Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00258/01-Coimbra
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/27/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Mário Rebelo
Descritores:IRS
MÉTODOS INDIRECTOS
PROVA DE EXCESSO NA QUANTIFICAÇÃO
Sumário:1. No âmbito de vigência do n.º 1 do art. 121 do CPT, A dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se «fundada» se assentar na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante.
2. O impugnante não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do facto tributário. Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se ser fundada aquela dúvida.
3. No caso de avaliação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, o próprio método de quantificação, baseado em presunções e estimativas, pela sua própria natureza, não pode deixar de conduzir a uma situação de dúvida sobre a quantificação.
4. Por isso, se o sujeito passivo pretende demonstrar excesso na quantificação, terá que alegar factos e mobilizar provas que não deixem margem para dúvidas quanto ao excesso na quantificação, para além daquelas que são inerentes ao próprio método.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
O impugnante foi alvo de fiscalização referente aos exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997, culminando com liquidações adicionais de IRS com recurso a métodos indirectos.

Instaurado procedimento de revisão da matéria tributável, não foi alcançado acordo.

Foi apresentada impugnação judicial referente por um lado ao ano de 1994, e por outro dos anos de 1995, 1996 e 1997.

A MMª juiz «a quo» julgou procedente a impugnação referente aos anos de 1995, 1996 e 1997 com base na demonstração de excesso na quantificação.

O recurso.
Inconformado com a sentença, dela recorreu o ERFP formulando alegações e concluindo como segue:

1-A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, nos autos acima identificados, anulando as liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 1995, 1996 e 1997, impugnadas pela Autor, por ter considerado que a AT errou na quantificação da matéria colectável, que calculou com referência a serviços que o impugnante, comprovadamente não presto inquinando este excesso na quantificação as liquidações em causa de vício de violação de lei.
2-Pois, resultando do relatório inspectivo ter a AT considerado que as omissões de proveitos englobavam grande parte de serviços de actos notariais com registo, conforme o técnico responsável pela inspecção verificou pela consulta de vários pedidos e certidão e registos feitos em nome do impugnante ou no das duas colaboradoras, sendo que este tipo de serviço não se esgotava no concelho de Condeixa-a-Nova, estendendo-se aos concelhos limítrofes, nomeadamente Penela, entendeu a Mma. Juiz resultar porém da matéria de facto provada que o mesmo partilhava o escritório de Condeixa-a-Nova com A… e estes dividiam entre si as despesas com o escritório e com os salários da funcionária que trabalhava para os dois, sendo que os pedidos de certidão e registo por ela realizados se destinavam a ambos. Considerou também provado de acordo com declaração emitida pela Sra. Notária e Conservadora de Penela, que nos anos em causa, o impugnante não participou em qualquer acto de registo e notariado no Cartório e Conservatória de Penela.”
3-Com todo o respeito pela douta decisão “a quo” e reconhecendo a profunda análise efectuada pelo Mmo. Juiz, entende esta Representação da Fazenda Pública que existiu erro na apreciação da prova, que conduziu à decisão por tal procedência.
4-A matéria de facto dada provada decorrente da prova testemunhal dos referidos M… e A…, alíneas G, H e I, apenas pode abranger parcialmente o exercício de 1996 e o de 1997 e não os exercícios de 1995, 1996 e 1997 como foi decidido na douta sentença, tendo em conta o constante da acta de inquirição das mesmas que integra os autos pois a testemunha M... apenas refere esse ano, sem a que a testemunha A… refira qualquer ano.
5- A Declaração emitida pela Exma. Conservadora e Notária de Penda atestando que o impugnante não interveio em qualquer diligência naquele Serviço, nos anos de 1994, 1995, 1996 e 1997 (alínea J) da matéria dada como provada), apenas permite concluir que no Cartório e Conservatória de Penela, o impugnante não interveio em escrituras e actos registais, nada permitindo concluir quanto a Condeixa, Soure e outros concelhos limítrofes.
6-Resulta do Relatório de Inspecção e é admitido pelo impugnante na sua douta p.i que no ano de 1995, cuja liquidação se encontra também impugnada nos presentes autos, o mesmo exercia a actividade não em Condeixa-a-Nova mas em Soure e relativamente a 1996 que só em Agosto desse ano, teve como empregada a referida M....
7- Mesmo relativamente aos anos de 1996 e 1997, a prova produzida é, com todo o respeito, insuficiente para concluir pelo excesso de quantificação da matéria colectável: a testemunha M... limitou-se a referir que levantava certidões para o impugnante e o Sr. A…, não referindo se requisitava a mesmas também em nome deste, sendo que o Sr. A… no seu depoimento nada refere acerca de tal situação, apenas que dividia as instalações e despesas das mesmas como o impugnante.
8- Pelo que, não se pode conformar a Representação da Fazenda com a anulação das liquidações de IRS impugnadas, por a prova produzida não permitir concluir pela existência de erro na quantificação da matéria colectável, levada a cabo na acção inspectiva.

Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, de a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela inexistência de excesso
quantificação da matéria colectável e consequente violação de lei, mantendo na ordem jurídica tributária as liquidações de IRS impugnadas, assim se fazendo JUSTIÇA



CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, é saber se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:

A) O impugnante exerce a atividade de advocacia - facto admitido por acordo.
B) Com base na ordem de serviço n.º 27303, o impugnante foi alvo de uma acção de fiscalização que incidiu sobre IRS dos exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997, no âmbito da qual, em 20/05/1999, foi elaborado o relatório de fls. 38 a 50, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, de que resultaram correções à matéria coletável declarada para os mencionados anos, com recurso a métodos indiretos.
C) O impugnante reclamou para a Comissão de Revisão da Matéria Coletável, conforme requerimento de fls. 106 a 109 da impugnação apensa, que também se dá aqui por reproduzido.
D) Reunidos os peritos, foi elaborada a Acta n.º 024-C/LGT, de fls. 26 que também se dá por reproduzida, segundo a qual os peritos não alcançaram acordo.
E) O Exm.º Diretor de Finanças de Coimbra emitiu, então, a decisão de fls. 24 a 25, que igualmente se dá por reproduzida, mantendo os conjuntos dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação que fixou em 2.770.000$00, 2.174.500$00 e 3.117.045$00, respetivamente, para os anos de 1995, 1996 e 1997.
F) Consequentemente, foram emitidas as liquidações de IRS relativo aos exercícios de 1995, 1996 e 1997, n.º 5340074686, 5320075203 e 5320076055, em que se apuraram os valores a pagar de, respetivamente, 780.330$00, 465.657$00 e 713.812$00 - fls. 27 a 29.
G) O impugnante partilhava o escritório de Condeixa-a-Nova com A… - facto referido pelas testemunhas M… e A….
H) As despesas com o escritório e respetiva funcionária eram divididas entre o impugnante e o mencionado Sr. A… - facto referido pelas testemunhas
M… e A….

I) A funcionária do escritório, levantou certidões e registos destinados, quer
ao impugnante, quer ao Sr. A… - facto referido pela testemunha M….

i) A Exm. Conservadora e Notária do Serviço dos Registos e Notariado de Penela emitiu a declaração de fls. 21 da impugnação apensa, que se dá por integralmente reproduzida, segundo a qual, nos anos de 1994, 1995, 1996 e 1997, o aqui impugnante não interveio em qualquer diligência (registos, escrituras e demais atos) naquele Serviço.

A motivação da decisão de facto é a seguinte:
A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes.

No que respeita aos factos não provados, consta da sentença:
Com interesse para a decisão não se provou que:
a) Manuel António Carpinteiro Novo não pagou ao impugnante qualquer valor relativamente aos serviços que este lhe prestou.


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Quanto ao erro de julgamento.
A MMª juiz « a quo» julgou procedente a impugnação deduzida por J… na parte respeitante ao vício de excesso na quantificação da matéria tributável, referente às liquidações de IRS dos anos de 1995, 1996 e 1997, desenvolvendo a seguinte argumentação:

«Na ótica do impugnante, existe excesso na quantificação da matéria coletável uma vez que a AT presumiu receitas totalmente irreais para um advogado em início de carreira, o que é evidenciado pela sua itinerância (mudando o exercício da sua atividade de comarca em comarca nos anos de 94, 95 e 96), pelos factos de não ter “herdado” escritório e clientela de outro colega, ter os escritórios instalados em pequenas comarcas, desenvolver, paralelamente, a atividade de formador, etc. Ademais, recusa veementemente que parte das suas receitas provenham da atividade de solicitadoria, ou seja, de serviços com registos e notariado pois que, por um lado, os atos daquela natureza por si praticados relacionavam-se com processos em curso, motivo pelo qual tais serviços não eram autonomamente cobrados, e, por outro lado, os pedidos de certidões e registos efetuados pelas suas colaboradoras também se destinavam à pessoa com quem ele partilhava quer o escritório, quer as despesas respeitantes a este e aos encargos com a funcionária que nele trabalhava.
Efetivamente, resulta do relatório inspetivo ter a AT considerado que as omissões de proveitos englobavam grande parte de serviços de atos notariais com registo, conforme o técnico responsável pela inspeção verificou pela consulta de vários pedidos e certidão e registos feitos em nome do impugnante ou no das suas colaboradoras, sendo que este tipo de serviço não se esgotava no concelho de Condeixa-a-Nova, estendendo-se aos concelhos limítrofes, nomeadamente Penela.
Resulta, porém, da matéria de facto provada que o impugnante partilhava o escritório de Condeixa-a-Nova com A...e estes dividiam entre si as despesas com o escritório e com os salários da funcionária que trabalhava para os dois, sendo que os pedidos de certidão e registo por ela realizados se destinavam a ambos. Mais se provou, de acordo com a declaração de fls. 21 da impugnação apensa, que nos anos aqui em causa, o impugnante não participou em qualquer ato de registo e notariado no correspondente Serviço do concelho de Penela…».

Concluindo então a MMª juiz « a quo» que a ATA
«…errou na quantificação da matéria colectável, que calculou com referência a serviços que o impugnante comprovadamente não prestou. Este excesso na quantificação inquina as liquidações em crise de vício de violação de lei e determina a correspondente anulação»

Desta conclusão e decisão discorda o Exmo. Representante da Fazenda Pública que imputa à douta sentença erro na apreciação da prova, nos termos que as conclusões das alegações traduzem:

4-A matéria de facto dada provada decorrente da prova testemunhal dos referidos M… e A…, alíneas G, H e I, apenas pode abranger parcialmente o exercício de 1996 e o de 1997 e não os exercícios de 1995, 1996 e 1997 como foi decidido na douta sentença, tendo em conta o constante da acta de inquirição das mesmas que integra os autos pois a testemunha M... apenas refere esse ano, sem a que a testemunha A… refira qualquer ano.
5- A Declaração emitida pela Exma. Conservadora e Notária de Penela atestando que o impugnante não interveio em qualquer diligência naquele Serviço, nos anos de 1994, 1995, 1996 e 1997 (alínea J) da matéria dada como provada), apenas permite concluir que no Cartório e Conservatória de Penela, o impugnante não interveio em escrituras e actos registais, nada permitindo concluir quanto a Condeixa, Soure e outros concelhos limítrofes.
6-Resulta do Relatório de Inspecção e é admitido pelo impugnante na sua douta p.i que no ano de 1995, cuja liquidação se encontra também impugnada nos presentes autos, o mesmo exercia a actividade não em Condeixa-a-Nova mas em Soure e relativamente a 1996 que só em Agosto desse ano, teve como empregada a referida M....
7- Mesmo relativamente aos anos de 1996 e 1997, a prova produzida é, com todo o respeito, insuficiente para concluir pelo excesso de quantificação da matéria colectável: a testemunha M... limitou-se a referir que levantava certidões para o impugnante e o Sr. A..., não referindo se requisitava a mesmas também em nome deste, sendo que o Sr. A... no seu depoimento nada refere acerca de tal situação, apenas que dividia as instalações e despesas das mesmas como o impugnante.

Neste TCAN o Exmo. Sr. PGA também defende a procedência do recurso na medida em que «..Demonstrou, [a ATA] pois, a nosso ver e de forma cabal, a justeza e objetividade da quantificação do apuramento e correção da matéria tributável de IRS.

Pelo contrário, o Impugnante não logrou demonstrar, como lhe competia, a existência de erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável.

Na verdade, como refere e, a nosso ver, bem, a Recorrente, a matéria de facto dada como provada, resultante dos depoimentos das testemunhas M... e A...e constante das alíneas G). H) e I) é. Insuficiente, uma vez que a primeira testemunha se limitou a referir que levantava certidões para o impugnante e para a segunda testemunha.
Enquanto esta ultima apenas refere que dividia as instalações e partilhava as despesas com o impugnante.

Também a matéria de facto dada como provada resultante do documento junto a fls. 21 do processo apenso e constante da alínea J) apenas permite concluir que o impugnante não interveio em escrituras e actos registrais nos Serviços dos Registos e Notariado de Penela.
Nada referindo quanto a Condeixa-a-Nova e Soure, locais onde o impugnante também exerceu a sua activiade profissional nos anos de 1995,1996 e 1997.»

Apreciando.
Conforme bem explanou a MMª Juiz «a quo» em termos que merecem a nossa adesão «A matéria coletável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte; no entanto e de acordo com o disposto o Art. 38., n.º 1, do CIRS, aplicável à determinação dos rendimentos de trabalho independente por força do Art. 28.º do mesmo código «a determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) inexistência de contabilidade, ou dos seus livros de registo exigidos nos artigos 11.º e 112º., bem como a falta, atraso ou irregularidade na sua execução, escrituração ou organização;
b) recusa de exibição da contabilidade, dos livros de registo e demais documentos de suporte legalmente exigidos, e bem assim, a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de dissimular a realidade perante a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos;
d) erros e inexatidões na contabilidade das operações ou indícios seguros de que a contabilidade ou os livros de registo não refletem a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido. »
Tal como vem sendo uniformemente entendido pelos nossos tribunais superiores, cabe à administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação ou seja, cabe-lhe fazer a prova da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido. Trata-se de factos constitutivos do direito a agir, cuja existência é demandada pelo princípio da legalidade administrativa, em qualquer das suas aceções (de precedência e de reserva de lei), segundo a sua atual compreensão, mesmo à luz da nossa lei fundamental (Art. 266. n.º 2 da CRP), de acordo com o qual, brevitatis causa, a administração só pode agir se isso estiver previsto na lei e nada poderá fazer contra a lei. Face ao atual entendimento do princípio da legalidade, este deixou de surgir como um mero limite à atividade da administração para passar a ser o fundamento de toda a sua atividade.»

E com a mesma clareza de raciocínio continua a ler-se na douta sentença
« É na senda do que vem de dizer-se ou seja, o de que caberá à administração o ónus de prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas desfavoráveis aos administrados, que se posiciona o estatuído no Art. 78. do CPT, segundo o qual “quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte”, bem como o prescrito no Art. 121.º n.º 1 do CPT, segundo o qual “sempre que da prova produzida resulte afundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.
Acresce que não importa só que a administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objetivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados».

Levando a MMª juiz a concluir que no caso dos autos é
«manifesta a impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria colectável, encontrando-se plenamente justificado o recurso a métodos indirectos»
E assim é, de facto.

O art. 121º do CPT na redação vigente à data dos factos, (e correspondente ao actual art. 100.º do CPPT) dispunha:

“1 – Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
2 – Em caso de quantificação da matéria tributável por métodos indiciários, não se considera existir dúvida fundada se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e demais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais.
3 – O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de na impugnação judicial o impugnante demonstrar erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.”.

Como se refere o no ac. deste TCAN n.º 00373/04.6BEPRT de 18-09-2014 (Relator: Maria Cristina Flora Santos) A previsão normativa do art. 121.º do CPT constitui uma inovação relativamente ao regime do Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI), passando a vigorar a regra de que a ocorrência de fundada dúvida sobre a existência ou quantificação do facto tributário impõe a anulação do acto.

Alterando o paradigma anterior (in dubio pro fisco) estabelece-se com este preceito legal o princípio de que havendo dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário, estas devem ser valoradas a favor do contribuinte.

Comentando este preceito, Alfredo de Sousa e José da Silva Paixão, in Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 3.ª Edição, Almedina, pp. 267 a 270 escreviam que “A «prova produzida» de que há-de resultar «a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário» há-de ser, não só a prova aduzida pelas partes como também e sobretudo a prova que ao juiz se impõe diligenciar. (…). A dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se «fundada» se assentar na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do facto tributário. Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos (…). Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se pelo fundamento daquela dúvida. (…).”

No mesmo sentido, a jurisprudência decidia que a “fundada dúvida” constante da previsão legal do art. 121.º do CPT não pode assentar na ausência ou inércia probatória do impugnante, ou seja, não se pode limitar a alegar os factos que ponham em dúvida a existência do facto tributário, cabendo-lhe o ónus da prova de tais factos (cfr. Acórdão do TCA Norte de 28/09/2006, proc. n.º 00088/01, de 16/03/2006, proc. n.º 00357/04, de 24/02/2005, proc. n.º 00165/04, Acórdão do TCA Sul de 15/05/2007, proc. n.º 1659/07).

No ac. do STA n.º 026679 de 24-04-2002 (Relator: JORGE DE SOUSA) decidiu-se que «No caso de utilização de métodos indiciários, o próprio método de quantificação, baseado em presunções e estimativas, nunca pode garantir a correspondência entre a quantificação e a realidade, pelo que, pela sua própria natureza, não pode deixar de conduzir a uma situação de dúvida sobre aquela quantificação.
V - Por isso, é de concluir que, à face do art. 121.º, na redacção inicial, não bastavam, para anular a liquidação baseada em quantificação por métodos indiciários as dúvidas referidas, as existentes sempre, mesmo na falta de qualquer prova positiva sobre a existência de erro na quantificação da matéria tributável, só se estando perante uma situação de fundada dúvida quando positivamente se prove que tal quantificação é errada ou, pelo menos, que haja indícios de que o seja.»

Com efeito, as dúvidas geradas pela quantificação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos podem nunca ser totalmente dissipadas na realidade, uma vez que a própria natureza do método aplicado não permite uma absoluta certeza na quantificação.

Porque essa dúvida é (quase sempre) inerente ao método usado, não pode o contribuinte limitar-se a reafirmá-la mediante alegação e prova de factos genéricos que apenas confirmam a reconhecida falibilidade do método empregue. Pelo contrário, impõe-se-lhe a circunstanciada alegação de factos concretos que, uma vez provados, sejam idóneos a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável.

E chegamos ao cerne da questão com a pergunta final. O impugnante conseguiu provar a excessiva quantificação da matéria tributável?
A nosso ver não.

Antes de prosseguirmos, tendo em conta a impugnação da matéria de facto pelo ERFP (conclusão 4) e o conteúdo registado dos depoimentos, ao abrigo do disposto no art. 712º/1,a) do CPC (actual 662º do NCPC) altera-se a matéria de facto fixada nas alíneas G) e H) da douta sentença nos seguintes termos:

G) Desde 1996 e segs. o impugnante exerceu a sua actividade em Condeixa. E pelo menos desde Agosto de 1996 a Dezembro de 1998 partilhou as instalações com A...- facto referido pelas testemunhas M… e A.... A M… referiu ter iniciado a sua prestação de trabalho em 1997, mas o relatório apurou que esta testemunha trabalhou para o impugnante desde Agosto de 1996 (fls. 5 do relatório, a fls. 44 dos autos). Como a M... referiu que «pagavam ambos o seu salário» é porque desde Agosto de 1996 o impugnante partilhava o escritório com o Sr. A... Brites.

H) Pelo menos desde Agosto de 1996 a Dezembro de 1998 as despesas com o escritório e respetiva funcionária eram divididas entre o impugnante e o Sr. A... - facto referido pelas testemunhas M… e A.... Levando em consideração que o salário da testemunha M… era pago pelos dois, esta partilha de despesas iniciou-se, pelo menos, na data em que a M… prestou trabalho.

Posto isto, estamos agora em condições de extrair todas as consequência jurídicas dos factos provados.

E retomando a questão de saber se o impugnante demonstrou excesso de quantificação da matéria tributável, em relação aos anos de 1995, 1996 e 1997 nada de concreto se apurou que possa caracterizar tal excesso.

A circunstância de partilhar despesas de escritório e da funcionária com o Sr. A... não permite concluir haver excesso na quantificação. De igual modo, o facto de a funcionária efectuar pedidos de registo e de certidões para ambos nada revela (ou revela pouco) em matéria de quantificação. À mesma conclusão chegamos com a falta de participação do impugnante em qualquer acto de registo e notariado no correspondente Serviço do concelho de Penela, uma vez que nada sabemos em relação aos restantes concelhos limítrofes.

A sua itinerância – de Águeda para Soure e daqui para Condeixa- e o facto de estar em início de carreira ( iniciou o estágio de advocacia em 5/1/1993) dão um «sinal de alerta» no sentido de que os rendimentos, provavelmente, não seriam elevados.

Mas a esse «sinal de alerta» dever-se-ia ter seguido uma prova mais consistente e pormenorizada por parte do impugnante, tendo em conta o encargo probatório do seu lado,
de modo a não deixar margem para dúvidas quanto ao alegado excesso na quantificação, para além das que são inerentes ao próprio método.
Só que essa prova, a nosso ver, não foi feita.
E assim, o recurso deverá proceder com revogação da sentença recorrida e improcedência da impugnação.

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em julgar procedente o recurso e em consequência revogar a sentença recorrida julgando improcedente a impugnação.

Custas pelo recorrido, em primeira instância.

Porto, 27 de Novembro de 2014.

Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Paula Teixeira