Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00326/14.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/18/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:José Vital Brito Lopes
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
ÓNUS DE PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO.
Sumário:1. É sobre o executado que pretende obter a dispensa de prestação de garantia que recai o ónus de demonstrar que se verificam os requisitos legais de que depende o seu deferimento e, nomeadamente, que não lhe é subjectivamente imputável a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis;
2. Não logra fazer tal prova o executado que se limita a debitar à crise económica do país a situação de insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis que alega, sem concretizar factos tendentes à demonstração das reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens que o tribunal tenha validado em sede probatória e ainda que possam encontrar a sua génese na crise económica do país.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação interposta por E…, Lda., nos termos do art.º276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, datado de 15/11/2013, que no processo de execução fiscal n.º1902201301053477 lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia da dívida exequenda.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal, interposta nos termos do disposto no art.º 276º do CPPT, do despacho proferido em 15-11-2013, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1902201301053477 (adiante designado PEF), contra si instaurado, que indeferiu o pedido de isenção de prestação de garantia formulado, tendo em vista a suspensão da execução, nos termos do art. 169º do CPPT, em face da pendência de reclamação graciosa deduzida contra as liquidações de IVA exigidas nos presentes autos.
B. Decidiu a meritíssima Juíza a quo pela ilegalidade do despacho que indeferiu a isenção de prestação de garantia por entender que a reclamante cumpriu com o ónus da prova da verificação de todos os requisitos de que depende a sua concessão e que a AT nada fez para demonstrar a culpa da reclamante na inexistência de bens.
C. Não pode a Fazenda Pública concordar com este entendimento, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de facto e direito, porquanto, não resulta dos autos que a reclamante tenha provado, conforme lhe competia, o preenchimento das condições legalmente exigidas para que a AT concedesse a isenção de garantia, e que não impende sobre a AT o ónus de provar a sua culpa pela inexistência de bens.
D. Perante a questão controvertida, isto é, se se encontra provada nos autos a verificação dos pressupostos de que depende a concessão de prestação de garantia, uma vez que a reclamante invocou todos os previstos no n.º 4 do art. 52º da LGT, entendeu a meritíssima Juíza a quo como provado, relativamente aos dois requisitos alternativos - prestação de garantia cause prejuízo irreparável ou cause falta de meios económicos – que a situação económico-financeira da executada inviabiliza a prestação de garantia.
E. E, por outro lado, relativamente ao requisito da falta de culpa pela insuficiência ou inexistência de bens, a meritíssima Juíza deu-a como provada atento ao facto notório relativo à recessão económica que afectou e afecta o país, entendendo que, com a sua alegação por parte da reclamante, impenderia sobre a AT o ónus de demonstrar que essa situação de insuficiência ficou a dever-se a qualquer outro tipo de circunstâncias.
F. Resulta do n.º 4 do art. 52º da LGT que é ao executado que pretende a concessão de isenção de prestação de garantia que incumbe o ónus da prova dos pressupostos de que depende tal isenção.
G. Está por provar nos autos a difícil situação financeira com que a reclamante pretende fundamentar o requisito do prejuízo irreparável, sendo que a reclamante queda-se, no requerimento apresentado, a invocar tal situação financeira, sem avançar qualquer elemento em que ele se revele, nem, tão pouco, a necessária prova da sua real existência. Como se disse, a reclamante limita-se a invocá-la.
H. Por outro lado, a falta de meios económicos que a prestação da garantia provocaria é fundamentada com o reduzido volume de negócios do ano de 2012, a sua cessação de actividade, assim como, a inexistência de bens, que a Fazenda Pública entende não serem demonstrativos da alegada difícil situação financeira.
I. Salvo o devido respeito, que é muito, incorreu a meritíssima Juíza em erro de julgamento da matéria de facto, porquanto, os elementos de prova carreados para os autos não permitem concluir como verificado que a prestação de garantia provocasse quer o prejuízo irreparável, quer a falta de meios económicos, invocados pela reclamante.
J. Por outro lado, quanto à questão da verificação do requisito da falta de culpa pela insuficiência ou inexistência de bens, a meritíssima Juíza seguiu de perto o entendimento vertido no acórdão do Plenário do STA de 17-12-2008, no qual se declara que, uma vez que sobre o executado recai o ónus da prova de um facto negativo – de acrescida dificuldade, o princípio constitucional da proibição da indefesa (art. 20º da CRP) impõe uma menor exigência provatória por parte do aplicador do direito. O que levará a dever-se considerada provada a falta de culpa quando o executado demonstre a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e a AT não fizer prova da concorrência da sua actuação para aquela insuficiência e inexistência.
K. Na situação em apreço não pode a Fazenda Pública concordar que o facto notório da crise que afectou e afecta o país seja considerada causa demonstrativa da insuficiência ou inexistência de bens que faça inverter o ónus da prova da culpa da reclamante para a AT, conforme pretende o Tribunal recorrido, uma vez que tal causa há-de ter haver directamente com o executado em causa, que não a existência de um facto genérico, como a crise económica de um País.
L. A inversão do ónus da prova defendida no referido acórdão só operará perante a invocação e demonstração de uma causa directamente contendente com a reclamante, da qual se extraísse um nexo de causalidade para a insuficiência ou inexistência de bens, o que não se verifica in casu.
M. Incorreu a meritíssima Juíza a quo em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, a mera invocação da crise geral que afectou e afecta o país não é susceptível de impor à AT o ónus de provar que a insuficiência de bens da reclamante é devida à sua conduta.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento de facto e de direito».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A recorrida não apresentou contra-alegações.

Remetidos os autos a este tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, a questão a decidir reconduz-se, nuclearmente, a indagar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a reclamante, ora recorrida, cumpriu o ónus probatório que lhe incumbia na demonstração dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

«1. Em 31.03.2012 a sociedade Reclamante cessou a sua actividade em Imposto sobre o Valor Acrescentado – cfr. informação lavrada no Serviço de Finanças de Vila do Conde a fls. 80 dos autos;
2. Em 21.05.2013 o Serviço de Finanças de Vila do Conde instaurou contra a sociedade E…, Lda. o Processo de Execução Fiscal 1902201301053477 visando a cobrança coerciva de €100 491, 77 e acrescidos devidos a título de Imposto sobre o Valor Acrescentado do ano de 2011 – cfr. informação constante de fls. 51 dos autos, para cujo teor se remete e o qual se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
3. Em 26.06.2013 a Reclamante deu entrada no Serviço de Finanças de Vila do Conde de Reclamação Graciosa onde impugna a legalidade das liquidações por força das quais foram emitidas as certidões de dívida que deram origem à instauração d o presente Processo de Execução Fiscal – cfr. petição de fls. 21 dos autos bem como o teor da informação de fls. 51 dos autos para os quais se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
4. Em 12.07.2013 o Reclamante apresentou ao Processo de Execução Fiscal id. em 2. pedido de dispensa de prestação de garantia e a suspensão da execução – cfr. informação constante e fls. 51 dos autos, para cujo teor se remete e o qual se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
5. A Reclamante fundamenta o requerimento de isenção de prestação de garantia, nos seguintes termos:
“a requerente tem uma manifesta falta de meios económicos revelada, desde logo, pela inexistência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescidos, a qual não pode ser imputada a sua responsabilidade;
Com efeito,
O activo da Requerente é insuficiente para prestar a garantia exigida no presente Processo de Execução Fiscal;
A Requerente não é proprietária de qualquer imóveis, veículos automóveis, ou mercadorias susceptíveis de garantir a quantia exequenda nos termos do disposto no art. 199º n.º3 do Código de Procedimento e Processo Tributário;
Por outro lado o volume de facturação da Requerente (…) não lhe permite obter os necessários meios para prestar garantia bancária, caução ou seguro-caução, considerando, atento o valor da dívida exequenda do presente Processo de Execução Fiscal;
O volume de facturação da Executada (…) referente ao ano civil de 2012 assumiu o valor de €12 400 (…);
Em Maio de 2012 a Requerente encerrou a sua actividade para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado;
Desde esse período a Requerente não transaccionou qualquer outro bem ou serviço;
Não tendo, em face disso, obtido qualquer rendimento em resultado da sua actividade comercial
Perante este cenário de dificuldades de tesouraria é manifesto que as instituições bancárias com quem tem relações comerciais não se disponibilizem para prestar garantias bancárias até ao montante suficiente;
(…)
A recessão económica que afectou o nosso país (…) foi o factor determinante para a estagnação da actividade da Requerente;
Não obstante, a Executada, tem vindo a diligenciar na angariação de novos clientes, procurando, desta forma, retomar a sua actividade;
Ocorre que, no entanto, o eventual prosseguimento do Processo de Execução Fiscal vem colocar em perigo a própria prossecução da actividade da executada;
Pelo que o eventual prosseguimento do presente Processo de Execução Fiscal, e inerente exigibilidade da prestação de garantia, causa prejuízo irreparável para a executada;
(…) no caso, não poderá ser imputada qualquer responsabilidade à executada pela situação de insuficiência económica
- cfr. requerimento de isenção de prestação de garantia apresentado pela Reclamante junto do Processo de Execução Fiscal, constante de fls. 22 e seguintes dos autos para o qual se remete e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
6. Com o pedido de isenção de prestação de garantia o Reclamante juntou comprovativo de entrega de declaração modelo 22 – via internet – referente ao ano de 2012 – cfr. documento constante de fls. 28 e seguintes dos autos para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais;
7. Em 15.11.2013 o Chefe de divisão, por subdelegação de competências proferiu despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos e com os fundamentos constantes na informação prestada pela Direcção de Finanças do Porto – DGDE, da qual se realça: “os fundamentos apresentados são, além de genéricos, inconclusivos, podendo de igual modo ser alegado pela maioria dos executados, que pretendam afastar o ónus da prestação, pois se a Administração Tributária o atribuísse de ânimo leve, sem causa natural que justificasse a “excepção de não cumprimento da prestação”, no limite, seria retirado o efeito útil do normativo do art. 52º da Lei Geral Tributária, que configura uma prerrogativa à regra, pois bastaria a qualquer Sujeito Passivo alegar o facto referido nesta petição, para ver afastado o ónus da garantia.
A dispensa de garantia apenas é admissível caso a sua prestação causa prejuízo irreparável ao devedor, ou se for causa de manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido, e simultaneamente, a insuficiência patrimonial para prestação de garantia não for da responsabilidade do executado;
Quer o prejuízo irreparável, quer a inexistência ou irresponsabilidade da insuficiência de bens não se encontram provados de forma inequívoca, sendo certo que, nos termos do art. 74º da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes ou da Administração Tributária recai sobre quem os invoque.
Não se considerando verificados os pressupostos para a isenção da prestação de garantia, proponho o indeferimento do pedido”.
- cfr. despacho e parecer que constam de fls. 38 e seguintes dos autos, para os quais se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
8. Em 06.12.2013 a reclamante foi notificada do despacho de indeferimento de prestação de garantia – cfr. fls. 43 dos autos;
9. Em 17.12.2013 a Reclamante remeteu a presente Reclamação de Acto do Órgão de Execução Fiscal ao Serviço de Finanças de Vila do Conde – cfr. fls. 50 dos autos.
***
Inexistem quaisquer outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa».

E mais se diz na sentença recorrida: «A convicção do Tribunal formou-se com base em todos os documentos juntos aos autos, uma vez que todos estes dali resultam com toda a clareza e bem ainda atenta a credibilidade que encerram».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Discorda a Recorrente da decisão recorrida, nuclearmente, por ter dado como demonstradas, em vista do critério aplicável de repartição do ónus da prova, as condições a observar para concessão da dispensa/ isenção de garantia idónea no processo de execução fiscal.

Estabelece o art.º170.º, n.º1, do CPPT (redacção da Lei n.º64-B/2012, de 31 de Dezembro), «Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior».

Estatui o seu n.º3 que «O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária».

Os requisitos para o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia decorrem do disposto no n.º4 do art.º52.º, da LGT, que estatui: «A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado».

Em anotação ao referido preceito, escrevem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro de Escrita, 4ª edição, 2002, o seguinte:
“…Para ser deferida a dispensa de prestação de garantia é necessário que se satisfaçam três requisitos, cumulativamente, embora dois deles comportem alternativas, pelo que o executado deverá na petição tê-los em conta:
- que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e do acrescido;
- que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado;
- que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos.

Estando-se num processo de natureza judicial, as regras aplicáveis em matéria de ónus da prova são as previstas no CC, designadamente as que constam dos seus arts. 342.º e 344.º.

À face destas regras, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. Aliás, mesmo que se entenda que se está perante uma situação de dúvida, terá de considerar-se todos os factos de depende a prestação de garantia como constitutivos do direito do executado, por força do disposto no n.º3 do citado art.º342.º do CC.

A eventual dificuldade de prova que possa resultar para o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art.º344.º, do CC».

Este entendimento doutrinário quanto ao ónus da prova dos requisitos da dispensa de prestação de garantia encontra expressão na jurisprudência do STA, destacando-se o Acórdão do Pleno da Secção do CT, de 17/12/2008, proferido no processo n.º0327/08, onde, além do mais, se pode ler:

«A eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao executado do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC. (( ) Neste sentido, pode ver-se ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 451, nota (2) (página 467, na 2.ª edição), em que se refere que «já se tem entendido, erroneamente, que a extrema dificuldade de prova do facto pode inverter o critério legal de repartição do ónus da prova».)
É certo que por força do princípio constitucional da proibição da indefesa, que emana do direito de acesso ao direito e aos tribunais reconhecido no art. 20.º, n.º 1, da CRP, não serão constitucionalmente admissíveis situações de imposição de ónus probatório que se reconduzam à impossibilidade prática de prova de um facto necessário para o reconhecimento de um direito.
Mas, por um lado, no caso em apreço não se está perante uma situação de impossibilidade prática desse tipo, pois a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado pode ser efectuada através da prova de factos positivos, por via da demonstração das causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.
Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur». (( ) Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983.)
Estas regras, nesta situação, conduzirão, no mínimo, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado».

Assente que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende – e, nomeadamente, o ónus de provar que não lhe é subjectivamente imputável a insuficiência de bens penhoráveis, isto é, que não tem culpa pelo facto de o património penhorável se ter tornado insuficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido - , pois se tratam de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, desçamos aos autos.

Insurge-se a Recorrente Fazenda Pública contra o decidido na sentença por nesta se ter dado com provada a falta de culpa da executada na insuficiência ou inexistência de bens unicamente atenta a alegação de crise económica, que, no ver da sentença, constitui facto público e notório, não carecendo de ser demonstrado.

Escreve-se, nomeadamente e a propósito, na sentença recorrida:

«Ora, na situação em apreço, o Reclamante justifica a situação de impossibilidade da sociedade na situação económica de facto que o país vive, sendo certo que nada fez para demonstrar tal facto a verdade é que este é público e notório pelo que a sua alusão está, por si só demonstrada. Na verdade, competiria à Administração Tributária demonstrar que, se fosse tal a situação de facto verificada, a condição económico-financeira da sociedade Reclamante seria a mesma independentemente do facto exterior à mesma, alegado pelo autor; poderia fazê-lo demonstrando, designadamente, o decréscimo dos resultados da sociedade ao longo do tempo, a realização de algum negócio com repercussões negativas nos resultados da sociedade, ou algum tipo de comportamento por parte da sociedade, ou dos seus administradores.
(…)
Por todo o exposto, porque o facto que serve de fundamento à falta de responsabilidade do Reclamante na insuficiência de bens da executada no pagamento da quantia exequenda, se encontra provado por natureza e porque a Administração Tributária nada fez para demonstrar que a situação de insuficiência económica ficou a dever-se a qualquer outro tipo de circunstância que não aquele alegado pelo Reclamante, entende-se demonstrado que ao Reclamante não é, de todo, possível prestar garantia».

Dispõe o art.º412.º nº1, do CPC, que não carecem de prova, nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.

Sendo certo que à crise económica de 2012 não falta a generalidade cognitiva para ser qualificada como um facto notório, que o julgador colocado na posição de cidadão comum, regularmente informado, apreende sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (cf. Castro Mendes, "Do Conceito de Prova", 711 e Vaz Serra, Provas, BMJ 110.º-61), a verdade é que a crise económica – entendida como degradação dos indicadores económicos de crescimento e desenvolvimento – não explica minimamente, nem comporta qualquer relação de causalidade necessária com a situação de insuficiência ou inexistência de bens dos diferentes agentes económicos que operam no espaço atingido pela crise.

Há, até, consabidamente, empresas que prosperam em tempo de crise e nela encontram excelentes oportunidades de negócio. Mas sobretudo, o que importa sublinhar é que a crise económica impacta diferentemente na vida das empresas e através de factos, que, esses sim, importava trazer para os autos e demonstrar, posto que não são do conhecimento geral.

Ou seja, à Recorrida/ reclamante importava concretizar factos que, podendo embora ter a sua génese na crise económica, foram os determinantes em termos de causalidade e sem que o executado o pudesse evitar, para a situação a que chegou de insuficiência ou inexistência de bens para pagamento da dívida exequenda e do acrescido.

No fundo, se experimentou uma grave crise de tesouraria, o que a explica (perdeu muitos clientes? Precisamente os seus grandes clientes? Não conseguiu cobrar serviços facturados? Perdeu acesso a crédito bancário de curto prazo?), em que medida comprometeu a sua solvabilidade e o que fez, podendo fazer, para o prevenir.

Ora, de acordo com a factualidade dada por assente na sentença recorrida, nenhum facto determinante da situação de insuficiência ou inexistência de bens foi concretizado no procedimento e, menos ainda, demonstrado nos autos, pela Recorrida/ reclamante, que se limitou a debitar genericamente à crise ou recessão económica a situação de insuficiência ou inexistência de bens que alega.

O que significa que a Recorrida/reclamante não logra fazer a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado na situação de insuficiência ou inexistência de bens, mediante alegação de factos positivos tendentes à demonstração das reais causas da tal insuficiência ou inexistência de bens que o tribunal, em sede probatória, tenha validado.

A sentença incorreu, pois, em erro de julgamento ao dar por provado o pressuposto da irresponsabilidade do executado na situação de insuficiência ou inexistência de bens unicamente assente na alegada situação de crise ou recessão económica, que considerou facto público e notório, merecendo o recurso provimento logo por este fundamento.

Outrossim, insurge-se a Recorrente contra a sentença por ter dado como provada a manifesta falta de meios económicos do executado, quando este unicamente se limita a invocá-la no procedimento e nos autos.

Escreveu-se no segmento pertinente da sentença recorrida: «Na situação em apreço verifica-se que o Reclamante, aquando da apresentação do seu requerimento, o qual deve ser apresentado juntamente com a prova que demonstre a situação de facto que lhe serve de fundamento, juntou comprovativo de entrega da declaração Modelo 22 – via internet – onde comprova o volume de negócio realizada no ano de 2012 e que se cifrou no €12 400.
(…)
Considerando a junção da declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas junta aos autos, onde o Reclamante comprova o volume de negócios relativo ao ano de 2012, que se apresenta no valor de €12 400, daqui facilmente se extrai que, ainda que o Reclamante mantivesse em 2013 o rendimento obtido em 2012, não lhe seria possível prestar garantia».

No probatório da sentença nada consta quanto à existência ou inexistência de bens penhoráveis do executado; apenas que ele invocou no requerimento de dispensa a inexistência de bens penhoráveis, o que a Administração fiscal não deu como provado na reclamada decisão de indeferimento do pedido.

Concluiu pois a Mma. juiz “a quo” pela manifesta falta de meios económicos do executado unicamente com base no volume de negócios declarado para o ano de 2012, que assumiu não ter sido, pelo menos, excedido no ano de 2013.

Como já tivemos ocasião de realçar, é ao executado que requer a dispensa/ isenção de prestação de garantia que incumbe demonstrar a manifesta falta de meios económicos, isto é, que não possui bens ou direitos penhoráveis.

Não basta alegar, é necessário provar. E se a Administração fiscal na apreciação do requerimento de dispensa de prestação de garantia entende que não foi feita prova da manifesta falta de meios económicos, ao executado cabe vir a tribunal demonstrar o bem fundado da sua pretensão.

No entanto e como se disse, do probatório da sentença nada consta que permita concluir com segurança pela manifesta falta de meios económicos do executado.

O volume declarado de facturação, ainda quando se apresente diminuto face ao valor da dívida exequenda a garantir (€100.491,77), nada permite concluir quanto à manifesta falta de meios económicos do executado na ausência de qualquer prova quanto à inexistência de outros bens penhoráveis do executado.

Ou seja, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir pela manifesta falta de meios económicos do executado unicamente assente no volume de facturação por ele declarado com relação ao ano de 2012 e com desconhecimento da sua situação patrimonial, pelo que o recurso merece provimento também por este fundamento.

Diga-se, por último, que sendo os requisitos de dispensa de prestação de garantia cumulativos, a não concorrência de qualquer um deles logo inviabilizaria o deferimento do pedido.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e manter o despacho reclamado.

Custas pela Recorrida em 1ª instância.

Porto, 18 de Setembro de 2014
Ass. Vital Lopes
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Ana Patrocínio