Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00796/08.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/29/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IMPOSTO DE SELO
INCIDÊNCIA
USUCAPIÃO
ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
Sumário:I- Mesmo quando está em causa uma aquisição por usucapião, o dito imposto só incide sobre a transmissão do bem que, ab initio, não se encontrava no património do adquirente;
II- O imposto do selo incide sobre transmissões gratuitas de bens imóveis, nelas se incluindo, à luz do Código do Imposto do Selo, as que têm lugar através da aquisição por usucapião;
III- A liquidação do imposto de selo será ilegal na medida em que incida sobre as benfeitorias que tenham sido realizadas pelos próprios adquirentes no prédio objeto da transmissão tributável.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J... e M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
Os Recorrentes J… e M…, melhor identificados nestes autos, interpuseram recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 15.01.2008, em que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação de Imposto de Selo n° 303787 e 303788, no valor global de € 5 345,00.
Os Recorrentes não se conformaram com a decisão tendo interposto o presente recurso formularam nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(...) I. Aos recorrentes, como a todos quantos necessitam de efectivar registo de prédios omissos na Conservatória, foi imposto, por condicionalismos e circunstâncias exógenas, a obrigação de levar a registo o seu direito de propriedade sobre os imóveis identificados porque, embora não exista uma obrigatoriedade directa do registo predial, o artigo 9º do Código respectivo, no seu nº 1, impõe uma obrigatoriedade indirecta do mesmo, dado que a celebração de determinados negócios jurídicos, por título formal válido, só é possível se se comprovar deter registo a favor.
II. Em muitos casos os actuais proprietários dos prédios não dispõem de título que prove o seu direito, ou o direito de outrem na cadeia de transmissões intermédias, a partir do último titular inscrito, sendo certo que estas dificuldades de efectivação de registo abrangem praticamente todo o mundo rural português
III. Possibilitando aos cidadãos a efectivação de registo, nas situações de inexistência de títulos ou meios de os comprovar, não só para as finalidades de ordem pública consagradas no artigo 1º do C. Reg Predial, mas para permitir a prática de actos relativos aos imóveis de que são proprietários, a lei veio introduzir um expediente que consiste no instituto da justificação de posse.
IV. Os recorrentes, como todo e qualquer cidadão em idênticas situações, têm o direito de levar a registo os prédios de que são proprietários, para todos os efeitos públicos que essa situação jurídica permite e impõe.
V. Não podem, por razões tributárias gravosas, desproporcionadas e injustas face a situações similares (como o da aquisição de habitação permanente que beneficia de isenção de IMT ou redução dentro dos limites previstos no EBF) ser impedidos do exercício de um direito consagrado na lei, aliás anterior à agora e aqui em apreciação.
VI. As razões tributárias gravosas, como as que estão em causa, conduzem a denegação de justiça, violação do direito de acesso à justiça, incompreensível desproporção entre os que são donos sem título e os que adquirem habitação nova, ou entre os que necessitam do registo e os que dele podem prescindir.
VII. Há desproporção manifesta e discriminação clara entre os que são obrigados a efectivar registo por serem donos actuais e os que, por exemplo, podem beneficiar o falecimento de um anterior proprietário, situação em que com uma simples habilitação de herdeiros efectuam todos os registos necessários dos prédios omissos.
VIII. Tudo conduz a considerar que, na tributação em apreço e em todas as idênticas manifesta-se, além do mais, evidente violação do princípio da justiça material.
IX. A tributação em imposto do selo, como a versada nos presentes autos, viola os princípios da proporcionalidade e da justiça material.
X. A usucapião de que fala o CIS não pode contrariar o conceito, requisitos e princípios que estão, tradicional e enraizadamente, inseridos no ordenamento jurídico nacional: a usucapião é um modo originário de aquisição de direitos reais; pressupõe sempre um litígio, real ou aparente (uma contraposição de interesses jurídicos); é criada ou declarada apenas por decisão judicial; uma vez actuada, retroage ao momento do início da posse.
XI. A escritura de justificação de posse é meramente declarativa do direito, com vista ao recurso ao expediente previsto nos art.s 89º/1, do Cód. Notariado, e 116º/1, do Cód. Reg. Predial, é um acto de natureza probatória, que permite harmonizar a situação jurídica com a registral, não é constitutiva de direitos, na acepção civilista onde se insere o ramo dos direitos reais.
XII. De qualquer forma, uma vez actuada, a aquisição retroage à data do início da posse (art. 1317º/c e, como aplicação deste, art. 1722º/2b)).
XIII. Retroagindo ao início da posse nunca poderia incidir qualquer imposto, atentas as regras aplicáveis da prescrição.
XIV. Está a ser feita, e não pode sê-lo, uma leitura errada, porque centrada na mera literalidade, do artigo 1º, nº 3 – al. a), do artigo 2º, nº 2 –al. b) e do artigo 5º al. r), todos do CIS.
XV. A usucapião tal como é percebida na lei civil não é susceptível de incidência de imposto do selo, sob pena de se estar perante violação total do consagrado no artigo 11º da LGT, que impõe, no seu nº 2, que “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.”
XVI. Os ramos do Direito Tributário de mais ampla tradição civilística, como os impostos sobre transmissão de bens e os impostos sobre as sucessões, estão assentes em conceitos do Direito privado.
XVII. Não pode o poder jurisdicional remendar erros do legislador com recurso a interpretação enunciativa, extrapolando completamente os contornos desta e pactuando com falhas inultrapassáveis patentes na letra da lei e implícitos no seu espírito, sob pena de violação de princípios e regras constitucionais, consagradas nos artigos 103º e 104º da CRP.
XVIII. A leitura e interpretação do previsto nos artigos 1º/ nº 3 – al. a), 2º/ nº 2 –al. b) e 5º al. r), do CIS só podem ser feitas à luz do que ficou escrito no preâmbulo do diploma em aplicação: o imposto do selo incide, na falta de outro modelo mais apropriado e moderno de tributação, sobre as operações que, constituindo a revelação de rendimento ou riqueza, por qualquer motivo não sejam abrangidas or outro tipo de tributação indirecta.
XIX. A Administração Tributária, na liquidação de imposto do selo nas justificações notariais, está obrigada a verificar a cumulação de dois pressupostos: o circunstancialismo, necessário por declaração expressa, de se estar perante uma situação de “falta de outro modelo mais apropriado e moderno de tributação”; constatar o circunstancialismo, necessário também por declaração expressa, de se estar perante uma situação a envolver “operações que, constituindo a revelação de rendimento ou riqueza, por qualquer motivo não sejam abrangidas por outro tipo de tributação indirecta”.
XX. Os recorrentes, como todos os cidadãos obrigados a justificação notarial para fins de registo, não efectuaram uma qualquer operação que, constituindo a revelação de rendimento ou riqueza, por qualquer motivo não tivesse sido abrangida por outro tipo de tributação indirecta.
XXI. Porque adquiriram um rústico há mais de 20 anos e nele construíram um prédio urbano onde mantêm a sua habitação permanente, não lhes pode ser liquidado imposto do selo após celebração de escritura de justificação notarial, posto que pagaram, aquando da construção, o competente IVA, dado que “não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”, quer tenha incidido na actualidade quer tenha incidido no passado, como prescreve o artigo 1º/ nº 2 do CIS. Nomeadamente porque o nº 6 desse mesmo preceito determina que o conceito de prédio é o definido no CIMI. Ora neste código tal conceito prevê claramente a dinâmica de transformação dos prédios e sujeita a alterações nas inscrições matriciais todos quantos sofram essas modificações de rústicos para urbanos e viceversa, de uma natureza e outra para mistos.
XXII. O CIS não considera a situação em apreço como acto notarial, para efeitos de tributação, mas como transmissão da propriedade, como aquisição da propriedade: “para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente … a aquisição por usucapião” segundo reza o art. 1º/ nº 2 – al. a); é com termos idênticos que se escreveu na verba citada da Tabela Geral, ao referir “aquisição gratuita de bens, incluindo por ususcapião…”
XXIII. O imposto do selo não pode, portanto, incidir sobre o acto notarial.
XXIV. E não é devido se enquadrado, erradamente, como transmissão ou aquisição porque estes institutos não se verificam na justificação notarial.
XXV. Lidas as notificações para pagamento do imposto, resulta sem conexão e demonstração a referência a “transmissão gratuita” e a epígrafe “demonstração da liquidação – aquisição por usucapião”. Não está explicada e demonstrada a incidência do imposto do selo no urbano identificado, atento o histórico do mesmo declarado na escritura em apreço. Não se está perante um acto de liquidação susceptível de perfeito entendimento pelos recorrentes contribuintes das razões que levaram à prática do acto tributário por parte da Administração Tributária.
XXVI. Ao remeter singelamente tais notificações, com as epígrafes citadas, fica por demonstrar um significativo conjunto de factos, princípios, conceitos e razões para a liquidação em causa: a existência de transmissão gratuita a favor dos recorrentes; a inclusão da justificação notarial de posse nas transmissões gratuitas a demonstração de ter existido um acto constitutivo de direitos. Ficou por demonstrar e provar a quantificação do acto tributário: as razões que conduziram à incidência de imposto de selo sobre o urbano; a aplicação retroactiva do imposto, dado que o urbano foi construído até ao ano de 1991; por que razões, atendendo à sua construção, a liquidação se efectuou sobre o valor resultante da avaliação; as razões que motivaram o esquecimento dos impostos indirectos (IVA) que incidiram sobre o urbano.
XXVII. A falta de fundamentação do acto tributário implica a sua nulidade, como determinam os artigos 125º do CPPT e 104º/ nº 3 da CRP.
XXVIII. Para efeitos tributários as inscrições matriciais constituem presunção de propriedade. O titular inscrito na matriz é o presumido proprietário do imóvel respectivo, pelo que não tem de provar o facto ou factos que conduziram a essa situação jurídica. (cfr. art. 350º/ nº 1, C.C). A Administração Tributária está, portanto, obrigada a ilidir a presunção legal fixada. Esta presunção estabelecida na lei fiscal assume, para o caso em apreço, especial e mui particular importância porque para a celebração de escrituras de justificação a lei exige que o prédio esteja inscrito em nome do justificante. A qualidade de proprietários, declarada e invocada pelos recorrentes, deveria ter sido objecto de prova em contrário pela Administração Tributária a demonstrar a sua natureza de falsidade, ou seja, deveria ter sido objecto de prova de factos impeditivos do direito que aqueles presumidos titulares se arrogavam e arrogam (cfr. art. 342º, C.C.)
XXIX. É inconstitucional a interpretação dos artigos 1º, 2º e 5º do CIS quando feita no sentido de ser aplicado imposto do selo a justificações notariais de posse, como a celebrada pelos recorrentes, em que os justificantes de um imóvel rústico adquirido há mais de trinta anos, declaram que nele construíram posteriormente um urbano, que constitui a sua casa de morada de família permanente e que fizeram inscrever na matriz atempadamente, por violação, entre outros, dos artigos 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE, COM O DOUTO SUPRIMENTO QUE SOLICITAM, DEVE A DECISÃO RECORRIDA SER REVOGADA E, DANDO PROVIMENTO AO PRESENTE, ANULAR-SE AS CITADAS LIQUIDAÇÕES DE IMPOSTO DO SELO, COMO É DE JUSTIÇA..(…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O presente recurso foi interposto para o Supremo tribunal Administrativo, tendo este por acórdão de 14.04.2010, julgado incompetente em razão da hierarquia e julgado competente esta secção de contencioso Tributário, deste TCA.

O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal, secundando o parecer emitido pelo seu par no STA, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso revogando a sentença recorrida.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a questão principal a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento (i) por violação dos artigos 1º, nº 3 – al. a), do artigo 2º, nº 2 –al. b) e do artigo 5º al. r), todos do Código de Imposto de Selo, (ii) falta de fundamentação do ato tributário e (iii) violação dos princípios de proporcionalidade, da justiça material e do direito de acesso à justiça.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Matéria de facto dada como provada pelo Tribunal
É a seguinte a matéria de facto dada como provada e como não provada na 1ª instância e que aqui se reproduz ipsis verbis:

“(…)1 - Os autores foram notificados em 02/02/2007 da liquidação de imposto do selo n°
303787 e 303788.

2 - Foi concedido o prazo de pagamento até 30/04/2007.
3 - Os autores no decurso do ano de 2006 viram-se perante a necessidade de praticar actos materiais e jurídicos relativamente ao prédio de que eram e são proprietários e que é o seguinte:
- “Casa de rés-do-chão e primeiro andar, para habitação e logradouro, destinada a habitação, com as áreas coberta de 152,00 m2 e descoberta de 990,00 m2, respectivamente, sito no lugar…, freguesia de Caldelas,… inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo 7…°”.
4 - O referido prédio não se encontrava descrito na Conservatória do Registo Predial, nem se encontrava inscrito a seu favor.
5 - No notário Rodrigo A. P. Rocha Peixoto, no dia 17 de Agosto de 2006, a fls. 100, do livro 50-E, os autores celebraram escritura de justificação de posse pelas razões apontadas na parte final da mesma.
6 - Naquela escritura ficou declarado que “para levar ao registo o seu direito,… vêm proceder à sua justificação”, posto não terem outra forma de obter aquele desiderato registral.
7 - Os autores celebraram esta escritura porque o artigo correspondente ao prédio se encontrava inscrito na matriz em seu nome, mais propriamente, em nome do autor marido, como nela ficou declarado, primeiro sob o n° 5…° e depois, mercê de melhoramentos, sob o actual n° 7…°.
8 - Ficou exarado nessa escritura que o prédio urbano do autores “foi edificado na totalidade de um prédio rústico ... que adquiriram por compra, meramente verbal ... no ano de mil novecentos e oitenta e dois” e que os autores, ali justificantes “desde essa data que entraram na sua detenção e fruição”,
9 - A construção do prédio urbano destinado a habitação dos autores obedeceu a autorização camarária, que veio a merecer alvará de licença de habitabilidade datada de 17/12/1991.
10 - Na matriz predial da freguesia da situação dos prédios, que é a de Caldelas, no concelho de Amares, os autores mantinham o prédio inscrito em seu nome, mais propriamente, em nome do requerente marido, estando o dito urbano 5…°, do qual proveio o actual, inscrito no ano de 2006, há já 16 anos.
11 - Os requerentes adquiriram um prédio rústico, como ficou declarado na escritura, no ano de 1982 e, portanto, há 26 anos, mantendo o urbano construído e em seu nome há 18 anos.
12 - No referido urbano mantêm a casa de habitação que serve de morada da família (do agregado familiar).
13 - Concluíram essa construção no ano de 1991, conforme alvará de habitabilidade emitido pela Câmara de Amares.
14 - Os autores cumpriram as obrigações fiscais inerentes a essa construção, através da inscrição do urbano na matriz respectiva.
15 - Os autores desde sempre liquidaram os tributos patrimoniais imobiliários devidos, incidentes sobre o prédio mencionado.
16 - Além deste imposto directo, os autores liquidaram necessariamente todos os impostos indirectos, emergentes da construção a que procederam, quer através da facturação paga aos empreiteiros, quer através do pagamento aos fornecedores de materiais de construção.
17 - O prédio em causa foi submetido a avaliação geral, por aplicação do art. 150º Regime Transitório, DL 28712003, de 12/11.
18 - A liquidação de imposto do selo que incidiu sobre o prédio urbano teve como referência o valor atribuído ao mesmo após aquela avaliação.
19 - Os autores, notificados daquela liquidação, apresentaram atempadamente reclamações graciosas, impugnando a mesma, no dia 07 de Agosto de 2007.
20 - A Administração Tributária não se pronunciou sobre aquelas no prazo de 6 meses.
Matéria de facto não provada:
Inexiste. -(…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A questão principal que importa apreciar e decidir, é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga incorreu em erro de julgamento ao ter considerado legal a liquidação de imposto de selo aqui impugnada, por violação dos artigos 1º, nº 3 – al. a), do artigo 2º, nº 2 –al. b) e do artigo 5º al. r), todos do Código de Imposto de Selo.
Vejamos:
Estabelece-se no artigo 1º do Código do Imposto do Selo (CIS):
1. O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
(…).
3. Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:
a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião;(…)” (sublinhados nossos).
O artigo 2.° do mesmo CIS preceitua que:
1- (…)
2 - Nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras:
a) (…)
b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários.”
Quanto ao nascimento da obrigação tributária determina a alínea r) do artigo 5.° do mesmo código, que obrigação tributária considera-se constituída nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a ação de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial.
Dispõe o n.º 1 do artigo 9.° do CIS que: “O valor tributável do imposto do selo á o que resulta da Tabela Geral, sem prejuízo do disposto nos números e artigos seguintes.”.
Por sua vez, do ponto 1.2 da Tabela Geral consta: “Aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 - sobre o valor - 10%” .
A questão dicidenda tem sido uniforme e reiteradamente apreciada pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em vários acórdãos nomeadamente, de 23.02.2012, proc. nº 1082/11; de 29.02.2012, proc. nº 818/11; de 07.03.2012, proc. nº 833/11; e de 17.10.22012, proc. 619/12; de 30.10.2013, proc. n.º 0827/13; de 27.11.2013, proc. n.º 0974/13; de 21.05.2014, proc. n.º 01676/13; de 17.12.2014, proc. nº 01198/14; de 12.02.2015, proc. nº 0716/14; de 17.06.2015, proc. nº 0353/15; e de 23.09.2015, proc. nº 0667/15 e também nesta Secção do Contencioso Tributário, do TCAN, do qual se destacam, os recursos n.ºs 00635/07.0BEPRT de 18.09.2014, 00005/07.0BEBRG de 11.02.2010 e 01107/08.1 de 12.11.2010, cuja jurisprudência seguiremos de perto atendendo à similitude da questões factuais.
Refere o acórdão deste TCAN n.º 01107/08.1 de 12.11.2010, com o qual concordamos e subscrevemos sem reservas “(…)[s]egundo pensamos, a razão de ser desta inclusão da aquisição por usucapião no conceito de transmissão gratuita de bens operada pelo legislador tributário em sede de imposto do selo, encontra-se, justamente, na necessidade de abranger no âmbito da tributação, situações que são de transmissão não formalizada de bens e em que, economicamente, ocorre uma transferência patrimonial.
Ora, isto permite concluir que o imposto do selo, mesmo quando está em causa uma aquisição por usucapião, só incide sobre a transmissão do bem que, ab initio, não se encontrava no património do adquirente.
Se a aquisição por usucapião é, em termos fiscais, uma transmissão, ela só pode ter relevância, enquanto tal (enquanto transmissão fiscal) na medida em que tenha por objecto algo que não integrava o património do transmissário, algo que não era sua propriedade, pois só desse modo se pode conceber uma transmissão: uma coisa que passa do património de uma pessoa para o património de outra, uma coisa que se transmite. E é sobre essa transmissão que incide o imposto do selo.
Por outro lado, importa não perder de vista que as transmissões tributáveis em imposto do selo são as transmissões gratuitas, isto é, aquelas que não implicaram qualquer contrapartida económica da parte do transmissário.
Sendo isto assim, afigura-se-nos seguro concluir que a liquidação do imposto de selo aqui impugnada é ilegal.
Com efeito, a administração tributária, com base numa escritura de justificação notarial de posse realizada pelos Recorrentes considerou que estes adquiriram por usucapião e que, portanto, lhes foi transmitido gratuitamente, o prédio urbano a que nessa escritura se alude e, consequentemente, liquidou o imposto do selo que considerou devido pela transmissão desse prédio urbano.
Porém, como resulta do ponto 2 do probatório, o prédio urbano que a administração tributária considerou ter sido transmitido gratuitamente aos Impugnantes foi pelos mesmos construído sobre um terreno que em tempos lhes terá sido vendido sem que essa venda tenha sido formalizada através de escritura pública.
Ora, tendo o edifício que se encontra implantado no terreno transmitido e aqui em causa sido construído pelos Impugnantes jamais se pode considerar, por um lado, que o mesmo lhes foi transmitido e, por outro, que o foi a título gratuito, constituindo antes obras de benfeitorização daquele prédio rústico.
Demonstrando-se que a dita liquidação incidiu não só sobre o valor do prédio que foi adquirido originariamente pelos Recorrentes (o prédio que, na perspectiva da lei fiscal, lhes foi transmitido) mas também sobre o das benfeitorias que, nesse prédio, foram realizadas por aqueles é a mesma, nessa medida de incidência sobre o valor dessas benfeitorias, ilegal – no mesmo sentido, entre outros, acórdão STA 20 Jan. 2010, recurso 0773/09 e acórdão STA 27 Jan. 2010, recurso 0922/09, www.dgsi.pt
Refira-se, a finalizar, que o facto de a norma do artigo 5º, alínea r), do CIS estatuir que a obrigação tributária se considera constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial e de a norma do artigo 13º, nº 1 do mesmo diploma legal referir que o valor dos imóveis a considerar nas transmissões gratuitas é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, não permitem, em nosso entender, extrair qualquer argumento no sentido de que o valor a considerar para efeitos de tributação é o valor de todo o prédio incluindo, portanto, as benfeitorias nele realizadas pelo adquirente. E não permite porque, previamente à questão do valor do bem imóvel a considerar, coloca-se, como prius lógico, a questão da determinação do bem imóvel que foi objecto da transmissão gratuita tributável.(…)”
Centrando-nos no caso em apreço resulta da matéria assente - 8, 9, 10, 11, 13, 17 e 18- que consta da escritura de justificação notarial que o prédio urbano “foi edificado na totalidade de um prédio rústico ... que adquiriram por compra, meramente verbal ... no ano de mil novecentos e oitenta e dois” e que os autores, ali justificantes “desde essa data que entraram na sua detenção e fruição”.
A construção do prédio urbano destinado a habitação dos Recorrentes obedeceu a autorização camarária, que veio a merecer alvará de licença de habitabilidade datada de 17.12.1991.
Na matriz predial da freguesia de Caldelas, do concelho de Amares, os Recorrentes mantinham o prédio inscrito em seu nome, mais propriamente, em nome do requerente marido, estando o dito urbano 5…°, do qual proveio o atual, inscrito no ano de 2006.
Os ora Recorrentes adquiriram um prédio rústico, como ficou declarado na escritura, no ano de 1982, mantendo o urbano construído desde 1991, conforme alvará de habitabilidade emitido pela Câmara de Amares.
A sentença recorrida com base nesta factualidade, concluiu pela legalidade das liquidações e entendeu para efeito de fixação do imposto de selo era relevante o valor do prédio urbano.
Retornando ao caso vertente, o que se alcança da factualidade julgada provada e não impugnada, a posse que os respetivos Recorrentes invocaram na escritura de justificação como título para a usucapião foi a posse pacífica do terreno que haviam adquirido verbalmente em 1982, sem violência e exercida sem interrupção.
Quanto à edificação nele construída, (casa de rés-do-chão e primeiro andar, e logradouro, destinada a habitação, com as áreas coberta de 152,00 m2 e descoberta de 990,00 m2,) os Recorrentes alegaram que tinha sido construída por eles próprios, para o qual requereram as respetivas autorizações camarária, procederam à construção tendo a concluído em 1991.
Face à matéria provada não subsiste assim, dúvidas que o objeto da justificação notarial é o terreno adquirido verbalmente e cuja compra e venda nunca os Recorrentes haviam chegado a formalizar.
Tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi erguida uma construção, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo.
Nesta conformidade a sentença recorrida, incorre em erro de julgamento, na medida em que a liquidação impugnada sofre de ilegalidade decorrente da violação dos artigos 1º, nº 3 – al. a), do artigo 2º, nº 2 –al. b) e do artigo 5º al. r), todos do Código de Imposto de Selo o que impõe a sua revogação.

Face ao exposto, o recurso merece provimento, e por conseguinte, fica prejudicada a decisão dos demais fundamentos de recurso, nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.

E assim formulamos as seguintes conclusões / sumário:
I- Mesmo quando está em causa uma aquisição por usucapião, o dito imposto só incide sobre a transmissão do bem que, ab initio, não se encontrava no património do adquirente;
II- O imposto do selo incide sobre transmissões gratuitas de bens imóveis, nelas se incluindo, à luz do Código do Imposto do Selo, as que têm lugar através da aquisição por usucapião;
III- A liquidação do imposto de selo será ilegal na medida em que incida sobre as benfeitorias que tenham sido realizadas pelos próprios adquirentes no prédio objeto da transmissão tributável.

5. DECISÃO
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente e, em consequência, anular as liquidações impugnadas.

Custas, em 1ª instância, pela Fazenda Pública.
Porto, 29 de setembro de 2016
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento