Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02179/15.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/31/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL; INCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO DO PROJECTO DE CRIAÇÃO DO PRÓPRIO EMPREGO
Sumário:
I-A Autora, na qualidade de promotora individual do projecto de criação do próprio emprego, não podia acumular o exercício da actividade subsidiada com outra normalmente remunerada durante o período (3 anos) em que era obrigada a manter exclusivamente aquela actividade;
I.1-os elementos recolhidos nos autos atestam que aquela, no referido período de três anos, acumulou efectivamente essa actividade com outra potencialmente remunerada;
I.2-incorreu, assim, na violação do quadro normativo aplicável;
I.3-o incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:SMVL
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
SMVL, residente no Beco O… propôs contra o Instituto da Segurança Social, I.P., ambos melhor identificados nos autos, acção administrativa especial, pedindo que:
a) seja anulado o acto administrativo que fez cessar por incumprimento do projecto o subsídio de desemprego a partir de 12/11/2010;
b) seja anulado o consequente acto administrativo que lhe ordenou a restituição da soma de € 8.140,88 (oito mil cento e quarenta e oitenta e oito cêntimos).
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
*
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
- A recorrente tem direito a que seja ouvida e produzida a prova que carreou para os autos, sendo a audição da sua prova essencial para aferir, em concreto, as razões inerentes aos factos alegados em juízo.
- Podia e devia este tribunal ter levado a cabo a diligência de prova requerida para assim poder julgar como provado ou não provado os factos alegados pela recorrente.
- A não audição das testemunhas constitui, nulidade que desde já se invoca e violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material.
- A questão essencial que está na base do presente recurso consiste pois em determinar se a circunstância de a recorrente ter alargado as suas funções é motivo justificado para a cessação do subsídio de desemprego, com fundamento no incumprimento injustificado do projecto de criação do próprio emprego.
- Não andou bem o tribunal a quo quando refere “ (…) Assim é que, o comportamento Autora contrário às disposições vinculativas a que se obrigou conduzem-nos à única solução plausível para o caso dos autos, isto é que a Autora se constituiu em incumprimento legal, fundamento bastante para a cessação do subsídio de desemprego, com a consequente restituição dos apoios atribuídos através da declaração de vencimento imediato da dívida.”
- Por reunir todas as condições exigidas, e atenta a sua viabilidade o projecto da A. foi aceite pelo Centro de Emprego do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP), no âmbito do referido Programa de Apoio à criação do próprio emprego.
- Como contrapartida, a A. recebeu de uma só vez o montante global das prestações de subsídio de desemprego, que aplicou exclusiva e integralmente aplicado criação do seu emprego e na instalação do seu estabelecimento, onde desenvolveu, como continua a desenvolver, a sua actividade, sempre nos mesmos moldes desde então e até à presente data.
- Em meados de 2011, mais concretamente em Julho, a recorrente conseguiu acordo com uma seguradora a fim de prestar serviços de seguros aos seus clientes.
- A recorrente teve absoluta necessidade de alargar o âmbito da prestação de serviços para além da contabilidade por razões de sustentabilidade e viabilidade do seu projecto, uma vez que só com os serviços de contabilidade não conseguia sustentar o seu estabelecimento.
10ª- A recorrente não alterou a sua actividade profissional! Alargou sim o âmbito da sua actividade! Alargar o âmbito de uma actividade não implica uma alteração da actividade!
11ª- O projeto a que a recorrente se candidatou e para o qual foi admitida, tem como objectivo primordial permitir aso cidadãos desempregados o inicio de uma “nova vida”, apoiando-os na criação de um emprego próprio, incentivando os eu regresso à vida activa.
12ª- Como pode justificar-se que no presente caso concreto, a recorrida pretenda fazer cessar o projecto obrigando a recorrente a devolver a quantia que recebeu e com a qual criou o seu emprego, quando o que esta em causa não configura, em nosso entender, qualquer violação das normas aplicáveis?
13ª- Seria preferível que a recorrente tivesse encerrado portas por não ter conseguido levar avante o seu projecto?
14ª- Seria preferível que a recorrente fosse acrescentada à lista de casos de insucesso?
15ª- O facto de a A. ter alargado os serviços prestados aos seus clientes não pode ser considerado como incumprimento das condições legalmente previstas para o deferimento deste tipo de programa.
16ª- Este alargamento dos serviços prestados não implicou nem implica um novo posto de trabalho, nem tão pouco uma alteração à actividade profissional desenvolvida.
17ª- A recorrente manteve o seu emprego a tempo inteiro, manteve a sua actividade, manteve o seu estabelecimento tudo sempre nos mesmos moldes exigidos aquando do deferimento do seu projecto.
18ª- Aplicadas com a interpretação que o tribunal acolheu, as normas legais relativas ao projecto em discussão nos autos, violam os direitos fundamentais, e discrimina a recorrente.
19ª- A aplicação daquelas normas, com os aludidos sentidos, nomeadamente a norma consagrada no nº 3 do artº 34º do DL 64/2012 de 15/03, produz injustiça relativa e viola o dever de os tribunais assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, consignado no artigo 202º, nº 2, contra o disposto no artigo 20º, nº 1, o qual consagra o direito de tutela jurisdicional efectiva, similar aos direitos, liberdades e garantias, directamente aplicável, ex vi do artigo 18º, todos da CRP.
20ª- Sendo que aquela interpretação acolhida pela douta decisão recorrida, é, ela mesma, susceptível de ofender, não só o direito de tutela jurisdicional efectiva, como o direito à segurança social e solidariedade, consignado no artigo 63º/1, da CRP, tornando materialmente inconstitucional esse normativo.
21ª- Face ao presente caso concreto, em que, por via da decisão recorrida, se produz tão intensa ofensa a valores fundamentais constitucionalmente protegidos, uma interpretação meramente literal das citadas normas, acolhendo um sentido restritivo que, no caso concreto, produza o efeito de fazer cessar o subsidio de desemprego atribuído, obrigando a recorrente a devolver uma quantia que lhe foi cedida no âmbito do projecto de criação do próprio emprego, é incompatível com o nº 1 do artigo 20º e com o nº 1 do artigo 63º, ambos da CRP.
22ª- Pelo que também se invoca a inconstitucionalidade da referida norma.
NESTES TERMOS
e nos mais de direito aplicáveis que suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por uma outra que julgue procedentes os pedidos da Recorrente,
Como é de JUSTIÇA!
*
O Réu não juntou contra-alegações.
*
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
A este respondeu a Autora, reiterando a sua posição de que não alterou a actividade profissional, apenas alargou o âmbito da mesma.
Concluiu que não houve qualquer violação das normas legais aplicáveis ao caso concreto.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 11/10/2010, a Autora requereu ao Réu o pagamento global do subsídio de desemprego para criação do próprio emprego, nos termos do disposto nos artigos 34.º do DL 220/2006, de 03/11, na redacção dada pelo DL 72/2010, de 18/06, e 12.º da Portaria n.º 985/2009, de 04 de Setembro, mediante o "Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego" [PAECPE] – Cfr. fls. 6 do PA.
2. Para o efeito, em 10.11.2011, a Autora apresentou um projecto de criação do próprio emprego, tendo como objectivo a criação do seu posto de trabalho numa entidade a criar, tendo sido atribuído o número de processo 27/CPE/10 – Cfr. fls. 7 a 10 do PA.
3. Em 12/11/2010, foi declarada, junto do serviço de finanças de Esposende, o início da actividade da sociedade comercial denominada “SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª”, com sede na Rua O…, 4740-013, Antas, Esposende, tendo indicado a actividade principal com o CAE 69200 (“Actividades de contabilidade e auditoria; consultoria fiscal”), e actividade secundária o CAE 70220 (“outras actividade consultoria”) – Cfr. fls. 2 a 5 do PA.
4. Em 16.11.2010, pelos serviços do Réu foi preenchido documento intitulado de “informação à segurança social”, no âmbito do programa de apoio ao empreendedorismos e à criação do próprio emprego, no qual se propôs conferir parecer favorável ao pagamento de subsídio de desemprego à aqui Autora, de acordo com o estipulado na Portaria n.º 985/2009, de Setembro, com a seguinte fundamentação que ora se transcreve:
“(…)
3. Identificação do projecto
(…)
actividade: gabinete de contabilidade.
(…)
Com base nos elementos apresentados em candidatura, o promotor tem conhecimentos adequados no domínio empresarial, bem como experiência adequada no domínio empresarial.
Com base nos elementos apresentados em candidatura, o promotor tem formação académica e/ou profissional adequada, bem como a experiência de trabalho adequada.
O investimento total necessário para o início da actividade, corresponde ao montante de 5.842,56€, com a seguinte composição:
Capital fixo corpóreo: 4852, 56€-
- Adaptação e/ou ampliação de instalações: 2700€; equipamento administrativo e social: 796,63€; equipamento informático: 1089,33€; outros: 256,6€.
Capital fixo incorpóreo: 1000€.
- Estudos e projectos: 1000€.
O financiamento do investimento inicial será assegurado do seguinte modo:
Capitais próprios: 5842,56€.
- Recebimento antecipado de prest. de desemprego: 5.842,56€.
Capitais alheiros: 0€.
No respeitante às instalações, estas parecem adequadas, bem como adequadamente localizadas (relatório anexo).
Em termos de análise económico-financeira do projecto, ver relatório anexo.
Em função dos resultados da análise efectuada, a confirmarem-se os pressupostos, o projecto apresenta viabilidade económico-financeira, sendo expectável a manutenção do posto de trabalho envolvido.
- fls. 5 a 9 do PA.
5. Em 16.11.2010, a directora do Centro de Emprego de Barcelos deu parecer favorável ao projecto de emprego promovido pela aqui Autora – Cfr. fls. 7 e 10 do PA.
6. O Réu deferiu o requerimento da Autora, acima referido, tendo concedido o subsídio de desemprego no montante diário de 25,00€, a ser concedido por um período de 319 dias, com início em 12.11.2010 e fim em 30.09.2011, no valor total de 8140,88€, a ser pago numa só prestação pelo valor global - Cfr. fls. 12, 14 e 16 do PA; facto admitido por acordo atenta a posição exarada pelas partes nos respectivos articulados.
7. Em Novembro de 2011, foi pago à Autora, pelo Réu, o montante global do subsídio de desemprego no valor de 8140,88€, - Cfr. fls. 12, 14 e 16 do PA; facto admitido por acordo atenta a posição exarada pelas partes nos respectivos articulados.
8. Os serviços do Instituto da Segurança Social, I.P., ora Réu, verificaram oficiosamente que a Autora tinha declarado o início de actividade em 04.07.2011, enquanto trabalhador independente (com a descrição de comissionista) – Cfr. fls. 17 a 20 do PA.
9. Desde 04.07.2011, a aqui Autora presta serviços de seguro a diversas entidades, cumulando com o exercício da actividade inerente à qualidade de sócia-gerente da sociedade “SV – Contabilidade e outros serviços unipessoal, Lda.” – Cfr. facto admitido por acordo; motivação da matéria de facto assente.
10. Consta da base de dados da Segurança social, que a aqui Autora apresentou declarações de rendimentos (modelo 3 de IRS) nos anos 2010, 2011, 2012 e 2013, nos seguintes termos que ora se resumem:
AnoCategoria de rendimentosValor
2010Rendimentos de trabalho dependente 11.720,71€
Rendimentos empresariais e profissionais 4.645,00€
2011Rendimentos de trabalho dependente 6.305,00€
Rendimentos empresariais e profissionais 5.619,30€
2012Rendimentos de trabalho dependente 7.000,00€
Rendimentos empresariais e profissionais 10.256,57€
2013Rendimentos de trabalho dependente 8.819,76€
Rendimentos empresariais e profissionais 5.348,07€
- Cfr. fls. 15 do PA.
11. Em 16.01.2015, a equipa de prestações de desemprego elaborou informação técnica onde se propunha a notificação da aqui Autora em sede de audiência prévia da intenção de se proceder à cessação das prestações de Montante único na sua totalidade, face ao incumprimento injustificado do projecto de criação do próprio emprego, na qual foi exarado, na mesma data, pela Directora do Núcleo de Prestações, desemprego e benefícios diferidos, despacho de concordância, com o seguinte teor: “concordo, proceda-se de harmonia com o proposto. Notifique-se” - Cfr. fls. 20 e 21 do PA
12. Consta na informação referida no ponto anterior o seguinte conteúdo que ora se transcreve:
“Ao beneficiário supra mencionado foram concedidas prestações de o Montante Único a partir 2010/11/12, após aprovação por parte do IEFP de projecto para a criação do próprio emprego. Tendo sido realizada consulta em SISS verifica-se ainda que o(a) beneficiário(a) consta com actividade distinta a aprovada desde 2011/07/04 como Trabalhador Independente, antes do decurso de 3 anos a contar da data de início do projecto.
Verifica-se que, de acordo como n.º 1 e alínea b) do n.º 9) do art.º 12 da Portaria 985/2009 de 04/09 republicado pela portaria 58/2011 de 28/01 e Despacho n.º 7131/2011 de 11/05, o posto de trabalho a criar pelo promotor tem que ser obrigatoriamente a tempo inteiro e mantido pelo prazo mínimo de 3 anos. Também segundo o n.º 3 do art.º 34 do DL n.º 64/2012 de 15/03, nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter o posto de trabalho criado (nota: o disposto neste artigo aplica-se às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior conforme determinado no próprio diploma legal no artigo 7°-produção de efeitos).
Assim, envia-se para deliberação no sentido de decidir se a situação descrita deve ser considerada incumprimento injustificado do projecto aprovado, e em caso positivo, propõe-se:
Notificar o beneficiário em sede de audiência prévia da cessação das prestações de Montante Único na sua totalidade face ao incumprimento injustificado do projecto de criação do próprio emprego, verificando-se que não cumpriu o dever legal de manutenção do posto de trabalho pelo menos durante 3 anos a tempo inteiro, conforme estabelecido n.º 1 e alínea b) do n.º 9 do art.º 12 da Portaria n.º 985/2009 de 04 de Setembro republicada por Portaria 58/2011 de 28/01 e n.º 10 do Despacho 7131/2011, conjugado com o n.º 4 do art. 34° do D,L 220/2006 de 03/11 na redacção que lhe foi dada pelo DL. 64/2012 de 15/03,
Que ainda informado(a) da exigibilidade de restituição dos montantes indevidamente recebidos, de acordo com o estabelecido no n03 do D.L. 133/88 de 20 de Abril.
-Que seja informado o Centro de Emprego de Barcelos da decisão proferida por este Centro Distrital”.
- Cfr. fls. 20 e 21 do PA.
13. Em 11/11/2013, o Réu dirigiu à aqui Autora ofício no qual comunicava o propósito de cessar a prestação de desemprego, por incumprimento injustificado das obrigações, e, consequentemente que haveria lugar à restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego, no valor de 8.140,88€, e para, querendo, se pronunciar, do qual ora se destaca o seguinte:
“Mais se informa que o fundamento para se considerarem indevidas as prestações e a consequente restituição foi o incumprimento injustificado do projecto de criação do próprio emprego antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projecto Verifica-se que, de acordo como nº 1 e alínea b) do nº 9) do art.º 12 da Portaria 985/2009 de 04109 republicada pela Portaria 58/2011 de 28/01 e Despacho n.º 7131/2011 de 11/05, o posto de trabalho a criar pelo promotor tem que ser obrigatoriamente a tempo inteiro e mantido pelo prazo mínimo de 3 anos. Também segundo o n.º 3 do art.º 34 do DL n.º 64/2012 de 15/03, nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter o posto de trabalho criado (nota: o disposto neste artigo aplica-se as relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior conforme determinado no próprio diploma legal no artigo 7°-produyao de efeitos). A beneficiária consta com actividade distinta a aprovada desde 2011/07104 como Trabalhador Independente, antes do decurso de 3 anos a contar da data de início do projecto”. – Cfr. fls. 24 do PA.
14. Em 06.02.2015, a Autora exerceu a resposta escrita de fls. 26 e 27 do PA, pugnando a final pela manutenção da decisão que aprovou o projecto por considerar terem sido cumpridas as condições que lhe eram impostas.
15. Em 18.02.2015, a equipa de prestações de desemprego elaborou informação técnica na qual se propunha que, em face da ausência da apresentação de factos novos em sede de resposta, fosse a Autora notificada da decisão da cessação da prestação da totalidade do subsídio de desemprego, tendo nela sido exarado, na mesma data, pela Directora do Núcleo de Prestações, desemprego e benefícios diferidos, despacho de concordância, com o seguinte teor: “concordo, proceda-se de harmonia com o proposto. Notifique-se”.
16. Consta na informação referida no ponto anterior o seguinte conteúdo que ora se transcreve:
“A beneficiária supra mencionada foi concedida o montante global para a criação do próprio emprego desde 2010-11-12.
Foi notificado em sede de audiência prévia da intenção de cessar a prestação na totalidade através de N/ ofício 027114 de 2015/01/27, por ter iniciado actividade distinta como TI da actividade profissional contemplada no projecto de criação do próprio emprego antes do decurso do prazo de três anos. Apresentou resposta a 2015/02/06.
Verifica-se que, de acordo como n1 e alínea b) do n.º 9) do art.º 12 da Portaria 985/2009 de 04/09, o posto de trabalho a criar pelo promotor tem que ser obrigatoriamente a tempo inteiro e mantido pelo prazo mínimo de 3 anos. Também segundo o n.º 3 do art.°34 do DL n.º 64/2012 de 15/03, nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter o posto de trabalho criado (nota: disposto neste artigo aplica-se as relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior conforme determinado no pr6prio diploma legal no artigo 7°-produção de efeitos).
Face ao enquadramento legal referido, e tendo em conta que resposta apresentada pelo(a) beneficiário(a), não apresenta factos que obstem a cessação, será de notificar o (a) beneficiário (a) e o IEFP da decisão de cessação pelos motivos e com a fundamentação acima descritos” – Cfr. fls. 29 do PA.
17. Por ofício datado de 23.02.2015, remetido pelo aqui Réu, foi a Autora notificada que, por despacho de 20.02.2015 da Directora do Núcleo de Prestações, Desemprego e Benefícios Diferidos, no uso de subdelegação de competência, foi cessado o subsídio de desemprego a partir de 12.11.2010, com os seguintes fundamentos que ora se transcrevem:
“(…) serem indevidas as prestações recebidas dado o incumprimento injustificado do projecto de criação do próprio emprego antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projecto. Verifica-se que, de acordo com o n.º 1 e alínea b) do n.º 9) do art.º 12 da Portaria 985/2009 de 04109 republicada pela Portaria 58/2011 de 28/01 e Despacho n.º 7131/2011 de 11/05, o posto de trabalho a criar pelo promotor tem que ser obrigatoriamente a tempo inteiro e mantido pelo prazo mínimo de 3 anos. Também segundo o n.º 3 do art.º 34.º do DL n.º 64/2012 de 15/03, nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter o posto de trabalho criado (o disposto neste artigo aplica-se as relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior conforme determinado no pr6prio diploma legal no artigo JD- produção de efeitos),
- Cfr. fls. 32 do PA.
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:
Factos não provados:
1. No âmbito do exercício da actividade referida em 1), nos anos de 2010 e 2011, a empresa “SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª”, registava ou registou prejuízo – Cfr. motivação da matéria de facto.
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.
X
DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
A Autora impugna a validade do acto proferido pela Directora do Núcleo de Prestações, desemprego e benefícios diferidos de 20.02.2015, pelo qual foi determinada a cessação do subsídio de desemprego a partir de 12.11.2010, com fundamento em incumprimento injustificado do projecto de criação do próprio emprego, por violação da obrigação que impõe ao promotor a manutenção do posto de trabalho criado a tempo inteiro pelo prazo mínimo de 3 anos sem poder cumular com outra actividade normalmente remunerada.
Defende a Autora que, em meados de Julho de 2011, logrou celebrar um acordo com uma seguradora com vista a prestar serviços de seguros aos seus clientes, o que se impôs em face da necessidade de alargar o âmbito da prestação de serviços para além da actividade de contabilidade, posto que a sociedade comercial “SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª” registava prejuízos sucessivos/cumulados.
A Autora centra o fundamento da pretensão anulatória da decisão questionada na afirmação de que o montante global das prestações de subsídio de desemprego foi aplicado exclusiva e integralmente na criação do seu emprego e na instalação do seu estabelecimento, mantendo o seu emprego a tempo inteiro, não se verificando uma situação de incumprimento das condições legalmente previstas para o deferimento deste tipo de programa pelo mero facto de a Autora ter alargado os serviços prestados aos seus clientes, passando então a oferecer produtos relacionados com a actividade de seguros.
Deste modo, imputa à decisão impugnada o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, afirmando que esta avaliou incorrectamente a factualidade subjacente ao alegado incumprimento da obrigação de não acumulação do emprego próprio, criado ao abrigo do PAECPE.
Com efeito, a questão decidenda prende-se em saber se a Autora pode (ou não) durante a execução da candidatura n.º 27/CPE/10, ao “Programa de Apoio ao Empreendorismo e à Criação do Próprio Emprego (PAECPE), com vista à criação do próprio emprego, respeitante a actividades de contabilidade, auditoria e consultoria fiscal” (CAE 69200) e outras actividades de consultoria (CAE 70220), criando para tanto uma sociedade comercial distinta, colectar-se nas finanças e iniciar a prestação, como trabalhador independente, de serviços relacionados com produtos de seguro, e se tal se traduz na acumulação de duas actividades profissionais susceptível de desencadear o incumprimento da obrigação prevista no n.º 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15/03, implicando a cessação do beneficio de subsídio de desemprego concedido na modalidade do pagamento do montante global das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego.
Vejamos então.
Para melhor compreensão do enquadramento legal da questão em apreço vale a pena proceder à transcrição de alguns dos preceitos legais mais relevantes.
O Decreto-Lei n.º 220/2006 estabeleceu, no âmbito do subsistema previdencial, o quadro legal da reparação do desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, sem prejuízo do disposto em instrumento internacional aplicável.
Ora, o Decreto-Lei n.º 72/2010, de 18/06, alterou e republicou o Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, e veio estabelecer medidas destinadas a reforçar a empregabilidade dos beneficiários de prestações de desemprego, introduzindo ainda medidas de combate à fraude na atribuição de prestações sociais [artigo 1º], sendo de resto esta uma preocupação do legislador que já se encontra também expressa na declaração preambular de motivos do Decreto-Lei n.º 220/2006, na sua redacção original.
Como consta da declaração de motivos preambular do Decreto-Lei n.º 72/2010, foi «fundamental garantir que as regras do subsídio de desemprego promovem a justiça social, apoiando quem se encontra numa situação de desemprego, ao mesmo tempo que promovem a reintegração no mercado de trabalho e o rápido regresso à vida activa (…). Em terceiro lugar, no sentido de promover o regresso à vida activa, o presente decreto -lei vem, ainda, flexibilizar o regime de acumulação de rendimentos de trabalho com as prestações de desemprego. Esta medida vem possibilitar a acumulação do subsídio de desemprego com o desempenho de trabalho parcial por conta de outrem ou de trabalho de actividade independente que sejam geradores de um baixo nível de rendimento. Ao ser alargado o âmbito de atribuição do subsídio de desemprego parcial a outras formas de trabalho, para além do trabalho a tempo parcial, permite -se que o desempregado desenvolva actividades por conta própria sem perder o apoio do subsídio parcial, assegurando -se, desta forma, a transição para a vida activa.»
O Decreto-Lei n.º 220/2006, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 72/2010, conforme já se referiu estabeleceu, no âmbito do subsistema previdencial, o quadro legal da reparação do desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, sem prejuízo do disposto em instrumento internacional aplicável.
Essa reparação da situação de desemprego realiza-se através de «medidas passivas e activas», podendo, ainda, incluir medidas excepcionais e transitórias [artigo 1º]. Para efeitos deste decreto-lei o «desemprego» consiste em «toda a situação decorrente da perda involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho, inscrito para emprego no centro de emprego» [artigo 2º]. As referidas medidas «passivas» são (a) o subsídio de desemprego; e o (b) subsídio social de desemprego inicial ou subsequente ao subsídio de desemprego [artigo 3º]. E as medidas «activas» são, entre outras, (a) o pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego; a (b) a possibilidade de acumular subsídio de desemprego parcial com trabalho por conta de outrem a tempo parcial ou com actividade profissional independente; (d) a manutenção das prestações de desemprego durante exercício de actividade ocupacional; e ainda (e) outras medidas de política activa de emprego não mencionadas nas alíneas anteriores desde que promovam a melhoria dos níveis de empregabilidade e a reinserção no mercado de trabalho de beneficiários das prestações de desemprego a definir por legislação própria [artigo 4º].
Nessa linha de entendimento, segundo o artigo 6.º deste Decreto-Lei n.º 220/2006, alterado pelo referido decreto-lei, o subsídio [as prestações] de desemprego visa (m) (a) compensar os beneficiários da falta de retribuição resultante de desemprego ou de redução por aceitação de trabalho a tempo parcial; e (b) promover a criação de emprego, através, designadamente, do pagamento por uma só vez das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego. E tais prestações são o subsídio de desemprego, o subsídio social de desemprego e o subsídio de desemprego parcial, nos casos definidos conforme o artigo 7º. As condições de atribuição das prestações encontram-se definidas no Capítulo III, dispondo, à cabeça o artigo 18, como disposição geral, que o reconhecimento do direito às prestações de desemprego depende da caracterização da relação laboral, da situação de desemprego e da verificação de prazos de garantia, nos termos dos artigos seguintes.
O Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15/03, veio alterar o mencionado Decreto-Lei n.º 220/2006 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 72/2010), e estabeleceu no seu artigo 7.º, n.º 1, sob a epígrafe «produção de efeitos», que o disposto, entre o mais, no artigo 34.º do DL 220/2006, de 03/11, na sua nova redacção, se aplica às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior.
Assim, são aplicáveis ao caso, na data em que se verificou o alegado incumprimento das obrigações (em Julho de 2011), as alterações resultantes do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15/03.
O Decreto-Lei n.º 220/2006, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 64/2012 é regulamentado pela Portaria 985/2009, de 04/09, que regula o PAECPE, e foi objecto de alteração por força da publicação da portaria n.º 58/2011, de 28/01. As alterações introduzidas visaram reforçar e estender os apoios a conceder no quadro das operações previstas pelo PAECPE, colocando ao serviço do Programa Nacional de Microcrédito a linha de crédito MICROINVEST, como consta do seu preâmbulo. Por outro lado, a norma transitória do seu artigo 4.º dispôs que os projectos apresentados ou aprovados ao abrigo da legislação alterada ou revogada por esta portaria são regulados, por aquela, até ao final da execução dos respectivos projectos.
Deste modo, aplica-se ao caso a Portaria 985/2009, de 04/09, na sua versão originária.
A Portaria n.º 985/2009, de 04/09, regula no Capítulo II os apoios à criação de empresas, começando pelas condições e requisitos de acesso bem como, entre o mais, os requisitos do projecto, que «deve apresentar viabilidade económico-financeira [artigo 6]. No seu Capítulo III, sob a epígrafe «apoio à criação do próprio emprego por beneficiários de prestações de desemprego», a Portaria 985/2009, de 04/09, dispõe no artigo 12, n.ºs 1 e 9 alínea a que: «1-Há lugar ao pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas, ao abrigo do previsto no artigo 34° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de Novembro, sempre que o beneficiário das prestações de desemprego apresente um projecto ao abrigo da alínea b) do nº 2 do artigo 1º [apoio à criação do próprio emprego por beneficiários de prestações de desemprego] e que origine, pelo menos, a criação de emprego, a tempo inteiro, do promotor destinatário, sendo que “9-Os projectos referidos no presente capítulo que não beneficiem da modalidade de apoio prevista na alínea a) do artigo 2º [Crédito com garantia e bonificação da taxa de juro (o caso da A é o da al c)-pagamento por uma só vez]: (…) b) Devem manter a actividade da empresa e os postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos.».
O artigo 17.º da Portaria n.º 985/2009, de 04/09, sob a epígrafe «incumprimento», dispõe que:
«Sem prejuízo das situações de vencimento antecipado do crédito estabelecidas nos protocolos referidos no nº 2 do artigo 9º e sem prejuízo de participação criminal por crime de fraude na obtenção de subsídio de natureza pública, o incumprimento de qualquer das condições ou obrigações previstas na lei, regulamentação, protocolos e contratos aplicáveis tem como consequência, em caso de incumprimento imputável à entidade, a revogação dos benefícios já obtidos, assim como dos supervenientes, que implica:
a) A devolução dos benefícios já obtidos, nomeadamente as bonificações de juros e da comissão de garantia, aplicando-se aos valores devidos uma cláusula penal nos termos definidos nos protocolos, e os apoios referidos nas alíneas c) e d) do artigo 2º;
b) A aplicação, a partir da respectiva data, de uma taxa de juro a suportar pela empresa, nos termos definidos nos protocolos;
c) A impossibilidade de a empresa voltar a beneficiar de bonificação, ainda que cesse a causa que tenha dado origem ao incumprimento».
Contudo, a enunciação dos preceitos legais mais relevantes para a resolução do problema jurídico em apreço não se mostra completa se não se fizer uma incursão sobre o disposto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006 (e a respectiva interpretação), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15/03, buscando o sentido das expressões legais “incumprimento injustificado”, e de “actividade normalmente remunerada”.
O artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, sob a epígrafe «montante único das prestações de desemprego», estabelece que:
«1-O subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito pode ser pago globalmente, por uma só vez, nos casos em que os interessados apresentem projecto de criação do próprio emprego.
2 — O montante global das prestações corresponde à soma dos valores mensais que seriam pagos aos beneficiários durante o período de concessão, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas.
3 — Nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra actividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela actividade.
4 — O incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou penal a que houver lugar.
5 — Sem prejuízo das competências dos centros de emprego, os serviços de fiscalização da segurança social podem, para efeitos do número anterior, verificar o cumprimento das condições de atribuição do pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego.
6 — A regulamentação do pagamento do montante global das prestações de desemprego consta de diploma próprio».
A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9.º, do CC]. O intérprete, não pode, assim, substituir-se ao legislador, mas antes deve conformar a vontade deste expressa nas normas.
Teremos, pois, de analisar o significado dos nº 3 e 4 de tal artigo 34.º, ao abrigo do imposto no artigo 9.º do Código Civil, de acordo com o elemento gramatical (que também é um limite da interpretação), o elemento lógico-sistemático da unidade do sistema jurídico, o elemento lógico-histórico-temporal e o elemento lógico-teleológico, racional ou finalístico, na justificação social actual da lei.
Nestes termos, analisado as diferentes modalidades do subsídio de desemprego, temos que para os casos de apoio em situação de ocupação a tempo parcial, o legislador previu outros requisitos, em sede de «medidas activas» de reparação da situação de desemprego, como deriva, desde logo, do artigo 4.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 220/2006, que visa dar a «possibilidade de acumular subsídio de desemprego parcial com trabalho por conta de outrem a tempo parcial ou com actividade profissional independente.
Contudo, no que toca o pagamento, por uma só vez, das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego, [artigo 4.º, al b)] as condições e finalidades são outras, que já passam também pela utilidade socio-laboral da criação de empresas, exigindo-se então um projecto com determinadas características, que «deve apresentar viabilidade económico-financeira», regulado no artigo 6.º da Portaria 985/2009.
O legislador pretendeu incentivar o que designa por empreendedorismo, ou seja, que a actividade do beneficiário se concentre na empresa, no posto ou postos de trabalho promover, e, para isso, na actividade desta e não de outra empresa.
O legislador não exige, em concreto que tenha sido desenvolvida uma outra actividade remunerada (nem especifica quantias ou valores), mas tão-somente que seja prestada em acumulação real uma actividade, qualquer que seja, «normalmente remunerada».
A expressão «normalmente» ligada à expressão «remunerada» e ambas juntas na expressão «normalmente remunerada» qualifica a «actividade» prestada e expressa que basta que qualquer actividade seja remunerada «normalmente», ou seja, que seja remunerada de acordo com as regras da experiência e com os usos de determinado sector ou ramo económico. Não importa o valor nem a forma da remuneração, importa outrossim que se trate de uma actividade remunerada de acordo com as regras normais da prática comercial.
Como decorre do exposto a questão que se coloca é de saber em que termos é, ou não, possível o exercício de uma actividade normalmente remunerada em acumulação com a actividade exercida ao abrigo de um projecto de criação de próprio emprego e, consequentemente, em que condições essa acumulação (que no presente caso ocorreu, como veremos) é geradora da revogação do subsídio de desemprego concedido para aquele fim e consequente dever de restituir as prestações concedidas.
Ora, basta olhar bem os quadros referidos no probatório, sendo que deles se extrai a alta probabilidade de, em concreto, a Autora ter recebido remuneração da actividade de promoção e prestação de serviços de seguro, no período compreendido entre 2011 a 2013, dado que as declarações de rendimentos que apresentou atestam a existência de rendimentos empresariais (nos quais se integram os rendimentos obtidos na qualidade de trabalhador independente para os quais a Autora se inscreveu para declarar fiscalmente os rendimentos percepcionados com o exercício da prestação de seguros), além da remuneração como trabalhador dependente.
Mas ainda que assim não se entenda, o legislador não exige que se demonstre a concreta e reiterada remuneração de uma determinada actividade, mas basta-se para o preenchimento do n.º 3 do artigo 34.º que essa actividade - seja de que tipo ou modalidade for- seja normalmente remunerada. De acordo com as regras experiência comum, e também da verosimilhança e da plausibilidade, é forçoso concluir que a actividade prestada pela Autora em acumulação com a da empresa subsidiada, terá sido remunerada, ou pelo menos se iniciou precisamente pela susceptibilidade, em abstracto, de a mesma ser (vir a ser) remunerada, pois, de resto, segundo a alegação da própria Autora, foi por ser remunerada que pretendeu prestá-la para fazer face às suas alegadas dificuldades económico-financeiras. Assim, a actividade resultante da prestação de serviços de seguros, e que, conforme refere a Autora, esteve na base do início de actividade da sua declaração nas finanças, é uma actividade «normalmente remunerada», no sentido que o legislador lhe quis dar, naquele preceito legal.
Importa assim, na tarefa da análise da questão em presença, como ponto prévio constatar que se verifica o preenchimento do disposto no artigo 34.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 220/2006, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, na medida em que a Autora prestou, enquanto pessoa singular, em regime de trabalhador independente, serviços de seguros a determinados clientes, uma actividade «normalmente remunerada», como concluímos que foi, em acumulação com a actividade da empresa subsidiada num período temporal compreendido entre 12.11.2010 a 16.11.2013, isto é, dentro do período de 3 anos a contar da data do início do projecto.
Tendo sido prestada pela Autora, em acumulação, nesse período proibitivo de 3 anos, a actividade «normalmente remunerada», aqui em causa, referida no probatório, inevitável se torna a conclusão de que se verificou o incumprimento pela Autora das suas obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego, pois estava obrigada a, nesses 3 anos, não acumular a prestação de outra actividade normalmente remunerada, é fê-lo.
E, diga-se, é necessário fazer aqui uma cisão clara entre a actividade de serviços de seguros (eventualmente de mediação de seguros) e a actividade relaciona com os serviços de contabilidade, auditoria fiscal e consultoria.
Na verdade, na petição inicial a Autora refugia-se na ideia de que na génese do processo estava em causa um projecto que contemplava a abertura de um “escritório de contabilidade, seguros e prestação de serviços de consultadoria a particulares e empresas”. Ora, nada de mais errado, sendo que não é essa a realidade retirada do probatório. Na actividade pretendida exercer e levada a conhecer à Administração Tributária assim como no projecto que apresentou junto da segurança social, a Autora foi clara ao delimitar a actividade a desenvolver, bem enquadrada nos CAE que nos documentos oficiais indicou: o projecto inicial era assim de um escritório de contabilidade/auditoria e consultoria.
Aliás, é completamente contraditória a argumentação da Autora expendida na petição inicial, o que encaminha para uma contínua descredibilização da sua tese: não se compreende como, por uma banda, afirma que, desde o início, o projecto assentava na prestação, entre o mais, de serviços de seguros (artigo 3.º da pi.) e, por outra, procura avançar a justificação para o alargamento à prestação dos referidos serviços de seguros (além de contabilidade e consultoria) precisamente pela constatação de que havia a necessidade de estender a oferta dos serviços inicialmente projectados e idealizados, de modo a assim consolidar e tornar viável o projecto inicialmente proposto.
Com efeito, é claro para o Tribunal que, conforme a própria Autora declarou no serviço de finanças e expressou no projecto que apresentou no serviço do aqui Réu, inicialmente o projecto individual radicava, grosso, modo, na prestação de serviços de contabilidade, auditoria e consultoria a empresas e particulares, tendo posteriormente a Autora (e nunca, como veremos, a sociedade “SV – Contabilidade e outros serviços unipessoal, Lda.”) iniciado a prestação de serviços de seguros.
A lei é clara no n.º 3 do artigo 34.º do DL n.º 64/2012 de 15/03: a autora, na qualidade de promotora individual do projecto, não podia acumular o exercício da actividade subsidiada com outra actividade normalmente remunerada durante o período (3 anos) em que era obrigada a manter exclusivamente aquela actividade. É indubitável que a Autora, no período de três anos, durante o qual não podia acumular com outra actividade «normalmente remunerada», acumulou efectivamente com outra actividade potencialmente remunerada tendo para o efeito se colectado junto do serviço de finanças com vista ao cumprimento das suas obrigações declarativas associadas à prestação dos serviços por um ente individual e singular.
A Autora incorreu, pois, na violação daquela norma, e incumpriu a obrigação de não acumulação, naquele período, decorrente da aprovação do projecto de criação do próprio emprego.
Resta ponderar se o incumprimento das obrigações decorrentes do projecto de criação do próprio emprego, de não acumulação de actividade «pelo menos» durante 3 anos, no caso em concreto reveste-se de incumprimento «injustificado» daquela obrigação. Com efeito, o artigo 34.º, n.º 4, do DL 220/2006 [sempre na redacção do DL 64/2012], como vimos, determina que o «incumprimento injustificado das obrigações» decorrentes do projecto de criação do próprio emprego «implica a revogação do apoio concedido» [aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, o que remete para o acima citado DL 437/78, de 28/12, cujo artigo 6º-1, também usa a expressão «incumprimento injustificado»].
Embora não o diga expressamente (ou pelo menos não o faz de forma assertiva, no sentido de extrair qualquer justificação à cumulação da actividade), pretende a Autora enquadrar essa cumulação de funções numa estratégia comercial de alargamento dos serviços prestados pela sociedade “SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª”, que até então cumulava prejuízos, pretendendo que a situação exposta configure o desenvolvimento normal de um projecto que foi alargando a sua actividade a novas áreas de serviços, em busca, no fundo, de lograr acompanhar as necessidades e exigências do mercado e dos próprios clientes. Concluindo, assim, ser inválido o acto que determinou a reposição do subsídio de desemprego.
Entendemos que a Autora carece de qualquer razão na pretensão que deduz nos presentes autos, rechaçando a matéria assente esta sua “tese”, dado que a realidade do probatório desmente que a sociedade “SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª” tenha alargado o âmbito dos serviços ou produtos que disponibilizou inicialmente.
Vejamos então, as razões que sustentam o que vimos de dizer.
Decorre do nº 4 do artigo 34.º do DL 220/2006 [sempre na redacção do DL 64/2012] que se o incumprimento do dever imposto no nº 3 tiver uma justificação aceitável, não haverá lugar às consequências negativas ali previstas, designadamente a restituição da verba recebida.
Contudo, não só a Autora não justificou o incumprimento obrigacional, como também não vemos como, no caso que nos ocupa, o mesmo possa ser justificado com os fundamentos alegados.
Em primeiro lugar, não se verifica que a sociedade “SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª” tenha alargado os seus serviços a novos mercados nem que se tenha dedicado a vender outros produtos nem a executar outros serviços relacionados com seguros, na medida em que não vem alegado nem demonstrado o alargamento do objecto social nem os CAE’s da mencionada sociedade. Contrariamente, foi a Autora, enquanto pessoa singular e com personalidade jurídica distinta da sociedade “SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª” que declarou o início de actividade como trabalhador independente e, posteriormente, veio a prestar serviços de seguros. Ora, no plano da personalidade jurídica, é óbvio que a aqui Autora e a sociedade SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª” são pessoas jurídicas (e ontologicamente) distintas.
Por outro lado, no que respeita à alegação atinente à situação económica e crise comercial com elevados prejuízos da sociedade SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª”, a Autora limita-se a proferir alegações genéricas, sem demonstrar cabalmente a referida situação, designadamente não juntando a declaração de rendimentos reportados ao ano de 2010, sendo que dificilmente se verificará a situação descrita de acumulação de prejuízos quando é certo que a empresa apenas estava em funcionamento há cerca de 8 meses (Novembro de 2010 e Julho de 2011) quando a Autora decidiu prestar serviços de seguros, não se demonstrando de forma concreta (e muito menos reiterada) como o panorama económico afectou o normal desenvolvimento da empresa.
Conforme Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 4.2.2010, rec. 02553/06.0BEPRT relativamente a situação em tudo semelhante à dos presentes autos: “Dizer isto e nada é a mesma coisa, já que tudo isso apenas pode ter acontecido devido a uma má gestão, o que basta para ser imputável à recorrente. Cumpria-lhe, pois, argumentar factos concretos nomeadamente donde resulte a sua boa diligência a nível de marketing, promoção e publicidade da empresa, e factos concretos porque apesar da diligência e gestão concreta invocada mesmo assim foi totalmente impossível a sua viabilidade. É que não se pode considerar como justificado um incumprimento tendo por base os riscos normais da actividade económica os quais têm necessariamente de ser suportados pelos agentes económicos já que, sendo a criação de postos de trabalho o pressuposto essencial para a concessão de apoios financeiros neste domínio, não pode a alegada crise da economia sem mais (que aliás já existia aquando da realização do contrato), e era facto público e notório, justificar o incumprimento.”.
Competia à Autora apresentar a justificação, os motivos justificativos para o incumprimento, já que o projecto foi aprovado, entre o mais, por ser económica e financeiramente viável, sendo recebido, de entrada, o subsídio de desemprego na totalidade. Sendo, na verdade, que ficou por demonstrar precisamente que esse período ficou marcado por fortes prejuízos.
Mas conforme já se aflorou a afirmação da Autora e a ilação que dela extraiu é completamente contraditória ou pelo menos muito débil, isto porque é afirmado no artigo 2º da petição inicial que: “a Autora tinha absoluta necessidade de alargar o âmbito da prestação de serviços para além da contabilidade pois estava a acumular prejuízos”. Ora, do conspecto dos argumentos apresentados e a forma como os mesmos foram invocados não vem sequer demonstrado que a Autora desemprenhou a actividade em causa para manter viável a empresa (SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª”) criada ao abrigo do Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego. Com efeito, dado que foi a Autora que se inscreveu como trabalhadora independente e terá sido ela, em nome individual a praticar os actos de comércio associados à prestação dos serviços de seguro, recebendo o produto dessa actividade, não vem alegado nem demonstrado que os proveitos obtidos foram integrados na esfera patrimonial da sociedade SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª”, designadamente por meio de suprimentos (ou outros mecanismos) com vista a garantir a continuidade e a solvabilidade da empresa. Por essa via, na ausência de tal alegação não é possível concluir que o incumprimento (devido à segunda actividade profissional) foi justificado.
Também não vem referido nem demonstrado que o exercício da segunda actividade (de prestação de serviços de seguro), em violação do acordado à luz do artigo 34º, nºs 3 e 4, do Decreto-Lei nº 220/2006 e da Portaria nº 985/2009, foi motivado pela necessidade de a autora garantir o seu sustento e do seu agregado familiar. Além de ter ficado provado no probatório que a Autora no período em causa percepcionou rendimentos do trabalho (categoria A do CIRS), não vem suficientemente – nem sequer tibiamente – alegado que a Autora viu-se forçada a desempenhar a segunda actividade para garantir o seu sustento, pois, como se disse, a presente acção não assenta na consideração de que os rendimentos extraídos (quais? que valores?) pela Autora da sociedade SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª” eram manifestamente insuficientes para garantir um rendimento que garantisse a satisfação das necessidades e despesas do agregado da aqui Autora (que se desconhecem, porque quanto a valores referentes a rendimentos e a despesas, a Autora nada invoca).
Assim, é seguro que a Autora incumpriu a obrigação legal que sobre ela impendia sem qualquer justificação válida, passível de dirimir a sua responsabilidade pelo incumprimento detectado pelo Réu, no âmbito do acompanhamento e fiscalização da execução do programa aprovado.
A matéria de facto provada seguramente não o permite, e, por outro lado, a maioria dos factos invocados pela Autora não são suficientes para demonstrar que a empresa em causa acumulava prejuízos (que se desconhecem) em termos tais que terão levado a Autora, em nome individual (como empresário em nome individual) e como profissional independente, a dedicar-se à actividade de prestação de seguros, sendo que nada se diz (e muito menos se prova) quanto aos benefícios que tal actividade teve na sociedade SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª”, pois se desconhece se e de que forma os rendimentos obtidos pela Autora foram integrados na esfera patrimonial da referida sociedade comercial, de modo a garantir a sua continuidade e viabilidade económica no mercado.
Assim é que, o comportamento Autora contrário às disposições vinculativas a que se obrigou conduzem-nos à única solução plausível para o caso dos autos, isto é que a Autora se constituiu em incumprimento legal, fundamento bastante para a cessação do subsídio de desemprego, com a consequente restituição dos apoios atribuídos através da declaração de vencimento imediato da dívida.
Acresce que a Autora bem sabia (ou devia saber) que para poder receber todo o subsídio de desemprego de uma só vez com o fim de criar o seu próprio emprego, não poderia exercer outra actividade profissional (quer fosse acessória, secundária ou complementar).
Ora, da factualidade supra julgada provada e não provada, resulta que a Autora acumulou o exercício da actividade a que se candidatou (criação do próprio emprego) com outra actividade normalmente remunerada, o que lhe era vedado, pelo que o acto impugnado não padece de vício de violação de lei nem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Constata-se, assim, que a Autora não cumpriu o preceituado no n.º 1 e n.º 9, alínea b), do n.º 9 do art. 12.º da Portaria n.º 985/2009, de 04 de Setembro (republicada pela Portaria n.º 58/2011, de 28 de Janeiro), nem no Despacho n.º 7131/2011, de 11 de Maio, e nem o n.º 3, do art. 34.º do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de Março (aqui aplicável por força do consignado no art. 7.º do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de Março, e sendo certo que uma tal norma não pode ser desaplicada in casu), na medida em que o posto de trabalho a criar pela Autora tinha de ser exercido a tempo inteiro e em completa exclusividade (além de ter de ser mantido pelo prazo de 3 anos) - ou seja, a Autora não podia (ao contrário do que fez) acumular o exercício dessa actividade com outra normalmente remunerada, durante o período em que se encontrava obrigado a manter o posto de trabalho criado.
Ao actuar como actuou, a Autora violou as disposições legais supra descritas e incorreu na obrigação de restituir, na íntegra, os montantes indevidamente recebidos, nos termos do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de Abril.
Ante o exposto, verifica-se que o Réu, aquando da prolação do acto impugnado, limitou-se a cumprir o princípio da legalidade a que se encontra adstrito, não tendo violado a lei, nem errado quanto aos pressupostos de facto e de direito aplicáveis in casu.
Assim sendo, o acto impugnado ao ordenar a devolução do montante dos apoios concedidos, limitou-se a dar cumprimento ao estabelecido legalmente, podendo mesmo dizer-se que estamos perante um acto de carácter vinculado, não restando à Entidade Demandada outra possibilidade que não fosse, como sucedeu, determinar a devolução das importâncias concedidas, cuja cobrança coerciva (se tal for o caso) se desenrolará.
Pelo exposto, verifica-se o preenchimento do disposto no artigo 34.º, n.º 4, do DL 220/2006, na redacção dada pelo DL 64/2012, pois se trata de «incumprimento injustificado» das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego da Autora.
Improcede, assim, in totum, a argumentação da Autora, sendo o acto impugnado legal, válido e eficaz na ordem jurídica, conforme se levará ao dispositivo, em sintonia com a ausência das apontadas invalidades do acto ora em sindicância, por claudicar os vícios invocados pela Autora.
X
É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado quer pela lei processual quer pela jurisprudência que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim sendo, analisadas as conclusões, resulta que a Recorrente assaca à decisão erro de julgamento de direito.
Além disso insurge-se contra a não inquirição das testemunhas por si oferecidas
Todavia, sem razão.
Vejamos:
Da não produção de prova testemunhal -
Como é sabido, compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova. Assim, quando, após a resposta à matéria exceptiva suscitada na contestação ou o decurso do prazo para a mesma, o juiz, sem mais, profere decisão, é porque entendeu decidir sem que haja lugar à produção da prova.
Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas não é um problema de omissão de formalidade imposta pela lei, mas sim de suficiência ou veracidade da matéria de facto considerada na sentença, competindo ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.
Como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender “(…) a falta de inquirição de testemunhas não constitui nulidade porque não surge como diligência cuja realização se imponha inelutavelmente ao juiz, antes cabendo a este avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, constam do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido. Compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova, decidindo “se deve ou não realizar diligências que forem requeridas, podendo oficiosamente realizar as diligências que entender úteis para a descoberta da verdade, em relação aos factos alegados ou de que oficiosamente possa conhecer (…)”. Ou seja, a lei não prescreve que deve haver sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção; pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal geradora de nulidade processual. O que não obsta a que a omissão de diligências de prova, quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa possa afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando a anulação da sentença por défice instrutório com vista a obter o devido apuramento dos factos.” - Acórdão de 09/04/2014, proferido no Proc. 01869/13.
A lei não prevê a prolação de decisão alguma a dispensar a produção da prova oferecida pelas partes. Ora, se a lei não prescreve tal despacho, não se pode sustentar que a sua falta gere nulidade. A nulidade processual consiste num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos; por isso, a falta de despacho a dispensar a inquirição das testemunhas não constitui nulidade processual.
Voltando ao caso concreto, bem andou o Senhor Juiz ao não abrir o período de produção de prova.
Na verdade, como resulta da motivação da factualidade apurada, a convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada dos documentos e informações oficiais juntos aos autos, que não foram impugnados, referidos em cada um dos números do probatório.
No que tange com o facto assente em 9) do probatório o Tribunal atendeu à declaração de início de actividade da sociedade “SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª”, pois na mesma vem indicada que a aqui Autora é a sócia gerente da referida sociedade comercial (confrontar o número de contribuinte identificado nesse campo, que corresponde ao da aqui Autora), assim como, na parte respeitante ao exercício da actividade de seguros, o Tribunal atendeu ao alegado pela Autora ao longo da petição inicial que refere expressamente que prestou aos seus clientes serviços relacionados com a área dos seguros desde Julho de 2011.
Quanto à falta de prova no que se prende com o facto não provado em 1) importa considerar que embora a Autora alegue, conclusivamente, que a sociedade “SV – Contabilidade e Outros Serviços Unipessoal, Lda.ª” acumulou prejuízos, a Autora não logrou comprovar minimamente tal factualidade (mormente, mediante a junção aos autos dos elementos contabilísticos comprovativos de tal factualidade (balanços e balancetes), nem através da junção das declarações de rendimentos) com vista a comprovar tal factualidade. Motivo, pelo qual, tal a factualidade foi julgada não provada, atenta a ausência de prova sobre tal matéria.
Em conclusão:
A não inquirição das testemunhas arroladas não consta do catálogo das “nulidades da sentença” previstas no artº 615º do CPC.
Também não se pode considerar que constitua uma nulidade processual à luz do artº 195º do CPC - omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva - pois que o CPTA não estabelece a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra), antes confere ao juiz o poder de avaliar/ajuizar da necessidade da sua produção.
A produção de prova testemunhal está dependente da constatação da sua “necessidade” para a decisão da causa segundo o juízo de aferição do julgador, pelo que, não constituindo uma formalidade legal vinculadamente imposta pelo CPTA, a sua preterição não consubstancia uma nulidade.
Como se sumariou no Acórdão do TCAS de 03/02/2009, Proc. 02087/07: I)-A falta de inquirição das testemunhas, no caso sub judice, não constitui nulidade porquanto cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, se constam já do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido, sem que haja produção de prova.
II)-Quanto à instrução do processo de acção administrativa especial, vale plenamente o princípio do inquisitório, podendo o relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, bem como indeferir as diligências requeridas que considere claramente desnecessárias (artº 90º nº 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos).
III)-…. a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pela A. não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto.
IV)-Em matéria de produção de prova aplica-se o regulado na lei processual civil (cfr. artºs 513º a 645º do CPC) mas, quando o considere claramente desnecessário, o juiz ou relator pode indeferir requerimentos dirigidos à produção de prova ou recusar a utilização de certos meios desta, mediante decisão fundamentada (artº 90º, nº 2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos).
V)-A razão de ser deste regime prende-se com a necessidade de obviar ao risco de, em processos em que domina a prova documental, o requerimento de outro tipo de prova, em especial, a prova testemunhal, vir a ser utilizado como expediente dilatório, sendo essa solução plenamente justificável, em ordem aos elementares princípios da economia e celeridade processuais.
(…).
Deste modo, a não inquirição de testemunhas apenas seria susceptível de consubstanciar erro de julgamento na medida da eventual deficiência do juízo valorativo que a dispensou.
Achar que o julgador está obrigado a admitir a produção da totalidade dos meios de prova apresentados pelas partes, mesmo quando manifestamente desnecessários, seria abrir a porta ao exercício de puros e inadmissíveis expedientes dilatórios, o que destronaria a exigência de uma boa gestão processual.
Desatende-se, pois, a argumentação atinente a este ponto.
Do fundo da causa -
A questão a decidir consiste em saber se o acto do IEFP que determinou a restituição do subsídio de desemprego entregue por inteiro à Autora deve ser anulado, por a factualidade tida por assente na sentença ser insusceptível de consubstanciar o incumprimento da obrigação prevista no nº 3 do artigo 34º do DL 64/2012, como pretende fazer crer a Recorrente.
Ora, a sua posição não encontra acolhimento legal.
Dispõe o artigo 34.º do DL 220/2006, de 03 de novembro, na redacção dada pelo DL 64/2012, de 15 de março:
“Nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade”.
E o artigo 7º do DL 64/2012 dissipou as dúvidas que pudessem existir quanto à aplicação do artigo 34º e à sua nova redacção ao caso dos autos, ao determinar o seguinte:
“1-O disposto nos artigos 12.º, 17.º, 20.º, 24.º, 34.º, 34.º-A, 45º, 49º, 60º, 70º. 72º e 76º do Decreto-Lei n.” 220/2006, de 3 de Novembro, na redacção dada pelo presente decreto-lei, aplica-se às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior”.
Deste modo, dispondo o artigo 34º, conjugado com o artigo 7°do DL 64/2012, expressamente, que o seu conteúdo se aplicaria às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior, que subsistissem aquando da data de entrada em vigor do sobredito diploma, é notório que abrange a relação prestacional constituída entre a ora Recorrente e o Recorrido; relação no sentido de que aquela se obrigou a criar o próprio emprego, com recurso ao montante global das prestações de desemprego a que tinha direito, a tempo inteiro, em regime de exclusividade, durante o período de 3 anos, e o segundo se obrigou a pagar à primeira a prestação de desemprego na sua globalidade, e de uma só vez, com o compromisso da beneficiária criar o seu próprio emprego.
No âmbito do Regime Jurídico de Protecção no Desemprego, o pagamento global das prestações de desemprego tem em vista, essencialmente, alterar a situação de um trabalhador inactivo num trabalhador activo fora das regras próprias da oferta e da procura do mercado de trabalho, em que o beneficiário apresenta um projecto de emprego, considerado viável pelo centro de emprego, que é total ou parcialmente financiado com as prestações de desemprego a que o beneficiário teria direito.
Na verdade, com a apresentação do projecto de criação do próprio emprego é condição que o beneficiário esteja desempregado, reúna os requisitos de concessão do subsídio de desemprego ou subsídio social de desemprego, e vá criar o seu próprio emprego a tempo inteiro e mantenha o posto de trabalho obtido, com recurso ao montante global, durante pelo menos, três anos.
Assim, resulta da interpretação do DL 220/2006 de 03/11 que o pagamento global das prestações de desemprego pressupõe a criação do próprio emprego, a tempo inteiro e consequentemente em regime de exclusividade.
Em contrapartida, o exercício de uma actividade por um beneficiário do subsídio de desemprego implica necessariamente a perda do requisito de atribuição do subsídio em causa, nomeadamente, o requisito da disponibilidade para o trabalho, consagrado no artigo 11º do DL 220/2006, e a consequente suspensão/cessação do pagamento das prestações de desemprego.
No caso dos autos, como bem anota o senhor Juiz, basta olhar os quadros referidos no probatório para se extrair a alta probabilidade de, em concreto, a Autora ter recebido remuneração da actividade de promoção e prestação de serviços de seguro, no período compreendido entre 2011 a 2013, dado que as declarações de rendimentos que apresentou atestam a existência de rendimentos empresariais (nos quais se integram os rendimentos obtidos na qualidade de trabalhador independente para os quais se inscreveu para declarar fiscalmente os rendimentos percepcionados com o exercício da prestação de seguros), além da remuneração como trabalhador dependente.
Acresce que o legislador não exige que se demonstre a concreta e reiterada remuneração de uma determinada actividade; basta para o preenchimento do nº 3 do artigo 34º que essa actividade - qualquer que seja o tipo ou modalidade - seja normalmente remunerada. De acordo com as regras experiência comum, e também da verosimilhança e da plausibilidade, é forçoso concluir que a actividade prestada pela Autora em acumulação com a da empresa subsidiada, terá sido remunerada, ou pelo menos se iniciou precisamente pela susceptibilidade, em abstracto, de a mesma ser (vir a ser) remunerada, pois, de resto, segundo a alegação da própria Autora, foi por ser remunerada que pretendeu prestá-la para fazer face às suas alegadas dificuldades económico-financeiras. Assim, a actividade resultante da prestação de serviços de seguros, e que, conforme refere a Autora, esteve na base do início de actividade da sua declaração nas finanças, é uma actividade “normalmente remunerada”, no sentido que o legislador lhe quis dar, naquele preceito.
Tal equivale a dizer que a aqui Apelante descurou a obrigação que sobre si impendia, qual seja a de manter o próprio emprego, a tempo inteiro pelo período, pelo menos, de três anos, a contar da data em que recebeu o apoio para a criação do próprio emprego.
Deste modo, violou a obrigação de manter o próprio emprego, a tempo inteiro, em regime de exclusividade, durante pelo menos três anos.
Por isso, tem razão o Tribunal a quo, quando interpreta o DL 220/2006 no sentido de que a Autora não podia manter uma outra actividade em paralelo com a primeira, ainda que por algumas horas semanais, porquanto o requisito a ‟tempo inteiro” pressupõe uma dedicação completa, total e exclusiva.
Já o apelo à violação de preceitos constitucionais não passa de uma manobra desesperada no sentido de levar a sua posição por diante; aliás o apelo a tal argumentação, sem a necessária densificação, fá-la, desde logo, soçobrar.
Ademais esta invocação constitui matéria não enfrentada na sentença proferida, o que significa que nos está vedado o seu conhecimento.
Como é sabido, os recursos jurisdicionais visam decisões judiciais, e devem, assim, consubstanciar pedidos de revisão da sua legalidade, com base em erros ou vícios das mesmas, erros ou vícios estes que devem afrontar, dizendo do que discordam e porque discordam [artigos 676º/1 e 684º/3 do CPC; a propósito, Ac. do STA/Pleno de 03/04/2001, Proc. 39531; Ac. STA de 09/05/2001, Proc. 47228; Ac. STA de 14/12/2005, Proc. 0550/05; Ac. STA/Pleno de 16/02/2012, Proc. 0304/09). Como se sumariou no Acórdão do STA, de 07/01/2009, Proc. 0812/08: I-Os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e daí que o seu objecto sejam os vícios e os erros de julgamento que o recorrente lhes atribua. II-Daí que se torne imprescindível que o recorrente na sua alegação de recurso desenvolva um ataque pertinente e eficaz aos elementos do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida.
Daqui se extrai que os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - cfr. Acs. do STA de 26/09/2012, Proc. 0708/12; de 13/11/2013, Proc. 01460/13; de 05/11/2014, Proc. 01508/12 e de 03/11/2016, Proc. 01407/15, entre tantos outros.
Ora, não tendo a referida questão (afronta à Constituição) sido submetida à apreciação do Tribunal recorrido, configura questão nova e, na medida em que não participa do objecto da causa, não pode ser considerada pelo tribunal de recurso.
Acresce que o princípio basilar da legalidade também goza de protecção constitucional.
Ora, o acto impugnado, ao ordenar a devolução do montante dos apoios concedidos, limitou-se a dar cumprimento ao estabelecido legalmente, podendo mesmo dizer-se que se está perante um acto de carácter vinculado, não restando à Entidade Demandada outra possibilidade que não a adoptada.
Improcedem, assim, as conclusões da Apelante, com a consequente manutenção na ordem jurídica da sentença sob escrutínio que dissecou, de forma correcta e cabal, o quadro normativo aplicável ao caso.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.
Notifique e DN.
Porto, 31/05/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho