Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00430/04
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/12/2009
Relator:Francisco Rothes
Descritores:PROVISÕES – REPOSIÇÃO DAS PROVISÕES CONSTITUÍDAS NOS TERMOS DO CCI - FALTA DE ANÁLISE CRÍTICA DE UM MEIO DE PROVA
Sumário:I - A falta de análise crítica de um determinado meio de prova não constitui omissão de pronúncia, nulidade que só pode verificar-se relativamente a questões e já não relativamente à falta de avaliação de provas, sendo que esta poderá eventualmente repercutir-se na validade substancial da sentença, integrando erro de julgamento, mas não na sua validade formal, que é o domínio onde se situam as nulidades da sentença.
II - Sendo certo que a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto abrange, não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, mas também a falta de análise crítica da prova, esta só constitui nulidade se a omissão for total, isto é, se o tribunal de todo não referir os elementos probatórios que fundamentaram o julgamento da matéria de facto.
III - Por força do disposto no art. 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, o diferencial entre o saldo, em 1 de Janeiro de 1989, das provisões referentes a anos anteriores (diminuído do montante eventualmente utilizado no exercício de 1989) e a importância das provisões fiscalmente dedutíveis, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 33.º do CIRC, no mesmo exercício, devia ser reposto nas contas de resultados encerradas ulteriormente àquela data, para efeitos da determinação da matéria colectável de IRC.
IV - Se o contribuinte não observou essa regra, sendo que, relativamente aos anos de 1989 e 1991, constitui provisões sem que tenha procedido à devida reposição das provisões constituídas ao abrigo do CCI, a AT pode e deve efectuar as pertinentes correcções na matéria tributável declarada nesses anos.
V - O que não pode é a AT, que apenas se deu conta da situação descrita em IV no ano de 1996, porventura como forma de obviar à caducidade do direito de liquidação relativamente a factos do ano de 1989 (cf. art. 33.º do CPT, em vigor à data), é pretender efectuar essa correcção no rendimento tributável declarado ano de 1992, quando neste ano já era de considerar como esgotado o saldo das provisões constituídas no domínio da CCI.
VI - Se o fizer, a AT viola o princípio da especialização dos exercícios consagrado no art. 18.º do CIRC e a norma de direito transitório referida em II.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 A Administração tributária (AT), na sequência de uma fiscalização à sociedade denominada “Garagem , Lda.” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrente), considerou que no ano de 1992 a Contribuinte não procedeu, como devia ter procedido, à reposição de Esc. 884.304$00, que era o saldo das provisões constituídas nos termos do Código da Contribuição Industrial (CCI), bem como declarou provisões que excediam em Esc. 12.180.628$00 as legalmente admissíveis, motivo por que procedeu à correcção do rendimento tributável declarado para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 1992, acrescendo-lhe o montante de Esc. 13.064.932$00.
Consequentemente, liquidou adicionalmente o montante de imposto considerado em falta e respectivos juros compensatórios, tudo no montante de Esc. 7.845.358$00.

1.2 A Contribuinte impugnou essa liquidação, pedindo ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Viseu que a anulasse, invocando como fundamentos a «preterição de formalidades essenciais», a «errónea qualificação e quantificação da matéria colectável» e a «inexistência total do facto tributário» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.).
Alegou a Impugnante, em síntese, o seguinte:
– por desconhecimento da técnica própria do regime transitório que o Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, instituiu relativamente às provisões constituídas no âmbito do CCI, ao invés de contabilizar as provisões que constituiu no ano de 1989, no montante de Esc. 12.180.629$00, na conta própria – que seria “provisões para créditos de cobrança duvidosa” – e proceder à correspondente reposição de igual montante do saldo da conta “provisões constituídas nos termos do Código da Contribuição Industrial”, que em 31 de Dezembro de 1988 ascendia a Esc. 24.472.205$00, contabilizou aquelas provisões nesta última conta, cujo saldo passou a ser de Esc. 36.652.834$00;
– se tivesse procedido correctamente, «do saldo de 24 472 205$00 de Provisões nos termos do C.C. Industrial, ao fazer-se a reposição de 12 180 629$00 relativas ao exercício de 1989, resultaria um remanescente de 12 291 576$00 a repor nos exercícios posteriores a 1989 na exacta medida das provisões do exercício futuras»;
– «Sendo só aceite como custo fiscal do exercício de 1991 a importância de 11 296 326$00» (() Para compreender esta alegação importa considerar que no ano de 1991 a Contribuinte constituiu provisões para cobranças duvidosas do montante de Esc. 23.587.901$00 (v. infra nota de rodapé com o n.º (8)).) e «Absorvendo-se assim na totalidade as provisões nos termos do Código da Contribuição Industrial, que haviam transitado dos exercícios anteriores a 1989»;
– assim, «a provisão constituída e aceite pela Administração Fiscal relativa ao exercício de 1992 é custo pela totalidade, pois o saldo das “Provisões nos termos do Código da Contribuição Industrial” já estaria completamente absorvido»;
– porque «a correcção fiscal efectuada é relativa ao erro de contabilização efectuado em 1989» e porque a liquidação só foi efectuada em Outubro de 1996, caducou o direito à liquidação, que apenas poderia ser exercido desde que a Contribuinte fosse notificada «até ao fim do quinto ano seguinte ao facto gerador do imposto, ou seja, fim de 1995».

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (() Entretanto, o Tribunal Tributário de 1.ª instância de Viseu foi extinto, tendo-lhe sucedido na respectiva competência o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.) proferiu sentença no sentido da improcedência da impugnação judicial. Isto, em resumo, com a seguinte fundamentação:
– quanto à invocada caducidade do direito à liquidação, que «a liquidação impugnada diz respeito ao ano de 1992, sendo que a mesma e a respectiva notificação foram efectuadas dentro do prazo de caducidade que terminava apenas em 31 de Dezembro de 1997»;
– quanto à questão da legalidade das correcções efectuadas, que a «correcção e liquidação adicional foram efectuadas ao abrigo do artigo 13º do Decreto-Lei 442-B/88 de 30 de Novembro» e que nos termos desta disposição legal «o saldo das provisões constituídas nos termos do Código da Contribuição Industrial deve ser reposto nas contas de resultados posteriores, ou seja, no caso, no exercício de 1992».

1.4 Inconformada com essa sentença, a Impugnante dela interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo Norte, que foi admitido, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 A Impugnante apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1.ª- Foi requerido pelo ora recorrente exame à sua escrita, tendo sido realizada tal perícia.
2.ª- Apesar de deferida e realizada tal perícia, a decisão recorrida não se pronuncia sobre a mesma.
3.ª- Houve omissão de pronúncia e não foi feita a análise crítica das provas como dispõe o artigo 653 nº. 2 in fine e 659 nº. 3 in fine do Cód. Proc. Civil;
4.ª- Ao não se pronunciar sobre tal matéria, a decisão recorrida é nula por violação do disposto no artigo 668 nº. 1 alínea d) do Cód. Proc. Civil.
5.ª- Por desconhecimento da técnica própria ao regime transitório inerente às provisões constituídas, a recorrente não procedeu à reposição do ano de 1989 das provisões que havia constituído considerando-as como Proveitos Extraordinários e, por lapso, contabilizou as provisões assim constituídas na conta “Provisões no termos do Código da Contribuição Industrial”, elevando assim o seu saldo para 36.652.834$00, quando as deveria ter contabilizado em conta própria ou seja “Provisões para Créditos de Cobrança Duvidosa”;
6.ª- Do saldo de 24.472.205$00 de Provisões nos termos do C. C. Industrial, ao fazer-se a reposição de 12.180.629$00 relativas ao exercício de 1989, resultaria um remanescente de 12.291.576$00 a repor nos exercícios posteriores a 1989 na exacta medida da constituição das provisões do exercício futuras.
7.ª- Como resulta até da perícia efectuada a correcção e liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1992 com base na absorção do saldo das “Provisões nos termos do Código da Contribuição Industrial” enferma de errónea qualificação e quantificação da matéria colectável, pois a correcção fiscal efectuada é relativa ao erro de contabilização efectuado em 1989;
8.ª- Tendo decorrido mais de 5 anos e actualmente é apenas 4, caducou o direito de a Administração Fiscal exigir o pretenso imposto, conforme artigo 33º. do CPT e do artigo 79 do CIRC.
9.ª- Foi violado o disposto nos artigos 653 nº. 2 in fine, 359 nº. 3 in fine e 668 alínea d) do Cód. Proc. Civil, 13 nº. 2 do Dec. Lei 442-B/88 de 30/11, 18 nº. 1 e 79 do CIRC e 33º. do então CPT.

Termos em que,
deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue a impugnação procedente».

1.6 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, por não se verificar nem a nulidade da sentença nem erro de julgamento quanto à caducidade do direito à liquidação.
Isto, em síntese, pelos seguintes motivos: quanto à omissão de pronúncia, porque «as respostas dadas pelos peritos […] ou não infirmam os factos dados como provados pela sentença ou reconduzem-se a questões de direito, directamente conexionadas com a questão fulcral da pretensa caducidade»; quanto à caducidade, porque «a liquidação efectuada respeita ao ano de 1992, já que o facto gerador do imposto resulta da obrigação de reposição no exercício desse ano, sendo certo que a notificação daquela liquidação foi efectuada muito antes de 31 de Dezembro de 1997».

1.8 As questões suscitadas pela Recorrente são as de saber:
1.ª - se a sentença enferma de omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre a perícia enquanto meio de prova (conclusões 1.ª a 4.ª);
2.ª - se a sentença enferma de erro de julgamento por não ter anulado a liquidação com fundamento em violação da lei (cf. conclusões 5.ª a 7.ª);
3.ª - se a sentença enferma de erro de julgamento não ter considerado caducado o direito à liquidação (conclusões 7.ª e 8.ª).

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Na sentença recorrida o julgamento de facto foi efectuado nos seguintes termos:
« III – DOS FACTOS
A- Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:

1- Em resultado da acção de fiscalização levada a efeito à escrita/contabilidade da contribuinte relativa aos exercícios de 1993 e 1994 efectuada por um funcionário afecto ao serviço de prevenção de inspecção tributária, da direcção distrital de Viseu, cfr. fls. 20 e 21 dos autos de reclamação, foi alterada a matéria colectável.
2- Em resultado daquelas correcções foi emitida a liquidação adicional de IRC referente ao ano de 1992 no total de 13 064 9324$00 [(() É manifesto o lapso: Esc. 13.064.932$00 é o montante da correcção que a AT fez à matéria colectável declarada. O montante a pagar pela Contribuinte em consequência da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios resultante dessa correcção é de Esc. 7.845.358$00, tudo como resulta inequivocamente da «nota de demonstração da liquidação do imposto» ínsita no documento de cobrança, com cópia a fls. 14.)].
3- Relativamente ao acto objecto de impugnação apresentou reclamação.
4- Não foi dado provimento à referida reclamação – cfr. fls. 14 e 15 do auto de reclamação.
5- O saldo das provisões da impugnante em 01.01.1989 era de 24 472 205$00 – cfr. fls. 20 e 21 do processo de reclamação.
6- No exercício de 1989, a impugnante constituiu provisões no âmbito do IRC, no montante de 12 180 628$00, sem que tivesse efectuado a reposição de igual valor das constituídas no âmbito da Contribuição Industrial.
7- No exercício de 1990, a impugnante não constituiu provisões.
8- No exercício de 1991, a impugnante constituiu provisões no âmbito do IRC no montante de 23 587 901$00 – cfr. fls. 16 do processo de reclamação.

B – Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa».

2.1.2 Nos termos do disposto no art. 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, entendemos reformular toda a matéria de facto com interesse para a decisão a proferir, que ora fixamos nos seguintes termos (a seguir a cada uma das alíneas referiremos os elementos constantes dos autos que suportam os factos aí referidos):
a) A Contribuinte dedica-se à actividade de comercialização de veículos automóveis novos de marca “Renault” e de peças e acessórios da mesma marca, bem como à venda de automóveis usados que retoma quando da venda dos novos, encontrando-se colectada em IRC (cf. pontos 1.2 e 2.2.1 do relatório elaborado na sequência do exame à escrita, a fls. 17 do processo de reclamação graciosa);
b) Em 1988, a Contribuinte encerrou a sua contabilidade com os seguintes valores de provisões: Esc. 15.689.486$00 “para créditos duvidosos” e 8.782.719$00 “para depreciações de existências” (cf. cópia do mapa de provisões a fls. 15 – devendo ter-se em conta a nota de rodapé aí inscrita sob a alínea A) – e ponto 3.2.1 do referido relatório, a fls. 17 v.º do processo de reclamação graciosa);
c) Em 1989, a Contribuinte constituiu provisões no montante de Esc. 12.180.629$00 “para créditos em mora” (cf. cópia do mapa de provisões, a fls. 16, e ponto 3.2.1 do referido relatório, a fls. 17 v.º do processo de reclamação graciosa, se bem que neste, por manifesto lapso de escrita, que se repercutiu ao longo de todo o procedimento de determinação da matéria tributável se tenha escrito 12.180.628$00 em vez de 12.180.629$00);
d) Nesse ano de 1989 a Contribuinte não efectuou a reposição de montante algum relativo às provisões constituídas ao abrigo do CCI (cf. a informação prestada na reclamação graciosa, a fls. 14 do respectivo processo);
e) A Contribuinte registou contabilisticamente as provisões ditas em b) e em c) como “constituídas nos termos do CCI”, no segundo membro do balanço de 1989 (cf. ponto 3.2.1 do referido relatório, a fls. 17 v.º do processo de reclamação graciosa);
f) Em 1990, não constituiu provisão alguma nem procedeu a qualquer reposição de provisões (cf. a contrario o ponto 3.2.1 do referido relatório, a fls. 17 v.º do processo de reclamação graciosa, bem como a alínea C) da informação prestada para correcção das provisões relativamente ao ano de 1991, com cópia a fls. 20 do processo de reclamação graciosa);
g) Em 1991, a Contribuinte constituiu provisões para cobrança duvidosa no montante de Esc. 23.587.901$00 (cf. ponto 3.2.1 do referido relatório, a fls. 17 v.º do processo de reclamação graciosa);
h) Nesse ano de 1991, a Contribuinte não efectuou qualquer reposição de provisões (cf. a contrario o ponto 3.2.1 do referido relatório, a fls. 17 v.º do processo de reclamação graciosa, bem como a alínea F) da informação prestada para correcção das provisões relativamente ao ano de 1991, com cópia a fls. 20 do processo de reclamação graciosa));
i) No ano de 1992, constituiu provisões para cobrança duvidosa no montante de Esc. 23.798.659$00 (cf. cópia do mapa de provisões a fls. 16 do processo de reclamação graciosa);
j) Nesse ano de 1992, a Contribuinte também não efectuou qualquer reposição de provisões (cf. o mesmo mapa);
k) Em 1996, a AT procedeu a uma fiscalização à Contribuinte, relativa aos anos de 1993 e 1994, no âmbito da qual verificou, para além dos factos referidos em b) a j), que no balanço se mantinha desde 1989 o valor de Esc. 36.652.833$00 de provisões constituídas nos termos do CCI, bem como os valores de Esc. 23.587.901$00 e 23.798.659$00 de provisões para cobranças duvidosas constituídas, respectivamente, nos anos de 1991 e 1992 (cf. ponto 3.2.1 do referido relatório, a fls. 17 v.º do processo de reclamação graciosa, sendo manifesto, face ao teor do mapa de provisões desse ano, o lapso de escrita relativamente ao montante das provisões do ano de 1992: escreveu-se 23.798.901$00 onde se queria escrever 23.798.659$00);
l) No relatório elaborado na sequência dessa fiscalização por uma Técnica da Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Viseu, foi inserida uma nota do seguinte teor:
«As provisões foram corrigidas para o exercício de 1991, conforme informação em 11.10.96 de que se anexa cópia, e iremos efectuar a correcção para o exercício de 1992 no valor de 884.304$00, de provisões nos termos do CCI que ainda não foram repostas, mais 12.180.628$00 de provisões constituídas no exercício de 1989 nos termos da alínea a) do artº 33º do Código do IRC, e que deveriam ter sido repostas aquando da constituição das mesmas no exercício de 1992»
(cf. a nota na parte final do referido relatório, a fls. 19 do processo de reclamação graciosa);
m) Relativamente ao ano de 1991, a AT procedeu à correcção da matéria tributável declarada, acrescendo-lhe montante igual ao das provisões constituídas nesse ano (cf. a nota constante da parte final do referido relatório, a fls. 19 do processo de reclamação graciosa e a informação que serviu de base à correcção, com cópia a fls. 19 e 20 do mesmo processo);
n) Em consequência das conclusões a que chegou no âmbito da referida fiscalização, a AT procedeu à correcção da matéria colectável declarada para o ano de 1992, passando o lucro tributável declarado de Esc. 4.336.744$00 para 17.401.676$00, sendo o valor das correcções de Esc. 12.180.628$00, de «Provisões para além dos limites legais» e de Esc. 884.304$00, de «Provisões não repostas ao abrigo do D.Lei 442-B/88» (cf. cópia do mapa de apuramento modelo DC-22, de fls. 10 a 13);
o) A título de fundamentação das referidas correcções, a AT externou o seguinte:

«A) O contribuinte constituiu provisões para clientes de cobrança duvidosa nos termos dos art. 33º e 34º do CIRC, no montante de 23.798.659$00

B) De acordo com o nº 2 e alínea b) do mesmo, do art. 13º do D.Lei 442-B/88, o saldo das provisões constituídas nos termos do CCI deverá ser reposto, e como tal considerado como proveito, no montante em que são constituídas as novas provisões

C) Como o saldo nos termos do CCI ainda era de 884.304$, iremos considerar como proveito este montante, que deveria ter sido reposto e não o foi

D) O valor aceite para efeitos fiscais nos termos do art. 33º alínea a) e 34º nº 2 do CIRC é de apenas 23.798.659$00, conforme mapa de provisões anexo à modelo 22, e o saldo das mesmas é de 35.979.287$, razão pela qual se procede à correcção de 12.180.628$00»
(cf. quadro 22, que tem como epígrafe «fundamentação das correcções efectuadas», do mapa de apuramento modelo DC-22, a fls. 13);
p) Com base nessa correcção, a AT procedeu à liquidação adicional de IRC do ano de 1992, de que resultou o montante a pagar de Esc. 7.845.358$00 (cf. cópia do documento de cobrança);
q) Para notificação dessa liquidação adicional à Contribuinte a AT remeteu-lhe o respectivo documento de cobrança, no qual assinalou como data limite de pagamento o dia 2 de Junho de 1997 (cf. cópia do documento de cobrança a fls. 14);
r) Mediante petição entrada na Repartição de Finanças do concelho de Tondela em 2 de Junho de 1997, a Contribuinte deduziu reclamação graciosa da liquidação adicional dita em p), pedindo ao Director Distrital de Finanças de Viseu a “anulação” [(() Pedido que deverá interpretar-se como de revogação do acto reclamado.)] daquele acto
s) A reclamação graciosa foi indeferida por decisão do Director de Finanças de Viseu proferida em 11 de Maio de 1998 (cf. despacho de indeferimento a fls. 22 do processo de reclamação graciosa);
t) Essa decisão foi notificada à Contribuinte por carta registada com aviso de recepção, que foi devolvido assinado com data de 15 de Maio de 1998 (cf. cópias do ofício para notificação e dos respectivos talão de registo e aviso de recepção a fls. 23 e 24 do processo de reclamação graciosa);
u) Mediante petição entrada na Repartição de Finanças do concelho de Tondela em 25 de Maio de 1998, segunda-feira, que deu origem ao presente processo de impugnação judicial, a Contribuinte pediu ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Viseu a anulação da liquidação adicional dita em p) (cf. a petição inicial, de fls. 2 a 8, bem como o carimbo de entrada que lhe foi aposto).

2.1.3 Entendemos ainda com interesse para a decisão a proferir, deixar aqui registadas as seguintes circunstâncias respeitantes à tramitação do presente processo de impugnação judicial (() Por razões de ordem prática, manteremos a ordem das alíneas usadas na identificação da matéria de facto.):
v) Na petição inicial a Impugnante requereu a realização de uma perícia à sua contabilidade (cf. a petição inicial, a fls. 7 e 8);
w) Essa diligência foi deferida, tendo a Impugnante definido o seu objecto mediante a apresentação de quesitos (cf. fls. 32 a 34);
x) Essa diligência foi efectuada, tendo os Peritos apresentado o respectivo relatório sob a forma de resposta aos quesitos (cf. respostas aos quesitos a fls. 41 e 42).

*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
A sociedade denominada “Garagem , Lda.” foi objecto de uma fiscalização, realizada em 1996, que concluiu que no ano de 1992 a Contribuinte não procedeu, como devia ter procedido, à reposição de Esc. 884.304$00 do saldo das provisões constituídas nos termos do CCI, bem como declarou provisões que excediam em Esc. 12.180.628$00 as legalmente admissíveis, motivo por que procedeu à correcção do rendimento tributável declarado para efeitos de IRC do ano de 1992, acrescendo-lhe o montante de Esc. 13.064.932$00 e, consequentemente, liquidou adicionalmente o montante de imposto considerado em falta e respectivos juros compensatórios, tudo no montante de Esc. 7.845.358$00.
A Contribuinte insurgiu-se contra essa liquidação adicional. Se bem interpretamos a petição inicial, sustenta que a AT andou mal ao proceder à liquidação adicional de IRC, uma vez que inexistia motivo para proceder à correcção da matéria tributável declarada no ano de 1992 e estava já caducado o direito de liquidação relativamente a factos ocorridos em 1989.
Em resumo, sustenta a Contribuinte que, por lapso derivado do desconhecimento do regime transitório instituído pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro (() Diploma legal que aprovou o CIRC.), ao invés de contabilizar as provisões que constituiu no ano de 1989, do montante de Esc. 12.180.629$00, na conta própria (“provisões para créditos de cobrança duvidosa”) e proceder à reposição de igual montante da conta “provisões constituídas nos termos do Código da Contribuição Industrial”, acresceu o valor daquelas ao desta conta, cujo saldo assim passou de Esc. 24.472.205$00 para 36.652.834$00. Sustenta ainda que, se não tivesse incorrido naquele lapso, o saldo de Esc. 24.472.205$00 teria ficado reduzido a Esc. 12.291.576$00 em virtude da reposição de montante igual ao das provisões constituídas nesse ano, ou seja, Esc. 12.180.629$00.
Assim, prossegue a Impugnante, das provisões que constituiu no ano de 1991 – do montante de Esc. 23.587.901$00 (() Embora a Impugnante não alegue na petição inicial qual o montante das provisões que constituiu no ano de 1991, tal facto é imprescindível para a compreensão da tese aí avançada e foi dado como assente nas alíneas g) e k) do ponto 2.1.2.) – apenas seria aceite como custo fiscal do exercício o montante de Esc. 11.296.326$00 (() Encontramos aqui uma diferença de 1$00 inexplicada pela Impugnante, pelo que pensamos tratar-se de lapso: 23.587.901$00 menos 12.291.576$00 dá 11.296.325$00 e não, como afirma a Impugnante 11.296.326$00.), «[a]bsorvendo-se assim na totalidade as provisões nos termos do Código da Contribuição Industrial, que haviam transitado dos exercícios anteriores a 1989».
Concluiu a Impugnante que todo o montante por ela constituído de provisões no ano de 1992 – Esc. 23.798.659$00 (() Tal facto – o montante das provisões constituídas pela Contribuinte no ano de 1992 – também não foi alegado na petição inicial, mas foi dado como assente nas alíneas i) e k) do ponto 2.1.2.) –, deveria ser tido como custo fiscal («pois o saldo das “Provisões nos termos do Código da Contribuição Industrial” já estaria completamente absorvido»), motivo por que a AT, ao proceder à correcção da matéria tributável declarada e consequente liquidação adicional de IRC teria incorrido em vício de violação de lei.
Mais sustentou a caducidade do direito de liquidação com o fundamento de que «a correcção fiscal efectuada é relativa ao erro de contabilização efectuado em 1989», motivo por que o direito à consequente liquidação apenas poderia ser exercido desde que a Contribuinte fosse notificada «até ao fim do quinto ano seguinte ao facto gerador do imposto, ou seja, fim de 1995» e a liquidação só foi efectuada em Outubro de 1996.
Porque a sentença não atendeu a argumentação da Impugnante, esta vem agora, em sede de recurso, reiterar as posições sustentadas na petição inicial, alegando que a sentença fez incorrecto julgamento das questões da legalidade da liquidação.
Mais alegou que a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que não procedeu à análise crítica da perícia efectuada a requerimento da Impugnante.
Assim, como deixámos dito em 1.8, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber:
– se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia e
– se a sentença recorrida fez correcto julgamento
· quando considerou legal a correcção efectuada pela AT ao rendimento tributável declarado para o ano de 1992 e
· quando considerou não verificada a caducidade do direito à liquidação.

2.2.2 DA NULIDADE DA SENTENÇA
A primeira questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se, como invocado pela Recorrente, a sentença enferma do vício de omissão de pronúncia por a Juíza do Tribunal a quo não ter procedido à análise crítica do resultado da perícia requerida e efectuada nos autos.
Na verdade, a Recorrente requereu e foi deferida a realização de uma perícia à sua contabilidade, sendo que na sentença não encontramos a mínima referência ao resultado da mesma. A este propósito, suscitam-se desde logo dois reparos.
O primeiro é que mal se compreende que se tenha realizado a perícia com o âmbito que a Impugnante lhe conferiu mediante a formulação dos quesitos aos peritos. É sabido que «a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem» (cf. art. 388.º do Código Civil (CC)) e que os peritos podem trazer ao tribunal, não só a sua percepção dos factos, mas também a apreciação ou valoração dos mesmos (() Neste sentido, e destacando-a como nota típica deste meio de prova, vide ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 576.), sobretudo em matérias que exijam conhecimentos especiais que os julgadores não tenham. Mas, o que, seguramente, não compete aos peritos é substituir-se ao juiz no julgamento da matéria de facto, nem (ousaríamos dizer, muito menos) no julgamento da matéria de direito.
Ora, mediante a leitura dos quesitos formulados em ordem à realização da perícia, verificamos que a Impugnante não pretendia obter a percepção ou apreciação de quaisquer factos, mas pretendia antes a formulação de juízos ou conclusões que só competiam ao Tribunal, estribado nos factos que desse como assentes. Assim, não é aceitável que se coloquem aos peritos, como se colocaram, questões como as respeitantes à indagação da caducidade do direito de liquidação, sob pena de transferir para estes tarefas que são da exclusiva competência do tribunal.
O segundo reparo é que, na verdade, não encontramos na sentença referência alguma à perícia e valoração do respectivo resultado. Ora, não há dúvida de que, tendo sido admitida a perícia, é surpreendente que na sentença, que é o lugar próprio para a análise crítica da prova, se não encontre qualquer referência àquele meio de prova, seja para considerar a sua inadmissibilidade face aos termos em foi efectuada, seja para valorar a sua força probatória.
No entanto, o que ora cumpre apreciar é, exclusivamente, se a falta de apreciação crítica desse meio de prova – a perícia – constitui ou não nulidade, isto é, vício que inquine a validade formal da sentença. Desde já diremos que tal omissão nunca poderia constituir nulidade por omissão de pronúncia pois a perícia, em si mesma, não é questão (() Definindo questão, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 10 ao art. 125.º, pág. 913, diz: «Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito». ) alguma sobre a qual o tribunal deva pronunciar-se. Tal nulidade refere-se a situações de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas, sendo que estas poderão repercutir-se na validade substancial da sentença, integrando erro de julgamento, mas não na sua validade formal, que é o domínio onde se situam as nulidades (() Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., I volume, anotação 10 ao art. 125.º, pág. 912. ).
Deve ponderar-se ainda se a referida omissão poderia constituir nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, imposta pelo art. 125.º do CPPT e que, relativamente à matéria de facto «abrange, não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art. 123.º deste Código, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.º 3 do art. 659.º do CPC». Na verdade, o tribunal deve esclarecer quais os elementos probatórios que o levaram a decidir a matéria de facto em determinado sentido e não noutro, sendo que, no caso de existirem elementos em sentidos divergentes, deve ainda indicar a razão por que deu prevalência a uns em detrimento dos outros.
No entanto, como é sabido, «no que concerne à falta do exame crítico das provas […] só constitui nulidade a sua omissão total, como resulta dos próprios termos do […] art. 125.º» (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., I volume, anotação 8 ao art. 125.º, pág. 909, com numerosa indicação de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nesse sentido na nota de rodapé com o n.º 1.).
Ora, analisado o julgamento da matéria de facto efectuado pela 1.ª instância – que deixámos transcrito em 2.1.1 –, verificamos que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu deixou indicados os elementos probatórios em que fundamentou tal julgamento, motivo por que não podemos considerar verificada a invocada nulidade da sentença.

2.2.3 DA ILEGALIDADE DA TRIBUTAÇÃO
A Recorrente continua a invocar a ilegalidade da liquidação porque não havia lugar a qualquer das correcções operadas pela AT, motivo por que invoca o erro de julgamento. Entendemos que lhe assiste razão e que na sentença não se ponderou sequer a tese por ela sustentada, ainda que, nos termos da decisão aí adoptada, para a refutar (() Sendo certo que a lei não consagra como causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre as razões ou argumentos das partes, mas tão-só a falta de pronúncia sobre as questões suscitadas, entendemos que o juiz, se pretender cumprir com o objectivo de convencer do bem fundado da decisão e, assim, de assegurar a estabilidade social e a paz jurídica, não deve ignorar absolutamente a argumentação expendida pela Impugnante, antes se lhe impondo dar conta da ponderação que a mesma lhe mereceu, nem que seja para demonstrar a sua falta de razão.).
Alegou a Recorrente que, no ano de 1989, cometeu um erro na contabilização das provisões que constituiu nesse ano. Isto, porque, de acordo com a disciplina do art. 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, diploma legal que aprovou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) e aboliu a contribuição industrial (CI) (() Cf., respectivamente, os seus arts. 1.º e 3.º, n.º 1.), nas contas dos resultados desse exercício, para efeitos de determinação do IRC do ano de 1989, deveria ter reposto, do saldo das provisões constituídas no âmbito e ao abrigo do CCI, montante igual – Esc. 12.180.629$00 (() Relativamente a este montante, como salientámos na alínea c) dos factos que fixámos neste Tribunal Central Administrativo Norte, há que ter em conta que no relatório da fiscalização se incorreu num lapso de escrita, que se repercutiu ao longo de todo o procedimento: em vez de 12.180.629$00, que é o valor das provisões constituídas pela Contribuinte no ano de 1989, como se pode verificar pelo confronto com o respectivo mapa, com cópia a fls. 16, escreveu-se 12.180.628$00.) – ao das provisões para “créditos de cobrança duvidosa” que constituiu nesse ano.
É certo que assim deveria ter procedido, porque a tanto a obrigava o n.º 2, alínea b), do art. 13.º do Decreto-Lei n.º 442-B/88, que impunha que «o saldo em 1 de Janeiro de 1989 das provisões a que se referem a alínea c) e alínea d) do artigo 33º do Código da Contribuição Industrial, aceites para efeitos fiscais com referência a exercícios anteriores, depois de deduzido o montante que delas tiver sido utilizado no exercício de 1989, nos termos que lhe eram aplicáveis» fosse reposto «nas contas de resultados dos exercícios encerrados posteriormente àquela data, para efeitos de determinação da matéria colectável de IRC», na mesma medida em se procedesse «à constituição ou reforço no exercício em causa das provisões a que se referem a alínea a) e alínea b) do n.º 1 do artigo 33º do Código do IRC».
Trata-se de uma das normas transitórias impostas pela mudança da CI para o IRC e que visa garantir que da passagem de um para o outro tributo resulte o menor prejuízo possível quer para os contribuintes quer para a receita fiscal, designadamente por força dos diferentes critérios adoptados pelo CCI e pelo CIRC quanto às provisões fiscalmente dedutíveis.
Assim, por força daquela norma transitória, o diferencial entre o saldo, em 1 de Janeiro de 1989, das provisões referentes a anos anteriores (diminuído, se for caso disso, do montante utilizado no exercício de 1989) e a importância das provisões fiscalmente dedutíveis, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 33.º do CIRC, no mesmo exercício, devia ser reposto nas contas de resultados encerradas ulteriormente àquela data, para efeitos da determinação da matéria colectável de IRC.
Acontece que não foi assim que a Contribuinte procedeu. A Contribuinte, ao que afirma, por lapso decorrente da falta de conhecimento do referido regime transitório, não procedeu à reposição e, ao invés de registar as provisões constituídas nesse ano, do montante de Esc. 12.180.629$00, na conta “provisões para créditos de cobrança duvidosa”, adicionou o respectivo montante à conta “provisões constituídas nos termos do Código da Contribuição Industrial”, pelo que o saldo desta conta, em virtude desse lapso, passou de Esc. 24.472.205$00 para 36.652.834$00.
Tal lapso poderia e deveria a AT tê-lo corrigido, no âmbito dos seus poderes de fiscalização e controlo das declarações (cf. art. 63.º da Lei Geral Tributária (LGT) e arts. 107.º e 108.º do CIRC (() Referimo-nos à versão original do CIRC, em vigor à data. Hoje, após a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, correspondem-lhes os arts. 124.º e 125.º do mesmo Código.)), procedendo à pertinente correcção da matéria tributável declarada para o ano de 1989 e consequente liquidação adicional de IRC daquele ano.
Poderia, inclusive, a AT ter também considerado a repercussão desse erro no exercício do exercício de 1991 e ter procedido à pertinente correcção da matéria tributável declarada e consequente liquidação adicional de imposto. Isto, porque o saldo da conta “provisões constituídas nos termos da Código da Contribuição Industrial” não seria todo ele reposto no ano de 1989, porque no ano de 1990 a Contribuinte não constituiu provisões (pelo que, nesse exercício, não haveria lugar a reposição alguma) e porque no ano de 1991 a Contribuinte constituiu provisões do montante de Esc. 23.587.901$00, motivo por que se impunha que tivesse reposto nesse exercício o remanescente do saldo da conta “provisões constituídas nos termos do Código da Contribuição Industrial”, tudo nos termos do referido art. 13.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 442-B/88.
Aliás, a fazer face na informação de que foi junta cópia ao processo de reclamação graciosa, a AT terá procedido à correcção da matéria tributável declarada para o ano de 1991. Saber se o fez bem ou mal, é questão fora do âmbito deste processo.
Já no ano de 1992, não haveria lugar a correcção alguma motivada pela não reposição do saldo da conta “provisões constituídas nos termos do Código da Contribuição Industrial” pela simples razão de que, nesse ano, já não haveria lugar a reposição alguma, pois o saldo dessa conta – que era de Esc. 24.472.205$00 – já se teria esgotado. Relembramos que nos anos de 1989 e 1991 a Contribuinte constituiu provisões dos montantes de Esc. 12.180.629$00 e 23.587.902$00, respectivamente.
Certo é que a AT não efectuou qualquer correcção relativamente ao ano de 1989. Não o tendo feito, seguramente não pode, desprezando o princípio da especialização dos exercícios (consagrado no art. 18.º do CIRC (() Nos termos do art. 18.º, n.º 1, do CIRC, «Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputadas ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios».)) ou pretendendo ultrapassar a caducidade do direito à liquidação relativamente aos factos do ano de 1989 (o termo do prazo da caducidade, como melhor veremos adiante, ocorreu em 31 de Dezembro de 1994), é pretender efectuar a correcção que deveria ter efectuado relativamente à matéria tributável do ano de 1989 na matéria tributável do ano de 1992.
Note-se que o princípio da especialização dos exercícios deve ser respeitado, não só pelos contribuintes, mas também pela AT. Ou seja, do mesmo modo que não é admissível que os contribuintes imputem custos e proveitos, ou outras componentes positivas e negativas do lucro tributável, a exercícios diversos daqueles a que respeitam, manipulando os resultados do exercício, também não pode permitir-se que a AT, desrespeitando aquele princípio, proceda a correcções da matéria tributável, designadamente pretendendo imputar a reposição de provisões a exercícios diversos daqueles em que a lei impunha tivesse sido efectuada. A AT, do mesmo modo que o contribuinte, não pode escolher o exercício em que a reposição das provisões deve ser efectuada.
Assim, como bem alegou a Impugnante ora Recorrente, a liquidação violou o disposto no art. 18.º do CIRC e no art. 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, motivo por que deverá ser anulada, como pedido na petição inicial.
A sentença recorrida, que julgou em sentido diverso, não pode manter-se, pelo que será revogada e, em substituição, anularemos a liquidação adicional impugnada.

2.2.4 DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
A questão da caducidade do direito à liquidação deve ter-se por prejudicada face à resposta que foi dada à questão anterior, de que resultou dever ser anulada a liquidação adicional impugnada.
No entanto, sempre diremos que, a nosso ver, a mesma deverá ser considerada, não como um fundamento da impugnação judicial, mas como um argumento aduzido em favor da tese da violação da lei.
Na verdade, segundo a tese sustentada pela AT, a correcção foi reportada ao ano de 1992 e, por isso, tendo em conta o disposto no art. 33.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário (CPT), em vigor à data (() Ulteriormente, o prazo da caducidade do direito à liquidação foi encurtado para 4 anos pelo art. 45.º, n.º 1, da LGT, mas este novo prazo só se aplica aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998, como resulta do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT.), e tendo em conta que a Contribuinte foi notificada da liquidação em 1997, não era de ponderar a caducidade do direito à liquidação.
O que sucede é que a AT deveria ter efectuado a correcção em causa, não relativamente ao ano de 1992, mas antes relativamente ao ano de 1989 (e ao ano de 1991) e sucede que, em relação a esse ano de 1989, em 1996, ano em que foi realizada a inspecção, já se verificava a caducidade do direito à liquidação.
Talvez por isso, a AT pretendeu reportar o facto tributário ao ano de 1992. Mas, como ficou já dito, a reposição das provisões constituídas nos termos do CCI deveria ter sido efectuada em 1989 (e em 1991), não em 1992.
Em todo o caso sempre diremos que, como é inequívoco e bem salientou a Recorrente, sob pena de caducidade do direito à liquidação, a AT só poderia ter liquidado adicionalmente IRC relativamente a um facto tributário ocorrido em 1989 desde que se assegurasse de que a notificação à Contribuinte tinha lugar antes de 5 anos, contados a partir do termo daquele em que ocorreu aquele facto (() É inequívoca a classificação do IRC como imposto periódico.), ou seja, que a notificação tinha lugar até 31 de Dezembro de 1994, tudo como imposto pelo art. 33.º, n.º 1, do CPT, em vigor à data.

2.2.5 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões:
I - A falta de análise crítica de um determinado meio de prova não constitui omissão de pronúncia, nulidade que só pode verificar-se relativamente a questões e já não relativamente à falta de avaliação de provas, sendo que esta poderá eventualmente repercutir-se na validade substancial da sentença, integrando erro de julgamento, mas não na sua validade formal, que é o domínio onde se situam as nulidades da sentença.
II - Sendo certo que a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto abrange, não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, mas também a falta de análise crítica da prova, esta só constitui nulidade se a omissão for total, isto é, se o tribunal de todo não referir os elementos probatórios que fundamentaram o julgamento da matéria de facto.
III - Por força do disposto no art. 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, o diferencial entre o saldo, em 1 de Janeiro de 1989, das provisões referentes a anos anteriores (diminuído do montante eventualmente utilizado no exercício de 1989) e a importância das provisões fiscalmente dedutíveis, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 33.º do CIRC, no mesmo exercício, devia ser reposto nas contas de resultados encerradas ulteriormente àquela data, para efeitos da determinação da matéria colectável de IRC.
IV - Se o contribuinte não observou essa regra, sendo que, relativamente aos anos de 1989 e 1991, constitui provisões sem que tenha procedido à devida reposição das provisões constituídas ao abrigo do CCI, a AT pode e deve efectuar as pertinentes correcções na matéria tributável declarada nesses anos.
V - O que não pode é a AT, que apenas se deu conta da situação descrita em IV no ano de 1996, porventura como forma de obviar à caducidade do direito de liquidação relativamente a factos do ano de 1989 (cf. art. 33.º do CPT, em vigor à data), é pretender efectuar essa correcção no rendimento tributável declarado ano de 1992, quando neste ano já era de considerar como esgotado o saldo das provisões constituídas no domínio da CCI.
VI - Se o fizer, a AT viola o princípio da especialização dos exercícios consagrado no art. 18.º do CIRC e a norma de direito transitório referida em II.

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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando a impugnação judicial procedente, anular a liquidação adicional impugnada.

Sem custas, mesmo em 1.ª instância, por a Fazenda Pública delas estar isenta na legislação aplicável.


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Porto, 12 Novembro de 2009


(Francisco Rothes)

(Fonseca Carvalho)
(Moisés Rodrigues)