Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00019/12.9BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/04/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:IMPUGNAÇÃO; DÉFICE INSTRUTÓRIO; DIREITOS ADUANEIROS CEE; IVA; FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:I – Se não foi interposto recurso do despacho que dispensou, por desnecessária, a inquirição das testemunhas arroladas na P.I., formou-se caso julgado formal – artigo 620.º do CPC, ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

II - Todavia, tal não a impede de, em sede de recurso da decisão final, ser invocada, com relação a esta, vício de nulidade ou erro de julgamento de facto e/ou de direito, a demandar a ampliação da base instrutória ou a alteração/modificação da decisão de facto – sem prejuízo dos poderes que ao tribunal de apelação estão conferidos, mesmo impostos (artigo 662.º, n.1, do CPC), na modificação da matéria de facto – para que se mostre, afinal, relevante a produção da prova requerida, caso em que a decisão final deverá ser anulada e ordenada a baixa dos autos ao tribunal recorrido para suprir o défice instrutório.

III - Consagra o artigo 220.º, n.º 2, alínea b), do Código Aduaneiro Comunitário, a impossibilidade de registo de uma liquidação a posteriori do montante da liquidação dos direitos legalmente devidos, desde que se encontrem reunidos, em simultâneo, quatro condições, sendo a primeira delas que o registo da liquidação em montante inferior ao legalmente devido derive de um erro ativo das próprias autoridades aduaneiras, estando assim excluídos os erros resultantes da simples aceitação de elementos ou documentos juntos à declaração aduaneira, que se revelem posteriormente incorretos.

IV - O ato de liquidação adicional em causa repousa na observação de que a mercadoria em apreço não cumpria os critérios de origem necessários para que fosse considerada originária do país mencionado, pelo que não poderia beneficiar do regime preferencial – dispensa do pagamento dos direitos de importação.

V - A Administração Aduaneira, através do controlo a posteriori, verificou que a origem da mercadoria importada, constante do certificado apresentado aquando do desalfandegamento da mesma, se mostrava infirmada pelas informações, entretanto, recolhidas, pelo que pôs em causa a autenticidade dos certificados; ou seja, recolheu indícios consistentes de que a mercadoria em causa tinha origem diversa da declarada no certificado.

VI - Em face dos elementos recolhidos pela Administração Aduaneira que tornam insubsistente a declaração aduaneira apresentada pelo operador económico, ora Recorrente, cabia a este último demonstrar a origem da mercadoria e a consequente veracidade do certificado apresentado, o que no caso não sucedeu.
Recorrente:I., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO

1.1. I., Lda, devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 10/10/2011, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de direitos aduaneiros, IVA e juros compensatórios de IVA, no valor global de 28.917,01€, praticado pela Divisão de Controlo Aduaneiro e Venda de Mercadorias da Direção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto.

1.2. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) A Recorrente, na P.I. da Impugnação, alegou factos tendentes à demonstração, designadamente, de que as declarações de origem emitidas pela exportadora eram verdadeiras, conforme lhe foi assegurado por essa mesma exportadora (cfr. arts. 33º, 34º, 35º e 63º da referida P.I.).
b) Mais alegou que a mercadoria discriminada na Factura nº 70545, de 07/04/00 (cfr. doc. 4 junto com a P.I.) foi introduzida em livre prática em Hull, Reino Unido, através da apresentação da competente declaração às autoridades aduaneiras daquele Estado, por parte de outrem que não a ora Recorrente ou quem a pudesse representar (cfr. art. 7º da P.I. da Impugnação).
c) Ainda com referência a essa Factura nº 70545, de 07/04/00, a ora Recorrente alegou que o facto de a mercadoria nela discriminada ter sido registada nos seus stocks como bacalhau russo ficou a dever-se a mero lapso do funcionário responsável pelo lançamento e registo da mencionada aquisição (Exmo. Senhor C.) (cfr, art. 24º da RI, da Impugnação).
d) Sendo esses factos susceptíveis de serem provados através do depoimento das testemunhas que por si foram arrotadas na P.I. da Impugnação, a ora Recorrente tinha direito a que fosse produzida tal prova.
e) Apesar disso, o Tribunal a quo, mediante despacho proferido em 22/12/2008, decidiu não proceder à inquirição das referidas testemunhas, por entender que essa inquirição não se afigurava útil, tendo determinado a notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo de 30 dias.
f) Não se compreende que o Tribunal a quo, na Sentença recorrida, impute à Recorrente a falta de prova da "exactidão dos certificados de origem" (cfr. pág. 19) e de que "as mercadorias já tivessem entrado em livre prática em Inglaterra" (cfr. pág. 20), quando foi esse próprio Tribunal, através do referido despacho de 22/12/2008, quem impossibilitou essa prova.
g) No que concerne àqueles factos alegados pela Recorrente nos arts. 7º, 24º, 33º, 34º, 35º e 63º da P.I. da Impugnação, não se vislumbra como é que, pelo teor dos "documentos juntos ao PA e a estes autos" (cfr, despacho proferido pelo Tribunal a que em 22/12/2008), se tornaria desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas,
h) Tendo em consideração, designadamente, que no processo de impugnação são admitidos os meios gerais de prova (cfr. art. 115º do CPPT), entre os quais se inclui a prova testemunhal (cfr. arts, 118º e 119º do CPPT, 616º a 645º do CPC e 392º a 396º do CC), e que, conforme consta da Sentença recorrida, sobre a ora Recorrente Impendia o Ónus de "provar a exactidão dos certificados de origem", ao ter sido indeferida a inquirição de testemunhas requerida foi violado o disposto nos arts. 70º-1 da LGT, 114°, 115°-1 e 118° do CPPT, 3º-3 do CPC e, inclusive, o disposto nos arts. 20º-1 e 268º-4 da CRP,
i) Termos em que a Sentença recorrida deve ser revogada, ordenando-se a produção da prova testemunhal arrolada pela ora Recorrente na P.I. da Impugnação, assim se fazendo Justiça.
Sem conceder,
j) De forma distinta do que consta na Sentença recorrida, nunca foram transmitidos à Recorrente os fundamentos pelos quais as autoridades aduaneiras portuguesas concluíram que o bacalhau referido nas três facturas em causa não tem alegadamente a origem nelas declarada.
k) Nos "fundamentos" das liquidações impugnadas, no que concerne às mercadorias discriminadas na Factura 70272, de 21/02/00, e na Factura 70609, de 19/04/00, remete-se para a "resposta recebida das autoridades norueguesas".
I) Já no que concerne à mercadoria discriminada na Factura nº 70545, de 07/04/00, para além de igualmente se remeter para a alegada "resposta recebida das autoridades norueguesas", alega-se ainda a "inexistência, na Empresa, de documento aduaneiro válido e comprovativo da declaração de introdução em livre prática da mercadoria no TAC'.
m) Em qualquer dos casos, não se diz sequer quais foram as "autoridades norueguesas» que deram essa alegada "resposta" nem qual o teor desta mesma "resposta".
n) Sem ter conhecimento desses fundamentos, a ora Recorrente ficou impedida de exercer os direitos que a lei lhe conferia.
o) Se os fundamentos das liquidações impugnadas eram apenas aqueles que constam no documento nº 12 junto com a P.I. da Impugnação, essas liquidações enfermam de invalidade por falta de fundamentação; se, pelo contrário, existiam outros fundamentos que não foram notificados à Recorrente, as referidas liquidações são ineficazes relativamente a ela,
p) Pelo exposto, a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a Impugnação deduzida pela ora Recorrente, anulando-se, em consequência, os actos tributários impugnados, com fundamento na arguida ilegalidade.
Ainda sem conceder,
q) Contrariamente ao referido na Sentença recorrida, não se verificou, no caso sub jeiclice, qualquer "erro activo da própria lmpugnante detectado a posteriori pela Autoridade Aduaneira Competente" (cfr. pág. 18),
r) A ora Recorrente não teve, nem podia ter, conhecimento de que as declarações de origem apresentadas não correspondem alegadamente à realidade (o que só não ficou demonstrado nos autos do processo em epígrafe em virtude de o Tribunal a quo ter indeferido a inquirição das testemunhas que foram arroladas na P.I. da Impugnação), não aceitando, até prova segura em contrário, que a exportadora se prestasse a emitir falsas declarações.
s) Conforme é do conhecimento geral, o tipo de negócio em causa nos presentes autos é normalmente efectuado via contacto telefónico, sem que o importador da mercadoria proceda a um exame prévio da mesma,
t) Só quando a mercadoria chega ao importador é que este procede à sua análise e, no caso de a mesma não ter as condições acordadas, ou a recusa ou a adquire com redução de preço.
u) Os registos de liquidação efectuados são consequência de erros das próprias autoridades aduaneiras que não podiam razoavelmente ser detectados pela ora Recorrente, tendo esta, por seu lado, agido de boa fé e com rigorosa observância de todas as disposições previstas na regulamentação em vigor no que se refere à declaração aduaneira (cfr. art. 220º-2/b do CAC na redacção original, bem como a nova redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) nº 2700/2000, de 16/11/2000, J.O. n.º L 311, de 12/12/2000, p. 0017),
v) Sendo o estatuto das mercadorias importadas determinado com base num sistema de cooperação administrativa, a emissão de um certificado pelas autoridades aduaneiras, quando ele se revele incorrecto, constitui um erro que não podia ser razoavelmente detectado pelo devedor (cfr. art. 220º, § 2º, do CAC - nova redacção),
w) E a boa fé do devedor pode ser invocada, como o é, quando a Comissão não tenha publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias um aviso que refira dúvidas fundadas sobre a boa aplicação do regime preferencial pelo país beneficiário, o que, como foi alegado, no caso não sucedeu (cfr. art, 220º, § 5º, do CAC - nova redacção), e o devedor se tenha assegurado de que as condições preferenciais eram asseguradas (cfr. art. 220º, § 4º, do CAC - nova redacção).
x) Quando se encontrem satisfeitas as condições previstas no art. 220º-2/b do C.A.C., o registo de liquidação a posteriori não pode ser efectuado, pelo que a sua efectivação, verificando-se essas condições, constitui violação de lei, isto é, do citado preceito da legislação comunitária.
y) Termos em que, também com esse fundamento, a Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação deduzida, com as legais consequências,

z) A Sentença recorrida ofendeu, pelas razões supra expostas, as normas dos arts. 74º-1 da LGT, 114°, 115°-1 e 118° do CPPT, 3º-3 do CPC, 20º-1 e 268º-­4 da CRP, 268º-3 da CRP, 77º da LGT, 36º do CPPT, 124º e 125º do CPA, e 220º-2/b do C.A.C.
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, com verificação das respectivas consequências legais, como é de direito e de JUSTIÇA.».

1.3. A Recorrida não contra-alegou.
1.4. Foi emitido parecer pelo EPGA junto deste Tribunal considerando, sinteticamente, o seguinte:
«(…)
Parece-nos que o recurso não merece provimento.
I. Nulidade processual decorrente da omissão de inquirição das testemunhas em audiência contraditória, cominada como tal face ao preceituado nos normativos legais referidos na conclusão H.
Defende a recorrente que através da prova testemunhal arrolada propunha-se provar que:
a) As declarações de origem do produto, emitidas pela exportadora, eram verdadeiras.
b) Que a mercadoria da factura n.0 70545 fora introduzida em livre prática no Reino Unido, através da competente declaração às autoridades aduaneiras daquele Estado;
c) Que se deveu a mero lapso o registo, nos seus stocks, da mercadoria constante da factura 70545 como bacalhau russo.

Mas, salvo melhor opinião, sem razão.
Quanto aos factos aludidos nas al.s a) e b) não se vislumbra como é que poderiam ser comprovados através da prova testemunhal. Não se questiona que a exportadora tivesse emitido as declarações de origem do produto exportado. Afirma-se é a falsidade material do facto declarado, pois afirma-se tratar-se de produto beneficiário do regime pautal preferencial previsto no Acordo EEA — protocolo 4- do CAC, ou seja bacalhau origem Noruega, mas que na realidade não é, como se comprovou através de documentação emitida pelas autoridades competentes do país de origem do produto - Noruega.
E a prova da introdução em livre prática, no Reino Unido, da mercadoria constante da factura 70545, só através do competente documento de desembaraço alfandegário poderia ser comprovada, por se tratar de produto proveniente de país terceiro.


Saber se houve lapso, ou não, quanto ao registo nos stocks da impugnante, como bacalhau russo, do correspondente à factura n.º 70545, é totalmente inócuo para aquilatar da legalidade quanto à liquidação " a posterior " dos direitos aduaneiros devidos, pois que esta exigência tributária decorre tão só da prova de que o produto em causa não era de origem Noruega, sendo que este facto mostra-se provado, conforme flui do ponto 6 do probatório, em consequência das informações oficiais aos PAMAS solicitados às autoridades competentes da Noruega.

II. Vício de forma do acto impugnado.

Nesta sede defende a recorrente que na fundamentação do acto não se mostra concretizada qual a entidade da Noruega que declarou a falta de correspondência, no que à origem do produto concerne, verificada nas declarações apostas na exportação correspondente às facturas 70212 e 70609.
Obviamente que a referida declaração, como qualquer destinatário sabe, é da competência das autoridades alfandegárias do país exportador. Acresce que nem sequer se vê qual o interesse que reveste a predita concretizarão para a defesa da impugnante, pois que nem sequer pode questionar a incompetência da entidade que prolatou a declaração em causa, como profusamente vem justificado na fundamentação de direito vertida na sentença recorrida.
Por fim, a entender-se que a menção do autor do acto tem relevância, impunha-se que fizesse uso do preceituado no art. 37.º n.º 1, CPPT, ou que, aquando do exercício de audição prévia, consultasse o processo de procedimento conducente à liquidação " a posteriori " efectuada.

III. Erro de julgamento quanto à legalidade da liquidação efectuada.

Aqui importa apreciar a questão de saber se o julgado fez correcto julgamento ao decidir-se pela legalidade da AT ao desconsiderar o regime pautal aduaneiro preferencial aposto na declaração aduaneira correspondente à importação em causa.
Defende a recorrente que preenche todos os condicionalismos legais para aceder àquele regime pautal preferencial, face à declaração de origem do produto apresentada pelo importador, como se tratando de produto beneficiário desse regime aduaneiro preferencial.
Mas também agora sem razão, como sobejamente resulta da jurisprudência do TJCE, de que a sentença recorrida se apropriou na defesa da legalidade da liquidação " a posteriori " ora em crise.

Termos em que, e em conclusão, deve ser confirmada a sentença recorrida.».

Dispensados os vistos legais nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. QUESTÕES A APRECIAR
Tendo presente que as conclusões das alegações balizam o objeto do recurso e que não existem questões de que oficiosamente importe conhecer, cumpre apreciar e decidir se ocorre défice instrutório por não ter sido realizada a inquirição das testemunhas arroladas pela ora Recorrente e se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por não considerar que a liquidação em crise padece de vício de forma por falta de fundamentação ou de erro nos seus pressupostos de facto e de direito.

3. Fundamentação de Facto
3.1. A sentença recorrida contém o seguinte julgamento de facto:

« FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos a considerar com interesse para a decisão a proferir:
1) A Impugnante importou da Noruega bacalhau congelado destinado a transformação, «Gadus Morhua», conforme fls. 144, 147, 148, 151 do processo administrativo e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
2) No processo de importação referido em 1) foram preenchidos os seguintes documentos:
2.1) Em 2000/03/01 foi preenchido o documento único "D.U." n.° 200676.6 tendo sido apostos no exemplar 6, quadro («Referências especiais/ Documentos apresentados/Certificados e Autorizações»), os seguintes dizeres: «FACT 70272 de 2000/04/19» e no quadro 36 («Preferência»), os seguintes dizeres: «300» (Cfr fls. 149 do processo administrativo e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos);
2.2) Em 2000/03/01 foi preenchido o impresso de liquidação "I.L." n° 200676.6, tendo sido aposta no exemplar 1, casa B (NÚMERO E DATA DO REGISTO DA LIQUIDAÇÃO») o n.° 2000/0037001 e a data 00/03/01, seguida da rubrica do funcionário responsável pela aceitação, e liquidado o montante de 1.577.790 escudos, a título de direitos aduaneiros CEE, à taxa de 00% -(cfr fls 150 dos presentes autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
2.3) Em 2000/05/05 foi preenchido o documento único "D.U." n.º 201518.8, tendo sido apostos no exemplar 6, quadro «Referências especiais/ Documentos apresentados/Certificados e Autorizações»), os seguintes dizeres: «FACT 70609 de 2000/04/19» e no quadro 36 («Preferência»), os seguintes dizeres: «300» ( (Cfr fls. 155 do processo administrativo e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos);
2.4) Em 2000/05/05 foi preenchido o impresso de liquidação "I.L.", no 201518.8 tendo sido aposta no exemplar 1, casa B («número e data do registo da liquidação») o n.º 2000/0078212 e a data 00.05.05, seguida da rubrica do funcionário responsável pela aceitação, e liquidado o montante de 644.389$00 a título de direitos aduaneiros CEE, à taxa de 00% - (cfr fls 156 do processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
3) Nos DU's 200676.6 e 201518.8 a mercadoria referida em 1) foi declarada como bacalhau congelado (cfr fls 149 e 155 do processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidas)
4)

