Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00145/12.4BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2013
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:SIGILO BANCÁRIO; TERCEIROS; AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO; FORMALIDADES; REQUISITOS PARA A DERROGAÇÃO
Sumário:I. Nos termos do nº 8 do artigo 63º-B da LGT (na redacção da Lei nº 55-B/2004, de 30/12), diferentemente daquilo que acontece actualmente, o acesso da Administração Tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrassem numa relação especial com o contribuinte estava dependente de autorização judicial expressa, após audição do visado.
II. Só após as alterações produzidas no artigo 63º-B da LGT pela Lei nº 94/2009, de 1/9, foi revogado aquele nº 8, tendo passado a constar do artigo 63º-B a possibilidade de a Administração aceder directamente aos documentos bancários de terceiros que se encontrem numa especial relação com o contribuinte, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, sem prejuízo do direito de audição e da possibilidade de interposição de recurso de tal decisão, com efeito suspensivo.
III. Os actos do Director Geral dos Impostos ou seus substitutos legais de derrogação do sigilo bancário, a que se refere o artigo 63º-B, nº 4 da LGT, devendo ser fundamentados com expressa menção dos motivos concretos que os justificam, podem, todavia, ver a sua fundamentação efectuada por remissão nos termos gerais.
IV. Estando o procedimento de derrogação do sigilo bancário dependente e inserido no procedimento de inspecção aberto relativamente a uma sociedade da qual os Recorridos são sócios-gerentes, procedimento esse que visa apurar a situação tributária (mormente imposto em falta) da sociedade/contribuinte inspeccionada, a Administração Tributária não tinha que notificar os Recorridos de qualquer ordem de serviço com vista à recolha dos dados em causa.
V. Coisa diferente, é saber se, neste caso concreto, de autorização judicial para acesso a documentos bancários de terceiros (sócios-gerentes) que se encontrem em relação especial com o contribuinte sociedade estão, ou não, verificados os respectivos pressupostos legais para tal
VI. Os requisitos do nº 4 do artigo 63º-B da LGT – de fundamentação, com expressa menção dos motivos concretos que justificam a decisão, e de competência do autor do acto, do Director-Geral dos Impostos, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação – não são, porém, os únicos a respeitar no caso de acesso a elementos bancários relativamente a terceiros. Com efeito, tal acesso “só é possível quando, relativamente ao contribuinte – cuja situação determinou a abertura de um procedimento especial de derrogação do segredo bancário – se verifiquem os requisitos enunciados nos nº 1 a 3 do artigo 63º-B da LGT (a que correspondem, actualmente e no essencial, as diversas alíneas do nº1 do mesmo 63º-B). (...) Não quer isto dizer que a administração tributária não possa ter acesso a esses elementos, mas que a forma de os obter terá de ser outra: ou requerendo a autorização judicial, ao abrigo dos nº 2 e 5 do artigo 63º da LGT (a que correspondem, actualmente e no essencial os nºs 2 e 6 do mesmo preceito), ou, então, derrogando administrativamente o segredo bancário, caso a situação desses terceiros ou familiares se subsuma em algumas das situações previstas nos nºs 1 a 3 do 63º-B da LGT”.
VII. No nosso ordenamento jurídico, como se sabe, o dever de sigilo bancário a que se encontram adstritas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, tem subjacente a salvaguarda de interesses públicos e privados. Os primeiros, atinentes ao regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem; os segundos, tendo em conta a finalidade do próprio instituto do segredo bancário ser também do interesse dos clientes, na garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca. Com o sigilo bancário o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J... e mulher
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

O Director de Finanças de Vila Real, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que indeferiu o pedido de autorização judicial de derrogação do sigilo bancário relativamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, com referência ao período de 01 de Janeiro de 2009 a 05 de Setembro de 2009 de que sejam titulares os Sócios Gerentes J…, NIF 1…e A…, NIF 2…, da firma Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda., NIPC 5…, interpôs o presente recurso formulando as seguintes conclusões:

“1. A sentença aqui recorrida indeferiu o pedido de derrogação do sigilo bancário apresentado pela aqui Recorrente, com fundamento em vício de fundamentação, preterição de formalidades legais no âmbito do procedimento de inspecção tributária e por falta de verificação dos pressupostos de derrogação do sigilo bancário.

2. O pedido referido no ponto anterior teve como suporte o despacho de 12/04/2012 proferido pelo senhor Director-Geral da AT, ao abrigo da competência atribuída pelos números 2 e 4 do artigo 63.°-B da LGT e atentos os condicionalismos previstos nas alíneas b), c) e f) do n.° 1 do citado normativo relativamente à sociedade “Albergaria B… Sociedade de Restauração Lda.” com base na Informação elaborada pelos serviços de inspecção tributária sob a ordem de serviço n.° 01201100304, de âmbito parcial, em sede de IVA e de IRC, com a extensão aos exercícios dos anos de 2008 a 2010.

3. Ao contrário do entendimento vertido na douta sentença recorrida, a fundamentação por remissão resulta legalmente admissível no âmbito do procedimento de derrogação do sigilo bancário, tal como resulta da orientação jurisprudencial maioritariamente seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo (cf. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 28/04/2010, proferido no proc. n.° 0897/09).

4. O procedimento inspectivo à entidade supra identificada respeitaram os normativos legais aplicáveis, considerando a relação especial que existe entre os Requeridos e a entidade inspeccionada, decorrente da própria natureza das funções de gerência e do próprio vínculo de representação existente entre os gerentes e a empresa.

5. As operações de avaliação patrimonial incidentes sobre os bens titulados pelos sócios-gerentes afiguram-se funcionalmente dependentes e instrumentais aos fins que presidem à realização da acção inspectiva à entidade de que aqueles são sócio-gerentes e, nessa medida, não se afigura necessária a notificação prévia aos mesmos daquelas operações.

6. Os factos apurados e evidenciados na Informação da Inspecção Tributária revelam-se claramente subsumíveis à descrição normativa prevista nas alíneas b), c) e f) do n.° 1 do artigo 63.°-B da LGT, atentos os inúmeros indícios sérios e consistentes da falta de rigor e veracidade dos valores declarados com base na sua contabilidade, ficando assim demonstrada a verificação dos referidos pressupostos.

7. Prova essa concretizada na contabilidade da sociedade inspeccionada, designadamente nos registos contabilísticos, nos inventários, nas facturas, nos pagamentos aos fornecedores, nos dados referentes a aquisições e a existências de matérias-primas, nas vendas-a-dinheiro, nos preços de refeições praticados, bem como nos extractos bancários, e ainda, na informação patrimonial relativa aos sócios-gerentes e nos rendimentos declarados em sede de IRS nos anos de 2008 a 2010.

8. No caso dos autos, e ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, ficou claramente demonstrada a necessidade e adequação do acesso à informação bancária dos Recorridos, por forma a verificar se os valores terão saído das contas bancárias da sociedade, ingressado na esfera patrimonial dos sócios, e se existem operações à margem dos valores relevados na contabilidade, tendo em conta a especial relação existente entre a sociedade e os seus sócios-gerentes e os indícios recolhidos pela inspecção tributária.

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a douta sentença recorrida, substituída por outra que autorize a derrogação do sigilo bancário, nos termos requeridos pela AT, com as demais consequências legais”.


*

Os Recorridos apresentaram contra-alegações que concluíram do seguinte modo:

“1. O recurso da Fazenda não versa sobre matéria de facto, pelo que este Tribunal Central Administrativo Norte deve considerar-se incompetente para apreciar e decidir o recurso.

Sem prescindir,

2. Como conclui a douta sentença recorrida, no caso dos autos a fundamentação por remissão não é legalmente admissível.

3. Por outro lado, a AT efetuou aos recorridos uma inspeção externa sem, contudo, ter observado norma alguma do RCPIT, pelo que a douta sentença recorrida, ao decidir que os recorridos “... deviam ter sido notificados desse procedimento externo de inspecção ...” não mereça qualquer censura.

4. E o mesmo se passa quanto ao que o Meritíssimo Juiz a quo expressa relativamente à matéria dos pressupostos de derrogação do sigilo bancário, fundamentando e concluindo que tais pressupostos não se verificam.

5. Em suma: a douta sentença recorrida não merece censura alguma, tanto mais que não violou qualquer disposição legal.

Neste termos,

Deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, a douta sentença recorrida deve manter-se na ordem jurídica.


*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso interposto.

*

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do CPPT], cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

*

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, seguindo a ordem pela qual vêm colocadas nas conclusões apresentadas pelo Recorrente, são as seguintes:

(i) - saber se a sentença recorrida errou ao considerar a fundamentação por remissão legalmente inadmissível no âmbito do procedimento de derrogação do sigilo bancário;

(ii) - saber se a sentença errou ao considerar ter havido, in casu, preterição de formalidades legais no procedimento em causa ou se, ao invés, foram respeitados os normativos legais, considerando a relação especial que existe entre os Recorridos e a entidade inspeccionada;

(iii) - saber se a sentença errou ao considerar não estarem reunidos, no caso em análise, os pressupostos para a derrogação do sigilo bancário.

Antes, porém, iremos debruçar-nos sobre a alegada (iv) incompetência deste TCAN, em razão da hierarquia, tal como invocada pelos Recorridos.


*

2. Fundamentação

2.1. De facto

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela deu como provados os seguintes factos:

“1. No âmbito da acção de inspecção em curso à empresa Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda, NIPC 5…, com sede fiscal em Chaves, e com o intuito de se apurar a real situação tributária da mesma, quer em sede de IRC quer em sede de IVA, a AT concluiu pela necessidade de requerer ao Tribunal o levantamento do sigilo bancário das contas dos sócios gerentes, nos termos do disposto no artigo 63°-B da Lei Geral Tributaria, no período acima referido – art. n° 1 da PI não contestado;

2. Os aqui Oponentes são sócios gerentes da sociedade Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda, NIPC 5… - art°s 2 e 3 da PI, não contestados;

3. Em 29/2/2012, através do ofício n° 2292, da Direcção de Finanças de Vila Real, foi notificada a sócia gerente A…, NIF 2…, por carta registada com AR, para, no prazo de 10 dias, exercer o seu direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre os efeitos do Projecto de Decisão do Exmo. Sr. Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, elaborado com base nos fundamentos constantes da Informação da Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Vila Real – artº 2 da PI, não contestado;

4. Em 29/2/2012, através do oficio n° 2290, da Direcção de Finanças de Vila Real, foi notificado o sócio gerente J…, NIF 187118.744, por carta registada com AR, para, no prazo de 10 dias, exercer o seu direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre os efeitos do Projecto de Decisão do Exmo. Sr. Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, elaborado com base nos fundamentos constantes da Informação da Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Vila Real - art.° 3 da PI, não contestado;

5. Os avisos de recepção dos CTT referentes aos ofícios indicados nos dois pontos anteriores foram assinados no dia 02/03/2012, e até o dia 2/5/2012 (data de remessa da PI) não foi recepcionado na AT qualquer informação ou documento associado ao direito de audição por parte dos sócios gerentes J…, NIF 1…e A…, NIF 2…- art.° 4 da PI, não contestado.

6. Por despacho do Sr. Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 12/4/2012, que consta de fls. 6 dos autos, e que aqui se dá por reproduzido, foi determinado que se solicitasse autorização judicial nos termos do artigo 146°-C do CPPT, para acesso a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, com referenda ao período de 01 de Janeiro de 2009 a 05 de Setembro de 2009 de que sejam titulares os SÓCIOS GERENTES J…, NIF 1…e A…, NIF 2…, da firma Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda., NIPC 5…;

7. Dão-se aqui por reproduzidos a Informação da Direcção de Finanças de Vila Real, bem como o parecer e despachos nela exarados, nos quais a decisão referida se baseou, e que constam de fls. 7 a 15 dos autos, com o seguinte destaque: “2 - Foi efectuada uma pesquisa e consequente avaliação do consumo praticado ou bens patrimoniais detidos pelos sócios gerentes (J… e A… em comparação com o respectivo rendimento disponível em 2008, 2009 e 2010, tendo-se verificado o seguinte quadro patrimonial e rendimento líquido declarado://2. 1 - Bens patrimoniais detidos pelos sócios gerentes//2.1.1 - Veículos automóveis
Matricula
Data Matricula
Marca
Modelo
Valor de mercado
MT-... 1957-01-01 Wolkswagen VW/l1 Limousine de Luxe
4.000€
...-ER-... 2007-11-13 Bashan BS200S - 7
2.500€
...-JI-... 2010-06-21 Famel S20
Não encontrado
...EI 1994-11-02 Peugeot 205 XAD /20SA82)
1.0000
...GX... 2008-12-11 SIS V5 Racing
Não encontrado
...-JV-...2010-10-21 AUDI 8X (AI)
27.000€
2.1.2 - Bens imóveis
Artigo
Ano aquisição
Valor aquisição
Ano venda
Valor venda
Prédios urbanos
4700 2002 31.514€ Não vendido Não vendido
4247 2009 75.000€ 2010 100.000€
2.2 - Rendimento líquido declarado aos sócios gerentes
PeríodosRendimento trabalhoRendimento empresarialMais-ValiasRendimento líquido
2008 14.400,00€ 37.732,60€ 0,00€ 43.949,45€
2009 12.000,00€ 0,00€ 0,00€ 4.224,00€
201012.000,00€0,00€23.500,00€17.792,00€
3 - O acréscimo do património detido nos anos de 2009 e 2010 no montante de 102.000,00€ (75.000€ em 2009 e 27.000€ em 2010), conjugado com uma simultânea divergência não justificada com os rendimentos declarados nesses períodos de 22.016,00€ (4.224,00€ em 2009 e 17792,00€ em 2010), encontra previsão normativa constante da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da Lei Geral Tributária.

8. Os Requeridos/oponentes não foram notificados da emissão de qualquer ordem de serviço que permitisse a recolha dos elementos que a informação refere no ponto 2 (mencionado no n°7 destes factos provados).”


*

2.2. De direito

Conforme se deixou referido no relatório inicial, em causa no presente recurso jurisdicional está a sentença do TAF de Mirandela que indeferiu o pedido de autorização judicial de derrogação do sigilo bancário relativamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, com referência ao período de 01 de Janeiro de 2009 a 05 de Setembro de 2009 de que sejam titulares os Sócios Gerentes J…, NIF 1…e A…, NIF 2…, da firma Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda., NIPC 5….

Oportunamente, enunciámos as três questões que nos foram colocadas pela Recorrente no presente recurso jurisdicional.

Antes, porém, impõe-se que nos detenhamos sobre a questão suscitada, em sede de contra-alegações, relativamente à alegada incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia. Com efeito, entendem os Recorridos que o recurso da Fazenda não versa sobre matéria de facto, termos em que seria competente para dele conhecer o Supremo Tribunal Administrativo (STA).

Salvo o devido respeito, não acompanhamos tal posição.

Efectivamente, nos termos do artigo 280º, nº1 do CPPT, das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, (…) para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, (…), para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, nos termos do artigo16º, nº1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal ao qual é indevidamente dirigido o recurso.

Nos termos do artigo 26º, al. b), do ETAF, atribui-se competência à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.

Por sua vez, o artigo 38º, al. a), do ETAF, atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artigo 26º, al. b), do mesmo diploma.

Quer isto dizer que para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância é competente o STA quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a Secção de Contencioso Tributário de um dos TCA se o fundamento não for exclusivamente de direito.

É certo que do teor das conclusões de recurso não ressalta a indicação de factos que devessem ter sido dados como provados e não foram ou de factos aí tidos como provados e que o não estão. Mas, interpretando as curtas conclusões da alegação de recurso, entendemos que nas conclusões 6 e 7 se vislumbra, ainda, uma discordância com os juízos fáctico-conclusivos retirados pelo julgador da factualidade apurada, concretamente no que respeita à apreciação dos pressupostos legais da autorização de derrogação do sigilo bancário, o que justifica que consideremos que, in casu, o presente recurso não versa exclusivamente matéria de direito.

Razão pela qual, não acompanhando o entendimento expresso pelos Recorridos, consideramos competente este TCA para o conhecimento do presente recurso jurisdicional.

Apreciada esta primeira questão, que se apresentava como prévia relativamente às demais suscitadas pelo Recorrente, passemos, então, à análise das questões que nos vêm colocadas neste recurso.

Vejamos, então.

No presente recurso jurisdicional, movemo-nos, em termos processuais, no quadro normativo disciplinado pelos artigos 146º-A e 146º-C do CPPT, segundo os quais:

- Artigo 146º-A do CPPT (Processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário):

1 - O processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário aplica-se às situações legalmente previstas de acesso da administração tributária à informação bancária para fins fiscais.

2 - O processo especial previsto no número anterior reveste as seguintes formas:

a) Recurso interposto pelo contribuinte;

b) Pedido de autorização da administração tributária.

- Artigo 146º-C do CPPT (Tramitação do pedido de autorização da administração tributária):

1 - Quando a administração tributária pretenda aceder à informação bancária referente a familiares do contribuinte ou de terceiros com ele relacionados, pode requerer ao tribunal tributário de 1.ª instância da área do domicílio fiscal do visado a respectiva autorização.

2 - O pedido de autorização não obedece a formalidade especial e deve ser acompanhado pelos respectivos elementos de prova.

3 - O visado é notificado para, querendo, deduzir oposição no prazo de 10 dias, a qual deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova.

Está em causa um pedido de autorização judicial, formulado pela Administração Tributária, de acesso à informação bancária dos Recorridos, J… e A…, sócios-gerentes da sociedade Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda., respeitante ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 5 de Setembro de 2009.

Trata-se, pois, de um pedido formulado com fundamento legal no nº 8 do artigo 63º-B da LGT (na redacção da Lei nº 55-B/2004, de 30/12), nos termos do qual, diferentemente daquilo que acontece actualmente, o acesso da Administração Tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrassem numa relação especial com o contribuinte estava dependente de autorização judicial expressa, após audição do visado. Com efeito, só após as alterações produzidas no artigo 63º-B da LGT pela Lei nº 94/2009, de 1/9, foi revogado aquele nº 8, tendo passado a constar do artigo 63º-B a possibilidade de a Administração aceder directamente aos documentos bancários de terceiros que se encontrem numa especial relação com o contribuinte, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, sem prejuízo do direito de audição e da possibilidade de interposição de recurso de tal decisão, com efeito suspensivo.

Dito isto, foquemo-nos no recurso jurisdicional que nos ocupa e na primeira questão que aqui vem suscitada, ou seja, a fundamentação da decisão do Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 12/04/12, que determinou que fosse solicitada autorização judicial para aceder a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que sejam titulares os sujeitos passivos J… e A…, com referência ao período de 01/01/09 a 05/09/09.

Sustenta a Recorrente que o Mmo. Juiz a quo errou quando considerou que a decisão em causa não se mostrava fundamentada de acordo com as regras legais aplicáveis, pois que, ao invés daquilo que foi considerado na sentença recorrida, defende, a fundamentação por remissão resulta legalmente admissível no âmbito do procedimento de derrogação do sigilo bancário.

Na verdade, na análise do invocado vício respeitante à fundamentação, o Mmo. Juiz a quo apreciou e decidiu a questão seguindo a linha argumentativa que se expõe:

“A fundamentação da decisão do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de requerer a autorização judicial de derrogação de sigilo bancário, foi proferida por remissão para a informação da Direcção de Finanças de Vila Real e no parecer e despachos nela exarados.

O art° 63°-B, nº 4 da LGT, sob a epígrafe “Acesso a informações e documentos bancários”, prevê que “As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, salvo o disposto no número seguinte, notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do director-geral dos impostos ou do director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação”

Estando esta matéria especificamente regulada no preceito citado, o art° 125º do CPA (fundamentação por remissão) é de aplicação supletiva, tanto mais que a sua aplicação envolve diminuição de garantias para os particulares — art.°29, nº 7 do CPA; por outro lado, e pelas razões apontadas, também terá de se afastar a aplicação do art.° 77.° da LGT (fundamentação por remissão), que se debruça sobre a decisões proferidas em procedimentos de carácter geral.

Ou seja, se o legislador dispôs de maneira diferente relativamente ao procedimento em causa nos autos, no pressuposto de que conhecia outros procedimentos, temos de considerar que quis expressar o seu pensamento em termos adequados: quando refere que “As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores (Acesso a informações e documentos bancários) devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam” foi precisamente isso que o legislador quis dizer - e não que a fundamentação poderia consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ou informações — cfr. art° 9º, n.° 3 do CC e, neste sentido, cfr. também, Ac. do STA, processo 0897/09, de 21 / 10/2009, e, do mesmo STA, voto de vencido no processo 01022/07, de 9/1/2008 e votos de vencidos no processo 0897/09, de 28/4/2010, pleno da secção do contencioso tributário, in www.dgsi.pt.

Portanto, e porque a decisão do Sr. Director Geral da AT não está fundamentada nos termos expostos, o requerimento em causa nos autos tem de improceder”.

Vejamos.

A admissibilidade da fundamentação por remissão no que a estas decisões respeita foi sendo, ao longo dos anos, uma questão controversa, quer na jurisprudência (vide, entre outros, os exemplos dos acórdãos citados na sentença recorrida), quer na doutrina (vide, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4ª Edição, 2012, Editora Encontro da Escrita, págs. 573 a 576).

Ora, atendendo ao teor do nº4 do artigo 63º-B da LGT (transcrito na sentença e de que deixámos nota supra), a controvérsia surgida respeitava, precisamente, ao alcance da expressão devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam, no sentido de saber se a mesma visava excluir a possibilidade da fundamentação por remissão, na medida em que, no entendimento de alguns, esta remissão consubstancia-se precisamente na não menção dos motivos concretos que justificam a decisão.

No sentido da não admissibilidade, nestes casos, da fundamentação por remissão, podem ver-se Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na obra citada, pág. 574, quando aí se refere que “sendo consabido que a prática habitual dos órgãos superiores da Administração Pública é utilizarem a fundamentação por remissão, a exigência de menção expressa dos fundamentos não pode ter outro alcance útil que não seja afastar a possibilidade de remissão”.

Com todo o respeito que nos merece esta posição, no sentido da impossibilidade, no caso, da fundamentação por remissão, não é este o nosso entendimento, sendo, aliás, no sentido da sua admissibilidade que maioritariamente tem decidido o STA. Efectivamente, pensamos que os actos do Director Geral respeitantes à derrogação do sigilo bancário, a que se refere o artigo 63º-B, nº 4 da LGT, devendo ser fundamentados com expressa menção dos motivos concretos que os justificam, podem, todavia, ver a sua fundamentação efectuada por remissão.

Evitando a repetição desnecessária de argumentos a favor deste entendimento que sufragamos, permitimo-nos chamar à colação, transcrevendo, o acórdão do Pleno da Secção Tributária do STA, de 28/04/10 (proc. 0897/09), a cuja motivação, aqui inteiramente aplicável, aderimos sem reservas:

“(…)

A existência da fundamentação dos actos administrativos foi instituída pelo Decreto-Lei 256-A/77, de 17 de Junho, dispondo o seu n.º 2 que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que neste caso constituirão parte integrante do respectivo acto”, regime que veio a ser acolhido no Código de Procedimento Administrativo.

E que hoje tem consagração constitucional desde 1982, através do seu artigo 268, n.º 2, (hoje n.º 3), nos termos do qual “os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”, com natureza análoga ao direitos, liberdades e garantias enunciadas no título II da parte 1ª da Constituição.

Os art. 124 e 125 do CPA vieram consagrar, respectivamente, tal dever de fundamentação e os respectivos requisitos.

Culminando, no que ora importa, no art. 77, n.º 1 da LGT, dispondo que a “decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”, referindo ainda o seu n.º 2, que “a fundamentação pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

(…)

A fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando, ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.

Podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respectivo acto (fundamentação por adesão ou remissão). Pelo que, em tal caso, o despacho integra nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.

Por outro lado, é equivalente à falta de fundamentação, a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça, concretamente a motivação do acto.

O que tudo constitui jurisprudência e doutrina correntes.

Todavia, em matéria de derrogação do sigilo bancário e em termos de acesso a informações e documentos bancários, pela A.F., o problema não se coloca com a mesma clareza.

Dispõe efectivamente o art. 63 – B, n.º 4 da LGT, que “as decisões da Administração tributária referidas nos números anteriores (que consagram o respectivo poder de acesso e enunciam os casos em que ele se pode concretizar) devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, salvo o disposto no número seguinte, notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do director-geral dos Impostos ou do director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação”.

As dúvidas colocam-se quanto ao inciso legal “com expressa menção dos motivos concretos que as justificam”.

Como vimos, num critério formal e no que ao ponto específico se refere, a fundamentação pode ser expressa ou remissiva.

Mas aquele art. 63 não exige, logo literalmente, a primeira.

Com efeito, não se refere a “fundamentação expressa” propriamente dita.

Antes, exige a menção expressa dos motivos (ou fundamentos).

E, todavia, a fundamentação remissiva também postula tal “menção expressa”.

Seja, a indicação dos fundamentos tem sempre de ser expressa, em qualquer daqueles modos de fundamentar.

A própria Constituição exige sempre a fundamentação “expressa e acessível”.

Pelo que será de concluir, logo no plano literal e ainda que não por mero “ictu oculi”, que a exigência, no art. 63, daquela menção expressa se refere ao conteúdo da fundamentação, que não à sua forma de expressão.

Por tal expressão, deve pois entender-se a concreta indicação ou especificação do circunstancialismo que justifica a derrogação do sigilo bancário, isto é, dos motivos ou factos concretos que justificam a decisão.

Mas, a ser assim, como se crê que é, aquele n.º 4 do art. 63 – B, mais não seria do que a reprodução, por outras palavras, do disposto no art. 77 da LGT, essa sim a norma subordinante na matéria e que, por tal, sempre há-de servir de paradigma na interpretação das demais que ao mesmo tema se refiram.

Não haverá, então, diferença conceitual e de normação entre os dois preceitos.

Por outro lado, o facto de a competência do Director Geral, para o efeito e nos termos da parte final do preceito, não poder ser delegada, não imbrica com a tese exposta.

Pois que bem se compreende que se deva tratar sempre de acto do Director Geral, ou do seu substituto, mas podendo socorrer-se de informações ou pareceres a que adira.

Nem se vê diferença, em termos de ponderação pessoal, entre a fundamentação remissiva e a escrita pelo próprio punho do Director, ainda que, em matéria que se reconhece de melindre, pois que em termos do direito fundamental à intimidade da vida privada consagrado no art. 26, n.º 1 da Constituição – cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional de 31/05/1995, in Colectânea, 31º Vol., págs 371 e seguintes, e do STA de 13/10/2004, rec. 950/04 e de 19/04/2006, rec. 277/06.

Todavia, nem noutros actos administrativos referentes à mesma matéria nem quanto aos demais direitos fundamentais, se conhece norma que proíba a fundamentação remissiva.

Pelo que deverá concluir-se que, mesmo em matérias de tamanha relevância, não haverá que distinguir entre as duas formas de fundamentação.

E, pois, também, no caso concreto.

Ainda – the last but not the least –, a fundamentação remissiva é mais consentânea com o princípio da praticabilidade.

Se, em tal domínio, se compreende bem a impossibilidade de delegação, já não assim a proibição da fundamentação remissiva, em actos de prática frequente, dada desde logo a multiplicidade de situações em que o n.º 2 do art. 63 – B permite à Administração Fiscal, nas respectivas alíneas, o acesso a documentos bancários.

Aquela prática pessoal do acto será já suficiente para a exigível ponderação individual tanto mais que a qualidade das decisões resultará amiúde, mais de informações e pareceres do que propriamente da intervenção do autor da decisão.

Concluí-se, assim, que o disposto no art. 63-B, n.º 4 da LGT não proíbe, antes permite, a chamada fundamentação remissiva”.

Portanto, e sem necessidade de outras considerações, há que concluir, ao contrário daquilo que foi considerado na sentença recorrida, que não estava vedado à Administração, o recurso à fundamentação por remissão, pelo que não se acompanha, nesta parte, a decisão proferida pelo TAF de Mirandela.

No caso, para além de entendermos, nos termos expostos, legal o recurso à remissão como forma de expressão da fundamentação, também quanto ao conteúdo da fundamentação propriamente dito, entendemos que a decisão em causa (cujo teor foi dado por reproduzido nos ponto 6 e 7 dos factos provados), com acerto ou sem ele (para o caso é irrelevante), contém as razões de facto e de direito que motivaram o pedido de autorização judicial de derrogação do sigilo bancário (artigos 77º da LGT e 124º e 125º do CPA). Com efeito, a par da invocação do disposto no artigo 63º-B, nº1, alíneas b), c) e f), da LGT, foi evidenciado o circunstancialismo de facto atinente ao desconhecimento do “destino dado a € 25.856,81 recebido de clientes, a não justificação da divergência entre o património detido pelo sujeito passivo em 2009 e 2010 no valor de € 102.000,00 e o rendimento líquido declarado nos mesmos anos no montante de apenas 22.016,00€, bem como os testes inspectivos de conformidade efectuados, reveladores de indícios de omissões de compras e de serviços prestados. É, pois, patente, que um destinatário normal, colocado na posição dos visados, pode apreender a motivação invocada, por forma a ficar habilitado a contestá-la como, de resto, sucedeu.

Entendemos, pois, que a decisão não padece do vício de falta de fundamentação.

Coisa diferente é saber se os pressupostos legais para a presente autorização judicial de derrogação do sigilo bancário se verificam ou não (como decidido da sentença recorrida), questão essa, porém, susceptível de integrar o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, a qual adiante analisaremos.

Procede, assim, a conclusão 3ª das alegações de recurso.

Vejamos, agora a segunda questão que nos vem colocada – a que correspondem as conclusões 4ª e 5ª: saber se a sentença errou ao considerar ter havido, in casu, preterição de formalidades legais no procedimento em causa ou se, ao invés, foram respeitados os normativos legais, considerando a relação especial que existe entre os Recorridos e a entidade inspeccionada.

Defendiam os oponentes, ora Recorridos, que a Administração Tributária, na informação prestada com vista a fundamentar o pedido de autorização judicial para acesso a informação bancária, pesquisou e analisou dados respeitantes aos sócios-gerentes/oponentes, designadamente em relação aos seus rendimentos, bens imóveis e veículos automóveis, ou seja, inspeccionou os oponentes, sem a notificação de uma qualquer ordem de serviço que permitisse tal recolha.

O Tribunal a quo acolheu, a este respeito, a tese sufragada na oposição deduzida pelos Recorridos e concluiu que:

“Consideram os Oponentes ter havido preterição de formalidades no procedimento conducente à verificação e avaliação dos seus bens patrimoniais, e rendimento líquido declarado.

(…)

Como se verifica a AT confessa que efectuou uma pesquisa e consequente avaliação do consumo praticado ou bens patrimoniais detidos pelos sócios gerentes.

Ora, não estando perante qualquer uma das circunstâncias descritas no art.° 50.° do Regime Complementar do Procedimento de inspecção Tributaria, designadamente, e apenas, na consulta, recolha ou cruzamento de documentos destinados à confirmação da situação tributária dos aqui Oponentes, estes deviam ter sido notificados desse procedimento externo de inspecção que avaliou os bens patrimoniais supra descritos, aliás com vista a obter a sua cooperação nos termos do art° 9º - cfr. arts, 13º, b), 48.° e 49º desse Regime.

Para a Fazenda Pública, a questão não se pode colocar nestes termos, pois que não pode deixar de se considerar que, no caso, existe uma relação especial entre os Requeridos e a entidade inspeccionada, decorrente da própria natureza das funções de gerência e do próprio vínculo de representação existente entre os gerentes e a empresa. Por conseguinte, as operações efectuadas afiguram-se funcionalmente dependentes e instrumentais aos fins que presidem à realização da acção inspectiva à entidade de que aqueles são sócio-gerentes e, nessa medida, não se afigura necessária a notificação prévia aos mesmos daquelas operações.

Entendemos que não é acertado o entendimento defendido pelos Recorridos e que a sentença sufragou, uma vez que, no caso concreto, daquilo que se trata é de um pedido de autorização judicial expressa para o acesso da Administração Tributária a informação bancária relativa aos sógios-gerentes da sociedade, esta sim, alvo de uma inspecção externa, de âmbito parcial, respeitante a IVA e IRC, dos anos de 2008 a 2009, a qual tem subjacente a ordem de serviço nº OI 201100304.

Por conseguinte, não está em causa uma inspecção aos sócios-gerentes; está em causa a autorização de acesso a elementos destes sócios, na sua qualidade de terceiros que se encontram numa relação especial com o contribuinte.

Portanto, este procedimento de derrogação está, naturalmente, dependente e inserido, como não podia deixar de ser, no procedimento de inspecção aberto relativamente à sociedade Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda, da qual os Recorridos são sócios-gerentes, procedimento esse que visa apurar a situação tributária (mormente imposto em falta) da sociedade/contribuinte inspeccionada.

Por outro lado, a referência aos bens imóveis (ou veículos automóveis) e respectivos valores e aos rendimentos auferidos pelos sócios da sociedade inspeccionada são elementos que estão à disposição da Administração Tributária, são do seu conhecimento, sem necessidade de desenvolver diligências inspectivas para os obter.

Portanto, em suma, não cremos que, no contexto assinalado, a Administração tivesse que notificar os Recorridos de qualquer ordem de serviço com vista à recolha dos dados em causa, na medida em que estava em curso a acção de inspecção à sociedade e é nesse âmbito que tal recolha se insere.

Procedem, pois, as conclusões que vínhamos analisando.

Coisa diferente, é saber se, neste caso concreto, de autorização judicial para acesso a documentos bancários de terceiros (sócios-gerentes) que se encontrem em relação especial com o contribuinte (a sociedade Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda), estão, ou não, verificados os respectivos pressupostos legais para tal. Estamos já, pois, na terceira questão colocada no recurso.

Como se percebe, os Recorridos entendem que não; o mesmo considerou o Tribunal a quo. A Fazenda Pública sustenta a verificação de tais pressupostos, pois que, como refere, nas conclusões 6, 7 e 8:

- Os factos apurados e evidenciados na Informação da Inspecção Tributária revelam-se claramente subsumíveis à descrição normativa prevista nas alíneas b), c) e f) do n.° 1 do artigo 63.°-B da LGT, atentos os inúmeros indícios sérios e consistentes da falta de rigor e veracidade dos valores declarados com base na sua contabilidade, ficando assim demonstrada a verificação dos referidos pressupostos.

- Prova essa concretizada na contabilidade da sociedade inspeccionada, designadamente nos registos contabilísticos, nos inventários, nas facturas, nos pagamentos aos fornecedores, nos dados referentes a aquisições e a existências de matérias-primas, nas vendas-a-dinheiro, nos preços de refeições praticados, bem como nos extractos bancários, e ainda, na informação patrimonial relativa aos sócios-gerentes e nos rendimentos declarados em sede de IRS nos anos de 2008 a 2010.

- No caso dos autos, e ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, ficou claramente demonstrada a necessidade e adequação do acesso à informação bancária dos Recorridos, por forma a verificar se os valores terão saído das contas bancárias da sociedade, ingressado na esfera patrimonial dos sócios, e se existem operações à margem dos valores relevados na contabilidade, tendo em conta a especial relação existente entre a sociedade e os seus sócios-gerentes e os indícios recolhidos pela inspecção tributária.

Podemos adiantar, desde já, que, no entendimento deste Tribunal, não estão verificados os aludidos pressupostos, não sendo, pois, de autorizar o acesso aos elementos bancários solicitados dos ora Recorridos. Assim, densificar e explicar esta conclusão de que antecipadamente demos nota é o que seguidamente faremos.

Antes, porém, de nos determos sobre este concreto aspecto, importa aqui fazer um esclarecimento prévio resultante da análise da informação prestada pela Direcção de Finanças de Vila Real, bem como do parecer e despachos nela exarados e sobre a qual foi proferida a decisão a que os Recorridos se opuserem, cujos teores foram dados por reproduzidos no ponto 7 dos factos provados.

É que tal informação foi elaborada, como decorre do seu próprio teor, com vista à fundamentação, não apenas da decisão de solicitar a autorização judicial de acesso aos elementos bancários dos Recorridos, enquanto terceiros relativamente à inspeccionada Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda., com respeito ao período compreendido entre 01/01/09 e 5/09/09, mas também da decisão do Director-Geral que autorizou a derrogação do sigilo bancário relativamente aos mesmos visados mas no que toca ao período de 06/09/09 a 31/12/10.

Importava aqui fazer este esclarecimento prévio para deixar claro que a decisão que nos ocupa, que foi objecto de oposição e sobre a qual recaiu a sentença recorrida, é tão somente o pedido de autorização judicial de acesso a informação bancária (ex-artigo 8º do artigo 63º -B da LGT), limitado ao período de 01/01/09 e 5/09/09.

Ora, como decorre da leitura atenta da informação supra referida, o âmbito temporal subjacente à análise aí levada a efeito é mais longo (abrangendo 2009 e 2010) que o período de tempo a que se reporta a autorização de acesso a documentos bancários dos Recorridos que aqui nos cumpre apreciar (01/01/09 e 5/09/09).

Feita esta precisão, que terá, como veremos, repercussões no julgamento a efectuar, detenhamo-nos, agora sim, na análise da verificação dos pressupostos do pedido de autorização judicial.

A decisão do Director-Geral dos Impostos, de 12/4/12, cujo teor foi dado por reproduzido no ponto 6 dos factos provados refere, além do mais, mas no que para aqui importa, o seguinte:

“Nos termos e com os fundamentos constantes da informação da Direcção de Finanças de Vila Real, bem como do parecer e despacho nela exarados, que suportaram o projecto de decisão de 17/02/12, e atendendo a que J…, NIF (…) e A…, NIF (…), não exercerem o direito de audição prévia, embora devidamente notificados para o efeito, conforme consta da presente informação daquela Direcção de Finanças e respectivos parecer e despachos, verificando-se os condicionalismos previstos nas alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária, relativamente à sociedade Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda, NIPC (…), ao abrigo da competência que me é atribuída pelo nº 4 e para efeitos do nº8 do mesmo normativo, na redacção da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, requeira-se autorização judicial nos termos do artigo 146º-C do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para acesso a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias (…) de sejam titulares os sujeitos passivos J…, NIF (…) e A…, NIF (…), com referência ao período de 01 de Janeiro a 05 de Setembro de 2009 (sublinhado nosso).

(…)”.

Temos, pois, que a presente autorização foi solicitada ao abrigo do nº 8 do artigo 63º-B da LGT, na redacção da Lei nº 55-B/2004, nos termos do qual o acesso da administração tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte depende de autorização judicial expressa, após audição do visado, obedecendo aos requisitos previstos no n.º 4.

Tais requisitos do nº 4 – de fundamentação, com expressa menção dos motivos concretos que justificam a decisão, e de competência do autor do acto, do Director-Geral dos Impostos, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação – não são, porém, os únicos a respeitar neste caso de acesso a elementos bancários relativamente a terceiros. Com efeito, tal acesso “só é possível quando, relativamente ao contribuinte – cuja situação determinou a abertura de um procedimento especial de derrogação do segredo bancário – se verifiquem os requisitos enunciados nos nº 1 a 3 do artigo 63º-B da LGT (a que correspondem, actualmente e no essencial, as diversas alíneas do nº1 do mesmo 63º-B). (...) Não quer isto dizer que a administração tributária não possa ter acesso a esses elementos, mas que a forma de os obter terá de ser outra: ou requerendo a autorização judicial, ao abrigo dos nº 2 e 5 do artigo 63º da LGT (a que correspondem, actualmente e no essencial os nºs 2 e 6 do mesmo preceito), ou, então, derrogando administrativamente o segredo bancário, caso a situação desses terceiros ou familiares se subsuma em algumas das situações previstas nos nºs 1 a 3 do 63º-B da LGT” Noel Gomes, Segredo Bancário e Sigilo Fiscal, Almedina, 2006, pág. 298.

No caso concreto, a decisão do Director-Geral faz referência expressa à verificação dos condicionalismos previstos nas alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária, relativamente à sociedade Albergaria B… Sociedade de Restauração, Lda, ou seja:

- b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível;

- c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º;

- f) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta.

Comecemos pela apontada alínea c) do artigo 63º-B da LGT que alude aos indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT;

Lida e relida a informação, parecer e despacho subjacentes à decisão do Director-Geral, jamais os alegados indícios de acréscimos patrimoniais não justificados surgem imputados à sociedade inspeccionada mas antes, e apenas, aos sócios-gerentes, no confronto entre o seu património e os seus rendimentos (cfr. ponto 7 dos factos provados).

Quer isto dizer que estes alegados indícios nada têm que ver com a situação tributária do contribuinte inspeccionado - a sociedade Albergaria B… - mas apenas com os sujeitos passivos J… e A… que, antes de serem sócios-gerentes daquela sociedade são, também eles, contribuintes e, como tal, podem eles ser inspeccionados e alvo de um procedimento de derrogação do segredo bancário.

Assim, com base na invocação desta alínea, não julgamos possível o acesso a informação bancária dos sócios-gerentes, na sua qualidade de terceiros relativamente à sociedade, pois que a mesma não se verifica, nem respeita, à sociedade inspeccionada.

A este propósito, aliás, deixamos devida referência ao acórdão do STA, de 16/02/05 (proc. nº 1395/04), no qual se pode ler o seguinte (com as devidas actualizações face às alterações ocorridas, entretanto, na redacção do artigo 63º-B da LGT):

“(…)

E quando está em causa, como nos autos, o acesso à informação bancária relativa a terceiros que se encontrem naquela relação especial - sócios da sociedade contribuinte - os requisitos especificados nos n.°s 1 e 3 continuam a ter de verificar-se em relação ao contribuinte já que é sempre a situação tributária deste, que se pretende apurar.

De outro modo, permitir-se-ia a derrogação do sigilo bancário para além dos casos previstos nos n.°s 1 e 2, o que não é legalmente admissível, concretizando-se num alargamento da derrogação relativamente a terceiros quando a lei é, aí, até, mais exigente pois que torna a derrogação dependente de autorização judicial expressa.

Tanto mais, dado o enquadramento do sigilo bancário na reserva da intimidade da vida privada, direito fundamental constitucionalmente previsto - art. 26° da CRP.

Cfr. Ac. do TC de 3 1-05-95, Colectânea, 31° Vol., 1995, págs. 371 e segts. e do STA de 13-10-04 rec. 0950/04.

A derrogação do sigilo bancário relativamente a terceiros só é, pois, possível quando esteja em causa um contribuinte em relação ao qual se verifiquem os requisitos enunciados nos n.°s 1 e 2 do art. 63°-B.

É certo que a parte final daquele n.° 7 apenas manda obedecer aos requisitos previstos no n.° 3, omitindo qualquer referência àqueles.

Tal resulta, todavia, de ser necessário estabelecer igualmente o procedimento administrativo a seguir para o dito acesso à informação bancária de terceiros que vem a ser, afinal, o mesmo do contribuinte.

Era, pois, desnecessário, e até descabido, fazer referência aos n°s 1 e 2 que são referentes ao contribuinte e não a terceiros; de outro modo, estes seriam, antes, contribuintes pelo que tal derrogação estaria, então, sujeita aos respectivos requisitos.

E tanto assim é que, no tocante às “entidades que se encontrem numa relação de domínio com o contribuinte”, o n.° 6 di-las expressamente “sujeitas aos regimes de acesso à informação bancária referidos nos n.°s 1 e 2”, o que bem se compreende atenta aquela relação de domínio - cfr. Leite de Campos e outros, LGT Anotada 2ª edição, em Adenda, pág. 24, nota 16.

Aí, são, pois, equiparados aos próprios contribuintes, como tal sendo, para o efeito, tratados (…).”

No mesmo sentido, o acórdão do TCA Sul, de 06/11/12, no processo 6028/12 – “o acesso a elementos bancários relativos a familiares ou a terceiros, só é possível quando, simultaneamente e relativamente ao contribuinte - cuja situação tributária determinou a abertura de um procedimento especial de derrogação do segredo bancário - se verifique algum dos requisitos enunciados nos nºs.1 a 3 do artº.63-B, da L.G.T”.

Isto visto, prosseguimos para os alegados indícios da falta de veracidade do declarado e para a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta – alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 63º- B da LGT.

Para tal, teremos de atentar nos pontos 4 a 7 da citada informação da Direcção de Finanças de Vila Real (cujo teor, conforme dissemos, foi dado por reproduzido na sentença).

Ora, nos pontos 4 e 4.1 a Administração Tributária analisa e conclui o seguinte:

4. Por outro lado, tendo por base os extractos bancários do BPI, conta nº (…) e do BCP, conta nº (…), se suporte aos movimentos financeiros ocorridos no ano de 2010, exibidos pelo sujeito passivo, e os extractos contabilísticos de fornecedores e clientes e serviços prestados totais no mesmo período, foi possível efectuar um teste de confronto entre os depósitos efectuados na contas bancárias da empresa e os réditos de serviços prestados nesse período contabilístico, com o seguinte quadro de valores:

1 – Depósitos bancários Dado 187.321,12€

2 – Serviços prestados totais com IVA incluído Dado 289.410,02€

3 – Diferença (na posse do sujeito passivo) (2)-(1) 102.088,90€

4 – Pagamentos aos fornecedores Dado 116.456,67€

5 – Pagamentos ao FSE Dado 48.248,93€

6 – Saídas de valores bancários Dado 88.482,51€

7 – Valor cujo destino de desconhece (3)-(4)-(5)+(6) 25.856,81€

4.1. O sujeito passivo efectua o pagamento/recebimento imediato aos fornecedores/clientes, pelo que o saldo final destas rubricas é materialmente irrelevante. Por outro lado, o pagamento ao pessoal, incluindo o efectuado aos sócios gerentes, é processado por transferência bancária, pelo que se pode concluir que o sujeito passivo pratica uma gestão de tesouraria dos recursos monetários provenientes dos serviços prestados no restaurante e estalagem, cujo montante de 25.856,81€, poderá ter sido eventualmente utilizado para efectuar pagamentos de compras omitidas na declaração fiscal, utilizado para remunerar despesas pessoais dos sócios gerentes ou, porventura, depositados em outras contas bancárias da empresa ou dos sócios gerentes”.

Como está bem de ver, o indicado valor cujo destino se desconhece, de €25.856,81, respeita ao exercício de 2010. Ora, como atrás não deixámos de sublinhar, a decisão que nos ocupa, que foi objecto de oposição e sobre a qual recaiu a sentença recorrida, é tão somente relativa ao pedido de autorização judicial de acesso a informação bancária dos sócios limitado ao período de 01/01/09 e 5/09/09.

Assim sendo, nunca os elementos solicitados – respeitantes a 2009 – serviriam para averiguar o destino de um valor que, na sociedade inspeccionada, foi supostamente gerado em 2010.

Por último, refere a Administração, na citada informação que está subjacente à decisão do Director-Geral, concretamente nos pontos 5, 6 e 7 que:

(i) - na avaliação efectuada à margem bruta de lucro sobre os serviços prestados a quatro dos pratos servidos mais vendáveis, apurou uma percentagem de 50% mais elevada, comparativamente com a margem declarada pelo sujeito passivo (46,43%). Ora, dizemos nós, esta constatação, que não especifica qualquer exercício económico, não permite estabelecer qualquer relação temporal com o período de 01/09/09 a 05/09/09, a que respeita a informação bancária pretendida dos ora Recorridos.

(ii) - quanto ao exercício de 2010, refere a Administração, foi realizado um teste segundo o qual se apurou um número de refeições diárias de 63, o que pressupõe uma ocupação bastante superior à declarada pelo sujeito passivo. Também quanto a este aspecto, dizemos nós, se ele pretende inculcar a ideia de omissão de proveitos em 2010, não se afigura qualquer relevância na informação bancária dos Recorridos respeitante ao período de 01/01/09 a 05/09/09.

(iii) – por último, segundo a Administração Tributária, terão sido praticadas, nos anos de 2009 e 2010, omissões de compras – ponto 7 da informação.

Vejamos, o que, a este propósito, vem dito na informação.

- o aumento do consumo total de carne e peixe verificado no período de 2009 e 2010, deveria ser acompanhado de um aumento do consumo de vinho no mesmo período, face às regras da experiência comum, o que não se verificou, indiciando a constatação de factos patrimoniais externos aos registos contabilísticos, mormente a de que o sujeito passivo pratica omissões de compras de vinho na sua actividade comercial;

- foram também detectados consumos negativos de vinho nos anos de 2009 e 2010, o que reforça a constatação indiciária de que o sujeito passivo praticou nesses anos omissões de compras de vinho na sua actividade comercial;

- de acordo com as regras da experiência comum, não é razoável, normal, nem muito provável que o aumento de 18,6% verificado no consumo de carne e peixe no período compreendido entre 2009 e 2010, não tenha sido acompanhado, no mesmo período, por um aumento do consumo de vinho. Pelo contrário, o consumo desta matéria prima sofreu um decréscimo de (-) 30,0%, (-) 37,1% e (1%), relativamente ao vinho branco, vinho verde branco e vinho tinto, respectivamente, o que conduz à ilação indiciária (…), de que o sujeito passivo praticou omissões de compras de vinho nos anos de 2009 e 2010;

- na perspectiva da comparação entre os montantes de prestações de serviços declarados em 2009, de 157.987,93€ e em 2010, de 175.221,75€, no sector da restauração, e o consumo de matérias primas (carne, peixe e vinho), verificado no mesmo período, constatou-se que o aumento das prestações de serviços de 10,9% não foi acompanhado por um aumento do consumo de carne no mesmo período, de 6.039,58Kg em 2009 e 6.002,06 Kg em 2010, nem de um crescimento do consumo de vinho, o que reforça a constatação indiciária de que o sujeito passivo praticou omissões de compras de carne e de vinho nos anos de 2009 e 2010.

Lida a fundamentação transcrita, surpreende o seu teor, mormente porque nos encontramos no âmbito de um procedimento com consequências tão gravosas como as que estão em causa quando se pretende derrogar o sigilo bancário, no caso de terceiros que se encontrem em relação com o contribuinte.

Como facilmente se verifica, em tudo o que deixámos transcrito não se vislumbram mais que conclusões, juízos conclusivos, que, além, do mais, não são minimamente evidentes, sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 74º, nº1 da LGT (conjugado com o disposto no artigo 63º-B da LGT), era sobre a Administração Tributária que impendia o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos, no caso concreto, de acesso à informação bancária dos Recorridos.

Vejamos.

Afirmar que, face às regras da experiência comum, o aumento do consumo total de carne e peixe verificado no período de 2009 e 2010, deveria ser acompanhado de um aumento do consumo de vinho no mesmo período, é algo que surpreende pela simplicidade do raciocínio associado. Como se pode concluir tal coisa, para mais face às regras da experiência comum? É que, efectivamente, nada disto surge evidente. A diminuição do consumo do vinho pode ter-se verificado por diversas razões, desde logo por se beber menos vinho, ou por tal bebida ser substituída por outras, alcoólicas ou não.

O mesmo se diga da relevância que é dada à diminuição do consumo de carne (6.039,58Kg, em 2009, e 6.002,06 Kg, em 2010), ou seja cerca de 37 Kg a menos, quando comparado com o aumento das prestações de serviços declarados em 2009, de 157.987,93€ e em 2010, de 175.221,75€, para daí extrair um indício de omissão na compra de carne.

Também aqui, nada do afirmado surge como facto indiciador da falta de veracidade do declarado ou sequer como a verificação da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (admitindo aqui que se pretende estabelecer uma relação entre a omissão de custos e a correspondente omissão de proveitos). A diminuição do consumo de carne pode ser explicada por diversas razões, desde logo por se consumir mais peixe, o que, aliás, até resulta de um dos elementos colhidos pela Administração, num quadro inserido no ponto 7.1 da informação, onde consta que o total do peixe consumido em 2009 foi de 853.80 Kg e em 2010 foi de 1.162,00Kg.

Em suma, naquilo que para o caso em análise respeita (relembre-se que aqui nos cabe apenas apreciar a autorização de acesso a elementos bancários relativos ao período compreendido entre 01/01/09 e 05/09/09), e recaindo sobre a Administração o ónus de demonstrar a verificação dos pressupostos que permitem aceder às informações bancárias dos visados pelas suas decisões, não descortinamos, in casu, que estejam aqui identificados nem indícios da falta de veracidade do declarado, nem que estejamos perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88º da LGT, e, em geral, que estejam verificados os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta.

Não estão, pois, reunidos os pressupostos legais, previstos no artigo 63º-B da LGT, concretamente nas alíneas supra referidas, e ao abrigo das quais o pedido foi formulado, para aprovar o acesso à informação bancária relativamente aos ora Recorridos.

É para nós claro que se trata, no caso, de uma decisão que não cumpre as regras legais aplicáveis, não se afigurando necessária, proporcional e adequada aos fins visados pelo procedimento inspectivo instaurado relativamente à sociedade Albergaria B…, quando em causa está, sublinhe-se, a acesso a informação bancária de terceiros relativamente ao contribuinte inspeccionado.

No nosso ordenamento jurídico, como se sabe, o dever de sigilo bancário a que se encontram adstritas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, tem subjacente a salvaguarda de interesses públicos e privados. Os primeiros, atinentes ao regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem; os segundos, tendo em conta a finalidade do próprio instituto do segredo bancário ser também do interesse dos clientes, na garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca. Com o sigilo bancário o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/2/2005, proc.35/05; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/3/2011, proc.196/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/4/2012, proc. 5523/12).

Como se aponta no acórdão do TCA Sul, de 6/11/12 (proc. nº 6028/12), a situação económica do cidadão espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, fazem parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada condensado no artº.26, nº.1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia desse direito. Numa época histórica caracterizada pela generalidade das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes, designadamente, às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido. Não sendo um direito absoluto, e podendo ceder perante a necessidade de salvaguardar o interesse público da cooperação com a justiça e outros interesses constitucionalmente protegidos, é de aceitar que as restrições ao segredo bancário apenas possam derivar de lei formal expressa e que a sua aplicação concreta possa ser objecto de um adequado controlo jurisdicional (cfr.ac.Tribunal Constitucional nº.278/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28/7/1995; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.316 e seg.).

Ora, a terminar, retomando o caso em análise, não podemos deixar de considerar, como já concluímos, que atenta, quer a natureza manifestamente instrumental da derrogação do sigilo bancário (o levantamento do sigilo bancário não se pode apresentar como um fim em si mesmo, mas como um meio para alcançar os fins visados pela inspecção em que se insere), quer a necessidade de submeter a derrogação do sigilo bancário a critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação, nos levam a concluir que, in casu, estes critérios a que deve estar sujeita a derrogação do sigilo bancário não se verificam.

3. Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida com os fundamentos supra expostos.

Custas pela Recorrente.

Porto, 15 de Fevereiro de 2013

Ass. Catarina Almeida e Sousa

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves