Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02372/20.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PROCESSO CAUTELAR; PROCESSO DISCIPLINAR; ORDEM DOS MÉDICOS; EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO; ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:1 – A regra do nº2 do artigo 143º do CPTA impede a aplicação das alterações previstas no nº 4 e no nº 5 desse mesmo artigo às providências cautelares por não se encontrar legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo.
Assim, os recursos interpostos de decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo.
2 - Por maioria de razão, num processo de natureza Cautelar e perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar.
3 - Recai sobre o requerente de Providência Cautelar o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da probabilidade de existência do direito invocado.
Cabe pois ao Requerente da Providência alegar e provar a existência do periculum in mora, não bastando a mera invocação de considerações genéricas e conclusivas, de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação.
Impende sobre o Requerente o ónus de alegação de factos concretos que permitam ao Tribunal perspetivar a existência de prejuízos de difícil reparação ou de uma situação de facto consumado.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:L.
Recorrido 1:Ordem dos Médicos
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
L., com os sinais nos autos, inconformada com a decisão proferida no TAF de Braga, em 31 de julho de 2021, através da qual foi indeferida a Providência Cautelar que havia apresentado contra a Ordem dos Médicos, tendente, nomeadamente, à obtenção da suspensão dos seguintes atos:
(a) “Do ato administrativo datado de 8 de Abril de 2019 e que resulta de decisão proferida pelo Conselho Disciplinar Regional do Norte (CDRN) [da Requerida] que condenou a Requerente na pena disciplinar de suspensão pelo período de seis meses […], por alegada violação de normativos deontológicos”; e
(b) “Do ato administrativo datado de 30 de Janeiro de 2020, resultante do Acórdão prolatado pelos membros presentes do Conselho Disciplinar Regional do Norte [da Requerida,] no âmbito do Processo Disciplinar n.º 92/17, presidido pelo Sr. Prof. Dr. J. […], através do qual, este órgão decidiu negar provimento ao recurso interposto por alegada intempestividade, acolhido em Acórdão, notificado a 11.02.2020, subscrito pelos membros do Conselho Superior da Ordem dos Médicos Portugueses, prolatado no âmbito do Processo n.º 42-2019 CS (e PD n.º 92/17) e, através do qual, estes notificaram a Recorrente do não provimento ao recurso, mantendo a decisão de aplicação de pena disciplinar de suspensão pelo período de seis meses”, veio, em 20 de agosto de 2021, recorrer da decisão proferida, tendo concluído:
“A. O presente recurso vem interposto da decisão da Exm.ª Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e do teor, fundamentos e conclusões constantes dessa sentença proferida a 02/08/2021 (ref.ª n.º 006413929) nos autos, após o douto despacho que determinou a admissão dos documentos da A.-Recorrente e a anulação da decisão anteriormente proferida com extinção da instância recursiva, o que muito satisfez aquela, porquanto tal adivinhava a prolação de uma decisão no único sentido possível, e diametralmente oposto ao que se veio a constatar,
B. Analisada a sentença recorrida, é lapidar constatar-se que a mesma permanece errada na matéria de facto, bem como e necessariamente na subsunção desses factos ao Direito, de forma com a qual a Recorrente não se pode conformar e que lhe é particularmente lesiva e gravosa.
C. Discute-se, nos presentes autos, a possibilidade de suspensão de eficácia de dois atos administrativos proferidos pela Ordem dos Médicos, suscetíveis de determinar a suspensão de toda a atividade profissional da Recorrente, pelo período de seis meses, a saber e conforme identificado claramente no articulado inicial:
a. O ato administrativo datado de 8 de abril de 2019, que resultou de decisão proferida pelo Conselho Disciplinar Regional do Norte (CDRN), e que condenou a Recorrente na pena disciplinar de suspensão pelo período de seis meses à Requerente, por alegada violação de normativos deontológicos (cfr. requerimento inicial), e também
b. O ato administrativo datado de 30 de janeiro de 2020, resultante do Acórdão prolatado pelos membros presentes do Conselho Disciplinar Regional do Norte no âmbito do Processo Disciplinar n.º 92/17, Presidido pelo Sr. Prof. Dr. J.; e que contou com as presenças dos Senhores Prof. Dr.s A., F., I. e M., e dos Dr.s J., A., M., D., P., G. e R. através do qual este órgão decidiu e notificou (no âmbito do PD n.º 92/17), e que assenta no relatório da autoria do Exm.º Relator do Conselho Superior da Ordem dos Médicos, Dr. M., através do qual este negou provimento ao recurso hierárquico interposto, por alegada intempestividade, notificado a 11.02.2020 e subscrito pelos membros do Conselho Superior da Ordem dos Médicos Portugueses, mantendo a decisão de aplicação de pena disciplinar de suspensão pelo período de seis meses (cfr. requerimento inicial)
D. Atos estes inequivocamente conexos e que, a não serem suspensos, causam de forma direta e necessária um grave, evidente e imediato dano na esfera patrimonial e reputacional da Recorrente, que se verá administrativamente impedida de exercer a profissão que lhe garante a subsistência há mais de 35 anos, sem mácula.
E. Acresce ainda que o Tribunal a quo com invulgar e dobrada precipitação entendeu novamente que (sic), “tudo sopesado, os autos cautelares dispõem já dos elementos necessários à apreciação da causa cautelar”, indeferindo e dispensando a produção de prova adicional requerida nos presentes autos (cfr. pág. 3 da sentença recorrida), decalcando quase ipsis verbis os termos da decisão anterior, o que deixou a Recorrente numa posição ainda mais fragilizada, processual e substantivamente.
F. Sempre sem prejuízo da matéria de facto e de Direito constante nos autos e da Sentença Recorrida é claro e manifesto o (i) erro na matéria de facto e nos pressupostos da decisão – a qual considera que a Recorrente não apresentou defesa no processo disciplinar, quando a mesma efetivamente a apresentou, isoladamente e em conjunto com a entidade hospitalar em que desempenhava as funções de Diretora de Serviço de Anestesiologia -, factos esses que se desconhecem porque não estão claramente integrados no PD, (ii) e a contradição entre os próprios factos dados como provados e o sentido da decisão, impondo-se a revogação da sentença recorrida e substituindo-a por outra em sentido contrário que efetivamente proteja cautelarmente a esfera jurídica da Recorrente, o que desde já e expressamente se requer.
G. Resulta dos factos dados como provados, e mais resultaria da produção de prova subsequente e precipitada e novamente dispensada uma realidade subsumível no Direito que é e seria completamente contrária ao teor, fundamentação e sentido da sentença cautelar recorrida.
H. O presente recurso deve ainda ver-lhe atribuídos efeitos suspensivos uma vez que a Recorrente articulou e concretizou no articulado inicial e nas presentes alegações os graves e irreversíveis danos que a não atribuição de efeitos suspendendos nos autos produzirão inelutavelmente na sua esfera, a saber: a. No artigo 36.º da p.i., alegou e concretizou suficientemente os danos que seriam causados à sua imagem e reputação, credibilidade e estatuto, na qualidade de médica anestesiologista com mais de 35 anos de serviço, e ex-Diretora de Serviço do Serviço de Anestesiologia do Hospital de (...), E.P.E.; b. No artigo 44.º da p.i., alegou e concretizou suficientemente os danos que seriam causados ao nível da perda de prestígio nacional e local, e de manifesta redução de capacidade assistencial diferenciada por falta de exercício profissional habitual, bem como de perda do poder de autofinanciamento e capacidade, designadamente no clima de grave recessão económica atual c. No artigo 45.º da p.i., alegou e concretizou suficientemente os danos graves que seriam causados, necessariamente negativos e irreversíveis, decorrentes da interrupção por longo período de tempo do modelo de sustento pessoal e familiar que lhe assiste; d. No artigo 47.º da p.i., alegou e concretizou suficientemente os danos que seriam causados com a perda total da capacidade de ganho, da qual carece para manter a sua vida e provimento das suas despesas e para a manutenção da prestação de cuidados de saúde aos utentes com a qualidade que lhe é reconhecida, e com os padrões de excelência que lhe são característicos e que motivam a procura dos seus serviços. e. No artigo 83.º da p.i., alegou e concretizou suficientemente que os danos causados seriam e serão causa necessária e direta dos efeitos dos atos suspendendos e que, como decorre da linearidade dos mesmos (o que demonstrou através de factos concretos ao longo do articulado inicial), se tratarão de danos de impossível reintegração, caso os mesmos atos administrativos não sejam suspensos. f. Concretizando no artigo 84.º da p.i., afirmou sic: “...a operar-se a interrupção de exercício da profissão na esfera da Requerida, (i) não apenas a própria capacidade desta enquanto médica anestesiologista ficará irremediavelmente comprometida (uma vez que a prática médica quotidiana, o estudo constante e a troca de impressões e experiências entre profissionais é imprescindível para a manutenção das capacidades profissionais e médicas), como a sua reputação ficará grave e permanentemente afetada....”
I. A Recorrente não só alegou e demonstrou suficientemente o preenchimento dos pressupostos do artigo 120.º do CPTA ao contrário do que a decisão recorrida parece novamente querer entender, e para efeitos do presente recurso deve considerar-se que os pressupostos previstos no n.º 4 e 5 do artigo 143.º do CPTA se encontram perfeitamente preenchidos ab initio,
J. Devendo o Venerando Tribunal decidir pela atribuição imediata de efeito suspensivo dos atos administrativos suspendendos até decisão final, pois facilmente se conclui pela simples leitura dos autos que nenhum dano resulta para o Estado e/ou para a saúde pública – bem pelo contrário -, com a manutenção ao serviço da Recorrente enquanto médica anestesiologista, até decisão final, designadamente quando enfrentamos uma pandemia mundial por proliferação de Sars-CoV2 / Covid-19, e os médicos anestesiologistas são transversalmente necessários e escasseiam para as necessidades da população portuguesa, quer no combate à pandemia, quer nos blocos operatórios em combate ao incremento massivo das listas de espera, como é público e notório e a Recorrente já havia alegado e demonstrado.
K. Ainda com relevo para a atribuição de efeitos suspensivos ao recurso, acresce que os presentes autos disciplinares não decorrem de nenhum processo de negligência médica, ou de quaisquer factos que indiciem ou apontem qualquer má prática objetiva à Recorrente, preenchimento reforçado dos pressupostos constantes do n.º 5 do artigo 143.º do CPTA, e fundamento acrescido para a atribuição de imediatos efeitos suspensivos dos atos administrativos suspendendos neste recurso, até prolação de decisão final nos autos, o que desde já e com a devida vénia se requer.
L. Cotejando os pontos essenciais da decisão recorrida, retira-se com relevância para o recurso sub judice, que o Digm.º Tribunal a quo deu enquanto indiciariamente provado que (cfr. pgs. 11 a 14 da sentença inicialmente recorrida, atualmente pgs. 12 a 15, negritos nossos): a. Ponto 6 – “...Em 12 de Maio de 2017 - na sequência do Ofício referido em 5) -, a Requerente apresentou pronúncia, tendo pugnado pelo arquivamento da denúncia em questão - pronúncia, essa, que, aqui, se tem presente [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 30/34 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido]...”; b. Ponto 9 – “...Mediante Ofício datado de 27 de Outubro de 2017, o Relator do processo disciplinar n.º 92/2017 notificou a Requerente para se pronunciar, no prazo de 15 (quinze) dias, sobre o facto de a documentação - referida em 8) e cuja cópia foi remetida à Requerente - indiciar que a Requerente “esteve escalada como anestesista para vários atos cirúrgicos a decorrer em simultâneo e, em alguns destes casos, supervisionou médicos de nacionalidade estrangeira não inscritos nesta Ordem” [cf. documento (doc.) constante de fls. 155 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] ...”. c. Ponto 12 – “...Em 07 de Dezembro de 2017, a Requerente pronunciou-se sobre o teor do Ofício e respetiva documentação anexa referido em 9), tendo pugnado pelo arquivamento da denúncia em questão - pronúncia, essa, cujo teor, aqui, se tem presente [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 280/287 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] ...”d. Ponto 17 – “... Finda a prorrogação do prazo deferida em 16), a Requerente não apresentou Defesa, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017 [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] ...” (cfr. sentença recorrida).
M. Isto, não obstante a documentação adicional produzida e aceite nos autos, conforme despacho que decretou a extinção primeva da instância recursiva.
N. Assim, de forma reforçada, há que interiorizar que, para além desta evidência e contradição decorrentes da própria matéria de facto dada como provada e do sentido e formação de convicção da decisão do Tribunal a quo com base nesta própria matéria dada como provada, acresce que só não pôde a Recorrente demonstrar mais detalhadamente os erros nos autos porquanto a Mm.ª Juiz a quo, entendeu que (sic), “tudo sopesado, os autos cautelares dispõem já dos elementos necessários à apreciação da causa cautelar”
O. Indeferindo e inviabilizando dessa forma a produção de prova adicional, testemunhal requerida (cfr. pág. 3 da sentença recorrida) e toda a demais que no decurso dos autos se demonstrasse oportuna e admissível, suficiente e adequada para consagrar indiciariamente a legalidade da atuação da Recorrente, e infirmar cabalmente o errado pressuposto segundo o qual a Recorrida não apresentou defesa e/ou requereu produção de prova em sede do processo disciplinar (e muito antes do recurso apresentado), a qual lhe foi e vem sendo sucessivamente negada.
P. Não colocando em causa a judicatura da Mm.ª Juiz a quo, que muito se respeita, faz com que a Recorrente recaia e ressalve aqui e no presente recurso as maiores e fundadas suspeitas sobre a integridade do processo disciplinar, reforçando os receios que a motivaram a formular o pedido nos autos e a solicitar a reforçada sindicância do Venerando Tribunal no sentido de esclarecer o que se está a passar.
Q. Sobretudo após o Digm.º Tribunal ter aceite os documentos juntos com o requerimento de interposição de recurso anterior, e não obstante ainda assim os tenha desconsiderado em absoluto.
R. Entende a Recorrente que dúvidas não podem existir sobre os vários esclarecimentos que remeteu à O.M., a par de várias pronúncias de defesa, com pedido de produção de prova e que não foram atendidas, realizadas ou indeferidas até hoje, subscritas quer isolada, quer conjuntamente com a Diretora Clínica do Hospital da Senhora da Oliveira (...), E.P.E., Prof.ª M. (cfr. documentos adiante juntos sob o n.º 1 e 2, aqui dados por integralmente reproduzidos e integrados para todos os legais efeitos), e que ao limite dos conhecimentos da Recorrente demonstram ou (i) a falta de integridade do processo disciplinar submetido ao Tribunal, e/ou (ii) o manifesto erro de facto e Direito da decisão recorrida, ou (iii) ambos.
S. Sem sombra de dúvida tais contradições impõem a revogação e reversão da decisão recorrida em sentido contrário ao que atualmente assume, pois dos factos dados como provados na própria sentença recorrida, e especificamente transportados para o corpo destas Alegações é absolutamente cristalino que a. A Recorrente apresentou pronúncia e defesa nos autos, por várias vezes (pelo menos, e de acordo com a própria sentença, registada no PD, em 12.05.2017 e 07.12.2017) b. A Recorrente apresentou pronúncia nos autos, pelo menos de acordo com os documentos juntos com o anterior requerimento de interposição de recurso e alegações sob o n.º 1 e 2, já nos autos e dados por integralmente reproduzidos e integrados; c. A Recorrente, designadamente na pronúncia conjunta com a Diretora Clínica do Hospital de (...), EPE, datada de 07.12.2017, requer diligências adicionais de produção de prova; d. Tais diligências nunca foram admitidas e (i) deferidas ou (ii) indeferidas pela Ordem dos Médicos, como sempre cumpriria, sendo por conseguinte necessária e completamente inverídico o afirmado na douta sentença recorrida, segundo a qual a Recorrente não teria apresentado defesa e/ou requerido diligências de prova. e. Tais diligências de prova e a sua realização são um direito da Recorrente e um dever da Recorrida, e a não terem sido realizadas constituem um grave ataque aos direitos daquela, como sempre se defendeu; f. Para efeitos da contagem de prazo em sede do recurso hierárquico, a Recorrente, notificada que foi para apresentação de recurso, submeteu um pedido de informação à Ordem dos Médicos a 23 de abril de 2019, pedido e esclarecimento esse que necessariamente produz efeitos na contagem do prazo, mas que não vai considerado no ato administrativo suspendendo que indefere o recurso hierárquico por alegadamente intempestivo (cfr. o documento junto com o anterior requerimento de interposição de recurso sob o n.º 3, já dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
T. Traduzido no cotejo dos próprios factos provados à boa norma aplicável nos autos, não pode de forma alguma concluir-se como faz a sentença recorrida, designadamente que a Recorrida não teria apresentado defesa e/ou requerido diligências de prova nos autos disciplinares,
U. Impondo-se concluir como a Requerente sempre afirmou: que as mesmas nunca lhe foram deferidas ou indeferidas, tendo dessa forma ficado gravemente coartada no seu direito de defesa desde 2017 em diante.
V. Não pode de forma alguma concluir-se, como faz a sentença recorrida novamente, que não se encontram cumpridos os pressupostos necessários para deferimento da pretensão cautelar da ora Recorrente, e que a mesma só alegou generalidades, o que salvo o devido respeito pela Mm.ª juiz não corresponde minimamente à verdade.
W. A Recorrente deixou bem claro que para os efeitos do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, que a presente providência assume natureza conservatória, na medida em que a então Requerente almeja manter o status quo enquanto médica especialista com mais de 35 anos de exercício profissional ininterrupto sem restrições ao seu exercício de funções médicas, procurando que ele se não altere até à prolação de uma decisão final de fundo que reestabeleça o equilíbrio, a Justiça e a legalidade.
X. Sobre o fummus boni iuris (artigo 120.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPTA), a Recorrente mais alegou e demonstrou que a providência cautelar, dada a sua simplicidade e evidência, deveria ser decretada sem necessidade de averiguação/verificação dos requisitos gerais fixados na alíneas b) ou c) do mesmo n.º 1, bem como no n.º 2 do mesmo preceito legal, defendendo que (i) nenhuma irregularidade ou ilegalidade é imputável à ora Recorrente, e muito menos (ii) qualquer prática que legitime a aplicação de uma sanção de 6 (seis) meses de suspensão de funções.
Y. A Recorrente alegou e demonstrou indiciariamente, de forma suficiente para um juízo cautelar, que procedeu corretamente enquanto Diretora de Serviço e Anestesiologista relativamente aos factos pelos quais vinha sendo acusada, e demonstrou ainda que: a. requereu a realização de diligências de prova essenciais para o apuramento da verdade material, (cfr. o disposto nos documentos 1 e 2, já juntos com o requerimento de recurso inicial e integrados e que se presumiam legitimamente constar do PD); b. entre as quais requereu a audição dos médicos intervenientes, no ponto 46. da pronúncia e constantes do petitório do recurso hierárquico que foi indeferido (cfr. PD), prova essa cuja essencialidade deve ser necessariamente conjugada com a leitura e conteúdo do artigo 30.º do RD e dos princípios daí emanantes, diligência essa que deveria desde logo ter sido realizada oficiosamente, e c. não lhe foi concedida a realização das diligências de prova nem comunicado o seu indeferimento, limitando gravemente os seus direitos e defesa desde 2017; d. em face das notificações recebidas, discordou e recorreu atempadamente da decisão primeva, pedindo as informações que entendeu relevantes, e juntando todos os elementos de facto e de direito necessários para reverter administrativamente a questão. e. concretizou detalhadamente os danos e prejuízos irreversíveis que sofrerá na sua esfera caso a presente providência cautelar, através deste recurso, não sejam deferidos.
Z. Tudo alegações concretas, e identificando corretamente os fundamentos da sua pretensão, no limite do humanamente exigível, das expectativas de integralidade do Processo Disciplinar nos autos, e do Direito.
AA. E de forma mais do que adequada e necessária para a prova indiciária a que a estrutura cautelar dos autos obriga.
BB. Mais evidenciou que não lhe foi sequer, pela Requerida (i) fundamentada a prática do ato administrativo original, e/ou (ii) a alegada intempestividade que levou à rejeição do recurso administrativo subsequente, com a clareza e certeza que cumpre (cfr. a este respeito a alusão a diversas vicissitudes constantes do ato administrativo que indefere o recurso hierárquico e a falta de relevância conferida ao pedido de informação constante no documento n.º 3 anteriormente junto com o requerimento anterior de recurso e alegações, quanto à contagem do prazo),
CC. O que impossibilitou a formulação da sua defesa de forma mais concreta, designadamente relativamente à contagem do prazo e a sua compaginação com os efeitos decorrentes do pedido de informação sobre a contagem nos autos (cfr. o documento junto sob o n.º 3, presumivelmente também este junto e integrante do PD, anteriormente junto com o requerimento anterior de recurso e alegações e integralmente reproduzido e integrado).
DD. A Recorrente pugnou expressamente pela ilegalidade da atuação da Recorrida, designadamente violadoras do disposto no artigo 120.º, n.º 1 alínea a) do CPTA, sendo manifesto que as ilegalidades e violações seriam as atinentes à falta de fundamentação e violação do princípio da igualdade na forma de limitação ilegal ao direito de defesa da Recorrente.
EE. A Recorrente foi clara e concreta (cfr. o disposto no artigo 76.º do requerimento inicial) quanto à (i) não realização por parte da Recorrida de diligências essenciais para o apuramento da verdade material e requeridas realizar, e bem assim como ao (ii) não cumprimento de tramitação procedimental obrigatória, como vimos, através da notificação de rejeição do recurso e das respetivas fundamentações com violação de direitos fundamentais procedimentais (cfr. artigos 269º, n.º 3 e 32º, n.º 10, ambos da C.R.P.), e ainda por (iii) padecerem os mesmos atos de fundamentação obscura e insuficiente, violando em última análise o princípio da participação e contraditório na sua mais pura aceção e extensão, mais cominando de invalidade os atos administrativos suspendendos, e declarando a manifesta procedência dos vícios sumariamente enunciados.
FF. Não pode de forma alguma novamente concordar-se com os fundamentos, teor e sentido da decisão recorrida, que remetem a Recorrente e consagram na letra do Digm.º juiz a quo e para a posteridade uma suposta vacuidade na argumentação,
GG. Requerendo-se desde já do Venerando Tribunal seja essa conclusão e decisão integralmente revertida, e declarada na proporção dos presentes autos cautelares a necessária legalidade e probabilidade de procedência da ação de que a presente providência é instrumental
HH. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, também a Recorrente deu por verificado o fumus boni iuris na sua vertente do fumus non malus iuris, porquanto atenta a ilegalidade do(s) ato(s) suspendendo(s) – recorde-se (i) a preterição de diligências de prova essenciais, e a (ii) falta de fundamentação do indeferimento de admissão de recurso hierárquico do ato de aplicação da pena -, considerou manifesta a existência de fundamento da pretensão a formular no processo principal a instaurar, para além de gravemente danosa a violenta e enorme desproporcionalidade resultante da pena de suspensão de funções proposta aplicar-lhe, recorde-se de seis meses de suspensão, sendo a Recorrente uma médica sem mácula na folha de serviço com mais de 35 anos de atividade!
II. A Recorrente ainda demonstrou de forma clara, concreta e precisa a existência de periculum in mora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, alegou detalhadamente ao Digm.º Tribunal a quo o que lhe parece óbvio e notório desde o primeiro instante: a Recorrida, se lhe for permitido aplicar a pena de suspensão, causará (e aparentemente pretende causar), através dos atos suspendendos, graves danos e de impossível reparação e reintegração à Recorrente.
JJ. Citando, para que dúvidas não existam, as nossas palavras anteriores: “84.º Mais concretamente, a operar-se a interrupção de exercício da profissão na esfera da Requerida, (i) não apenas a própria capacidade desta enquanto médica anestesiologista ficará irremediavelmente comprometida (uma vez que a prática médica quotidiana, o estudo constante e a troca de impressões e experiências entre profissionais é imprescindível para a manutenção das capacidades profissionais e médicas), como a sua reputação ficará grave e permanentemente afetada. 85.º Recorde-se que tratamos de uma profissional médica com um currículo intocado, que desempenhou funções diversas em várias instituições de prestação de cuidados de saúde nacionais (cfr. documento junto sob o n.º 3, já dado por reproduzido e integrado). ...”
KK. A Recorrente alegou, demonstrou e concluiu o que lhe pareceu evidente: a verificação nos autos de periculum in mora, necessário e suficiente para que a presente providência cautelar seja decretada, o que requereu e ora se reitera junto do Venerando Tribunal e Desembargadores para efeitos do presente recurso, pugnando pela reversão da decisão recorrida.
LL. Finalmente, não deixou também a Recorrente de demonstrar que da ponderação de interesses (nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º, n.º 2 do CPTA), e levados em linha de conta todos os interesses em causa, nomeadamente aqueles (i) derivados de todo o regime legal e estatutário da Ordem dos Médicos, e (ii) dos utentes no regime atual de contingência e agravamento da pandemia por SARS-CoV2 (COVID19), (iii) para além dos da Recorrente, seria no seu entender praticamente impossível resultar demonstrado qualquer prejuízo para a Recorrida decorrente da suspensão dos atos administrativos, e até prolação de uma decisão no âmbito do processo principal.
MM. A Recorrente argumentou novamente com base em factos públicos e notórios: a escassez nacional de clínicos anestesiologistas, e ainda apelou à falta de fundamentação e legalidade que indiciariamente subjaz à atuação da Recorrida, tudo factos que seu ver legitimariam e legitimam a que a ponderação de interesses conclua também no sentido do deferimento da providência nos autos.
NN. Fez notar à Mm.ª Juiz a quo, novamente sem sucesso até à data, que a seu ver o interesse público apontaria no sentido de se deferir a sua pretensão, uma vez que qualquer posição em contrário equivaleria a provocar uma grave lesão dos utentes e do superior interesse público, coartando desde logo a disponibilidade dos serviços de uma médica veterana em anestesiologia – especialidade vital em tratamento de pacientes agudos https://jpn.up.pt/2020/04/06/covid-19-porque-sao-os-ventiladores-tao-vitais/ - num panorama nacional gravemente carenciado de oferta, avocando o concurso do próprio interesse público e do princípio da confiança da e na Administração para ver deferida a sua pretensão.
OO. Concluindo-se que se a Recorrente foi alguma coisa nestes autos, argumentativa não foi uma delas, a nosso ver, tendo-se secundado por elementos de facto concretos e objetivos, ao contrário do que a douta sentença parece novamente concluir e defender, no indeferimento que se pretende ver revertido.
PP. Pelo que também pela verificação do requisito do artigo 120.°, n.º 2 do CPTA se requer seja a decisão recorrida seja revertida na integralidade, e a presente providência dada por procedente por provada, e decretada, nos exatos termos peticionados nos autos, designadamente com decretamento provisório, nos termos do disposto nos artigos 114.º e 131.º do CPTA.
QQ. Com a devida vénia, Venerandos Desembargadores, a assim não suceder tal significaria subtrair toda a certeza jurídica pretendida pelo legislador do regime jurídico das providências cautelares, a qual é estabelecida a favor do administrado mais fraco, o que os Venerandos Desembargadores seguramente reconhecerão que aqui é a Recorrente cujos direitos de defesa foram colocados em causa numa extensão que se afigura não ser conhecida totalmente por esta, atento o teor (ou falta dele) do processo disciplinar junto aos autos e dos documentos que adiante se juntam.
RR. Está aqui em causa a evidência lapidar de que a Recorrente não poderia ter agido de outro modo porque agiu no limite dos seus conhecimentos e possibilidades, situando-se nos antípodas do Bom Direito e da Justiça a conclusão que a Mm.ª Juíza de Direito a quo faz quando afirma que:
“Todavia, certo é que, somente, nos artigos 12.°, 17.° a 22.°, 27.° a 31.° e 62.° do seu requerimento inicial, é que a Requerente alude à decisão do Conselho Superior da Requerida quanto à intempestividade do recurso por si interposto da decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão pelo período de 6 meses decretada à Requerente pelo Acórdão de 08 de Abril de 2019.
Não alegando, em nenhum artigo da providência cautelar, (a) em que medida é que tal recurso por si interposto é tempestivo, (b) nem qual a disposição legal violada pela decisão daquele órgão da Requerida ao considerar o referido recurso intempestivo. De resto, a Requerente limita-se a impugnar o ato administrativo de aplicação de sanção disciplinar do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Requerida, no âmbito do processo disciplinar n.° 92/2017. Mais, resulta da factualidade supra descrita em 17), que, na sequência de ter sido notificada do Despacho de Acusação e finda a prorrogação do prazo que solicitou, a Requerente não apresentou Defesa nem requereu a realização de qualquer diligência probatória, no âmbito do processo disciplinar n.° 92/2017. Aliás, a Requerente limita-se a afirmar que, por se encontrar a correr em simultâneo ao processo disciplinar um processo de inquérito criminal, por factos conexos, deveria o mesmo ter sido suspenso até ao trânsito em julgado do referido processo de inquérito. E que apesar de não existir um despacho de prorrogação do prazo de interposição de recurso, não se pode considerar verificado o referido prazo aquando da interposição do recurso, nos termos do disposto no art. 13.° do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos - aprovado pelo Regulamento n.° 631/2016, de 8 de Julho, publicado na 2.a série, do Diário da República n.° 130. Porém, resulta da factualidade indiciariamente julgada provada que a Requerente nunca deu conta, nem no âmbito do processo disciplinar n.° 92/2017 nem no âmbito do processo n.° 42/2019, que contra si impendia um qualquer processo judicial (muito menos um inquérito crime). Ademais, a Requerente não solicitou a prorrogação do prazo de interposição de recurso para o Conselho Superior da Requerida, nem solicitou qualquer informação relevante, pelo que, necessariamente, não podia existir despacho da Requerida sobre tal matéria. Não se olvidando que a Requerente bem sabia que tinha um prazo de 15 (quinze) dias para interpor recurso para o Conselho Superior da Requerida, bem como o referido prazo era contado em dias úteis [cf. factualidade supra julgada indiciariamente provada em 30)].” (ipsis verbis da sentença inicial anulada, desta feita a pgs. 35 e 36, destaques nossos).
SS. Venerandos Desembargadores, quanto a estes aspetos, note-se a talhe de foice que de acordo com um dos atos administrativos* recorridos (documento n.º 2 com a p.i.) lê-se que:
“O referido registo, que tinha ínsito a notificação ora em apreciação, sendo esta a data da notificação para efeitos de contagem do prazo de interposição de recurso, foi objeto de entrega a 10.04.2019 (cf. fls. 636 verso). Face ao disposto no citado art. 62.°, RD, o termo do prazo para apresentar o recurso ocorria no dia 03.05.2019. Ora, não obstante diversas vicissitudes, dos quais, a final, resulta a inexistência de despacho de prorrogação do referido prazo, o certo é que apenas a fls. 722 encontramos o requerimento de interposição de recurso, tendo, em anexo, as respetivas motivações e conclusões. Tal requerimento foi apresentado por correio eletrônico, com data de 06.05.2019, tendo-lhe sido aposto carimbo de entrada, no canto superior direito, que marca 07.05.2019....”
TT. A Recorrente não sabe quais vicissitudes são essas, Venerandos Desembargadores, sendo certo que o pedido de informação da Recorrente (cfr. documento n.º 3 junto com o requerimento inicial de recurso e alegações, aceite nos autos, e que deveria constar do PD para todos os efeitos) deveria estar refletido na contagem de prazo, e não está.
UU. A legalidade e fundamentação e contraditório são incompatíveis com aspetos indeterminados e que por isso mesmo, não pode senão ser impugnados porquanto inadmissível nos termos do Direito Administrativo e na ordem pública;
VV. Venerandos Desembargadores, como é que se indefere um recurso do qual assumidamente se tomou conhecimento substantivo, assumidamente confessando a existência de diversas vicissitudes sem a obrigatoriedade de explicitar nos autos e à Requerente a que se refere para que esta possa exercer o seu legítimo direito e defesa condignamente?
WW. Essas ilegalidades e vicissitudes, e falta de rigor coartaram e limitaram a Recorrente no seu exercício de defesa, nesta altura e novamente com a infeliz cobertura do Tribunal a quo: sem prejuízo do demais que resulta evidente e suficiente, a simples contagem do prazo contando com o pedido de informação formalizado e com as datas em questão levaria a considerar diferentemente do que a sentença recorrida sufraga.
XX. A sentença recorrida erra flagrantemente ainda ao considerar que a Recorrente não apresentou defesa e não requereu diligências de prova adicionais: fê-lo atempadamente, desde 2017, e foram-lhe sonegadas ilegalmente pela Recorrida.
YY. Só num exercício espúrio, sombrio de duvidoso senso, é que se poderia acusar a Recorrente de não informar os autos de qualquer processo-crime que os participantes e denunciantes contra si interpuseram pelos mesmos factos e que mereceu completo arquivamento.
ZZ. A Recorrente não está obrigada a fazer o trabalho pelos denunciantes, pelo MP e/ou pela Ordem dos Médicos, estando sujeita à posição processual a que a votaram nos autos criminais.
AAA. Assim que tomou conhecimento desse arquivamento com relevo para a matéria nos autos informou o Tribunal e requereu inclusivamente a junção dos autos criminais no seu requerimento inicial, para que a injustiça que vai cometida contra si fosse revertida, mas apenas lhe garantiu o crivo de um indeferimento e uma admoestação moralista imprópria, e injusta por parte da Mm.ª Juiz a quo.
BBB. A Mm.ª Juiz a quo dispensou novamente a realização de diligências de prova adicionais e nem sequer ponderou convidar a Recorrente a corrigir qualquer aspeto que considerasse menos claro no seu petitório (o que não se concebe, mas apenas por cabal zelo de patrocínio se alega)...
CCC. A diligência, zelo e legalidade de atuação mínimos por parte da Recorrida entidade pública impunham que cumprisse na sua atuação com a clareza na fundamentação, legalidade e a igualdade na vertente da fundamentação dos atos e da plena realização do direito de defesa promovendo e admitindo a realização de todas as diligências requeridas nos autos disciplinares, o que claramente não fizeram, e resulta provado nos próprios autos, e nos documentos que ora juntamos.
DDD. Ao escolher não proceder de forma legal, não pode é na sentença recorrida afirmar-se que a Recorrente, com o que consta nos autos, não se defendeu.
EEE. Não pode dar-se por obliterado o direito de ver a sua posição considerada em igualdade de armas, e de ter a relevância dos próprios factos provados e alegados considerada, em termos da defesa e até para a contagem do prazo de recurso hierárquico, tudo em sentido contrário do considerado pela sentença ora recorrida.
FFF. Cumpre assim que os Venerandos Desembargadores concluam que a Recorrente não agiu conforme novamente declara a sentença recorrida e se dignem reverter a sentença recorrida, decidindo conforme se requer no requerimento cautelar, restaurando a Boa e Sã Justiça que se impõe, porquanto a Lei é feita para todos e a todos defende,
GGG. A douta Sentença Recorrida na sua fundamentação e sentido viola claramente o disposto no artigo 120.º e seguintes do CPTA, na sua redação atual, bem como a garantia constitucional da fundamentação do ato administrativo, como concretizada no Código do Procedimento Administrativo, que exige igualdade de armas, contraditório, e que a decisão administrativa exteriorize sempre, tanto (i) na justificação (ii) como na motivação, (iii) os respetivos discursos justificativos, ou seja, os raciocínios fundamentadores (iv) da conclusão ou de cada uma das conclusões em que assenta (iv) a decisão administrativa, exteriorizando o processo decisório (necessariamente racional), de cada uma das conclusões em que assenta a decisão contida nos atos administrativos nos autos.
HHH. Sobretudo no exercício dos poderes discricionários da função administrativa, onde o dever de fundamentação implica (devido à natureza dos poderes exercidos e ao maior perigo objetivo de arbítrio) uma exigência acrescida quanto à exteriorização dos raciocínios fundamentadores das conclusões apresentadas em sede de motivação, impedindo o esvaziamento dos princípios jurídico-administrativos fundamentais (i) da “juridicidade e legalidade”, (ii) do “procedimento transparente e equitativo” e (iii) da “tutela jurisdicional efetiva” e do “dever constitucional e legal de fundamentar os atos administrativos de um modo expresso, racional, coerente, suficiente e claro”, o que sucede com os atos administrativos nos autos, e consequentemente com a sentença recorrida.
III. Neste sentido, conclui-se que os atos administrativos e a sentença recorrida violam pelo menos e sem prejuízo do que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão o disposto nos artigos 267.º e 268.º, n.º 3 da CRP, e 98.º, 100.º, 121.º e ss., 152.º e ss e 153.º, n.º 2 todos do CPA e ainda o disposto no artigo 120.º do CPTA, impondo pela via do presente recurso a restauração nos autos do Direito, o qual se atingirá com a revogação da douta Sentença Recorrida com os fundamentos que antecedem, revogação essa que desde já e expressamente se requer, substituindo-se por decisão superior desse Venerando Tribunal no sentido peticionado pela Recorrente, e assim suscetível de repor a integral Justiça aos presentes autos.
JJJ. Com a revogação da douta Sentença Recorrida, com os fundamentos que antecedem, a qual desde já e expressamente se requer substituindo-se esta por decisão superior suscetível de repor a integral Justiça aos presentes autos farão Sã e Integral Justiça.
Termos em que, e nos demais de Direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão se requer se digne seja o presente recurso recebido e, por procedente, seja anulada e revogada a Sentença Recorrida, e substituída por outra que, nos termos melhor alegados fará a acostumada Justiça!”

A Entidade Recorrida/Ordem dos Médicos veio apresentar as suas Contra-alegações de recurso em 9 de setembro de 2021, sem conclusões, afirmando a final que “Pelo exposto, a sentença proferida pelo Tribunal a quo, quer na apreciação da factualidade relevante, quer na apreciação do artigo 120.º e seguintes do CPTA, não merece qualquer censura, devendo, por isso, ser o recurso julgado totalmente improcedente.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!”

O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido por Despacho de 25 de novembro de 2021.

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 29 de novembro de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, verificando se, como alegado, a Sentença “(…) permanece errada na matéria de facto, bem como e necessariamente na subsunção desses factos ao Direito”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto provada para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:
1. L., ora Requerente, tem 63 anos, encontra-se inscrita na Ordem dos Médicos, ora Requerida, com a cédula profissional n.º (...); sendo Assistente Graduada Sénior do Serviço de Anestesiologia do Hospitalar Sª da Oliveira - (...), e sendo também Coordenadora da Unidade de Dor Crónica da Unidade de (...), do referido Hospitalar [cf. documento (doc.) n.º 3 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
2. Mediante Ofício datado de 08 de Março de 2017, dirigido, entre outros, ao Presidente do Conselho Regional do Norte da Requerida, os médicos N. e M. remeteram uma participação para eventual instauração de processo disciplinar contra a Requerente - que deu origem ao Processo de Averiguação Sumária n.º 92/2017 [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 1/10 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
3. Mediante Ofício datado de 17 de Abril de 2107, a Presidente do Conselho Disciplinar do Conselho Regional do Norte da Requerida notificou a Requerente do teor da cópia da participação referida em 2), bem como para se pronunciar sobre a mesma [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 11/15 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
4. Em 18 de Maio de 2017, a Presidente do Conselho Disciplinar do Conselho Regional do Norte da Requerida proferiu Despacho com o seguinte teor: “Encontrando-se devidamente identificada a médica a que se refere a queixa, ao abrigo do disposto no art. 35.º, n.º 2, do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos, determino a conversão do presente processo de averiguação sumária em processo disciplinar” [cf. documento (doc.) constante de fls. 26 e verso do Processo Administrativo- Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
5. Mediante Ofício datado de 18 de Maio de 2017, a Requerente foi notificada que, por despacho de 18 de Abril de 2017, da Presidente do Conselho Disciplinar do Conselho Regional do Norte da Requerida, foi determinada a conversão em processo disciplinar do processo de averiguação sumária n.º 92/2017 [cf. documentos (docs.) constantes de
fls. 27/29 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
6. Em 12 de Maio de 2017 - na sequência do Ofício referido em 5) -, a Requerente apresentou pronúncia, tendo pugnado pelo arquivamento da denúncia em questão - pronúncia, essa, que, aqui, se tem presente [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 30/34 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
7. Em 29 de Maio de 2017, foi nomeado, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017, o Dr. P., na qualidade de Relator do mesmo [cf. documento (doc.) constante de fls. 35 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
8. No âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017, o Relator procedeu à instrução do mesmo, com junção dos documentos constantes de fls. 42/154 e versos e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 42/154 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
9. Mediante Ofício datado de 27 de Outubro de 2017, o Relator do processo disciplinar n.º 92/2017 notificou a Requerente para se pronunciar, no prazo de 15 (quinze) dias, sobre o facto de a documentação - referida em 8) e cuja cópia foi remetida à Requerente - indiciar que a Requerente “esteve escalada como anestesista para vários atos cirúrgicos a decorrer em simultâneo e, em alguns destes casos, supervisionou médicos de nacionalidade estrangeira não inscritos nesta Ordem” [cf. documento (doc.) constante de fls. 155 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
10. Em 14 de Novembro de 2017, a Requerente solicitou ao Relator do processo disciplinar n.º 92/2017 prorrogação do prazo referido em 9) - o que lhe foi deferido [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 159/162 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
11. No âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017, o Relator procedeu à instrução do mesmo, com junção dos documentos constantes de fls. 167/257 e versos e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 167/257 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
12. Em 07 de Dezembro de 2017, a Requerente pronunciou-se sobre o teor do Ofício e respetiva documentação anexa referido em 9), tendo pugnado pelo arquivamento da denúncia em questão - pronúncia, essa, cujo teor, aqui, se tem presente [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 280/287 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
13. Em 25 de Maio de 2018 - na sequência do Relator do processo disciplinar n.º 92/2017 o ter requerido -, o Colégio de Especialidade de Anestesiologia da Ordem dos Médicos emitiu Parecer do qual consta, além do mais, o seguinte:
“Conforme solicitado por V. Exa., procedeu o Colégio de Anestesiologia a análise da documentação enviada, referente ao Processo Disciplinar n.º 92/2017.
Considerando:
1. O definido no ponto 2. do «Regulamento sobre o acompanhamento do Anestesiologista pelo doente submetido a atos médicos de anestesia ou sedação», aprovado pelo Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos, em 6 de Novembro de 2007 (…).
2. Que a Exma. Colega se encontrava a supervisionar médicos de nacionalidade estrangeira não inscritos na Ordem dos Médicos e que portanto só poderiam estar a usufruir de um estágio observacional.
3. Que nas salas operatórias em questão, em inúmeras circunstâncias a trabalhar em simultâneo, constava única e exclusivamente, o nome de uma só titular da especialidade de Anestesiologia, Dra. L..
É parecer da Direção do Colégio de Anestesiologia ter havido da parte da médica Anestesiologista, Dra. L., um comportamento não conforme com as recomendações da Ordem dos Médicos propostas por este Colégio. De igual forma, a sua atuação não está de acordo com a convicção do Colégio sobre o que é uma prática segura no âmbito da Anestesiologia, configurando como má prática” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 258/261 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
14. Em 19 de Novembro de 2018, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017, o Relator proferiu despacho de acusação contra a Requerente - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido -, pela prática da infração dos deveres deontológicos consignados nos artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, 11.º, n.os 2 e 4, 38.º e 115.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, mais tendo sido determinado, o seguinte: “…O seu comportamento é punível com a pena disciplinar de suspensão até ao máximo de dez anos, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, al. c) e n.º 4, e no artigo 16.º, n.os 1 e 2, al. a), do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos [Regulamento n.º 631/2016, de 08 de Julho]. […] À exma. Senhora Dra. L. é fixado o prazo de quinze dias, a contar do recebimento deste Despacho de Acusação, para, querendo, apresentar a sua defesa escrita e quaisquer elementos de prova que repute relevantes…” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 262/273 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo
teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
15. Mediante Ofício datado de 19 Novembro de 2018, o Relator do processo disciplinar n.º 92/2017 notificou a Requerente nos seguintes termos, a saber:
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
“… …” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 274/275 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
16. Em 09 de Dezembro de 2018, a Requerente solicitou ao Relator do processo disciplinar n.º 92/2017 prorrogação do prazo referido em 15) - o que lhe foi deferido [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 276/279 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
17. Finda a prorrogação do prazo deferida em 16), a Requerente não apresentou Defesa, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017 [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
18. Em 08 de Abril de 2019, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017, foi elaborado o Relatório Final, no qual, (i) se considerou que a Requerente violou o disposto nos arts. 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, 11.º, n.os 2 e 4, 38.º, e 115.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, (ii) sendo que, pela prática das referidas infrações disciplinares, foi proposta a aplicação de pena de suspensão pelo período de seis meses, prevista nos arts. 14.º, n.º 1, alínea c), e n.º 4, e 16.º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos - Relatório Final, esse, cujo teor aqui se tem presente e se reproduz, na parte que importa, a saber: “…
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
…” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 288/323 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
19. Por Acórdão datado de 08 de Abril de 2019, os membros do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos, reunidos em plenário, acordaram, por unanimidade, em sufragar o Relatório Final referido em 18), nos termos e com os fundamentos dele constantes, tendo deliberado condenar a Requerente, na pena de suspensão pelo período de seis meses, pela violação do disposto nos arts. 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, 11.º, n.os 2 e 4, 38.º, e 115.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos [cf. documento (doc.) constante de fls. 324 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
20. Em 10 de Abril de 2019 - mediante Ofício datado de 08 de Abril de 2019 -, a Requerente foi notificada, nos seguintes termos, a saber:
“… ASSUNTO: COMUNICAÇÃO DE DECISÃO PROFERIDA NO ÂMBITO DO PROCESSO N.º 92/2017
Exma. Colega,
Ao abrigo do disposto no art. 59.º do Regulamento n.º 631/2016 (Regulamento Disciplinar), fica V. Exa. notificada, na qualidade de arguida no processo disciplinar n.º 92/2017, da decisão proferida pelo Conselho Disciplinar Regional Norte da Ordem dos Médicos.
Pode recorrer da presente decisão no prazo de 15 dias a contar desta notificação para o Conselho Superior da Ordem dos Médicos (art. 62.º do referido Regulamento).
O recurso deverá ser por escrito, motivado, e conter conclusões, nos termos do art. 64.º, n.º 1 e 2, do sobredito Regulamento, sob pena de não admissão.
Junta: decisão.”
[cf. documento (doc.) n.º 1 junto com o requerimento inicial e documentos (docs.) constantes de verso de fls. 324, de fls. 325 e verso, e de fls. 335/371 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
21. Em 06 de Maio de 2019, a Requerente interpôs recurso da decisão final referida em 18) e em 19) para o Conselho Superior da Ordem dos Médicos e cujo teor, aqui, se tem presente [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 374/407 e versos e de fls. 506/543 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
22. Em 18 de Julho de 2019, o recurso referido em 21) foi distribuído, dando origem ao processo n.º 42/2019 CS [cf. documento (doc.) constante de fls. 553 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
23. Em 30 de Janeiro de 2020, o Conselheiro Relator do processo n.º 42/2019 CS elaborou a respetiva proposta de decisão cujo teor se reproduz, a saber: “…
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
…” [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com o requerimento inicial e documento (doc.) constante de fls. 554/557 e versos do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
24. Por Acórdão datado de 30 de Janeiro de 2020, os membros do Conselho do Conselho Superior da Ordem dos Médicos, reunidos em plenário, acordaram, por unanimidade, em sufragar a proposta do Vogal-Relator referida em 23), nos termos e com os fundamentos dela constantes, tendo deliberado negar provimento ao recurso interposto, mantendo a sanção disciplinar de suspensão, pelo período de 6 (seis) meses, decretada pelo Conselho Disciplinar Regional do Norte, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017, em que são participantes a Dra. N. e o Dr. M. [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com o requerimento inicial e documento (doc.) constante de verso de fls. 558 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
25. Mediante o Ofício datado de 11 de Fevereiro de 2020, a Requerente foi notificada do indeferimento do recurso por si interposto para o Conselho Superior da Ordem dos Médicos referido em 23) e em 24) [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com o requerimento inicial e documentos (docs.) constantes de fls. 558 e seguintes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
26. Em 18 de Novembro de 2020, no âmbito do processo de inquérito n.º 541/16.8T9BRG (desencadeado pelos assistentes N. e M.), foi proferida decisão de arquivamento relativamente à Requerente, constando da mesma, além do mais, o seguinte: “…
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
…” [cf. Certidão do despacho de arquivamento do DIAP de Braga junta aos autos cautelares em 18-02-2021 e cujo teor
integral, aqui, se dá por reproduzido].
27. Em 30 de Dezembro de 2020, a Requerente deu entrada da presente providência cautelar, com vista à suspensão da eficácia dos seguintes atos:
“1. Do ato administrativo datado de 8 de Abril de 2019, (cfr. relatório do documento n.º 1 que adiante se junta e aqui é dado por integralmente reproduzido e integrado para todos os legais efeitos), e que resulta de decisão proferida pelo Conselho Disciplinar Regional do Norte (CDRN) e que condenou a Requerente na pena disciplinar de suspensão pelo período de seis meses à Requerente, por alegada violação de normativos deontológicos, e também
2. Do ato administrativo datado de 30 de Janeiro de 2020, (documento que adiante se junta sob o n.º 2 e aqui já dado por integralmente reproduzido e integrado para todos os legais efeitos), resultante do Acórdão prolatado pelos membros presentes do Conselho Disciplinar Regional do Norte no âmbito do Processo Disciplinar n.º 92/17, Presidido pelo Sr. Prof. Dr. J.; e que contou com as presenças dos Senhores Prof. Dr.s A., F., I. e M., e dos Dr.s J., A., M., D., P., G. e R. através do qual este órgão decidiu e notificou (no âmbito do PD n.º 92/17), e que assenta no relatório da autoria do Exm.º Relator do Conselho Superior da Ordem dos Médicos, Dr. M., através do qual este fundamenta e nega provimento ao recurso interposto por alegada intempestividade, acolhido em Acórdão, notificado a 11.02.2020, subscrito pelos membros do Conselho Superior da Ordem dos Médicos Portugueses, prolatado no âmbito do Processo n.º 42-2019 CS (e PD n.º 92/17) e através do qual estes notificaram a Recorrente do não provimento ao recurso, mantendo a decisão de aplicação de pena disciplinar de suspensão pelo período de seis meses” [cf. requerimento inicial constante de págs. 5-46 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. Comprovativo de entrega de tal requerimento inicial constante de págs. 1-4 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
28. Tem-se, aqui, presente o teor da certidão da sentença proferida, no âmbito do processo de Tutela da Personalidade do Trabalhador n.º 5345/17.8T8GMR, e que ainda não transitou em julgado [cf. Certidão da sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de (...) e junta aos autos cautelares em 18-02-2021 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
29. O Conselho Superior da Requerida nunca procedeu a qualquer comunicação à Requerente, tendo em vista executar a sanção aplicada [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
30. Tem-se aqui presente o teor de todos os documentos constantes dos autos cautelares e do respetivo Processo Administrativo-Instrutor (PA) [cf. documentos (docs.) constantes dos autos cautelares e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].”

IV - Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) § Compulsada a factualidade supra indiciariamente julgada provada em 1) a 30), constata-se que, mediante a presente providência cautelar, a Requerente aparenta requerer a suspensão de eficácia do ato consubstanciado na decisão do Conselho Superior da Requerida que julgou intempestivo o recurso por si interposto da decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão pelo período de 6 meses decretada à Requerente pelo Acórdão de 8 de Abril de 2019 proferido pelo Conselho Disciplinar Regional do Norte da Requerida, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017.
Todavia, certo é que, somente, nos artigos 12.º, 17.º a 22.º, 27.º a 31.º e 62.º do seu requerimento inicial, é que a Requerente alude à decisão do Conselho Superior da Requerida quanto à intempestividade do recurso por si interposto da decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão pelo período de 6 meses decretada à Requerente pelo Acórdão de 8 de Abril de 2019. Não alegando, em nenhum artigo da providência cautelar, (a) em que medida é que tal recurso por si interposto é tempestivo, (b) nem qual a disposição legal violada pela decisão daquele órgão da Requerida ao considerar o referido recurso intempestivo. De resto, a Requerente limita-se a impugnar o ato administrativo de aplicação de sanção disciplinar do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Requerida, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017.
Mais, resulta da factualidade supra descrita em 17), que, na sequência de ter sido notificada do Despacho de Acusação e finda a prorrogação do prazo que solicitou, a Requerente não apresentou Defesa nem requereu a realização de qualquer diligência probatória, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017.
Aliás, a Requerente limita-se a afirmar que, por se encontrar a correr em simultâneo ao processo disciplinar um processo de inquérito criminal, por factos conexos, deveria o mesmo ter sido suspenso até ao trânsito em julgado do referido processo de inquérito. E que apesar de não existir um despacho de prorrogação do prazo de interposição de recurso, não se pode considerar verificado o referido prazo aquando da interposição do recurso, nos termos do disposto no art. 13.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos - aprovado pelo Regulamento n.º 631/2016, de 8 de Julho, publicado na 2.ª série, do Diário da República n.º 130. Porém, resulta da factualidade indiciariamente julgada provada que a Requerente nunca deu conta, nem no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017 nem no âmbito do processo n.º 42/2019, que contra si impendia um qualquer processo judicial (muito menos um inquérito crime).
Ademais, a Requerente não solicitou a prorrogação do prazo de interposição de recurso para o Conselho Superior da Requerida, nem solicitou qualquer informação relevante, pelo que, necessariamente, não podia existir despacho da Requerida sobre tal matéria. Não se olvidando que a Requerente bem sabia que tinha um prazo de 15 (quinze) dias para interpor recurso para o Conselho Superior da Requerida, bem como o referido prazo era contado em dias úteis [cf. factualidade supra julgada indiciariamente provada em 30)].
Pelo que, da leitura do requerimento inicial, dúvidas não subsistem que o que a Requerente verdadeiramente pretende é suspender (e impugnar a título principal) o ato de aplicação de sanção disciplinar do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Requerida, proferido no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017. Aliás, de acordo com o alegado na providência cautelar, tudo se passaria como se estivéssemos apenas na presença de um único ato administrativo; ao invés de dois atos distintos: o ato do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Requerida de decisão de aplicação de sanção disciplinar e o ato do Conselho Superior da Requerida de considerar intempestivo o recurso por si interposto daquela decisão. Atos, esses, que não se confundem e que detêm natureza distinta e ao que tudo indica apenas a legalidade do primeiro se discutirá no processo principal.
Relembrando o consignado no n.º 1, do art. 113.º do CPTA, “o processo cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respetivo”.
O procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito ou interesses que o requerente visa assegurar, sendo que dessa instrumentalidade da providência decorre que a sua subsistência fica dependente de vicissitudes relativas ao processo principal, das quais pode resultar a caducidade da providência, como resulta do disposto no art. 123.º do CPTA.
Em suma, ante o exposto, e por estarmos perante atos distintos e autónomos, cuja natureza não se confunde, verifica-se a inexistência de conexão das causas de pedir e dos pedidos e assim, entre a providência cautelar requerida e a ação administrativa a intentar pela Requerente - o que afasta o requisito do fumus boni juris previsto no n.º 1, do art. 120.º do CPTA, e que conduz, desde logo, à não adoção da providência requerida.
§§ De todo o modo, ainda que assim se não entendesse, sempre o requisito inerente ao fumus boni iuris se teria por não verificado, no caso em apreço.
Com efeito, apesar de a Requerente alegar que o ato de decisão de aplicação de sanção disciplinar proferida pelo Conselho Disciplinar Regional do Norte da Requerida padece de vários vícios - nomeadamente o facto de que lhe teria sido denegado o direito de audição e do princípio da participação (o que, como supra se referiu, não ocorreu in casu), bem como não teriam sido realizadas diligências essenciais para a descoberta da verdade material (o que, também, não se verificou in casu), que a pena de suspensão era desproporcionada e excessiva, e por isso ilegal, injusta, discriminatória, infundada, e decidida em abuso de confiança e com violação do princípio in dúbio pro reu e quebra do princípio da confiança dado que teve origem numa denúncia (o que, de forma idêntica, não ocorre no caso em análise) -, certo é que limita-se a socorrer-se de meras alegações genéricas, sem o seu devido enquadramento fáctico e legal. E, isto porque a Requerente desenvolve toda a providência cautelar como se tivesse (a) apresentado Defesa no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017 movido pela Requerida, (b) formulado um qualquer requerimento de prova, e (c) tudo se passando como se o recurso por si interposto para o Conselho Superior da Requerida não tivesse sido considerado intempestivo - o que, compulsada a factualidade indiciariamente julgada provada em 1) a 30), se constata que não detém o menor respaldo fáctico.
Em suma, e numa análise meramente perfunctória, não é de todo provável que a pretensão a formular pela Requerente no processo principal venha a ser julgada procedente, na medida em que a Requerente não apresentou defesa, não requereu a realização de qualquer diligência de prova, nem observou o prazo para interpor recurso para o Conselho Superior da Requerida da decisão do seu Conselho Disciplinar Regional do Norte, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017. Daí que a conduta da Requerida se mostre indiciariamente legal (não tendo violado o princípio da legalidade por falta de fundamentação, nem preterido nenhuma formalidade essencial [consubstanciada no direito de audição, na observância do princípio da participação, do princípio da igualdade de armas, e da descoberta da verdade material], nem teria ofendido o princípio da proporcionalidade, da proibição de excesso, e da justiça, e nem teria violado o princípio in dubio pro reo, não sendo discriminatória, nem teria existido abuso de confiança).
Assim, não se mostra preenchido, no caso em apreço, o requisito inerente ao fumus boni iuris.
§§§ Da mesma forma que também não se mostra preenchido o requisito respeitante ao periculum in mora. Com efeito, a este respeito, a Requerente alegou que “…ao não ver-lhe reconhecida […] a qualidade para exercer a sua profissão, […] a sua reputação será indelével, grave e irrevogavelmente comprometida, a par da sua capacidade de gerar rendimento numa altura tão adversa como a presente, e será ainda discriminada ilegalmente face aos seus pares e ao mercado do sector. […] Sendo que a sua capacidade profissional e a manutenção da sua atividade clínica na área da Anestesiologia é ainda crucial e de interesse público para o socorro aos cidadãos portugueses no combate à pandemia por SarS-Cov2. […] Acresce que (…) perderá a sua condição, credibilidade e estatuto (inter pares e perante a comunidade), com efeitos na sua capacidade assistencial e de prestação de cuidados de saúde na população carenciada. […] O que é manifestamente danoso para a Requerente, como facilmente se conclui, uma vez que para além da perda de prestígio nacional e local, e de manifesta redução de capacidade assistencial diferenciada, verá ainda o seu poder de autofinanciamento e capacidade afetados, designadamente no clima de grave recessão económico atual. […] Ou, por outras palavras, quedará afetada desde logo, de forma grave, necessariamente negativa e irreversível, o modelo de sustento pessoal e familiar que lhe assiste […] - o qual se encontra já subvertido, em termos desiguais e desvantajosos para a Requerente. […] Capacidade de ganho do qual carece para manter a sua vida e provimento das suas despesas e para a manutenção da prestação de cuidados de saúde aos utentes com a qualidade que lhe é reconhecida, e com os padrões de excelência que lhe são característicos e que motivam a procura dos seus serviços [cf. artigos 40.º a 49.º do requerimento inicial]. Ademais, alegou que “…demonstrou […] que o Requerido lhe causou e pretende causar através dos atos suspendendos graves danos e de impossível reintegração, caso a presente providência não seja imediatamente deferida e os atos administrativos suspensos.
[…] A operar-se a interrupção de exercício da profissão na esfera da Requerida, (i) não apenas a própria capacidade desta enquanto médica anestesiologista ficará irremediavelmente comprometida (uma vez que a prática médica quotidiana, o estudo constante e a troca de impressões e experiências entre profissionais é imprescindível para a manutenção das capacidades profissionais e médicas), como a sua reputação ficará grave e permanentemente afetada. […] Recorde-se que tratamos de uma profissional médica com um curricula intocado, que desempenhou funções diversas em várias instituições de prestação de cuidados de saúde nacionais (cfr. documento junto sob o n.º 3, já dado por reproduzido e integrado)…” [cf. artigos 81.º a 86.º do requerimento inicial].
Constata-se, assim, que a Requerente limita-se a tecer alegações genéricas, não logrando concretizar um efetivo e real receio da constituição de uma situação de facto concreta suscetível de vir a ser consumada, porquanto não alegou nem demonstrou a existência de uma situação de risco efetiva. Ao invés, limitou-se a tecer conjeturas de possíveis situações futuras e hipotéticas no sentido de eventualmente verificar-se tal risco.
Em suma, não tendo a Requerente logrado concretizar os eventuais prejuízos decorrentes da aplicação da sanção disciplinar de suspensão, atenta a não execução da mesma (já que o Conselho Superior da Requerida nunca procedeu a qualquer comunicação à Requerente, tendo em vista executar a sanção aplicada), não se verifica o periculum in mora.
Ante o exposto, não se encontrando preenchidos os requisitos inerentes ao fumus boni iuris e ao periculum in mora, tal importa a não adoção da providência requerida - isto porque, reitera-se, somente, no caso do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos consignados no art. 120.º, n.os 1 e 2, do CPTA, é que a providência requerida poderia ser adotada; não havendo pois que conhecer dos demais requisitos supra enunciados [cf. art. 608.º, n.º 2, do CPC ex vi do art. 1.º, in fine, do CPTA]. De todo o modo, sempre se diga, que há interesses públicos dignos de proteção legal de valor incomensuravelmente superior aos interesses particulares da Requerente. Com efeito, o interesse inerente à qualidade de vida e à saúde dos cidadãos que são submetidos a cirurgias com anestesia que deve ser sempre realizada por profissionais de saúde habilitados para tal (e não por profissionais que se encontram desprovidos de tal habilitação e que nem sequer são supervisionados por quem de direito). Sendo que tal é uma questão de saúde pública e a Requerida é responsável pelas boas práticas inerentes ao exercício da medicina (cf. arts. 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, 11.º, n.os 2 e 4, 38.º, e 115.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos). Pelo exposto, por se mostrarem superiores os danos para o interesse público que resultariam de uma concessão da providência requerida face aos danos para os interesses privados resultantes da sua recusa, a mesma deve ser recusada.”
* * *
O Recurso Jurisdicional é predominantemente conclusivo, assentando não tanto na decisão recorrida, como seria suposto, mas essencialmente na decisão administrativa originariamente impugnada.
Ao presente processo cautelar aplicam-se essencial e predominantemente, as regras gerais dos procedimentos cautelares, previstas nos Artigos 112º e seguintes do CPTA.

Com a nova redação do CPTA, deixou de existir o critério da evidência que permitia decretar, só por si, a providência requerida.

São Recursivamente suscitadas predominantemente duas questões, a saber:
(i) Erro na matéria de facto e nos pressupostos da decisão e
(ii) Contradição entre os factos dados como provados e o sentido da decisão
Mais vem requerida a atribuição de efeito suspensivo do recurso apresentado.

Da atribuição de efeito suspensivo
A primeira questão suscitada prende-se com o efeito do Recurso, sendo que a alínea b) do n.º 2 do artigo 143.º do CPTA estabelece expressamente que “as decisões respeitantes a processos cautelares possuem efeito meramente devolutivo.”

Em qualquer caso, requer a aqui Recorrente a atribuição de efeitos suspensivos ao presente recurso, nos termos constantes dos n.s 4 e 5 do artigo 143.º do CPTA que determinam que “Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.” e “A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.”

Sem necessidade de particular desenvolvimento, refira-se que, entre outros, já a referida questão foi abordada no acórdão deste TCAN nº 6/17.0BEPNF-A, de 27.07.2018, e retomado mais recentemente no Acórdão, igualmente deste TCAN nº 1584/20.2BEPRT-A, de 23-04-2021, onde se sumariou que “A regra do nº2 do artigo 143º do CPTA impede a aplicação das alterações previstas no nº 4 e no nº 5 desse mesmo artigo às providências cautelares por não se encontrar legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo (...).”

Refira-se desde logo que se não vislumbram razões justificativas para que não fosse atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso, em conformidade, aliás, com o estatuído no referido artigo 143º, nº 2, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Com efeito, «O art. 143º, n.º 2, do CPTA é muito claro quando afirma que “os recursos interpostos … de decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo.» (cfr. Acs. do STA : de 24-05-2012, proc. nº 0225/12; de 08-11-2012, proc. nº 0889/12).
“A interpretação do artigo 143º nº2 do CPTA impõe que se conclua que a regra aí consagrada, sobre o efeito meramente devolutivo, não se compadeça com as alterações que são previstas no nº4 e no nº5 do mesmo artigo, que não lhe poderão ser aplicadas” [Ac. do TCAN, de 18-06-2009, proc. nº 01411/08.9BEBRG-A; posição partilhada nos Ac.s do TCAN, de 04-02-2010, proc. nº 00941/09.0BEPRT (“Nos termos do art. 143º, n.º 2 do CPTA os recursos interpostos de decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo, não se prevendo a possibilidade de o recorrente requerer a atribuição de efeito suspensivo)” e de 16-09-2001, Proc. nº 00973/11.8BEPRT (“As regras dos n.ºs 4 e 5 do artigo 143.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não se aplicam às situações previstas no n.º 2 do mesmo preceito, em que o efeito devolutivo resulta diretamente da lei, mas antes aos casos de atribuição judicial de efeito meramente devolutivo ao recurso”)]».

Como se refere ainda no Acórdão do STA, de 05-03-2013, proferido no Proc. nº 0553/12, «De acordo com o previsto no artigo 143º/2 do CPTA, os recursos interpostos das decisões que concedam ou recusem a adoção das providências cautelares requeridas têm efeito meramente devolutivo».

Nesse sentido vai a jurisprudência e doutrina (Ac. do STA, de 05-09-2012, proc. nº 0470/12; de 24-05-2012, proc. nº 0225/12; de 13-09-2012, proc. nº 0628/12; de 20-03-2014, proc. nº 01894/13; de 30-10-2014, proc. nº 0681/14; e na doutrina, M. Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Liv. Almedina 2005, 347, e M. Aroso de Almeida/A. A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Liv. Almedina, 3ª ed. rev. 2010, 855 e 940 e ss.).

Com efeito, este TCAN tem adotado tal entendimento, que agora se reitera (cfr., e para além dos já supra referidos, os Acs. de 25-09-2014, procs. nºs. 00363/14.0BECBR e 02410/13.4BEPRT).

Em face do precedentemente expendido, mantém-se o efeito devolutivo fixado relativamente ao recurso.

Da contradição na matéria dada como provada e os fundamentos da decisão, e da errada subsunção dos factos ao direito
Entende a Recorrente que o Tribunal a quo errou ao considerar que dispunha dos elementos necessários para a apreciação cautelar e indeferiu a prova testemunhal apresentada pela recorrente.

Importa não perder de vista que estamos em presença de um Processo Cautelar, por natureza, urgente e face ao qual a análise a fazer é meramente perfunctória.

Em qualquer caso, entende a Recorrente que o tribunal a quo “(…) indeferiu e inviabilizou dessa forma a produção de prova adicional, testemunhal requerida (…):

Afirmou-se a este respeito na decisão recorrida que, “Constata-se, assim, que a Requerente limita-se a tecer alegações genéricas, não logrando concretizar um efetivo e real receio da constituição de uma situação de facto concreta suscetível de vir a ser consumada, porquanto não alegou nem demonstrou a existência de uma situação de risco efetiva. Ao invés, limitou-se a tecer conjeturas de possíveis situações futuras e hipotéticas no sentido de eventualmente verificar-se tal risco.
Em suma, não tendo a Requerente logrado concretizar os eventuais prejuízos decorrentes da aplicação da sanção disciplinar de suspensão, atenta a não execução da mesma (já que o Conselho Superior da Requerida nunca procedeu a qualquer comunicação à Requerente, tendo em vista executar a sanção aplicada), não se verifica o periculum in mora.”

Dos elementos disponíveis, mormente do Processo Administrativo junto, não resulta efetivamente que a aqui Recorrente tenha apresentado defesa no âmbito do processo disciplinar, sendo que a mesma não logrou demonstrar o contrário, pois que alegar não é provar.

Como se sumariou no Acórdão nº 03317/19.7BEPRT, de 16-10-2020, “Por maioria de razão, num processo de natureza Cautelar e perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar.”

Assim, não se reconhece em que medida a sentença recorrida terá errado na fixação da matéria de facto, pois que se se não vislumbram dúvidas quanto à participação da recorrente no processo de averiguações, inexistem igualmente dúvidas, quanto à não apresentação de defesa relativamente ao despacho de acusação notificado em 19/10/2018, sendo que a defesa só relevaria perante a notificação da acusação, determinando a ausência da sua notificação a nulidade do Processo.

Assim, a pronúncia feita pela Recorrente nos dias 15/05/2017 e 7/12/2017, tendo sido realizada em sede de Processo de Averiguações e, por natureza, antes da Acusação, não releva enquanto tal em termos do Procedimento disciplinar.

Assim, improcede a alegação da Recorrente de acordo com a qual o Tribunal a quo incorreu em erro de facto ao ter considerado que a aqui recorrente não apresentou defesa no âmbito do processo disciplinar.
Do Fumus boni iuris
Resulta desde logo do sumariado no Acórdão deste TCAN nº 03317/19.7BEPRT, de 16-10-2020 que “Recai sobre o requerente de Providência Cautelar o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da probabilidade de existência do direito invocado.
Cabe pois ao Requerente da Providência alegar e provar a existência do periculum in mora, não bastando a mera invocação de considerações genéricas e conclusivas, de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação.
Impende sobre o Requerente o ónus de alegação de factos concretos que permitam ao Tribunal perspetivar a existência de prejuízos de difícil reparação ou de uma situação de facto consumado.”

Na redação atual dada ao CPTA pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 2 de Outubro de 2015, o fumus boni iuris apresenta-se sempre sob a formulação positiva, idêntica àquela que anteriormente constava da alínea c) do n° 1 do art.º 120° do CPTA.

Ponderada a tutela cautelar em função dos critérios agora estatuídos no artigo 120° n.º 1 do CPTA, a análise da verificação da aparência do bom direito poderá assumir relevância, caso seja necessário verificar uma efetiva probabilidade de procedência da pretensão principal, sendo que os requisitos aplicáveis são de preenchimento cumulativo.

A formulação positiva do fumus boni iuris é-nos dada pela introdução na redação do n.º 1 do artigo 120. ° do CPTA do substantivo "provável", que imprime uma menor flexibilidade à análise a fazer.

Como refere Isabel Celeste Fonseca, o requisito do fumus boni iuris na formulação positiva, obriga a um juízo positivo de probabilidade através da "intensificação da cognição cautelar", ou seja, duma "apreciação mais profunda e intensa da causa". (Cfr. Isabel Celeste M. Fonseca, Dos novos processo urgentes no Contencioso Administrativo (função e estrutura), págs. 66 a 68).

No mesmo sentido aponta Mário Aroso de Almeida, no seu Manual de Processo Administrativo, 2016, p. 452, onde refere que com a reforma do CPTA de 2015 se consagrou "um regime homogéneo quanto a este ponto para os dois tipos de providências, estabelecendo que, tanto umas, como outras, só podem ser adotadas quando seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente, veio introduzir uma novidade sem precedentes no nosso ordenamento jurídico, com o evidente alcance de limitar o acesso dos cidadãos à tutela cautelar em processo administrativo: a de submeter ao critério do fumus boni iuris, com a configuração que, em processo civil, lhe atribui o n° 1 do artigo 368° do CPC, a adoção das providências cautelares conservatórias e, em particular, da providência da suspensão da eficácia de atos administrativos -- providência cuja atribuição, importa recordá-lo, nunca, até à entrada em vigor do CPTA, tinha estado dependente da formulação de qualquer juízo sobre o bem fundado da pretensão impugnatória do requerente".

A ponderação por parte do tribunal sobre a probabilidade da procedência da pretensão formulada no processo principal deve assim ser feita em moldes perfunctórios, materializados num juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios, que permita assentar na probabilidade do êxito da pretensão principal.

Em concreto, entende a Recorrente que demonstrou de forma suficiente que procedeu corretamente, enquanto Diretora de Serviço e Anestesiologista relativamente aos factos de que vinha acusada, sendo que apenas requereu a inquirição de testemunhas no originário Processo de Averiguações, que não é aquele que aqui é objeto de escrutínio.

Em qualquer caso, e em bom rigor, a Recorrente insiste recursivamente em aludir aos vícios do acórdão do Conselho Disciplinar Regional do Norte, nada tendo dito de substancial relativamente à rejeição do recurso apresentado relativamente àquele, por extemporaneidade.

Com efeito, a recorrente apenas alega causas da violação do acórdão do Conselho Disciplinar Regional do Norte, não tendo demonstrado, nomeadamente, a errada subsunção dos factos ou do direito na apreciação da sentença proferida pelo Tribunal a quo.

Só residual e incipientemente a Requerente faz alusão à decisão do Conselho Superior da Recorrida quanto à intempestividade do recurso por si interposto da decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão pelo período de 6 meses resultante do Acórdão de 8 de Abril de 2019.
Efetivamente, é incontornável que a aqui Recorrente, em momento algum do seu requerimento Cautelar alega, e menos ainda prova, que o seu Recurso para o Conselho Superior seria tempestivo, nem alude em concreto a qual o normativo violado pela decisão daquele órgão da Requerida ao considerar o seu recurso extemporâneo.

Acresce que a Recorrente se limita a impugnar a aplicação de sanção disciplinar do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Requerida, no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017, sendo que o que aqui está em causa é o consequente acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Médicos, como decorre dos n.º 1 do artigo 60.º, e do n.º 2 do artigo 64.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos, conjugado com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, uma vez que o recurso para o CSOM constitui um recurso necessário.

Aqui chegados, e tal como enunciado em 1ª instância, é patente que a aqui Recorrente visa cautelarmente suspender a decisão que lhe aplicou a sanção disciplinar no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017.

Não merece assim censura o entendimento adotado em 1ª instância, o qual aqui se ratifica, de acordo com o qual “(…) e por estarmos perante atos distintos e autónomos, cuja natureza não se confunde, verifica-se a inexistência de conexão das causas de pedir e dos pedidos e assim, entre a providência cautelar requerida e a ação administrativa a intentar pela Requerente - o que afasta o requisito do fumus boni juris previsto no n.º 1, do art. 120.º do CPTA, e que conduz, desde logo, à não adoção da providência requerida”.

Mais se afirma, com acrescida relevância decisória, que “Com efeito, apesar de a Requerente alegar que o ato de decisão de aplicação de sanção disciplinar proferida pelo Conselho Disciplinar Regional do Norte da Requerida padece de vários vícios - nomeadamente o facto de que lhe teria sido denegado o direito de audição e do princípio da participação (o que, como supra se referiu, não ocorreu in casu), bem como não teriam sido realizadas diligências essenciais para a descoberta da verdade material (o que, também, não se verificou in casu), que a pena de suspensão era desproporcionada e excessiva, e por isso ilegal, injusta, discriminatória, infundada, e decidida em abuso de confiança e com violação do princípio in dubio pro reu e quebra do princípio da confiança dado que teve origem numa denúncia (o que, de forma idêntica, não ocorre no caso em análise) -, certo é que limita-se a socorrer-se de meras alegações genéricas, sem o seu devido enquadramento fáctico e legal. E, isto porque a Requerente desenvolve toda a providência cautelar como se tivesse (a) apresentado Defesa no âmbito do processo disciplinar n.º 92/2017 movido pela Requerida, (b) formulado um qualquer requerimento de prova, e (c) tudo se passando como se o recurso por si interposto para o Conselho Superior da Requerida não tivesse sido considerado intempestivo - o que, compulsada a factualidade indiciariamente julgada provada em 1) a 30), se constata que não detém o menor respaldo fáctico.”

É assim manifesto que se não mostra preenchido o pressuposto do Fumus Boni Iuris

Do periculum in mora
Tal como sumariado no Acórdão deste TCAN nº 364/20.0BEMDL, de 05.03.2021, “O requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.”

Em concreto e no que respeita ao periculum in mora, a aqui Recorrente cingiu-se a uma alegação genérica, insuficiente e conclusiva.

Se fosse alegado e perfunctoriamente demonstrado, designadamente, que a determinada suspensão causará prejuízos concretos irreversíveis e devidamente mensurados, poder-se-ia verificar uma situação de facto consumado, o que ficou por demonstrar.

Com efeito, nos termos do artigo 120º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adotadas, “quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.

Como referem a este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, exige-se “(...) antes de mais um “fundado receio” quanto às circunstâncias específicas de cada caso. Significa isto que o Juízo sobre o risco de ocorrência deve ser sustentado numa apreciação das circunstâncias específicas de cada caso, baseado na análise de factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efetiva, e não uma mera conjetura de verificação eventual.”

Mais referem os mesmos Autores que “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

Refere igualmente Vieira de Andrade (In “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298), que “O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica.
Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar” compreensível” ou “justificada a cautela que é solicitada”.

A argumentação da Recorrente é pois insuficiente e predominantemente conclusiva relativamente aos factos e circunstâncias que poderiam concorrer para a verificação do Periculum in mora, mormente quando singelamente se afirma que “A Recorrente ainda demonstrou de forma clara, concreta e precisa a existência de periculum in mora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, alegou detalhadamente ao Digm.º Tribunal a quo o que lhe parece óbvio e notório desde o primeiro instante: a Recorrida, se lhe for permitido aplicar a pena de suspensão, causará (e aparentemente pretende causar), através dos atos suspendendos, graves danos e de impossível reparação e reintegração à Recorrente.
(…)
A Recorrente alegou, demonstrou e concluiu o que lhe pareceu evidente: a verificação nos autos de periculum in mora, necessário e suficiente para que a presente providência cautelar seja decretada, o que requereu e ora se reitera junto do Venerando Tribunal e Desembargadores para efeitos do presente recurso, pugnando pela reversão da decisão recorrida.”

Uma vez que a verificação dos requisitos da Providência Cautelar, se mostra cumulativa, e dependente da invocação e demonstração de correspondentes factos, incumbia à aqui Recorrente, o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora, nomeadamente, do periculum in mora, não cabendo ao tribunal substituir-se aos Requerentes.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN, proferido no processo nº 03317/19.7BEPRT, de 16-10-2020 “Recai sobre o requerente de Providência Cautelar o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente (…)
Cabe pois ao Requerente da Providência alegar e provar a existência do periculum in mora, não bastando a mera invocação de considerações genéricas e conclusivas, de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação.
Impende sobre o Requerente o ónus de alegação de factos concretos que permitam ao Tribunal perspetivar a existência de prejuízos de difícil reparação ou de uma situação de facto consumado.”

Em concreto, é manifesto que a Recorrente, em momento algum, refere que montante deixou de auferir, qual é a sua capacidade económica, que fontes de rendimento dispõe, que encargos tem pendentes sobre si, de que forma o seu prestígio é afetado.

Na realidade, nenhuma despesa foi invocada, sendo certo que, também não foi invocado ou demonstrado de que forma a sua suspensão irá colocar em causa a prestação de serviços médicos nos estabelecimentos de saúde onde desempenha o seu trabalho/serviços.

Como a própria sentença recorrida afirma “Constata-se, assim, que a Requerente limita-se a tecer alegações genéricas, não logrando concretizar um efetivo e real receio da constituição de uma situação de facto concreta suscetível de vir a ser consumada, porquanto não alegou nem demonstrou a existência de uma situação de risco efetiva. Ao invés, limitou-se a tecer conjeturas de possíveis situações futuras e hipotéticas no sentido de eventualmente verificar-se tal risco.
Em suma, não tendo a Requerente logrado concretizar os eventuais prejuízos decorrentes da aplicação da sanção disciplinar de suspensão, atenta a não execução da mesma (já que o Conselho Superior da Requerida nunca procedeu a qualquer comunicação à Requerente, tendo em vista executar a sanção aplicada), não se verifica o periculum in mora.”

Em face de tudo quanto se expendeu supra, tal como decidido em 1ª Instância, não se reconhece o preenchimento do requisito do Periculum in mora, em face do que improcederá, também por esta razão, o Recurso interposto.

Da ponderação de interesses
Entende ainda a Recorrente que, sendo caso disso, a ponderação de interesses imporia o deferimento da providência cautelar, invocando, para o efeito, a carência do Sistema Nacional de Saúde de profissionais com a especialidade da recorrente, o atraso de cirurgias a nível nacional, bem como, o apoio a doenças em virtude da situação pandémica.

Resulta do nº 2 do Artº 120º CPTA que, preenchidos que sejam os pressupostos do Fumus Boni Juris e do Periculum in mora, ainda assim a Providência Cautelar requerida não será concedida, se os danos que resultam da concessão da mesma para o interesse público sejam superiores aos que possam resultar da sua recusa, para o Requerente.

A decisão sobre o decretamento da providência cautelar impõe a formulação de um juízo de valor, fundado na comparação da situação do Requerente com o interesse público.

Como refere Viera de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), pág. 303, “[...] não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. [...] o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.”

A consequência da procedência da presente providência cautelar seria a manutenção ao Serviço da médica aqui Recorrente, não obstante lhe serem imputadas falhas funcionais graves.

Com relevância para a solução a dar à presente questão retoma-se o referido no acórdão deste TCAN nº 0290/09BEPNF-A, em cujo sumário se pode ler, designadamente:
“A apreciação do requisito negativo enunciado no n.º 2 do art. 120.º não se traduz num juízo de ponderação entre o interesse público e o interesse privado, visto que o que releva são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos sejam eles públicos ou privados.
Os índices dos interesses públicos que impõem a eficácia ou execução imediata do ato e danos daí derivados decorrentes da concessão da providência suspendenda têm que se encontrar no circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos e nas razões invocadas.
(…)
Só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação, mercê dos prejuízos e danos que gera, deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente é que se impõe a execução imediata do ato, indeferindo-se, por esse facto, o pedido cautelar de suspensão.”

Em qualquer caso, não tendo sido entendido estarem reunidos os pressupostos cumulativos constantes do nº 1 do Artº 120º do CPTA (Fumus boni juris e Periculum in mora), nunca sequer se mostraria necessário fazer a ponderação de interesses, a qual se mostraria inútil, por não alterar os pressupostos da Providência, sendo que, em qualquer caso, a procedência da Providência, atenta a factualidade dada como provada, sem que esteja decidida a Ação Principal, poderia transmitir uma imagem de impunidade permissiva, por manter ao serviço uma médica acusada de falhas graves, o que se mostraria pernicioso para o interesse público.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN de 14/12/2012, Proc. n.º 01133/12.6BELSB, “Face ao estatuído no artigo 120.º, n.º 1 b) e n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, são três os requisitos de que depende a concessão de uma providência conservatória (como é o caso da suspensão de eficácia do ato) e cuja verificação é cumulativa: o fumus boni iuris, na sua formulação negativa ou seja, de que não é manifesto o insucesso da ação principal; o periculum in mora, a possibilidade de criação de uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação; a superioridade dos danos resultantes da sua concessão, relativamente aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”

Embora seja do conhecimento público a carência, nomeadamente, de anestesistas, bem como o atraso recorrente com que as cirurgias são realizadas, tal não permite a conclusão automática de que o afastamento temporário da aqui Recorrente vá criar de imediatos dificuldades e constrangimentos acrescidos no estabelecimento hospitalar onde presta serviço, sendo que, mesmo que assim fosse, a suposta imprescindibilidade de um qualquer trabalhador, jamais poderá servir de pretexto para branquear o seu eventual comportamento prevaricador.

Aliás, é sintomático do afirmado, o referido pelo tribunal a quo, quando refere que “(…) há interesses públicos dignos de proteção legal de valor incomensuravelmente superior aos interesses particulares da Requerente. Com efeito, o interesse inerente à qualidade de vida e à saúde dos cidadãos que são submetidos a cirurgias com anestesia que deve ser sempre realizada por profissionais de saúde habilitados para tal (e não por profissionais que se encontram desprovidos de tal habilitação e que nem sequer são supervisionados por quem de direito). Sendo que tal é uma questão de saúde pública e a Requerida é responsável pelas boas práticas inerentes ao exercício da medicina (cf. arts. 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, 11.º, n.ºs 2 e 4, 38.º, e 115.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos). Pelo exposto, por se mostrarem superiores os danos para o interesse público que resultariam de uma concessão da providência requerida face aos danos para os interesses privados resultantes da sua recusa, a mesma deve ser recusada”.

Aqui chegados, não merece, também neste aspeto, censura o entendimento e decisão adotada em 1ª instância, o que determinará a improcedência do Recurso ora em análise.

V - DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão objeto de impugnação.

Custas pela Recorrente

Porto, 17 de dezembro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Alexandra Alendouro
Paulo Ferreira de Magalhães