Relativamente à mercadoria declarada na factura no 70545 de 07.04.00, embora da mesma conste como origem da mercadoria UK e se encontre como aquisição intracomunitária, nos stocks da empresa o seu registo foi efectuado como bacalhau russo (cfr fls 152 do processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidas)
5) Foi efectuada uma Acção de Inspecção à ora Impugnante, no qual foram efectuadas PAMAS (Pedidos de Assistência Mútua Administrativa) às Autoridades Aduaneiras da Noruega e da Dinamarca (cfr fls 142 e143 do processo administrativo e que aqui se dão por integralmente reproduzidas),
6) Foi elaborado parecer pela Divisão Operacional Norte da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o consumo, relativo à acção de inspecção no 010067 — Proco IMP/02/01/01, no quais se diz, nomeadamente, o seguinte:
“(...) foi comunicada a resposta ao pedido n o 16/01, das Autoridades Norueguesas, do qual resulta:
- Tem origem Noruega, nos termos do Acordo EEA — Protocolo 4, todo o bacalhau congelado facturado pelo fornecedor da ILHAMAR — W., através da factura n° 73250 de 22/01/99 — DAU n° 2003644 de 09.02.99 e 46.382 kg da factura n° 70609 de 19.04.00 — DAU n° 2015188 de 05/05/00.
- Não tem origem, nos termos do Acordo EEA — Protocolo 4, o bacalhau congelado facturado pela factura do mesmo fornecedor, n° 70272 de 21/02/00 — DAU 2006766 de 01/03/00; factura n° 70545 de 07/04/00 e 15420 kg e factura n° 70609 de 19/04/2000.
Perante o teor da resposta recebida, procedeu-se à reanálise dos elementos disponíveis, do que se apura:
(...)
2. Factura n° 70272 de 21/02/00 — DAU 2006766 de 01/03/00 da Alfândega de (...). Esta factura foi emitida com o valor USD 153.907,07 e condições de entrega declaradas na factura DDP Aveiro. Por sua vez o DAU foi processado com valor aduaneiro da mercadoria calculado com base no valor facturado e condições de entrega CIF Aveiro. Por nota de crédito n° 90376 de 31/05/00 foi deduzido àquele montante facturado o valor de USD 9.911,60 por desconto de USD 0, 20/kg no tamanho 1-2Kg, sem que tenha sido expresso o motivo de tal desconto. Por Nota de crédito n° 90521 de 01/07/00 foi novamente creditado o preço/kg do mesmo tamanho e quantidade, agora pelo valor/kg de USD 0,25 e global de USD 12.389,50. O motivo invocado para este último crédito é — crédito devido por contrato. Nenhum destes créditos teve repercussão na declaração aduaneira.
Perante a resposta recebida das autoridades norueguesas no sentido de que o bacalhau vendido pela factura n° 70272 não reúne condições para beneficio de origem preferencial invocada no DAU 2006766 de 01.03.00;
Conclui-se pela revisão da declaração aduaneira, ao abrigo do disposto no artigo 78° do CAC, por alteração da preferência 300 para 100, revisão do valor aduaneiro da mercadoria, considerando as notas de crédito referenciadas e liquidação dos direitos e IVA devidos, no montante de €76.947,83 conforme cálculos constantes no mapa abaixo.
3. Factura n° 70609 de 19/04/00 — DAU 2015188 de 05/05/00 da Alfândega de (...). Esta factura foi emitida com o valor USD 152.414,90 e condições de entrega declaradas na factura DDP Aveiro. Por sua vez o DAU foi processado com valor aduaneiro da mercadoria calculado com base no valor facturado e condições de entrega CIF Aveiro. Por nota de crédito n° 90341 de 01/05/00 foi deduzido àquele montante facturado o valor de USD 9.697,30 invocando como motivo a falta de 3958,08Kg do tamanho 1-2,5 kg. Tal falta não foi objecto de declaração aduaneira nem mesmo de registo nas existências na empresa. Por Nota de crédito n° 90533 de 01/07/00 foi creditado o valor/kg de USD 0,35, na quantidade de 15420 kg, no tamanho 1-2kg, sendo alegado como motivo -crédito devido por contrato. Nenhum destes créditos teve repercussão na declaração aduaneira.
Perante a resposta recebida das autoridades norueguesas no sentido de que para 15420 Kg de bacalhau vendido pela factura n° 70609 de 19/04/00 não estão reunidas as condições de beneficio de origem preferencial invocada, pode inferir-se, face ao motivo invocado para emissão da nota de crédito n° 90533, em conjugação com as condições de entrega constantes das facturas, que o importador tinha conhecimento da inexistência de origem preferencial para a quantidade de 15420 kg do bacalhau importado;
Conclusão: deverá ser feita a revisão da declaração aduaneira, ao abrigo do disposto no disposto no artigo 78° do CAC, por alteração da preferência 300 para 100, para a quantidade de 15420 kg, revisão do valor aduaneiro da mercadoria, considerando as notas de crédito n° 90533, já que esta se reporta exclusivamente à mercadoria não abrangida pela declaração de origem e liquidação dos direitos de IVA devidos, no montante de € 4.321,21,conforme cálculos constantes no mapa abaixo.
4. FACTURA N° 70545 DE 07.04.00 — Esta factura documenta a compra de 20000 kg de bacalhau congelado ao fornecedor W.. Muito embora da factura conste como origem da mercadoria UK e se encontre como aquisição intracomunitária, nos stocks da empresa o seu registo foi efectuado como bacalhau russo.
Como comprovativo da introdução em livre prática apenas foi apresentado o CMR directo emitido como expedidor da Noruega — W., com destino a Ilhamar-Aveiro e entrega da mercadoria em Hull emitido em 06/04/00 e CMR n° 17760 para cobertura do transporte de Hull até Aveiro, para o mesmo meio de transporte, com data de 05/04/00, bem assim como nota de despacho de mercadorias n° 49771 da Firma J. e, porque da resposta formulada pelas autoridades norueguesas ao PAMA n° 16/2001 é indicado como não originário a coberto do Acordo EEA —Protocolo 4, para o bacalhau vendido por aquela factura, conclui-se pela liquidação dos direitos aduaneiros e IVA que, tal como consta do mapa abaixo, se cifram em e 7.406,19. (cfr fls 136 a 139 do processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
7) As declarações de importação a que aludem os n.°s anteriores foram objecto de revisão pela Alfândega de (...), tendo sido organizado o processo de cobrança a posteriori, ao qual foi atribuído o n.° DCA/CA/1-79/02, com base no parecer emitido na Divisão Operacional Norte referenciado no n° anterior.(cfr fls 165 e 166 do processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidas)
8) Por do ofício n° 3577 datado de 07.08.2002 foi a Impugnante notificada, mediante carta registada com aviso de recepção datado de 08.08.02, para exercer o seu direito de audição, antes da liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 60° n°1 da LGT. (cfr fis 165 dos processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidas)
9) Ao ofício referido em 6) respondeu a Impugnante, por carta datada de 14.08.2002 (cfr fls 168 dos processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
10) Em 07.10.2002 foi emitido parecer pelo Sr Chefe de Divisão da Alfândega do Porto, com o seguinte conteúdo: "Ao Exm° Director com parecer concordante com base nos fundamentos explanados a ,fls 36/37 do processo. Pelo que será de proceder ao registo da liquidação a posteriori à firma devedora nos termos próprios "(cfr fls 172, 173 e 178 do processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
11) Sobre o parecer a que alude o n.° anterior incidiu despacho do Ex.mo Director da Alfândega do Porto datado de 07.10.2002, com o seguinte teor: «Concordo. Registe-se e notifique-se» - fls. 178 dos autos;
12) Por ofício n° 604357 datado de 11.10.2002 foi a Impugnante notificada, mediante carta registada com aviso de recepção datado de 14.10.2002, "para pagar o montante em Euros 28.917,01 (vinte e oito mil, novecentos e dezassete euros e um cêntimos) relativo a uma dívida aduaneira objecto do registo de liquidação n° 900.116, de 02.10.2002 (conforme fotocópia do Impresso de Liquidação anexo) nos termos do artigo 220° do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Reg (CEE) n° 2913/92, do Conselho, pelo prazo de 10 dias a contar da data da recepção da presente notificação.(...).
O aludido despacho e respectivos fundamentos foram remetidos a V.Ex.ª quando da audição prévia efectuada através do n/ofício n° 3577 de 07/08/2002. (...).
(cfr fls 175 do processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidas)
13) Em 08.11.2002, foi endereçado à Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto e recebido em 11.11.2002, o cheque visado n° 0621051742 da Caixa Geral de Depósitos, no valor de € 28.917,01. (fls 188, 189 do processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
14) A Impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de 1ª instância de Aveiro em 21/01/2003 - cfr. carimbo aposto no cabeçalho da P.I.;
**
MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal resultou dos factos alegados, bem como da análise dos documentos juntos aos autos e não impugnados, que se encontram identificados na matéria de facto dada como assente.».
3.2. Atenta a sua relevância para adequada apreciação deste recurso, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º, n.º 1, do CPC, à matéria de facto fixada em 1.ª instância vamos aditar os seguintes factos / ocorrências processuais:
15) Em 22.12.2008 foi proferido despacho com o seguinte teor:
«(…)
Face aos documentos juntos ao PA e a estes autos, não se me afigura útil a inquirição das testemunhas arroladas, pelo que, notifique-se as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo de 30 dias.».
16) O despacho referido no ponto antecedente foi notificado a ambas as partes, a coberto dos ofícios de fls. 205 e 206 do suporte físico dos autos, cujo teor damos por integralmente reproduzido.

4. Fundamentação de Direito

4.1. Omissão da inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente
Foi deduzida impugnação judicial contra a liquidação a posteriori n.º 900.116, de 01/10/2002, de direitos aduaneiros CEE, IVA e respetivos juros compensatórios, respeitantes à mercadoria (bacalhau congelado) mencionada nas faturas n.º 70272, de 21/02/2000, n.º 70609, de 19/04/2000 e n.º 70545, de 07/04/2000 que, segundo as autoridades Norueguesas (a quem a AT dirigiu Pedidos de Assistência Mútua Administrativa) e ao contrário do que constava na respetiva declaração aduaneira, não tinha origem na Noruega e, por isso, não podia beneficiar do regime de tributação que lhe fora concedido.
A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, desde logo por não ter sido produzida a prova testemunhal que se propôs realizar para prova do alegado nos artigos 7.º, 24.º, 33.º, 34.º, 35.º e 63.º da petição inicial.
De facto, por despacho de 22/12/2008 (cfr. fls. 202 do suporte físico dos autos), foi acolhido o entendimento de que era inútil a inquirição das testemunhas arroladas, razão pela qual foram logo as partes notificadas para apresentar alegações escritas, sendo que apenas a Fazenda Pública as apresentou, ao contrário da ora Recorrente, que não reagiu, por qualquer forma, a tal notificação.
Acompanhamos a jurisprudência que dimana do acórdão do TCAS de 22/02/2018, proc. 170/14.0BECTB, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/cbeeaf78b909da17802582400055abb2?OpenDocument, quando sustenta que:
«Como de há muito o tem vindo a entender o STA, «o juiz, ao abrigo do disposto artº114º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pode proferir despacho a dispensar, por desnecessária, a inquirição de testemunhas arroladas, no âmbito dos seus poderes de livre apreciação. E de tal despacho pode ser interposto recurso, o qual, nos termos do nº1 do artigo 285º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “subirá nos autos com o recurso interposto da decisão final” - vd. Acórdão do STA, de 06/11/2008, proferido no proc.º0436/08.
Pois bem, não tendo a Recorrente interposto recurso do despacho a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas na P.I. conformou-se com os fundamentos da decisão. Tal despacho faz caso julgado formal – art.º620.º do CPC, ex vi do 2.º alínea e), do CPPT
Todavia, tal não a impede de, em sede de recurso da decisão final, vir invocar, com relação a esta, vício de nulidade ou erro de julgamento de facto e/ou de direito, a demandar a ampliação da base instrutória ou a alteração/modificação da decisão de facto – sem prejuízo dos poderes que ao tribunal de apelação estão conferidos, mesmo impostos (art.º662.º, n.1, do CPC), na modificação da matéria de facto – para que se mostre, afinal, relevante a produção da prova requerida, caso em que a decisão final deverá ser anulada e ordenada a baixa dos autos ao tribunal recorrido para suprir o défice instrutório.».
Tal como na situação relatada neste aresto, também no caso vertente a Recorrente não concretiza qualquer erro de julgamento, limitando-se a indicar os pontos de facto que visava demonstrar com recurso à prova testemunhal arrolada – os aludidos pontos 7, 24, 33, 34, 35 e 63 da p.i., onde alegou o seguinte:
«7.º
A mercadoria discriminada na Factura nº 70545, de 07/04/00 (cfr. doc. 4), foi introduzida em livre prática em Hull, Reino Unido, através da apresentação da competente declaração às autoridades aduaneiras daquele Estado, por parte de outrem que não a Impugnante ou quem a pudesse representar.
(…)
24.º
O facto de a mercadoria referida nessa Factura nº 70545, de 07/04/00, (cfr. doc. 4) ter sido registada nos stocks da Impugnante como bacalhau russo, deveu-se a mero lapso do funcionário da Impugnante responsável pelo lançamento e registo da referida aquisição (…).
(…)
33º
Logo que tomou conhecimento da existência do processo de liquidação a posteriori, a Impugnante entrou em contacto com a “W., AS”, tendo-lhe dado conta que as autoridades aduaneiras estavam a pôr em causa a origem norueguesa dos produtos que lhe comprara, designadamente os descriminados na Factura 70272, de 21/02/00 (cfr. doc. 2), na Factura 70609, de 19/04/00 (cfr. doc. 3) e também na Factura nº 70545, de 07/04/00 (cfr. doc. 4).
34º
Em resposta a “W., AS” garantiu à Impugnante serem erróneas as conclusões da inspecção em que se basearam as autoridades norueguesas, e que originaram as comunicações que estão na base das liquidações impugnadas.
35º
A “W., AS” confirmou à Impugnante que os produtos que por esta haviam sido importados, designadamente os que se encontravam discriminados nas referidas facturas, tinham origem norueguesa.
(…)
63º
Aliás, como já referiu, está ciente de que essas declarações são verdadeiras, como lhe é assegurado pela exportadora.».
A Recorrente propunha-se, portanto, demonstrar através de prova testemunhal que (i) a empresa “W., AS” lhe garantiu a origem norueguesa dos produtos mencionados nas faturas, que (ii) acreditou nela, que (iii) a mercadoria mencionada na fatura n.º 70545 foi introduzida em livre prática em Hull, Reino Unido, e que (iv) apenas por lapso foi a mesma registada na sua contabilidade como bacalhau russo.
Ora, a prova da introdução da mercadoria no consumo noutro Estado membro tem, necessariamente, de ser feita através de documentos. Quanto à restante factualidade, a prova testemunhal é irrelevante, pois a boa fé atendível, para o caso em apreço, não é a que decorre das meras declarações do vendedor da mercadoria, por muito convincentes que a compradora as considere. E, não obstante o princípio da admissibilidade dos meios gerais de prova em processo tributário plasmado no artigo 115.º do CPPT, a prova relevante (a da origem norueguesa dos produtos e da da boa fé atendível da Recorrente) não pode ser alcançada através de testemunhas.
As declarações da “W., SA”, desacompanhadas da necessária documentação que as comprove, bem como a convicção da Recorrente com base nelas formada são, pois, irrelevantes para determinação da origem da mercadoria em causa e da boa fé atendível da Recorrente, daí que não resulte evidente a necessidade da prova testemunhal para demonstração da factualidade alegada.
Para além disto, se a “W., SA” possuísse qualquer documento evidenciador da origem norueguesa desta mercadoria, por certo já o teria facultado à Recorrente e esta, por seu turno, tê-lo-ia junto aos autos.
Nesta medida, não ocorre o alegado défice instrutório que justifique a anulação da sentença para ampliação da matéria de facto, improcedendo o recurso nesta parte.

4.2. Quanto à falta de fundamentação do ato em crise
Relativamente a esta questão, a Meritíssima Juíza a quo entendeu que «não assiste razão à Impugnante, já que resulta do probatório (pontos 4, 6, 10) e da própria [p.i.] (artigos 38º e 39º), que foi expressamente notificada das razões de facto e dos fundamentos de direito que determinaram a liquidação impugnada, nomeadamente dos termos e do âmbito da inspecção.
Alega a Impugnante que desconhece “quais as autoridades aduaneiras norueguesas” e qual o “conteúdo” e os “fundamentos” das respostas dadas quanto à falta de origem do bacalhau e se “as referidas autoridades norueguesas tinham competência para as (inspecções) efectuar” (cfr artigos 36 a 47 da PI). As questões suscitadas pela Impugnante prendem-se com a perfeição da notificação da liquidação e não com a falta de fundamentação da liquidação, essa sim constitutiva de vício de forma que im[plica] a anulabilidade do acto de liquidação.
(…)
Assim, um acto está devidamente fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando consequentemente habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação que ser exaustiva mas acessível, no sentido de explícita.
Assim, em termos de fundamentação do acto e dadas as expressas circunstâncias em que foi praticado, tem-se a mesma por suficiente.
(…)
Ao contrário do que pretende a Impugnante, a falta ou insuficiência da notificação da fundamentação não afecta a legalidade do acto, tendo por consequência apenas a prevista no artigo 37.º, nos termos do qual, se a notificação não contiver todos os requisitos previstos na lei, pode o interessado requerer, dentro de 30 dias ou dentro do prazo de reclamação, recurso ou impugnação judicial, a notificação dos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha. A eventual irregularidade da notificação não gera qualquer vício de forma do acto notificado pois que não respeita à validade do mesmo mas à sua eficácia; não aos elementos do acto propriamente dito, mas à realização deste na ordem jurídica.».
No presente recurso, a Recorrente persiste na alegação de que não foi lhe dada a conhecer a fundamentação do ato tributário em crise, concluindo que a sentença recorrida, ao não ter assim entendido, enferma de erro de julgamento.

Sobre a fundamentação dos atos tributários tem o Supremo Tribunal Administrativo entendido, entre outros no acórdão proferido no recurso n.º 01173/14, de 09.09.2015, que É sabido que a falta ou insuficiência de fundamentação do acto, vício de natureza formal (e não substancial), se verifica quando o respectivo acto não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório. Sendo que a falta ou insuficiência de fundamentação não se confunde com o vício decorrente de erro sobre os pressupostos (este ocorre quando, apesar de o autor do acto ter dado a conhecer as razões em que suporta a decisão, tais razões não são, todavia, apropriadas ou suficientes ou demandavam diversa solução).
Este direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, decorria já do art. 1º, nº 1, als. a) e c) do DL nº 256-A/77, de 17/6 e tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP - art. 268º (Vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss.) - tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA, no art. 21.º do CPT (em vigor à data dos factos) e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário).
E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
E caso a fundamentação seja feita por forma remissiva (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta), estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo: este acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (Cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02.).
Na situação sub judice, consta do parecer, imediatamente antecedente da decisão de proceder à liquidação a posteriori, que esta se baseia (quanto às faturas n.º 70272 e 70609), por um lado, na desconsideração, sem motivo, das notas de crédito emitidas pelo fornecedor e, por outro lado, na:
- «resposta recebida das autoridades norueguesas no sentido de que o bacalhau vendido pela factura nº 70272 não reúne as condições para benefício de origem preferencial invocada no DAU 206766 de 01/03/00» e na
- «resposta recebida das autoridades norueguesas no sentido de que para 15420 Kg do bacalhau vendido pela factura nº 70609 de 19/04/00 não estão reunidas as condições de benefício da origem preferencial invocada».
Portanto, na parte relativa à origem da mercadoria, a ATA estriba-se na “resposta obtida das autoridades norueguesas”, para a qual remete. Importa, então, determinar se o teor de tal resposta satisfaz os requisitos de fundamentação exigível.
Neste ponto, importa atentar na jurisprudência do Tribunal de Justiça que dimana do acórdão C-97/95, de 17/07/1997, disponível em http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=43711&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2294528, no qual se considerou o seguinte:
«30. Segundo este sistema [de cooperação administrativa], incumbe aos operadores económicos que pretendem beneficiar de um regime aduaneiro preferencial demonstrar perante as autoridades competentes que as suas mercadorias são, pela sua origem, admissíveis para importação na Comunidade Europeia, com isenção de direitos aduaneiros. Como estabelece o artigo 6.°, n.º 1, do anexo II, a prova do carácter originário dos produtos é fornecida pelo certificado EUR. 1. O objectivo essencial do processo de controlo a posteriori é o de verificar a exactidão da origem indicada em tal certificado, anteriormente emitido (acórdão Huygen c o., já referido, n.º 16).
(…)
32. Resulta desta jurisprudência que a determinação da origem das mercadorias se baseia numa repartição de competências entre as autoridades do Estado de exportação e as do Estado de importação, no sentido de que a origem é determinada pelas autoridades do Estado de exportação, eventualmente a pedido das autoridades do Estado de importação, sendo a fiscalização do funcionamento do regime assegurada graças à cooperação entre as administrações interessadas. Este sistema justifica-se pelo facto de as autoridades do Estado de exportação serem as que estão em melhor situação para verificar directamente os factos que condicionam a origem, (acórdão Faroe Seafood e o., já referido, n.° 19).
33. Nestes mesmos acórdãos, o Tribunal declarou também que o mecanismo previsto só pode funcionar se a administração aduaneira do Estado de importação reconhecer as apreciações feitas legalmente pelas autoridades do Estado de exportação (acórdão Faroe Seafood e o., já referido, n.º 20).
34 O objectivo dos «resultados do controlo», na acepção do artigo 25. °, n.º 3, do anexo II é permitir às autoridades do Estado de importação determinar se o certificado EUR. 1 contestado é ou não aplicável às mercadorias realmente exportadas e se estas podem, efectivamente, beneficiar da aplicação do regime preferencial. Esta disposição não prevê, para as autoridades do Estado de exportação, qualquer obrigação de justificarem, perante o importador, a conclusão a que chegaram quanto à validade do certificado.» - o sublinhado é da nossa autoria.
Pese embora esta jurisprudência tenha sido proferida à luz do regime anterior à vigência do Código Aduaneiro Comunitário, afigura-se-nos que ainda logra aplicação ao caso em análise, que respeita a importações ocorridas no ano de 2000.
Com efeito, pode ler-se no artigo 95.º, n.º 3, do Regulamento (CEE) nº 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) nº 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, que «3. Quando o pedido para um controlo a posteriori tiver sido feito nos termos do disposto no n° 1, esse controlo será efectuado e os seus resultados comunicados às autoridades aduaneiras da Comunidade no prazo máximo de seis meses. Os resultados devem permitir determinar se o certificado de origem, formulário A, ou o formulário APR, objecto do controlo dizem respeito aos produtos efectivamente exportados e se estes podem de facto beneficiar das preferências pautais referidas no artigo 66°.».
Ou seja, em face deste normativo, a fundamentação exigível – quando estejam em causa os formulários A ou APR – limita-se à determinação de que os certificados de origem objeto do controlo respeitam aos produtos efetivamente exportados e se estes podem beneficiar das preferências pautais. E, se assim quanto aos certificados de origem “A” e “APR”, na falta de indicação em contrário, também o poderá ser quando a certificação da origem conste das faturas e de DAU.
Nesta perspetiva das coisas, deve considerar-se que os atos em crise contêm a fundamentação legalmente exigida, não enfermando, por isso, do vício de forma que lhes vem apontado.
4.3. Quanto aos erros de Direito
A Recorrente também sustenta que a sentença recorrida enferma de erros de julgamento de Direito, porquanto, segundo as conclusões q) a v) das alegações de recurso, não se verificou, no caso sub judice, qualquer "erro activo da própria lmpugnante detectado a posteriori pela Autoridade Aduaneira Competente", pois a Recorrente não teve, nem podia ter, conhecimento de que as declarações de origem apresentadas não correspondem alegadamente à realidade, não aceitando, até prova segura em contrário, que a exportadora se prestasse a emitir falsas declarações; os registos de liquidação efectuados são consequência de erros das próprias autoridades aduaneiras que não podiam razoavelmente ser detectados pela ora Recorrente, tendo esta, por seu lado, agido de boa fé e com rigorosa observância de todas as disposições previstas na regulamentação em vigor no que se refere à declaração aduaneira (cfr. art. 220º-2/b do CAC na redacção original, bem como a nova redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) nº 2700/2000, de 16/11/2000, J.O. n.º L 311, de 12/12/2000, p. 0017). Mais considera a Recorrente que sendo o estatuto das mercadorias importadas determinado com base num sistema de cooperação administrativa, a emissão de um certificado pelas autoridades aduaneiras, quando ele se revele incorrecto, constitui um erro que não podia ser razoavelmente detectado pelo devedor (cfr. art. 220º, § 2º, do CAC - nova redacção) e que a boa fé do devedor pode ser invocada, como o é, quando a Comissão não tenha publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias um aviso que refira dúvidas fundadas sobre a boa aplicação do regime preferencial pelo país beneficiário, o que, como foi alegado, no caso não sucedeu (cfr. art, 220º, § 5º, do CAC - nova redacção), e o devedor se tenha assegurado de que as condições preferenciais eram asseguradas (cfr. art. 220º, § 4º, do CAC - nova redacção). Conclui, assim, que quando se encontrem satisfeitas as condições previstas no art. 220º-2/b do C.A.C., o registo de liquidação a posteriori não pode ser efectuado, pelo que a sua efectivação, verificando-se essas condições, constitui violação de lei, isto é, do citado preceito da legislação comunitária.
Sobre uma questão factualmente idêntica já se pronunciou este TCAN, no seu acórdão de 7/02/2019, rec. 3757/2004, em termos que, por merecerem a nossa total adesão, passamos a transcrever:
Não podemos deixar de enquadrar a questão, dizendo que não estamos perante uma situação em que as autoridades aduaneiras portuguesas deviam ter renunciado à liquidação a posteriori – cfr. artigo 220.º, n.º 2, alínea b) do Código Aduaneiro Comunitário (CAC).
Dispõe o referido normativo que não se efectuará um registo de liquidação a posteriori quando o registo de liquidação do montante dos direitos legalmente devidos não tiver sido efectuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, que não podia ser razoavelmente detectado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa-fé e observado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira.
A regra geral é a de que o montante de direitos que for legalmente devido deve ser liquidado e pago, o que está em consonância com a indisponibilidade das receitas fiscais e a legalidade procedimental. A boa-fé, a diligência, a ignorância da irregularidade que impediu a cobrança oportuna de direitos aduaneiros não aproveita, em princípio, ao declarante – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 25/05/2004, proferido no âmbito do processo n.º 1228/03.
Porém, o devedor tem direito a que não se proceda à cobrança a posteriori quando se verifiquem três condições cumulativas:
(1) - que os direitos não tenham sido cobrados devido a erro das próprias autoridades aduaneiras competentes;
(2) - que o erro cometido pelas autoridades aduaneiras competentes não pudesse razoavelmente ser detectado pelo devedor de boa fé;
(3) - que o devedor tivesse observado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor, no que respeita à declaração aduaneira.
Bastará que um destes pressupostos não se verifique para que não possa haver a renúncia à liquidação a posteriori.
Merecem especial análise os dois primeiros:
(1) - «Erro das autoridades aduaneiras»: Tem que ser um «erro activo», isto é, o erro tem que resultar de comportamento activo das autoridades aduaneiras competentes. A protecção da confiança do devedor que o normativo em causa visa salvaguardar só faz sentido se tiverem sido as próprias autoridades competentes a criar a base em que tal confiança assenta.
São excluídos os erros resultantes de declarações inexactas do devedor, visto que o erro não emerge então de qualquer actuação da autoridade aduaneira.
São também excluídos os erros resultantes de declarações inexactas do terceiro exportador (vg. quanto à origem da mercadoria), «cuja validade não têm de verificar ou apreciar. Em tal caso, é o devedor que suporta os riscos de um documento comercial que se revele falso aquando de um controlo posterior».
Porém, o erro pode também resultar de um comportamento activo das autoridades aduaneiras do país exportador (que também são autoridades aduaneiras para os efeitos do citado normativo), o que sucederá designadamente quando este ateste dados em que o próprio importador deva confiar.
(2) - «Que não pudesse ser razoavelmente detectado pelo devedor de boa-fé». Este requisito pressupõe um dever de diligência por parte do devedor. E não é um dever genérico, civilístico, do bom cidadão (do bonus cives). Não se apela a um padrão de diligência exigível ao homem médio, visto que deve ser levada em conta a experiência profissional de quem apresenta a declaração de importação.
Se o erro é ou não detectável implica, por outra via, a sua apreciação à luz da complexidade da regulamentação aplicável e a reincidência no erro pelas autoridades.
Este último pode contribuir para reforçar a convicção do devedor, normalizar o seu entendimento e densificar, por isso, a sua boa-fé.
«É detectável com razoabilidade pelo devedor o erro da autoridade aduaneira quando, pela simples consulta do texto legal, da publicação obrigatória, sobre o qual incidiu o referido erro, o devedor esteja em condição de dele se aperceber. Foi considerado como tal o erro na indicação da taxa, cometido na pauta de serviço, detectável pela consulta do Jornal Oficial que publicou o regulamento comunitário com base no qual foi elaborada aquela informação».
Desde logo, ressalta que o erro em apreço é na declaração da Recorrente que reside, que foi emitida com base em documentos de terceiro – factura n.º 32966 [in casu, faturas n.º 70272 e 70609] que atesta que a S. [in casu, W., SA] era exportador autorizado pela Alfândega Norueguesa e que o bacalhau era de origem norueguesa – cfr. ponto 3 do probatório.
A aceitação da declaração não exprime qualquer acto de reconhecimento ou certificação por parte das Autoridades Aduaneiras de conformidade daquela declaração com os pressupostos de acesso à isenção de direitos aduaneiros, ou seja, não se confirmam as condições de acesso, mas apenas que a declaração está em condições de ser recebida – cfr. o artigo 63.º do CAC, que determina que as declarações que obedeçam às condições do artigo 62.º são imediatamente aceites.
Assim, o documento referido nos pontos 4, 5 e 6 do probatório [Para proceder à importação daquele bacalhau foi emitido na Noruega, o EUR 1 - H 183927; Aquele documento tem o carimbo das autoridades alfandegárias norueguesas; E só é emitido para mercadorias com tratamento preferencial como é o caso do bacalhau de origem norueguesa] é emitido com base na declaração do importador.
Pelo que não pode concluir-se que se está perante um erro activo das Autoridades Aduaneiras. Como havíamos referido, estão excluídos do artigo 220.º, n.º 2, alínea b) do CAC os erros resultantes de declarações inexactas do terceiro exportador quanto à origem da mercadoria. O probatório indica que o erro será imputável ao exportador autorizado, que atestou a origem do bacalhau, e, em tal caso, é o devedor que suporta os riscos de um documento comercial que se revele falso aquando de um controlo posterior.
Nesta conformidade, é forçoso concluir não estarmos perante um erro activo das Autoridades Aduaneiras, falecendo, desde logo, o primeiro requisito de que depende a renúncia à liquidação a posteriori a que fizemos referência.
Ainda assim, importará sindicar se a sentença recorrida errou no seu julgamento e se falham as condições (outras), em concreto, para a liquidação em crise.
Para tanto, chamamos à colação a fundamentação constante do Acórdão do TCA Sul, de 03/12/2015, proferido no âmbito do processo n.º 07970/14:
“(…) A este propósito, estabelece o artigo 94.º do Regulamento (CEE) n.º 2454/93, da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que aprova as Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro de 1992/DACAC, o seguinte:
«1. O controlo a posteriori dos certificados de origem, fórmula A, e das declarações na factura é efectuado a título de sondagem ou sempre que as autoridades aduaneiras da Comunidade tenham dúvidas fundamentadas quanto à autenticidade do documento ou à exactidão das informações respeitantes à verdadeira origem dos produtos em causa. // 2. Para efeitos da aplicação do disposto no n.º 1, as autoridades aduaneiras da Comunidade enviarão uma cópia do certificado de origem, fórmula A, ou da declaração na factura à autoridade central competente do país de exportação beneficiário, indicando, se for caso disso, os motivos de fundo ou de forma que justificam o inquérito. As referidas autoridades juntarão à cópia do certificado de origem, fórmula A, ou da declaração na factura, a factura, caso esta tenha sido apresentada, ou cópia dessa factura, bem como qualquer outro eventual documento comprovativo. As autoridades aduaneiras enviarão igualmente quaisquer informações obtidas que levem a supor que as menções constantes do certificado ou da declaração na factura em causa são inexactas. Caso decidam suspender a concessão das preferências pautais referidas no artigo 67.º na pendência dos resultados do controlo, as autoridades aduaneiras proporão ao importador a saída dos produtos, subordinada às medidas cautelares consideradas necessárias. // 3. Quando um pedido de controlo a posteriori tiver sido feito nos termos do disposto no n.º 1, esse controlo será efectuado e os seus resultados comunicados às autoridades aduaneiras da Comunidade no prazo máximo de seis meses. Os resultados devem permitir determinar se o certificado de origem, fórmula A, ou a declaração na factura em causa, se aplica aos produtos efectivamente exportados e se estes podem de facto beneficiar das preferências pautais referidas no artigo 67. º // 4. No caso de certificados de origem, fórmula A, emitidos nos termos do artigo 91.º, a resposta deve incluir o envio de uma (das) cópia(s) do(s) certificado(s) de circulação EUR.1 ou, se for caso disso, da(s) declaração(ões) na(s) factura(s) correspondente(s). // 5. Se existirem dúvidas fundamentadas e não tiver sido obtida resposta no termo do prazo de seis meses fixado no n.º 3, ou se a resposta não contiver informações suficientes para a determinação da autenticidade do documento em causa ou da verdadeira origem dos produtos, será enviada às autoridades em causa uma segunda comunicação. // Se, após esta segunda comunicação, os resultados do controlo não tiverem sido comunicados às autoridades requerentes no prazo de quatro meses, ou se estes resultados não permitirem a determinação da autenticidade do documento em causa ou da origem real dos produtos, as autoridades requerentes recusarão o benefício das medidas pautais preferenciais, salvo em caso de circunstâncias excepcionais. // As disposições do primeiro parágrafo aplicam-se entre os países de um mesmo grupo regional para efeitos do controlo a posteriori dos certificados de origem, fórmula A, emitidos ou das declarações na factura efectuadas em conformidade com a presente secção. (…)».”
Sobre o regime em apreço não oferece dúvida que: «Nos termos do art. 78.º do CAC e [do art. 26.º do Protocolo 1 da Quarta Convenção ACP-CEE], a Administração Aduaneira pode proceder legitimamente à revisão da declaração aduaneira após a concessão da autorização de saída das mercadorias, assim como proceder a controlos a posteriori para se certificar da exactidão dos elementos da declaração e, no caso de constatar que as disposições que regem o regime aduaneiro foram aplicadas com base em elementos inexactos ou incompletos, deve tomar as medidas necessárias para regularizar a situação tendo em conta os novos elementos de que dispõe, liquidando adicionalmente os impostos que não tenham sido devida e legalmente recebidos.
Como decorre do disposto no art. 78.º, n.º 3, do CAC e [do art. 26.º, n.º 6, do Protocolo 1 da Quarta Convenção ACP-CEE], e repetida e uniformemente o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem afirmado, o ónus da prova de que as mercadorias importadas estão em condições de beneficiarem de uma dada preferência pautal cabe aos operadores económicos interessados.
E se tal ónus da prova pode ser fonte de inconvenientes no que diz respeito, em particular quando aquele tiver importado de boa-fé, a mercadorias do Estado beneficiário de preferências pautais cuja origem foi posteriormente posta em causa num controlo a posteriori, importa recordar que um operador económico avisado e conhecedor do estado da regulamentação deve, na avaliação que faz das vantagens que o comércio de mercadorias susceptíveis de beneficiar de preferências pautais pode proporcionar, ter em conta os riscos inerentes ao mercado que prospecta e aceitá-los como fazendo parte da categoria dos inconvenientes normais do negócio» - cfr. Acórdão do TCAN, de 28/02/2013, proferido no âmbito do processo n.º 00068/01-Porto.
In casu, constata-se que a Administração Aduaneira, através do controlo a posteriori, verificou que a origem da mercadoria importada, constante do certificado apresentado aquando do desalfandegamento da mesma, se mostrava infirmada pelas informações entretanto recolhidas - que expressamente afirmaram não ter o bacalhau origem na Noruega, pelo que Administração Aduaneira pôs em causa a autenticidade do certificado; ou seja, recolheu indícios consistentes de que a mercadoria em causa tinha origem diversa da declarada no certificado.
Em face dos elementos recolhidos pela Administração Aduaneira que tornam insubsistente a declaração aduaneira apresentada pelo operador económico, ora Recorrente, cabia a esta última demonstrar a origem da mercadoria e a consequente veracidade do certificado apresentado, o que no caso não sucedeu.
Recorde-se que constitui jurisprudência assente a seguinte: «é ao importador que requer a dispensa do pagamento dos direitos de importação que incumbe provar a origem das mercadorias. Com efeito, como recordou o Tribunal de Justiça no acórdão de 6 de julho de 1993, CT Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão (C-121/91 e C-122/92, Colet., p. I-3873, n.º 39 Cf. § 39: “…para obter a dispensa de pagamento dos direitos, incumbe ao importador, e não à Comissão, provar que a mercadoria importada é originária de um Estado ACP” (http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:61991CJ0121)., não é à Comissão que incumbe demonstrar a origem do produto, mas ao importador que requer a dispensa do pagamento dos direitos Acórdão do Tribunal Geral da UE, de 18.06.2012, P. T-159/09, §32 (http:// curia. europa. eu/ juris/document/document.jsf?text=&docid=124021&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=521396)..
Donde resulta que, perante a existência de indícios da falta de aderência à realidade do certificado emitido no que respeita à origem da mercadoria importada e na falta de demonstração por parte da Recorrente de que a origem efectiva dos produtos importados corresponde à inscrita na declaração aduaneira apresentada, é de acompanhar a sentença recorrida.».
Aplicando esta jurisprudência ao caso presente, temos de concluir como no aresto acabado de transcrever, no sentido de que nada impedia as liquidações a posteriori aqui em crise, as quais devem ser mantidas, assim como a sentença recorrida, negando-se provimento a este recurso.

5. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 4 de junho de 2020


Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio