Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00761/13.7BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Mário Rebelo
Descritores:GERÊNCIA DE FATO – REMUNERAÇÃO
Sumário:1. A gerência é o órgão da sociedade que lhe permite actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito.
2. De um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade.
3. Não é (apenas) por receber remuneração como gerente que alguém exerce, de facto, as respetivas funções.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:J... e C...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: Exmo. Representante da Fazenda Pública
RECORRIDOS: J... e C...
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Coimbra que julgou procedente por ilegitimidade a oposição deduzida pelos recorridos.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1 - A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a oposição, nos autos acima identificados, em que o autor se opõe a reversão, contra si efectuada, pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital, de dívida respeitante a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) a ser exigida no processo no processo de Execução Fiscal n.º 0809200101005324 e apensos, dos anos de 2002 e 2003, no montante global de € 41.009,55 (quarenta e um mil e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos), de que era devedora originária a sociedade C…, LDA., NIPC 5…, determinando a extinção da mesma quanto aos oponentes, por ilegitimidade destes como responsáveis subsidiários quanto às dívidas exequendas.
2- Considerou a Mma. Juiz, que da prova carreada para os autos, não é possível inferir com razoável grau de segurança que os dois oponentes ao despacho de reversão emanado pelo órgão de execução fiscal, Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital praticariam actos de gerência efectiva nos anos em causa, 2002 e 2003, como é exigido pela generalidade da Jurisprudência dos tribunais superiores. 3- Referindo expressamente, relativamente ao oponente J... os fundamentos descritos no ponto 3.º das presentes alegações e relativamente ao oponente C..., os fundamentos constantes do ponto 4.º.
5-Concluindo que a AT não demonstrou, como lhe competia, factos suficientemente indiciadores de que os dois oponentes exerceram a gerência da devedora principal, nos anos a que respeitam as dívidas revertidas, pelo que considerou os mesmos, parte ilegítima no Processo de execução fiscal, determinando a procedência da oposição e a extinção daquele, na parte revertida contra os oponentes.
6- Com todo o respeito pela douta decisão “a quo”, e reconhecendo a profunda análise levada a cabo pela Mma. Juiz, entende, no entanto, esta Representação da Fazenda que existiu erro na apreciação da prova, que conduziu à decisão pela procedência da oposição, não tendo sido levado em conta nos factos dados como provados, o invocado por esta Representação da Fazenda Pública em sede da contestação apresentada.
7- É entendimento desta Representação da Fazenda Pública, ao contrário da douta sentença, que existe um mínimo de prova nos autos que permite concluir, salvo melhor opinião, pela existência de uma presunção judicial da gerência de facto da devedora originária por parte de ambos os revertidos.
8- Com efeito, relativamente a J..., existe o assumir da qualidade de gerente de facto numa declaração entregue à AT, embora no ano anterior aos períodos de imposto em causa e o efectuar de descontos para a Segurança Social, na qualidade de gerente.
9- Ora, este desconto foi assumido voluntariamente, pelo mesmo e pela sociedade, dele foram e virão a ser auferidos benefícios e dele tem de resultar ónus. Se não significa que o revertido, necessariamente, praticou actos de gestão da sociedade devedora originária, significa, pelo menos, pelas regras da experiência comum, que com grande probabilidade tais actos de gestão foram praticados.
10- E as mesmas considerações valem, relativamente aos descontos para a Segurança Social para o outro revertido, C…, o qual era gerente de direito da sociedade (conforme consta da certidão do registo comercial da sociedade a fls. 15 a 16 do Processo de Execução Fiscal), sendo aliás o único gerente de direito, pelo que de alguma forma tinha de intervir, necessariamente, na vida da mesma, pois como consta do pacto social, era à data em que os períodos de imposto eram devidos, o único que a podia vincular assinando documentos.
11- Conforme invocado em sede da contestação os oponentes apresentaram em sede do processo executivo, cópias da sentença de qualificação de insolvência, proferida no P.º n.º 237/07.8TBOHP-C, em 15/12/2008 e do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/09/2009.
12- Nessa sentença, que qualificou a insolvência como culposa, considerou-se na factualidade dada como provada, que foi o pai dos revertidos o referido C… quem exerceu a gerência de facto da insolvente, ou seja a administração e representação desta e que os aqui revertidos assinavam documentos sem nunca se envolverem directamente na condução dos negócios da mesma. O Acórdão da Relação de Coimbra veio a revogar a sentença, qualificando a insolvência como fortuita (conforme ponto 17.º da contestação).
13- Da análise dos documentos referidos e das alegações dos oponentes, é possível concluir que, não colocando em causa a gerência de facto do pai dos revertidos, também estes assinavam documentos em nome da sociedade, ou seja em representação da sociedade originária devedora, praticando assim actos de gerência, para efeitos da aplicação do disposto no art. 24.º, n.º 1 al. b) da LGT, os quais, salvo melhor opinião, não necessitam de ter uma natureza continuada (neste sentido o acórdão do TCA Sul de 27/01/2004, P.º 06578/02, citado no ponto 19.º da contestação.)
14 Por último, recorre esta Representação da Fazenda Pública do valor atribuído ao processo na douta sentença, de € 41.009,55 (quarenta e um mil e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos), dado o mesmo não ser o correcto, pois conforme foi referido na parte final do art. 1.º da contestação, relativamente às dívidas de IVA dos quatro trimestres de 2001, não obstante estas constarem da citação, não foram, todavia, revertidas contra os oponentes, conforme se verifica no Despacho de Reversão, proferido em 25/07/2008, cfr. fls. 157 a 161 e 145 a 156 do Processo de Execução Fiscal, sendo o valor correcto do Processo de € 22.966,83 ( vinte e dois mil novecentos e sessenta e seis euros e oitenta e três cêntimos), conforme expressamente referido no final da contestação.
15- Pelo que, face ao exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que dê como provada a gerência de facto da sociedade devedora originária, por parte dos aqui oponentes, J... e C… e conclua pela sua legitimidade e pela legalidade da reversão, contra os mesmos levada a cabo, pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital, bem como altere o valor do processo para o valor correcto.
Nestes termos e nos melhores de direito e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que dê como provada a gerência de facto da sociedade devedora originária, por parte dos aqui oponentes, J... e C… e conclua pela sua legitimidade e pela legalidade da reversão contra os mesmos levada a cabo, pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital, bem como altere o valor do processo para o valor correcto, assim se fazendo JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento ao julgar procedente a oposição por falta de legitimidade dos oponentes.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. De acordo com a certidão permanente de fls. 15/16 do apenso, que se dá por integralmente reproduzida:
a. Pela Ap.1/19971205, foi registado o contrato de constituição da sociedade comercial “Construções C…, Lda”, tendo como sócios C... e seu irmão J..., aqui oponentes, com quotas no valor de € 2.500,00, cada um;
b. O oponente C... foi designado gerente por deliberação de 27/07/1999;
c. A sociedade ficava obrigada com a intervenção qualquer um dos gerentes;
d. A sociedade foi declarada insolvente por sentença proferida em 25/06/2007 e transitada em julgado em 06/08/2007 – cfr. Ap. 1/20070627 e 2/20101029.
e. O processo judicial de insolvência foi encerrado por decisão de 2/12/2010, por motivo de insuficiência da massa insolvente – cfr. Ap. 1/20101216.
2. De acordo com o Despacho de fls. 145 a 156, pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital foram instaurados contra a identificada sociedade comercial os processos de execução fiscal n.º:
i. 0809200201008072, autuado em 2002-11-18, no valor global de € 4.956,60, com base na certidão de dívida n.º 2002/20228695, relativa a IVA do 1.º trimestre de 2002, com data limite de pagamento de 2002002-05-15, efetuada com base na declaração periódica entregue pela sociedade, mas sem pagamento do valor apurado;
ii. 0809200301002112, autuado em 2003-06-05, com base na certidão de dívida n.º 2003/69938, no valor de € 6.314,39, relativa a IVA do 2.º trimestre de 2002, com data limite de pagamento de 2002-08-16, efetuada com base na declaração periódica entregue pela sociedade, mas sem pagamento do valor autoliquidado;
iii. 0809200401005570, autuado em 20034-07-14, com base nas certidões de dívida n.º 2004/154958 e 2004/154959, nos valores de respetivamente € 3.452,25 e € 7.391,29, relativas a IVA do 3.º e 4.º trimestres de 2002, com datas limite de pagamento de 2002002-11-15 e 2003-02-17, efetuadas com base nas declarações periódicas entregues pela sociedade, sem o correspondente meio de pagamento;
iv. 08092010501015095, autuado em 2005-09-15 com base na certidão de dívida n.º 2005/15592, no valor de 1.122,30, relativa a IVA do ano de 2003, com data limite de pagamento de 205-08-12, oficiosamente liquidado pela AT, em virtude de falta de apresentação das atinentes declarações periódicas.
3. Por despacho de fls. 145 a 156, que se dá por integralmente reproduzido, foram revertidas contra os aqui oponentes as dívidas em cobrança coerciva nas execuções fiscais identificadas no ponto 2. supra.
4. O aviso de receção que acompanhou a carta remetida para citação do oponente J... foi assinado pelo próprio no dia 1/08/2013 – cfr. fls. 157 e 158.
5. O aviso de receção que acompanhou a carta remetida para citação do oponente C... foi assinado, por 3.ª pessoa, no dia 1/08/2013 – cfr. fls. 159 e 160.
6. No dia 20/11/2002, C… assinou uma certidão de citação da devedora originária, na qualidade de respetivo sócio-gerente – fls. 6
7. Nos meses de janeiro a dezembro de 2002, a sociedade devedora original emitiu os recibos de fls. 19 a 30 do apenso que se dão por integralmente reproduzidos, dos quais consta o pagamento ao oponente J..., com a categoria de sócio gerente, dos vencimentos mensais de 523,74€ e descontos para a segurança social nos montantes mensais de 52,37€.
8. Nos meses de janeiro a novembro de 2002, a sociedade devedora original emitiu os recibos de fls. 31 a 41 do apenso que se dão por integralmente reproduzidos, dos quais consta o pagamento ao oponente C..., com a categoria de sócio gerente, dos vencimentos mensais de 523,74€ e descontos para a segurança social nos montantes mensais de 52,37€.
9. O oponente J... assinou a declaração de rendimentos modelo 22, apresentada pela sociedade devedora principal em 31/05/2001 – fls. 42 a 43 do apenso.
10. Em 4/04/2006 e no âmbito da inspeção à empresa “Construções C…, Lda”, C… subscreveu, na qualidade de declarante, o Auto de Declarações de fls. 44 no qual consta que «(…) declarou, por sua livre e expontânea vontade o seguinte:---------------------
-------1. Questionado acerca das suas funções na empresa acima identificada, informa que desde o início da actividade (02/01/1998), exerce as funções de gerente. (…)».
*
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.
*
Com interesse para a decisão, não há factos que importe registar como não provados.
*
IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
No Serviço de Finanças de Oliveira do hospital corre termos o processo de execução fiscal n.º 0809200101005324 para cobrança de dívidas de IVA dos anos de 2002 e 2003 revertida contra os ora oponentes.

Os oponentes contestaram a reversão, alegando em síntese, a prescrição da dívida exequenda, a falta de gerência efetiva da sociedade bem como a falta de cukpa na insuficiência do património social para solver as dívidas tributárias. O Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou recusando, por um lado, a prescrição da obrigação tributária e por outro a falta de gerência efectiva já que os mesmos praticaram actos de gerência da devedora originária. E quanto à falta de culpa não conseguiram ilidir a presunção que sobre eles recai, pelo que a questão terá de contra eles ser decidida.

Proferida a sentença, a MMª juiz julgou não verificado o decurso do prazo prescricional e quanto à (i)legitimidade dos oponentes decidiu que a “...AT não demonstrou como lhe competia, factos suficientemente indiciadores de que os oponentes exerceram a gerência da sociedade devedora principal nos anos a que respeitam as dívidas revertidas...” pelo que julgou procedente a oposição e determinou a extinção da execução fiscal na parte revertida contra os oponentes, fixando em € 41.0009,55 o valor da ação.

Depois de enunciar os pressupostos legais de que depende a reversão da execução contra os responsáveis subsidiários bem como o conteúdo substancial do exercício da gerência de uma sociedade, a sentença analisou cada um dos oponentes. Começando por J…, os factos provados relativos à “gerência” deste sujeito são os seguintes:
Assinou em nome e representação da sociedade a declaração de rendimentos por ela presentada em 31/05/2001;
Durante todo o ano de 2002 foi remunerado pela sociedade e efetuou descontos para a Segurança Social na percentagem correspondente aos titulares de cargos sociais (gerentes).

Considerou então a MMª juiz em relação a este Oponente que “... como de corre do já acima exposto, não é possível inferir o exercício da gerência pela prática de um ato isolado; de resto, o facto de alguém ser remunerado para praticar atos de gerência não significa que, efetivamente, os pratique e os autos não reúnem prova suficiente, mormente documental, que permita inferir, com razoável grau de segurança, que nos anos de 2002 e 2003, o oponente J… praticou atos de gerência”.

No que respeita a C... os factos relevantes são os seguintes:

Está registada a sua designação como gerente da sociedade desde a sua constituição.
Durante todo o ano de 2002 foi remunerado pela sociedade devedora e efetuou descontos para a segurança social como titular de cargo de gerente.

Também quanto a este sujeito a MMª juiz ponderou que “...tanto a designação para o cargo de gerente (gerência de direito) como a efetiva remuneração para a prática do correspondente cargo não implicam, necessariamente, o efetivo exercício do mesmo. Ademais, tendo em conta que a sociedade se obrigava com a intervenção de um só gerente e que o pai dos oponentes se identificava sempre como sócio gerente da devedora original, não é possível inferir, com a necessária segurança, que o oponente C… exerceu, de facto, tal cargo.”

E concluiu que “...a AT não demonstrou, como lhe competia, factos suficientemente indiciadores de que os oponentes exerceram a gerência da sociedade devedora principal nos anos a que respeitam as dívidas revertidas pelo que, sem necessidade de outros considerandos, devem os mesmos ser considerados parte ilegítima no processo de execução fiscal e, procedendo a oposição, ser aquele extinto na parte revertida contra os oponentes”.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública não se conforma com o decidido. Sustenta que existe um mínimo de prova nos autos que permite concluir pela existência de uma presunção judicial de gerência de facto da devedora originária por parte de ambos os revertidos. Assim, no que respeita a J... existe a assunção da qualidade de gerente de facto numa declaração entregue à AT, embora no ano anterior aos períodos de imposto em causa e o efetuar de descontos para a Segurança Social, na qualidade de gerente.
O mesmo sucede com C…, único gerente de direito da sociedade inscrito na Conservatória do Registo Comercial, pelo que de alguma forma tinha de intervir na vida da mesma, pois era o único que a podia vincular assinando documentos.

Afigura-se-nos que quanto a esta parte do recurso a AT não tem razão, como veremos de seguida, tendo presente o conteúdo do art.º 24.º/1 da LGT que dispõe:

«1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava.

A gerência é o órgão da sociedade que lhe permite actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito (1).

Ora, considerando a prova alcançada, o único acto que poderia integrar tal conteúdo seria a assinatura, em 2001 da declaração de rendimentos da sociedade devedora assinada por J.... Mas como logo de seguida notou o Exmo. Representante da Fazenda Pública, esta assinatura/declaração é anterior aos períodos de imposto que constituem a quantia exequenda, pelo que -acrescentamos nós – não parece pertinente provar a gerência efectiva de 2002 e 2003 com factos praticados em...2001.

Em todo o caso, como bem salientou a MMª juiz, não é possível inferir o exercício de gerência pela prática de um acto isolado como tem entendido a jurisprudência (2), pois não tendo a sociedade cessado a sua atividade, outros actos de gerência terão sido praticados para a manter activa, pelo que não teria a AT qualquer dificuldade em provar outros actos de gerência -se eles existissem. (3)

A remuneração como gerente é um elemento “perturbador” neste contexto. Se o sujeito é remunerado parece razoável supor que exerce as respetivas funções. Contudo, trata-se de um elemento meramente indiciador, que não reflecte necessariamente qualquer actuação de facto - que carecia de ser demonstrada uma vez que o exercício da gerência não se presume. Não é (apenas) por receber remuneração como gerente que alguém exerce, de facto, as respetivas funções.

Embora seja um elemento fortemente indiciador da gerência efetiva, não constitui prova segura da sua existência, pois como também já foi decidido neste TCA, “...a circunstância de ter ficado demonstrado que o Oponente consta na segurança social como MOE, e que recebeu rendimentos de categoria A nessa qualidade [alínea AA] é, em abstracto, meramente indicador da sua nomeação como gerente e indiciador de, eventual, gerência efectiva.
Por outro lado, daquela circunstância, não poderia, também, extrapolar-se para a conclusão de uma gerência de facto. Na verdade, a inscrição e o respectivo recebimento de rendimentos como MOE, surgem, usualmente, na decorrência de uma nomeação do contribuinte como gerente, sendo que, como vem sendo entendido, não é suficiente, por si só, para sustentar por parte do órgão de execução fiscal o exercício efectivo de tais funções pelos gerentes nomeados. Isto porque, conforme nos ensinam as regras da experiência comum, a inscrição como MOE na segurança social aparece associada à necessidade dos contribuintes fazerem descontos com vista à obtenção dos benefícios respectivos no caso das eventualidades previstas na lei, irrelevando a qualidade em que o fazem .
Por outro lado, o recebimento de rendimentos da categoria A, nessa qualidade, será uma decorrência daquela inscrição. Pelo que não tem a virtualidade de comprovar positivamente a alegada gerência de facto para o período em causa.” (4)
Estas reflexões ajustam-se também a C... em relação ao qual apenas se provou estar inscrito como gerente da sociedade desde a sua constituição e que durante o ano de 2002 foi remunerado pela sociedade e efetuou descontos para a Segurança Social como titular do cargo de gerente. Mas nenhum destes factos traduz qualquer acto de gerência efetivo pelo que deles também não se pode extrair a sua legitimidade para a execução revertida.

E não é demais recordar que recai sobre a AT o ónus de provar a gerência efetiva dos revertidos. E mesmo quando o tribunal extraia presunções judiciais a partir da prova de determinados factos isso não implica nunca a inversão do ónus da prova (5).

Por conseguinte, apenas podemos concluir que nesta parte a sentença andou bem.

A sentença fixou o valor da ação em € 41.009,55, por ser o valor em cobrança no processo de execução fiscal n.º 0809200101005324. Este valor fora contestado pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública com fundamento em que o IVA relativo a 2001 não foi objecto de reversão pelo que o valor do processo correspondente à soma das dívidas efetivamente revertidas contra os oponentes é de € 22.966,83.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública tem razão. No contencioso associado à execução fiscal, o valor da causa é o valor correspondente ao montante da dívida exequenda (art. 97º-A/e) do CPPT). Sendo € 22.966,83 o valor da dívida exigido aos oponentes, é este o valor que deve ser fixado à causa.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, com exceção da valor da acusa que se fixa em € 22.966,83.
Custas pela AT tendo em conta o valor da ação que ora se decide.
Porto, 8 de março de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles


(1) Ac. do TCAS n.º 06565/13 de 18-06-2013 Relator: JOAQUIM CONDESSO
(2) Cfr. ac. do TCAN n.º 3099/09.0BEPRT de 27-06-2014 Relator: Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Sumário:
VI) De um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade.
(3) Ac. do TCAN n.º 02534/12.5BEPRT de 24-11-2016 Relator: Vital Lopes
Sumário: 1. Na repartição do ónus de prova quanto aos pressupostos da responsabilidade subsidiária dos gerentes que decorre do n.º1 do art.º24.º da Lei Geral Tributária, (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a)); (ii) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art.º24º da LGT).
2. A Fazenda Pública não cumpre o ónus probatório que lhe incumbe na demonstração da efectividade da gerência se unicamente se apoia no facto de o oponente/revertido figurar como único gerente inscrito da devedora originária e ter assinado como seu representante legal duas declarações fiscais, de inicio de actividade e alterações, actos isolados não incompatíveis com uma gerência de tipo nominal
(4) Ac. do TCAN n.º 00489/06.4BEPNF de 15-09-2016 Relator: Ana Paula Santos
(5) Cfr. Ac. do STA n.º 0944/10 de 02-03-2011 Relator: ANTÓNIO CALHAU
Sumário: I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.
III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.
IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.