si só, não indicia a gestão de facto (sem prejuízo de configurar infrações de outra natureza que não cabem no objeto dos presentes autos).
O diploma em causa consagra o regime jurídico da atividade de transportes rodoviário de mercadorias, os especificados artigos artºs. 3.º, 4.º e 6.º, versam sobre a capacidade profissional para o exercício da atividade de transporte rodoviário de mercadorias e respetiva certificação, de tais normativos não se retira qualquer presunção legal do efetivo exercício da gerência de facto, para efeitos do disposto no art.º. 24.º, n.º 1, da LGT. (Cfr. Acórdão do TCAS n.º 08654/1 de 10.07.2015).
Erra o Tribunal quando entende que, a Recorrente exerceu a gerência de facto, por força do requisito imposto pelo Decreto-lei n.º 38/99 de 6.2, (artºs. 3.º, 4.º e 6º), relativamente à atividade de transportador de mercadorias exigindo que o gerente com capacidade profissional dirija “em permanência e efetividade”, pois assim, está a presumir a gerência de facto de uma gerência de direito. …”.

Ora, é inaceitável que a SS, que tem de desembaraçar-se do ónus da prova nesta sede, se contente com tão pouco, impondo-se uma outra indagação no sentido de ser capaz, ao menos em sede de contestação à oposição, de alegar matéria factual capaz de ser integrada no que acima ficou exposto em relação ao estatuto de gerente, apostando apenas na informação constante da Conservatória do Registo Comcercial.

Tal significa que, in casu, nenhum concreto acto foi dado como provado na matéria de facto fixada na sentença posta em crise que o ora Recorrente tenha praticado em nome e por conta da sociedade originária devedora.

A partir daqui, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do ora Recorrente, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a SS, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.
Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do ora Recorrente, de modo que, competindo à SS o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte dos ora Recorridos, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a SS, havendo assim que conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição à execução fiscal.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, nesta sequência, julgar procedente a presente oposição à execução fiscal e, deste modo, extinta a execução no que concerne às dívidas apontadas (dívidas de contribuições e cotizações para a segurança social, dos períodos de Junho a Outubro de 2005).
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Notifique-se. D.N..
Extraia-se certidão da petição inicial, e do presente acórdão, e remeta-se ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT), para conhecimento da actuação do Recorrente e para os efeitos que entender por convenientes.
Porto, 12 de Abril de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos