Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00864/11.2BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Hélder Vieira
Descritores:ERRO SOBRE PRESSUPOSTO FACTO; MATÉRIA DE FACTO CONTROVERTIDA
ERRO JULGAMENTO FACTO
Sumário:I. O julgador deve proceder ao julgamento de facto seleccionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa considerando, mormente, toda a realidade factual relevante para apreciação de todos os fundamentos de ilegalidade invocados, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa.
II. Nesse e para esse julgamento o decisor, tendo presente o objecto do litígio, deverá atentar aos posicionamentos expressos pelas partes nas suas peças processuais quanto às alegações factuais invocadas entre si, aferindo e seleccionando aquilo em que estão de acordo e aquilo de que divergem, na certeza de que existindo matéria de facto controvertida que releve para a apreciação do litígio em causa à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas para a causa importa proferir despacho saneador com elaboração de matéria de facto assente e base instrutória [arts. 511.º, n.º 1 CPC/2007, 87.º e 90.º do CPTA], seguido de ulterior instrução quanto a tal realidade factual controvertida [arts. 513.º, 552.º, n.º 2, 577.º, n.º 1, 623.º, n.º 1, 638.º, n.º 1 todos do CPC/2007, e 90.º do CPTA] e, por fim, emissão de decisão sobre tal matéria de facto [arts. 646.º, n.º 4 e 653.º, n.º 2 do CPC/2007, 91.º e 94.º do CPTA].
III. Através da remissão operada pela parte final do n.º 2 do art. 90.º do CPTA mostram-se hoje afastadas as eventuais limitações de instrução probatória e de meios de prova legalmente admissíveis no contencioso administrativo e que existiam no anterior contencioso já que as acções administrativas especiais previstas e reguladas no CPTA passaram, nesse âmbito, a ser disciplinadas pelo regime decorrente dos arts. 410.º a 526.º do CPC/2013 [anteriores arts. 513.º a 645.º do CPC/2007], atribuindo-se ao julgador administrativo poderes de controlo e de instrução nesse mesmo domínio.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de Arouca
Recorrido 1:MTB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento dos recursos.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

Recorrente: Município de Arouca

Recorrido: STAL – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, em representação do seu associado MTB.

Vem interposto recurso do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a supra identificada acção administrativa especial e anulou o acto impugnado, de 08-07-2011, que indeferiu a reclamação apresentada pelo Autor visando o despacho de homologação da avaliação de desempenho relativa ao ano de 2007, e ainda recurso do despacho saneador quanto à decisão de improcedência da excepção da inimpugnabilidade do acto.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1):

I – No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de inimpugnabilidade do acto com o fundamento de que o Réu não alegou que o representado do A. tenha tido conhecimento dos fundamentos da avaliação de desempenho antes de 15 de Junho de 2011, razão pela qual se considerou naquele despacho que foi apenas nesta data que o representado do Autor foi notificado do acto de homologação da avaliação.

II – Ora, isso não é correcto, já que no artº 2º da contestação, o Réu alegou que o representado do Autor havia sido convocado à Secção dos Recursos Humanos em data anterior a 23.05.2011, onde foi informado pelos referidos serviços do conteúdo do respectivo despacho de homologação, sendo que, conforme invocou no artº 3º da mesma peça, nesse mesmo acto foi-lhe fornecida cópia da ficha de avaliação, donde constam quer os factos que estiveram na base da classificação atribuída quer o conteúdo daquela decisão.

III – Mais alegou o Réu, nos artºs 7º e 8º da contestação que no 23 de Maio de 2011, “depois de, mais uma vez, lhe ser presente o conteúdo do despacho homologatório e da avaliação que lhe serviu de suporte, o trabalhador manteve a recusa, não assinando a ficha de avaliação, no local assinalado para esse fim.

IV - Daqui resulta, que no dia 23 de Maio de 2011 lhe foi presente o conteúdo do despacho homologatório e da avaliação que lhe serviu de suporte e que o representado do Autor se recusou a assinar e que, já em data anterior, havia sido informado pelos serviços do conteúdo do respectivo despacho de homologação, tendo-lhe sido fornecida cópia da ficha de avaliação, donde constam quer os factos que estiveram na base da classificação atribuída quer o conteúdo daquela decisão.

V - Ainda que essa questão da data da notificação e do conhecimento efectivo do acto fosse matéria controvertida – o que se admite por mera hipótese - tratando-se de matéria de facto cujo apuramento era essencial para a decisão da excepção de extemporaneidade da acção, dever-se-ia ter aberto período de produção de prova, ao abrigo do disposto no artº 87, nº 1. al. c) do CPTA, já que o Réu indicou testemunhas para prova dos factos que alegara a esse propósito, o que o Tribunal não fez.

VI – E se o Mtº Juiz entendesse que havia alguma dúvida sobre a alegação da matéria necessária ao conhecimento da invocada excepção – o que, mais uma vez se admite por mera hipótese – então o Mtº Juiz a quo deveria ter dado cumprimento ao disposto no artº 88, nº 2, do CPTA, ordenando o suprimento da insuficiência de alegação dos factos necessários, o que também não fez.

VI – Por outro lado, não assiste razão ao Mtº Juiz a quo no que respeita a eventuais irregularidade da notificação, já que, por um lado, a notificação pode ser efectuada pessoalmente, conforme decorre do artº artº 70, nº 1, al. b), do CPA, e, por outro lado, chamar o representado do Autor à Secção dos Recursos Humanos e informá-lo do conteúdo do respectivo despacho de homologação, fornecendo-lhe cópia da ficha de avaliação, donde constam quer os factos que estiveram na base da classificação atribuída quer o conteúdo daquela decisão e apresentar ao mesmo o conteúdo do despacho homologatório e da avaliação, como se alegou, é proceder à notificação pessoal do destinatário da notificação, dando cumprimento a todos os requisitos essenciais da notificação previstos no artº 68º, do CPA., pois o mesmo ficou a conhecer, pelo menos, o autor do acto, a data deste e o seu texto integral.

VII – Sendo jurisprudência pacífica do STA que “constituem elementos essenciais da notificação do acto administrativo a indicação do autor do acto e do sentido e da data da decisão (al. b) do nº 1, do artº 68º, do CPTA) e que só a falta destes elementos torna a notificação inoponível ao seu destinatário e irrelevante para efeitos do início do prazo de interposição do recurso contencioso” (cfr. Ac. do STA, d.e 29.10.2009, Proc. 778/08, citado por António Francisco de Sousa, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 2ª edição, pag. 253).

VIII - Assim, mal andou o Mtº Juiz a quo ao considerar que apenas no dia 15 de Junho de 2011 começou a correr o prazo para reclamar da referida avaliação de desempenho, mostrando-se cumprido o prazo para apresentação da reclamação, a que alude o artº 1 do artigo 28º do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004, de 14 de Maio, aplicável à Administração Local por força do Decreto Regulamentar nº 6/2006, de 20 de Junho, que é pressuposto do direito de acção.

IX – Razão pela qual deve ser anulado o referido despacho, substituindo-o por outro que dê aqueles factos como provados e, consequentemente, julgue procedente a referida excepção de inimpugnabilidade do acto, que obsta ao prosseguimento do processo e à apreciação do mérito da acção, determinando a absolvição do Réu da instância, conforme decorre do artº 89, nº 1, al. c) do CPTA.

X – Caso assim se não entenda, o que se admite a título subsidiário, considerar a referida matéria controvertida e ordenar a baixa do processo à primeira instância a fim de que seja aberto um período de produção sobre os factos alegados sobre a referida excepção.

XI - Como a sentença parte do pressuposto de que a acção é admissível, por se encontrarem verificados os pressupostos da sua admissibilidade, a eventual procedência da excepção afecta a decisão proferida, já que implicará necessariamente a impossibilidade de conhecer os vícios apontados ao acto, o que torna inválida toda a sentença.

XII - Para além disso, a sentença apenas aprecia a questão da insuficiência do período de avaliação (6 meses), por violação do artº 26º, do DL. 19-A/2004, pois conclui que a procedência deste vício de violação de lei torna desnecessário o conhecimento dos demais vícios.

XIII - Acontece que, esse é um vício que não diz respeito ao acto impugnado mas sim à avaliação em si e sua homologação, já que resulta do disposto no artº 78, nº 2, al. d) do CPTA, que nas acções especiais para a anulação de acto administrativo é obrigação do Autor identificar o acto impugnado.

XIV – Ora, conforme é alegado no artº 5º da p.i., o autor delimita o objecto da impugnação ao “teor do acto” constante no documento nº 4, fls 2, junto à p.i. e fls. 12 do PA, ou seja, delimita a impugnação ao despacho do Presidente da Câmara, datado de 08.07.2011, que julgou improcedente a reclamação por extemporaneidade, acto esse que também é identificado pelo Mtº Juiz na al. F dos factos assentes da sentença como sendo o único acto impugnado e sendo a anulação desse acto que o Autor identifica no pedido.

XVI - Acontece que, nos fundamentos da acção, o A. não imputa nenhuma ilegalidade a esse acto, antes se limitando a atacar a avaliação de desempenho e o despacho que a homologou, o que são actos distintos.

XVII - Assim, o único vício conhecido na sentença não respeita ao acto impugnado.

XVIII - Razão pela qual a sentença também é nula por condenar em objecto diverso do pedido, violando o disposto no artº 615, nº 1, al. d) do CPC.

XIX – Decidindo como decidiu, quer o despacho que julgou improcedente a excepção, quer a sentença que julgou a acção procedente, violam, entre o mais, os artigos 78, nº 2, al. d) do CPTA, 88, nº 2, do CPTA, 89, nº 1, al. c), do CPTA, artºs 68 e 70, nº 1, al. b) do CPA, nº 1 do artigo 28º do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004, de 14 de Maio, aplicável à Administração Local por força do Decreto Regulamentar nº 6/2006, de 20 de Junho, e artº 615, nº 1, al. d), do CPC.

Termos em que, deve conceder-se provimento ao recurso e, em consequência:

a) anular-se a decisão ínsita no despacho saneador que julgou improcedente a excepção de inimpugnabilidade do acto, substituindo-o por outra que dê como provados os factos alegados nos artºs 2 a 10 da contestação e, consequentemente, julgar procedente a referida excepção de inimpugnabilidade do acto, que obsta ao prosseguimento do processo e à apreciação do mérito da acção, determinando a absolvição do Réu da instância, conforme decorre do artº 89, nº 1, al. c) do CPTA;

b) caso assim se não entenda, o que se admite a título subsidiário, considerar a referida matéria controvertida e ordenar a baixa do processo à primeira instância a fim de que seja aberto um período de produção sobre os factos alegados sobre a referida excepção;

c) em consequência da procedência de qualquer umas das situações referidas nas alíneas anteriores, anular a sentença recorrida;

d) ainda que não procedam os pedidos das alíneas anteriores, declarar-se nula a sentença por condenar em objecto diverso do pedido;

e) Se ainda assim se não entender, a final revogar a sentença impugnada e, consequentemente, julgar a acção improcedente.

Justiça.”.

O Recorrido contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo elaborado conclusões, aqui se vertem:

a) O despacho de homologação da avaliação de desempenho no âmbito do SIADAP/2004, carece de notificação ao avaliado;

b) Esta notificação é, em princípio pessoal;

c) Por ser pessoal e visar garantir o direito fundamental à informação dos administrados mas, sobretudo, o exercício do contraditório, como supra se demonstrou, carece da tradição do duplicado da ficha de avaliação no seu todo;

d) Não bastando exibi-la e recolher a assinatura comprovativa da tomada de conhecimento do despacho de homologação;

e) Importa que, com a notícia do acto, se processe a entrega de um duplicado da ficha de avaliação na íntegra, não só da parte onde o despacho de homologação é exarado, mas de toda a ficha, para o avaliado ter presente as classificações atribuídas nos diversos parâmetros, a fundamentação da "Atitude Pessoal", o período em avaliação, etc.;

f) Impondo o artigo 268°, nº 3, da CRP a notificação dos actos administrativos aos administrados na forma legal, forçoso é concluir que no caso do despacho de homologação, a forma tem de ir para além do simples procedimento de dar notícia, implica a tradição de toda a ficha de avaliação;

g) Como se refere no douto cresto, pelo então Autor junto às alegações por escrito no seguimento de notificação nos termos do artigo 94º, nº 1, do CPTA, «Só a efectiva entrega de uma cópia do texto assegurará ao interessado um conhecimento pleno e incondicionado do acto administrativo, que o habilite à eventual interposição do recurso»;

g) Ora, com todo o respeito, conforme o acima expendido, o Recorrente não logrou provar que em data anterior a 16/6/2011, tenha concedido, fornecido, facultado, duplicado da ficha de avaliação, não se tendo assim cumprido com o ónus que pelo artigo 342°, nº 2, do Código Civil lhe cabia;

h) Sendo a reclamação do despacho de homologação da avaliação de desempenho necessária, o que na mesma se pode e deve pedir é um reexame da legalidade do acto impugnado administrativamente;

i) Tendo o acto que versou sobre tal reclamação optado por não fazer esse reexame por imputar extemporaneidade à reclamação, há legitimidade para lhe serem assacados todos os vícios de que não conheceu e até outros de que o administrado venha a ter conhecimento.

Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra o douto acórdão recorrido, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se

JUSTIÇA”.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento dos recursos, em termos que se dão por reproduzidos.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se ocorre erro de julgamento da excepção da inimpugnabilidade do acto e se o acórdão recorrido padece de nulidade por condenar em objecto diverso do pedido.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA

A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte:


A)

O representado do A. foi sujeito a avaliação de desempenho relativamente ao período compreendido entre 1 de Julho de 2007 e 31 de Dezembro do mesmo ano – cfr. fls. 1/8 do P.A..

B)

Foi atribuída ao representado do A. a avaliação final – expressão quantitativa – de 2,68, a que correspondeu a expressão qualitativa de “necessita de desenvolvimento” – cfr. referidas fls. do P.A..

C)

A avaliação de desempenho do representado do A. foi homologada por despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de Arouca em 7 de Julho de 2008 – cfr. fls. 8 do P.A..

D)

O representado do A. apresentou reclamação, no dia 22 de Junho de 2011, visando o despacho referido em C) – cfr. fls. 9 do P.A..

E)

No dia 7 de Julho de 2011, foi elaborada informação nº 23/2011 da qual se extrai o seguinte:

(...)

“1. Não obstante o requerente ter assinado a declaração de conhecimento da homologação em 15.06.2011, na verdade o trabalhador tomou conhecimento da avaliação após a homologação em 23.05.2011, através de informação dos serviços de recursos humanos, tendo no entanto recusado assinar, conforme se encontra registado na última página da ficha de avaliação do ano em questão.

(…)

4. Nestes termos deve a reclamação ser julgada improcedente, por extemporânea, pelo que improcede também a análise do respectivo conteúdo.” – cfr. fls. 12 do P.A..


F)

O Presidente de Câmara Municipal de Arouca, no dia 8 de Julho de 2011, exarou sobre a referida informação despacho com o seguinte teor:

“Concordo com a informação.

Reclamação improcedente.

Notifique.” (acto impugnado) – cfr. 12 do P.A..

II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO

Vertidos os termos da causa e a posição das partes, passamos a apreciar as questões a decidir, já acima elencadas.

II.2.1. — Da decisão de improcedência da excepção da inimpugnabilidade do acto impugnado.

Vejamos o que está em causa.

O Autor veio ao TAF de Aveiroimpugnar o despacho do Exmº Sr. Presidente da Câmara Municipal de Arouca, de 8/7/2011”, acrescentando que “o teor do acto impugnado é o constante do documento nº 4, fls. 2”.

Esse acto está identificado, expressamente como “acto impugnado”, em F) do acervo probatório e os seus fundamentos mostram-se assentes na alínea E) do mesmo.

Na contestação, o Réu suscitou a excepção da inimpugnabilidade desse acto, porquanto e em síntese, ao trabalhador em causa, em data anterior a 23-05-2011, foi convocado à Secção de Recursos Humanos do Réu e aí foi informado do conteúdo do despacho do Presidente da Câmara, de 07-07-2008, que homologou a sua avaliação de desempenho, tendo-lhe sido fornecida cópia da ficha de avaliação da qual consta quer os factos que estiveram na base da classificação atribuída quer o conteúdo da mesma decisão. O trabalhador, no entanto, recusou-se a assinar a prova da notificação.

Mais alegou o Réu, em síntese, que o trabalhador representado pelo Sindicato Autor ora Recorrido foi de novo convocado para comparecer naquela Secção, o que fez em 23-05-2011, tendo-lhe sido presente o conteúdo do despacho homologatório e da avaliação, o mesmo manteve a recursa, não assinando a ficha de avaliação no local destinado a esse fim, o que ficou anotado na própria ficha.

Em 15-06-2011, o trabalhador compareceu, por sua iniciativa, na mesma Secção, pedindo a ficha de avaliação, que lhe foi facultada, assinando-a na parte que certifica aquele conhecimento.

Culmina a arguição da referida excepção alegando que a reclamação apresentada pelo trabalhador em 22-06-2011, por requerimento registado sob o nº 3695, foi apresentada para além do prazo de 5 dias úteis previstos no nº 1 do artigo 28º do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004, de 14 de Maio, aplicável ex vi Decreto Regulamentar nº 6/2006, de 20 de Junho.

E daí, conclui, que pelo despacho do Presidente da Câmara de Arouca, de 08-07-2011, a dita reclamação haja sido julgada improcedente, por extemporaneidade.

Alega ainda o Réu na sua contestação que sendo a dita reclamação uma reclamação necessária, como é considerado pela “jurisprudência dominante”, identificando acórdãos do STA e deste TCAN, e atacando o Autor, não o acto que identifica como impugnado, mas apenas a avaliação de desempenho e despacho que a homologou, não tendo apresentado a reclamação atempadamente, não pode agora recorrer de um acto que não foi atempadamente objecto de reclamação obrigatória.

Para prova do alegado, o Réu ofereceu rol de três testemunhas, requerendo a abertura de um período de produção de prova.

À matéria de excepção replicou o Autor e, entre o mais, alega que o Réu não logrou provar que a cópia da ficha de avaliação com o despacho de homologação tenha sido entregue ao associado do Autor em data anterior a 15/6, pois não junta qualquer documento, cópia de livro de protocolo, recibo, registo postal ou mandado onde possa estribar a prova dessa entrega.

No despacho saneador, para julgamento da matéria de excepção, foi assente a seguinte matéria de facto:

«A) A. avaliação de desempenho do associado do A. foi homologada por despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal em 7 de Julho de 2008 – cfr. fls. 8 do P.A.. .

B) O representado do A., no dia 23 de Maio de 2011 recusou-se a assinar o documento relativo à avaliação de desempenho – cfr. fls. 8 do P.A..

C) O representado do A. assinou o referido documento no dia 15 de Junho de 2011 – cfr. fls. 8 do P.A..

D) O A ., no dia 22 de Junho de 2011 apresentou reclamação visando o despacho referido em A) – cfr. 9 do P.A ..

E) No dia 7 de Julho de 2011, foi elaborada informação n° 23/2011 da qual se extrai o seguinte: (…) “1. Não obstante o requerente ter assinado a declaração de conhecimento da homologação em 15.06.2011, na verdade o trabalhador tornou conhecimento da avaliação após a homologação em 23.05.2011, através de informação dos serviços de recursos humanos, tendo no entanto recusado assinar, conforme se encontra registado na última página da ficha de avaliação do ano em questão. (...) 4. Nestes termos deve a reclamação ser julgada improcedente, por extemporânea, pelo que improcede também a análise do respectivo conteúdo.” _ cfr. fls. 12 do PA ..

O Presidente de Câmara “Municipal de Arouca, no dia 8 de Julho de 2011, exarou sobre a referida informação despacho com o seguinte teor: “Concordo com a informação. Reclamação improcedente. Notifique.” (acto impugnado) — cfr. 12 do P.A.».

A decisão que recaiu sobre a matéria de excepção tem o seguinte teor, designadamente:

«Refere o R. que o A. teve conhecimento da homologação da sua avaliação pelo menos em 23.05.2011, o que o Tribunal considera insuficiente para julgar procedente a excepção suscitada. Com efeito, se parece assistir razão ao R. quando refere que o representado do A. tomou conhecimento da homologação da avaliação na referida data, o certo é que não é referido que o representado do A. tenha tido conhecimento dos fundamentos da mesma.

Na verdade, e tendo presente que a homologação tinha de ser notificada ao representado do A. o mero conhecimento da homologação da avaliação não satisfaz os requisitos consagrados no artº 68º do CPA, relativo ao conteúdo da notificação, pelo que deve considerar que apenas no dia 15 de Junho de 2011 começou a correr o prazo para reclamar da referida avaliação de desempenho, assim tendo o representado do A. apresentado reclamação em 22 de Junho, mostra-se cumprido o prazo previsto no artº 28, nº 1, do Decreto Regulamentar nº 19/2004, de 14 de Maio, aplicável à Administração Local por força do Decreto Regulamentar nº 6/2006, de 20 de Junho, improcedendo, assim, a excepção suscitada.».

O Recorrente discorda desta decisão e seus fundamentos, fazendo assentar a sua discordância, em síntese, em dois pontos essenciais: A notificação do acto homologatório da avaliação pode ser efectuada pessoalmente, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º do CPA, o que alegou ter ocorrido, com cumprimento dos requisitos essenciais da notificação previstos no artigo 68º do CPA e, quanto ao segundo ponto, “Ainda que essa questão da data da notificação e do conhecimento efectivo do acto fosse matéria controvertida – o que se admite por mera hipótese - tratando-se de matéria de facto cujo apuramento era essencial para a decisão da excepção de extemporaneidade da acção, dever-se-ia ter aberto período de produção de prova, ao abrigo do disposto no artº 87, nº 1. al. c) do CPTA, já que o Réu indicou testemunhas para prova dos factos que alegara a esse propósito, o que o Tribunal não fez.”.

Vejamos.

O Autor impugnou tão-só o acto do Presidente de Câmara Municipal de Arouca, de 08-07-2011, que, em sede de reclamação administrativa, decidiu julgar a mesma improcedente, por extemporânea, pelo que improcede também a análise do respectivo conteúdo.

Formulou apenas um pedido, o de anulação desse impugnado acto.

Na causa de pedir, todavia, não alegou argumentos impugnatórios dirigidos aos fundamentos daquela decisão que, relembre-se, concluiu apenas pela extemporaneidade da reclamação. Antes alegou uma causa de pedir dirigida ao acto de homologação e atinente procedimento de avaliação, com invocada violação do disposto no artigo 4º, alínea b), da Lei nº 10/2004, de 23 de Março, e artigos 3º, nº 1, alíneas b) e c) e 26º do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004.

O argumento que suportou essa opção mostra-se exarado nos artigos 33º a 37º da petição inicial, alegando a inobservância do disposto no artigo 268º, nº 3, da CRP e artigo 68º, nº 1, do CPA, quanto à notificação do despacho de homologação da avaliação e concluindo que “…ao assimilar tais pressupostos errados não apreciando a reclamação, o acto impugnado deixou intocado na ordem jurídica o reclamado, incorporando desse modo os respectivos vícios”. Sobre este aspecto não se pronunciou o Tribunal a quo.

Vejamos, pois.

A decisão recorrida, embora tivesse considerado provado que o representado do Autor, no dia 23-05-2011, se recursou a assinar o documento relativo à avaliação de desempenho, considerou também que antes de 15-07-2011 não tinha havido notificação mas mero conhecimento da homologação de avaliação, não tendo sido satisfeitos os requisitos de notificação aludidos no artigo 68º do CPA/1991, ao caso aplicável, relativos ao conteúdo da notificação, ou seja, considerou que desse “conhecimento” não constava o texto integral do acto administrativo em causa, a identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do acto e a data deste, o órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para este efeito, no caso de o acto não ser susceptível de impugnação contenciosa.

Todavia, tais factos não se mostram provados.

Na verdade, como vimos acima, o Réu alegou no articulado 1º a 13º da contestação um conjunto de factos estruturantes desta causa de pedir em matéria de excepção, alegando que anteriormente a 23-05-2011 foi fornecida ao trabalhador em causa cópia da ficha de avaliação, donde constavam quer os factos que estiveram na base da classificação atribuída quer o conteúdo do despacho de homologação (artigos 1º a 4º e 13º da contestação). Alega ainda que, convocado para o dia 23-05-2011, o trabalhador compareceu, não assinando a ficha de avaliação, mas alega o Réu que ao trabalhador “foi presente o conteúdo do despacho homologatório e da avaliação que lhe serviu de suporte” (artigos 6º a 9º e 13º da contestação).

Ofereceu, especificamente para prova desses factos, o rol de testemunhas que a final da contestação indicou idoneamente (artigos 341º, 392º, 393º, 396º, todos do Código Civil), requerendo a abertura de período de produção de prova.

O sentido da pronúncia do Autor sobre essa matéria foi claramente o da sua contestação, dizendo, designadamente, que “o Réu não logra provar, que a cópia da ficha de avaliação com o despacho de homologação tenha sido entregue ao sócio do Autor em data anterior a 15/6. Ou seja, de que o sócio do Autor estava desde data anterior em condições de exercer os meios impugnatórios em relação ao acto de homologação, por ter em sua posse o texto integral do acto impugnado e a avaliação no qual se estribava”.

Pelo que, a matéria em causa, era — e continua controvertida, nada obstando, ademais, a que o tribunal, se assim o entender no exercício do dever de gestão que lhe incumbe (artigos 6º e 411º do CPC e nº 2 do artigo 88º do CPTA), ordene o suprimento de insuficiências que eventualmente identifique.

Nenhuma decisão se mostra produzida sobre o referido requerimento de produção de prova (nº 2 do artigo 90º do CPTA), nem efectuada a requerida instrução probatória, como se impunha (artigos 410º, 411º, 413º, todos do CPC), nem enunciada, na decisão, a matéria de facto alegada cuja não prova tivesse relevado para a decisão da causa (nº 4 do artigo 607º do CPC).

No entanto, a decisão de saneamento, sem permitir ao Réu a prova da matéria alegada e controvertida, assumiu o tribunal a quo que “o mero conhecimento da homologação da avaliação não satisfaz os requisitos consagrados no artigo 68º do C.P.A.”.” .

Tem razão o Recorrente ao alegar que, “no mínimo, deveria ter considerado que a data da notificação e do conhecimento do acto eram matéria controvertida e ordenar o prosseguimento dos autos para a fase de produção de prova, sendo que só finda essa fase estaria em condições de poder decidir sobre a mesma excepção.”.

Porque tal questão foi já superiormente trada por este TCAN no acórdão de 14-03-2014, processo nº 02699/09.3BEPRT, aqui se deixa, em fundamento suplementar, um excerto do mesmo, relevante para esta matéria:

I. Centrando, desde logo, a nossa atenção na impugnação do julgamento de facto realizado e quadro factual tido por apurado importa, desde logo, ter presente que a este Tribunal assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos nos arts. 712.º do CPC/2007 [atual art. 662.º do CPC/2013] e 149.º do CPTA, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objeto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

II. O julgador deve proceder ao julgamento de facto selecionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa considerando, mormente, toda a realidade factual relevante para apreciação de todos os fundamentos de ilegalidade invocados, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa.

III. Nesse e para esse julgamento o decisor, tendo presente o objeto da ação, deverá atentar aos posicionamentos expressos pelas partes nas suas peças processuais quanto às alegações factuais invocadas entre si, aferindo e selecionando aquilo em que estão de acordo e aquilo de que divergem, na certeza de que existindo matéria de facto controvertida que releve para a apreciação da pretensão impugnatória formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas para a causa importa proferir despacho saneador com elaboração de matéria de facto assente e base instrutória [arts. 511.º, n.º 1 CPC/2007, 87.º e 90.º do CPTA], seguido de ulterior instrução quanto a tal realidade factual controvertida [arts. 513.º, 552.º, n.º 2, 577.º, n.º 1, 623.º, n.º 1, 638.º, n.º 1 todos do CPC/2007, e 90.º do CPTA] e, por fim, emissão de decisão sobre tal matéria de facto [arts. 646.º, n.º 4 e 653.º, n.º 2 do CPC/2007, 91.º e 94.º do CPTA].

IV. Ou, para utilizar a atual terminologia do CPC/2013, importa que se haja procedido à definição/identificação do objeto do litígio e à enunciação dos “temas da prova” [art. 596.º do referido Código - conceito que pressuporá na sua base apenas realidade factual controvertida tanto mais que a instrução, incidindo sobre aqueles temas e portanto num enquadramento tendencialmente “menos limitador”, prende-se ainda assim com a demonstração da veracidade ou não de determinados factos alegadamente ocorridos de cuja reconstituição do processo histórico se pretende obter e aos quais partes, testemunhas, perícias e documentos, respetivamente, são ouvidos, prestam depoimentos, incidem, respondem ou demonstram - cfr., entre outros, arts. 410.º, 420.º, 423.º, n.º 1, 452.º, n.º 2, 454.º, 466.º, 475.º, n.º 1, 516.º, n.ºs 1 e 2 do CPC/2013] considerando também sempre as várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa.

V. Não pode o juiz, uma vez confrontado com existência de factualidade controvertida essencial para a boa e correta decisão da causa considerando os vários fundamentos de ilegalidade invocados e sob pena de ilegalidade por preterição das mais elementares regras, suprimir ou omitir qualquer daquelas fases processuais precludindo os direitos das partes em litígio, seja em termos de ação ou de defesa.

VI. Note-se que face ao nosso sistema probatório o juiz administrativo no julgamento de facto detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos objeto de discussão em sede de julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

VII. Este sistema não significa minimamente puro arbítrio por parte do julgador já que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.

VIII. Importa ter presente que com a Lei n.º 15/2002, que aprovou o CPTA, se procedeu à revogação dos diplomas que disciplinavam a tramitação, poderes instrutórios e de julgamento nos processos do anterior contencioso, mormente, os normativos que nos mesmos regulavam tais matérias e fases [v.g., arts. 12.º e 24.º da Lei Processo Tribunais Administrativos (abreviadamente «LPTA») (aprovada pelo DL n.º 267/85), 817.º , 845.º e 847.º do Código Administrativo (aprovado pelo DL n.º 31.095, de 31.12.1940) e 20.º da Lei Orgânica Supremo Tribunal Administrativo (vulgo «LOSTA») (aprovado pelo DL n.º 40.768, 08.09.1956)].

IX. Assim, passou a disciplinar-se no art. 90.º do CPTA que no “caso de não poder conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o juiz ou relator pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade” [n.º 1], podendo o juiz/relator “indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando, o considere claramente desnecessário, sendo, quanto ao mais, aplicável o disposto na lei processual civil no que se refere à produção de prova” [n.º 2].

X. Nessa medida e através da remissão operada pela parte final do n.º 2 do citado preceito mostram-se hoje afastadas as limitações de instrução probatória e de meios de prova legalmente admissíveis no contencioso administrativo e que existiam no anterior contencioso já que as ações administrativas especiais previstas e reguladas no CPTA passaram, nesse âmbito, a ser disciplinadas pelo regime decorrente dos arts. 410.º a 526.º do CPC/2013 [anteriores arts. 513.º a 645.º do CPC/2007], atribuindo-se ao julgador administrativo poderes de controlo e de instrução nesse mesmo domínio, quer em 1.ª instância quer mesmo em sede de recurso jurisdicional [cfr. arts. 90.º, n.º 1 e 149.º, n.º 2 ambos do CPTA], o que aporta claras consequências para e no julgamento de facto a realizar [cfr. arts. 91.º do CPTA, 653.º e 655.º do CPC/2007 - 607.º, n.ºs 4, 5 e 6 do CPC/2013] e mais amplamente, no nosso entendimento, no objeto do processo e da pronúncia a emitir.

XI. Neste domínio da instrução e da prova cumpre, ainda, ter presentes os princípios da investigação [do inquisitório ou da verdade material - cfr. arts. 06.º e 411.º do CPC/2013], da aquisição processual [cfr. art. 413.º do CPC/2013], da universalidade dos meios de prova [o qual só sofre compressão por força de limitação dos meios de prova decorrente de proibições de prova determinadas por normas constitucionais, mormente, relativas a direitos, liberdades e garantias] e, bem assim, o da livre apreciação das provas [cfr., nomeadamente, os arts. 83.º, n.º 4 do CPTA e 607.º, n.º 5 do CPC/2013], princípios esses que se mostram válidos e plenamente operantes no nosso contencioso administrativo vigente.

XII. Detendo o julgador administrativo, de harmonia com os normativos enunciados, amplos poderes inquisitórios em matéria de investigação e de instrução probatória o mesmo poderá ter em consideração os elementos probatórios que se mostrem constantes do processo administrativo/instrutor, enquanto lastro documental à sua disposição, sem que daí derive ou possa derivar qualquer entendimento que limite ou condicione a possibilidade do autor apresentar ou indicar e produzir outros meios de prova com os quais vise contraditar os pressupostos factuais nos quais se estribou o ato administrativo impugnado.

XIII. Note-se que o processo administrativo/instrutor, mormente, documentos e depoimentos/declarações nele prestados ou insertos, enquanto prova documental não possui ou lhe pode ser conferido ou reconhecido um qualquer valor probatório acrescido face ou no confronto com outros meios de prova legalmente admitidos no processo judicial, valendo, assim, em pleno as regras decorrentes dos arts. 341.º e segs. do Código Civil, 653.º e 655.º do CPC/2007 -607.º, n.º 5 do CPC/2013.

XIV. Com efeito, o teor ou conteúdo do processo administrativo/instrutor não faz fé em juízo e a sua valoração como meio de prova não pode implicar uma ofensa ao princípio da igualdade de armas entre as partes.

XV. Atente-se que o respeito pelo princípio da separação de poderes não impede o julgador administrativo de apreciar e julgar da exatidão de determinada realidade factual que se mostra controvertida e na qual a Administração assenta a sua decisão.

XVI. De facto, se é para nós certo que o julgador administrativo não pode substituir-se à Administração na formulação de valorações que envolvam ou se prendam com juízos sobre a conveniência e/ou a oportunidade do exercício de determinados aspetos do poder administrativo, aquilo que em geral se denomina de “discricionariedade administrativa”, temos, ao invés, que não se enquadra naquele juízo a apreciação da exatidão ou veracidade da referida factualidade.

XVII. É que na fixação dos factos que funcionam como pressupostos das decisões/pronúncias administrativas a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa já que não nos situamos no domínio da “discricionariedade administrativa”, pelo que nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação face àquele que foi adotado pela Administração, mormente, por reputar existir uma situação ilegalidade objetiva material relativa aos pressupostos de facto, ou seja, por insuficiência probatória e erro na valoração e fixação do quadro factual tida por apurado em sede de procedimento administrativo.

XVIII. Por outro lado, temos para nós que inexistem hoje, como vimos, quaisquer limitações de instrução e de prova salvo as restrições decorrentes de proibições de prova determinadas por normas constitucionais, mormente, relativas a direitos, liberdades e garantias, não sendo hoje mais legítimas a justificação de decisões que deneguem o acesso à prova e, mais vastamente, à defesa e igualdade de armas, denegação essa que se traduz e redunda num claro "deficit" do direito à tutela jurisdicional efetiva e na infração dos comandos constitucionais constantes, mormente, dos arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP.

XIX. Tal como afirma Michelle Taruffo “… o direito a apresentar todas as provas relevantes constitui parte essencial das garantias gerais sobre a proteção do direito defesa, pois a oportunidade de provar os factos nos quais assentam as pretensões das partes é condição necessária da efetividade de tais garantias (…). (…) o direito a apresentar todos os meios de prova relevantes que estejam ao alcance das partes é um aspeto essencial do direito de ação e deve reconhecer-se como pertencendo às garantias fundamentais das partes …” [in: “La Prueba”, 2008, pág. 56 - tradução livre nossa].

XX. De referir, ainda, que, face ao que se mostra disciplinado em sede da tramitação da ação administrativa especial no art. 87.º do CPTA, o juiz administrativo confrontado com a falta de acordo das partes quanto à dispensa da prova e com a existência de factualidade controvertida relevante para a decisão da causa deve, em sede de despacho saneador e apesar da falta expressa de referência à aplicação do CPC na tramitação da fase de saneamento e condensação, atualmente denominada de “gestão inicial do processo e da audiência prévia”, proceder à fixação do objeto do litígio e definir aquilo que são os temas da prova tal como determina o art. 596.º do CPC/2013 à luz das várias soluções plausíveis de direito, preceito este que importa convocar e aplicar para assegurar uma regular e adequada tramitação do referido meio processual.

XXI. Será sobre os factos alegados pelas partes ponderadas e consideradas as regras e ónus probatórios a atender ao caso [cfr. arts. 342.º e segs. do CC, 513.º, 514.º, 515.º, 523.º, 552.º, 554.º, 568.º, 578.º e 638.º do CPC/2007 - 410.º, 412.º, 413.º, 423.º, 452.º, 454.º, 466.º, 475.º, 516.º todos do CPC/2013] que irá ou deverá incidir a prova carreada para os autos ou oficiosamente determinada pelo julgador, ressalvados os factos que, nos termos do art. 412.º do CPC/2013 [art. 514.º CPC/2007] não careçam de alegação ou de prova, na certeza de que na enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova não poderá o julgador administrativo deixar de ter em linha de conta aquilo que constitui o objeto do processo, a causa de pedir e o pedido deduzido.”.

Tudo ponderado, considerando que o despacho saneador não apreciou o referido requerimento instrutório do Réu, não fixou a base instrutória e que não determinou a abertura de produção de prova, não forma caso julgado; considerando que o julgador não poderá deixar de fazer uso, se necessário, dos poderes decorrentes dos artigos 88º do CPTA, dos nºs 1, 3 e 4 da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e 508º, nº 3, do CPC [actual artigo 590º, nºs 2, alínea b), 3, 4 e 6 do CPC/2013]; e considerando que que, como referimos, existe factualidade invocada na qual se estriba a pretensão excepcionatória do Réu que se mostra controvertida, então não poderia ter sido conhecida a matéria de excepção e consequente antecipação do julgamento da pretensão com preterição ou omissão das fases processuais acima aludidas e, dessa forma, postergar claramente os direitos de defesa legalmente conferidos ao Réu.

Em face do exposto, é de concluir no sentido de que a decisão judicial de saneamento recorrida errou no julgamento que efectuou, pelo que, na procedência do recurso jurisdicional “sub judice, cumpre anular o julgamento efectuado com todas as legais consequências, e, bem assim, consequente e necessariamente, em face do disposto no nº 2 do artigo 195º do CPC, o acórdão recorrido, pois este tem como pressuposto a anulada decisão de improcedência da identificada excepção, o mesmo é dizer, de que tal excepção não obstava a que o tribunal conhecesse do mérito da causa, sendo certo que, não só o Recorrente alega que, em consequência desta situação, deve anular-se a sentença recorrida, como, por outro lado, como vertido no nº 3 do artigo 5º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o que é uma decorrência do princípio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão (artigos 203º, 204º, 205º, nº 1, todos da CRP) e usualmente exprimida com o brocardo “iura novit curia”.

Mostra-se precludido/prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

III.DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

a) Revogar a impugnada decisão de saneamento, de 12-04-2013;

b) Anular o acórdão recorrido;

c) Determinar a remessa dos autos ao TAF de Aveiro para prosseguimento dos mesmos desde a fase da gestão inicial do processo e, sendo caso disso, com fixação do objecto do litígio e temas da prova quanto à matéria controvertida relevante para o julgamento da causa ou de alguma excepção, instrução probatória e consequente julgamento, se a tal nada obstar.

Sem custas, por isenção subjectiva [artigo 4º, nº 1, alínea h), do RCP].

Notifique e D.N..

Porto, 15 de Julho de 2016

Ass.: Helder Vieira

Ass.: Alexandra Alendouro

Ass.: João Beato

__________________________________
(1) Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.
(2) Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, nas quais deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.
(3) Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.