Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00885/07.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/27/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; AVALIAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL; CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO; ÓNUS DE PROVA; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1 - O juiz só pode pronunciar-se sobre factos alegados pelas partes, a menos que a lei preveja o seu conhecimento oficioso artigos 264.° do Código de Processo Civil, 99.’, n.° 1, da Lei Geral Tributária e 13, n.° 1, do Código de Prdcedimento e de Processo Tributário;
2 - Pelo que não é nula, nem por falta de especificação dos fundamentos de facto nem por omissão de pronúncia, a sentença que não se pronuncia sobre factos ventilados no procedimento tributário e sobre os quais nenhuma das partes tomou posição nos articulados.
3 - A sentença também não é nula por falta de fundamentação de direito se, na apreciação e cada um dos vícios invocados, o tribunal recorrido cita ou transcreve as normas que considera aplicáveis e procede à subsunção dos factos a que alude o número anterior à respetiva hipótese normativa.
4 - Não inverte o ónus probatório fixado no artigo 74.° da Lei Geral Tributária nem impõe ao sujeito passivo uma prova impossível o tribunal recorrido que, confirmando que a administração tributária reuniu indícios fundados de que a declaração de rendimentos do sujeito passivo não reflete a sua verdadeira situação tributária, julga elidida a presunção de verdade dessa declaração (a que alude o artigo 75°, n.° 1, da mesma Lei) e reverte contra este o ónus de demonstrar a veracidade dessas declarações ou de alegar e demonstrar factos que gerem dúvida fundada sobre a existência do facto tributário.
5 - Constituem indícios fundados de que o sujeito passivo recebeu remunerações, não declaradas para efeitos de I.R.S., da sociedade de que é sócio gerente, a apreensão de uma minuta de um acordo entre os sócios que prevê a atribuição dessas remunerações, bem como de mapas anuais e diários e notas discriminativas onde estão lançados esses montantes, discriminados dos declarados sob a designação «outro», «por fora» ou «fora de fis.».
6 - Não constitui diligência necessária nem adequada à descoberta da verdade material o levantamento do sigilo bancário sobre as contas do sujeito passivo, destinado a apurar se este recebeu efetivamente os valores mencionados nos documentos a que aludem os números anteriores, se deles resulta que a maior parte das saídas era em dinheiro.
7 - A existência de diversas contabilidades, a que alude o artigo 88.°, alínea c), primeira parte, da Lei Geral Tributária, só implica o recurso a métodos indiretos quando inviabilize o apuramento do valor exato da matéria tributável [cfr. também os artigos 85.°, n.° 1, e 87.°, n.° 1, alínea b) da mesma Lei];
8 - A administração tributária não recorre nem tem necessidade de recorrer a métodos indiretos se reúne indicadores de que os dados inscritos numa dessas contabilidades correspondem aos rendimentos realmente auferidos pelo sujeito passivo e registam o valor exato da matéria tributável.
9 - A falta de junção ao relatório de diversos documentos de suporte às conclusões da fiscalização não interfere com a qualidade nem com a clareza da fundamentação se o resumo, em quadro discriminativo, dos valores mencionados nesses documentos peimite apreender com clareza donde a administração tributária extraiu essas conclusões.
10 – Mas já interfere com a clareza da fundamentação a junção ao relatório de documentos de suporte que contenham informações divergentes sobre a taxa de juro acordada em empréstimo concedido pelo Recorrente, sem que a adninistração explique porque relevou uma taxa em detrimento de outra.
Data de Entrada:02/18/2011
Recorrente:JGA
Recorrido 1:Fazenda Publica
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. JGA, n.i.f. 1(…), com domicílio no Porto recorreu da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a presente impugnação judicial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (I.R.S.) e juros compensatórios do ano de 2005 no valor de € 32.253,48.

Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões:

1.ª A matéria de facto dada como provada é insuficiente para consentir a prolação duma decisão de mérito sobre a impugnação judicial, desde logo porque não se discute que a AF tenha formulado as conclusões constantes do relatório inspectivo (RIT).

2.ª Ainda que se entenda que o Tribunal “a quo” deu, outrossim, como provados os pressupostos e conclusões do relatório, na íntegra, tal configura nulidade da sentença – por não especificação dos fundamentos de facto para a decisão, não podendo o Tribunal limitar-se a proferir uma decisão jurídica de fundo com base na adesão, em bloco, à factualidade constante do RIT [arts. 125.º/1 do CPPT e 668.º/1-b) CPPT].

3.ª Estando em causa nos autos, para além de rendimentos da categoria A, também rendimentos da categoria E – que a AF entende terem sido auferidos pelo Impugnante/recorrente – constata-se que o Tribunal “a quo”, julgou improcedente a impugnação judicial sem ter dado como provado qualquer facto relativamente a essa matéria – o que acarreta a nulidade da sentença – nos termos dos artigos 125.º/1 CPPT e 668.º/1-b) CPPT.

4.ª Quanto às correcções impugnadas, a douta sentença padece ainda de nulidade por falta de fundamentação de direito, tendo em conta que o Tribunal “a quo” não efectuou a operação decisória de aplicação da lei à factualidade provada [artigos 668º/1-b) do CPC e 125º/1 do CPPT], pelo que se ficou sem saber quais os preceitos legais que foram concretamente interpretados e aplicados à factualidade provada, por forma a concluir pela legalidade da liquidação e do seu concreto enquadramento jurídico-tributário.

5.ª Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” inverteu o ónus de prova, impondo ao Recorrente uma verdadeira “diabólica probatio (a prova de um facto negativo) – que os valores em causa não foram recebidos – o que é praticamente impossível de provar-se.

6.ª Cabia à AF o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o ónus de prova sobre o efectivo pagamento ou colocação à disposição do Recorrente dos rendimentos em causa – nos termos do artigo 2.º/1 do CIRS, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, sabido que não pode haver lugar a qualquer subjectividade do agente fiscalizador e que a determinação directa da matéria colectável não pode alicerçar-se em meras suspeitas ou suposições, sobretudo quando, como no caso em apreço, tais correcções foram efectuadas sovre documentos avulsos e apócrifos – sem natureza contabilística – que não estavam na posse do Impugnante/Recorrente.

7.ª Era à AF que cabia, mormente através do procedimento inspectivo, demonstrar que o rendimento em causa foi efectivamente pago ao Impugnante/Recorrente, ou por ele recebido, nos moldes pretendidos, para o que a AF poderia e deveria ter solicitado o levantamento do sigilo bancário, quer da sociedade, quer do Recorrente, e assim, com recurso à movimentação bancária dos pagamentos e recebimentos, demonstrar o valor tributável com base no qual efectuou a liquidação.

8.ª Para proceder a uma liquidação adicional de imposto, a AF satisfez-se com a existência de documentos extra-contabilísticos – que não estavam em poder do Impugnante/Recorrente, nem foram por ele elaborados – onde eram mencionados diversos valores, com base nos quais a AF presumiu rendimentos e pagamentos!

9.ª Este simplismo procedimental da AF veio a ser sancionado pela douta sentença sob recurso nos seguintes termos: “(…) a administração fiscal viu-se confrontada com documentos que referiam a existência de remunerações e juros recebidos não declarados pelo impugnante, e com base nesses documentos, calculou os rendimentos omitidos na declaração de IRS do mesmo.” [Fls. 105, penúltimo parágrafo].

10.ª O Tribunal “a quo” conclui, como o havia feito a AF, que os rendimentos foram recebidos e não foram declarados pelo Impugnante/Recorrente, sendo que, salvo o devido respeito, tal conclusão não tem apoio na matéria de facto provada.

11.ª Ao contrário do que seria exigível, a AF não carreou para os autos prova dos fluxos financeiros entre a empresa e os gerentes – demonstrando a saída dos fundos da sociedade ou da sua entrada na esfera jurídica dos gerentes, nem demonstrou que o “Acordo Parasocial” referidos nos autos produziu efeitos.

12.ª A AF está vinculada ao princípio do inquisitório, cabendo-lhe realizar e promover todas as diligências que entenda necessárias para a descoberta da verdade material, em lugar de, como fez, se contentar com meras presunções ou indícios (art.º 58.º da LGT).

13.ª Tendo a AF procedido como procedeu, subsiste uma margem de dúvida que deve ser valorada a favor do contribuinte (art. 100.º CPPT).

14.ª Assim, no caso sub judice, a materialidade exposta no probatório não pode deixar de se considerar como insuficiente e inadequada à decisão prolatada.

15.ª Na verdade “(…) pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que deve invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha que provar no procedimento tributário, designadamente o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário (…)” [Jorge Lopes de Sousa, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», 2006, I vol., pág. 719, nota 2, último parágrafo]. Destaque nosso.

16.ª Não tendo entendido assim, enferma a douta sentença recorrida de erro de julgamento, uma vez que a matéria de facto apurada é manifestamente insuficiente para a decisão dada, o que a faz incorrer em inobservância do disposto nos arts 653.º/2 e 659.º/3 do CPC, e, simultaneamente, em violação de lei, nomeadamente do disposto nos arts. 58.º e 74.º da LGT e 100.º do CPPT.

17.ª Concluiu-se no RIT que “(…) a empresa “CS” escriturava uma “contabilidade paralela” à contabilidade oficial, na qual eram registadas entradas (em dinheiro ou cheque) provenientes de receitas omitidas à contabilidade, e saídas (também em cheque ou dinheiro) destinadas, basicamente, a pagar horas extras ao pessoal da empresa e “remunerações complementares” aos sócios gerentes e outro pessoal dirigente da empresa, pagas à margem da contabilidade oficial e à margem das normas fiscais subjacentes.” (Destaque nosso).

18.ª Foi precisamente pelo facto de a AF entender que a contabilidade da “CS” não merecia credibilidade que fundou a sua apreciação e correspondentes conclusões em elementos de natureza diversa, manifestamente não contabilística (actas e acordos parassociais).

19.ª E foi do encadeamento desses factos que a AF acabou a presumir a existência de factos tributários e a presumir a existência dos correspondentes rendimentos do Impugnante/Recorrente, procedendo, também, à respectiva quantificação – (i) a AF presumiu, no relatório inspectivo, que o Recorrente recebeu os valores que se encontravam inscritos nos documentos analisados; (ii) a AF presumiu que a acta a que se refere a minuta de “Acordo Parassocial” é a acta n.º 116” junta ao mesmo relatório; (iii) a AF presumiu que o dito “Acordo Parassocial” produziu efeitos.

20.ª Tais presunções não são presunções “ope legis”, mas sim presunções efectuadas “motu proprio”, pela AF, a partir de indícios e elementos ao seu dispor, procedendo a AF a “correcções aritméticas” sobre valores que supõe terem sido pagos e/ou recebidos, sem o demonstrar minimamente.

21.ª Maugrado a AF referir que apenas procedeu a correcções meramente aritméticas, verifica-se que, na realidade, procedeu à determinação do rendimento tributável do Recorrente através de verdadeira avaliação indirecta da matéria tributável, pelo que deveria tê-lo notificado, nos termos do art. 60.º/1-d) da LGT, para exercer o direito de audição prévia.

22.ª O Recorrente tampouco foi notificado, nos termos do art. 91º da LGT, para, querendo, requerer o procedimento de revisão da matéria tributável (correcções aos seus rendimentos).

23.ª Ao não ter entendido assim, incorreu o Tribunal “a quo” em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos arts. 60.º, 87.º, 88.º e 91.º da LGT.

24.ª A AF refere expressamente no RIT ter recorrido à determinação da matéria tributável por recurso a meras correcções técnicas, quando se impunha que tivesse realizado a avaliação por recurso a métodos indirectos, já que concluiu que “a empresa “CS” escriturava uma “contabilidade paralela” à contabilidade oficial” – o que não só legitimava como inclusivamente impunha que tivesse feito uso da avaliação por métodos indirectos [art.º 88.º-c) da LGT].

25.ª Não tendo entendido assim, o Tribunal “a quo” incorreu em errada interpretação e aplicação dos arts. 87.º e 88..º da LGT.

26.ª O Recorrente invocou que desconhece a forma através da qual foi elaborado, pela AF, o dito “anexo 5” ou, inclusivamente, os elementos em que tal quadro se baseou, uma vez que da fundamentação apenas constamos documentos de suporte, “a título exemplificativo”.

27.ª Tal facto impediu a Recorrente de constatar a exactidão das correcções técnicas efectuadas pela AF, com reflexo no rendimento colectável determinado e, consequentemente, na justeza da liquidação impugnada.

28.ª Entende o Tribunal “a quo” que consta do processo administrativo o comprovativo de notificação ao Recorrente do relatório inspectivo, sendo que tal facto não está em causa mas, apenas, que as conclusões inspectivas não se encontram devidamente fundamentadas – o que é manifestamente diferente.

29.ª Como resulta do RIT, a AF, procedeu à correcções impugnadas, sem ter juntado todos os elementos documentais – mas apenas alguns, “a titulo exemplificativo” – sendo que foi com base em documentos que não foram juntos ao RIT que foi elaborado o Anexo 5, o qual pretende constituir uma súmula desses elementos que não constam do procedimento.

30.ª Entende o Tribunal “a quo” que, neste contexto, o Recorrente deveria ter usado o mecanismo previsto no art. 37.º do CPPT; todavia, tal mecanismo foi estabelecido para solicitar a fundamentação que não acompanhe a notificação do acto tributário – maxime a liquidação – contra a qual se pretende reagir, e não para suprir o deficit fundamentador dos relatórios inspectivos da AF.

31.ª Com efeito, “O artigo 37.º do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio de reacção, administrativa ou judicial, contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos (…)” [Ac. do STA, de 2010-10-13, dado no processo 0493/10, in www.dgsi.pt]. (Destaque nosso).

32.ª Ao não ter entendido assim, incorreu o Tribunal “a quo”, simultaneamente, em erro de julgamento, uma vez que, como resulta do RIT, os elementos documentais que estiveram na base da elaboração do Anexo 5 não acompanharam o mesmo, e em errada interpretação e aplicação de lei, mormente dos arts. 37.º e 77.º do CPPT, e 125.º/1 do CPA.

33.ª No que respeita aos rendimentos considerados pela AF como subsumíveis a tributação na Categoria E – e não obstante o Tribunal “a quo” nada ter dado como provado neste ponto – resulta do documento particular datado de 13-10-1999, junto como “anexo 7” ao RIT, que o mútuo venceria juros à taxa de 6% ao ano, estando também expressamente reiterado no documento junto ao RIT como “anexo 8”, com data de 17-02-2002, que o mútuo venceria jurso à taxa de 6% ao ano, apesar do que a AF considerou, na quantificação da matéria colectável, a taxa de 8% ao ano, com base num “mapa de escalonamento da dívida” (anexo 9).

34.ª Todavia, a AF não fundamentou como lhe competia fazer, o motivo pelo qual procedeu à liquidação de juros à referida taxa de 8%, com base no referido anexo 8 e, bem assim, não esclareceu porque motivo desconsiderou a aplicação da convencionada taxa de 6%.

35.ª A liquidação ora impugnada encontra-se, assim, insuficientemente fundamentada e impede a percepção dos elementos necessários á compreensão suficiente das razões de facto e de direito do acto, com vista a apreciar a sua legalidade.

36.ª Não tendo entendido assim, incorreu o Tribunal “a quo”, uma vez mais, em erro de julgamento.

37.ª Julgando como julgou, a douta sentença de fls. 99/112 não fez a melhor interpretação e aplicação das normas que no desenvolvimento destas alegações foram no lugar próprio identificadas, designadamente dos arts. 125.º/1 do CPPT e 668.º/1-b) do CPC; 2.º/1 do CIRS; 58.º da LGT e 100.º do CPPT; 653.º/2 e 659.º/3 do CPC, e 58.º e 74.º da LGT, e 100.º do CPPT.

1.2. A Fazenda Pública não contra-alegou.

A M.mª Juiz a quo lavrou despacho de sustentação.

Neste Tribunal, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelas razões que desenvolvidamente explana de fls. 171 a fls. 173 dos autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

1.3. Nas conclusões de recurso são apontados os seguintes vícios à sentença recorrida:

1.3.1. nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão [conclusões “2.ª” e “3.ª”];

1.3.2. nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito da decisão [conclusão “4.ª”];

1.3.3. erro de julgamento, uma vez que a matéria de facto apurada é manifestamente insuficiente para a decisão dada [conclusões “5.ª” a “16.ª”];

1.3.4. erro de julgamento, porque o tribunal recorrido deveria ter concluído que a administração tributária procedeu à determinação do rendimento tributável por métodos indiretos e que, por conseguinte, deveria ter procedido à notificação do contribuinte para audição prévia e para requerer o procedimento de revisão da matéria tributável [conclusões “17.ª” a “25.ª”];

1.3.5. erro de julgamento, porque o tribunal recorrido deveria ter concluído que as conclusões inspetivas não se encontram devidamente fundamentadas, por não terem sido juntos todos os documentos de suporte do “Anexo 5” [conclusões “26.ª” a “32.ª”];

1.3.6. erro de julgamento, porque a liquidação impugnada, no que respeita aos rendimentos imputados na categoria E, se encontra insuficientemente fundamentada [conclusões “33.ª” a “36.ª”];

2. Fundamentação de Facto

2.1 - Em primeira instância, a Mmª Juiz a quo consignou a matéria de facto provada nos seguintes termos:

«Com interesse para a decisão, importam os seguintes factos:

1. A sociedade CS. Lda. de que o impugnante é sócio-gerente, foi sujeita a uma acção inspectiva que decorreu no ano de 2006 (cf. Relatório de Inspecção Tributária de fls. 44 a 75 do Processo Administrativo apenso);

2. Em resultado dessa acção de inspecção foi elaborado o respetivo Relatório e respetivos anexos, que se encontram junto a fls. 44 a 75 do Processo Administrativo apenso, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e que apresentou os seguintes pressupostos e as seguintes conclusões:

“1- Pressupostos

No âmbito do Proc.º de Inquérito nº 584/05.7JAPRT, instaurado contra a sociedade “CS, Ld” (CS.), foi levada a efeito pela Polícia Judiciária (PJ), em 27.ABR.2005, uma acção de busca às instalações daquela empresa, da qual resultou a apreensão de vários documentos.

Da análise dos documentos apreendidos conclui-se que a “CS.” pagou ao pessoal dirigente (sócios-gerentes incluídos) remunerações complementares, à margem da contabilidade, não efectuando a retenção do IRS devido sobre os referidos pagamentos nem os declarando à Administração Fiscal, a que estava obrigado por lei.

(…)

2. Análise dos documentos apreendidos

(…)

Concluíndo, da análise dos vários documentos apreendidos ficou demonstrado que o SP em análise auferiu da “C.S.”, sob a forma de remunerações complementares”, não contabilizadas pela empresa e, necessariamente não declarados à Administração Fiscal pelo beneficiário, sujeitos a IRS – categoria A, nos termos do art. 2º do respetivo Código, que não foram tributados na sua esfera jurídica.

A reforçar esta conclusão, consta dos elementos apreendidos a existência de notas discriminativas, intituladas “Contas – Dr. J. G. A.”, que evidenciam as verbas recebidas pelo SP da “CS” pela via oficial e “por fora”.

(…)

Correcções ao rendimento tributável em IRS, de natureza meramente aritmética, resultante de imposição legal:
Rendimento Colectável do IRS do Agregado Familiar
Anos
Declarado
Correcção (Categoria A)
Correcção (Categoria E)
Corrigido
2002
735.997,41
55.004,00
791.001,41
2003
1.111.127,75
292.049,60
47.524,00
1.450.701,35
2004
1.464.969,08
331.121,70
38.494,00
1.834.584,78
2005
1.534.379,07
51.273,00
27.716,00
1.613.368,07

3. Em 16.10.2006 o Impugnante foi notificado para exercer o direito de audição do projecto de relatório de inspecção tributária, cf. Fls. 39 e 40 do Processo Administrativo apenso, não tendo exercido o mesmo no prazo concedido para o efeito;

4. Sobre o relatório de inspecção foi proferido Parecer em 09.11.2006 com o seguinte teor: “Confirmo.

· As correcções meramente aritméticas descritas no capítulo I do presente relatório efectuadas em sede de IRS aos rendimentos de categoria A e E declaradas face aos fundamentos indicados no capítulo III.

· Resultados das correcções sugeridas os rendimentos líquidos totais corrigidos são:

2002---------------------791 001,41 €

2003------------------1.450.701,35 €

2004------------------1.834.584,78 €

2005------------------1.613 368,07 €

· Por a matéria versada no presente relatório contemplar situações previstas e punidas no art. 103º do RGIT, remeter cópia à DPCT”.

5. O Chefe da Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, proferiu despacho sobre o relatório e parecer referidos em 3. E 4. De “Concordo” em 10.11.2006.” (cfr. fls. 43 do Processo Administrativo apenso);

6. Com data de 14. 11. 2006, veio o impugnante a ser notificado desse Relatório, cf. Fls. 41ª 43 do Processo Administrativo apenso.

7. Na sequência do despacho referenciado em 5. foi efectuada liquidação adicional de IRS n.º 2006 5004575660, de 29.11.2006, respeitante ao ano de 2005, no montante de €159.250,79, acrescida de € 657,88 de juros compensatórios, a qual após compensação da liquidação anterior com o n.º 2006 1434382, no montante total a pagar de € 32.253,48 (cfr. fls. 76 do Processo Administrativo apenso);

8. A liquidação de IRS relativa a 2005, em causa nos presentes autos tem como data limite de pagamento o dia 10.01.2007, cf. Fls. 32 dos autos.

9. A presente impugnação deu entrada em 10.04.2007, cf. Fls. 2 dos autos».

2.2 À fundamentação da resposta à matéria de facto que acima foi dada como provada aditou-se ainda na douta sentença o seguinte: «Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos e no Processo Administrativo em apenso».

2.3 A respeito da matéria de facto não provada, consignou-se em primeira instância o seguinte: «O Tribunal não considerou provado que o impugnante não tenha sido notificado de quaisquer documentos que lhe permitissem aferir se são correctas, e em que se basearam, as correcções levadas a cabo pela Inspecção Tributária, conhecendo apenas o teor do Relatório de Inspecção Tributária.

Além de resultar de fls. 40 a 76 do Processo Administrativo, a notificação do dito Relatório e dos Anexos ao Impugnante, facto que o depoimento das testemunhas não foi susceptível de abalar».

2.4 O Recorrente começa por apontar à sentença recorrida um conjunto de nulidades que, na sua alegação, afetam a respetiva fundamentação de facto.

Alega, assim, que a matéria de facto dada como provada é insuficiente para consentir a prolação de uma decisão de mérito, uma vez que o Tribunal a quo se limitou a dar como provado que os serviços de inspeção tributária concluíram o que concluíram, em vez de se pronunciar sobre a concreta factualidade que aqueles serviços levaram ao relatório de fiscalização, dando-a como provada ou não provada. E que, por conseguinte, a sentença recorrida é nula por falta de especificação dos respetivos fundamentos de facto – artigos 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 668.º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil.

À cautela, alega que, a dever-se concluir que o tribunal recorrido deu como provado que os factos que suportaram a decisão administrativa efetivamente ocorreram, persiste a nulidade, agora por falta de especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (falta do exame crítico das provas).

Deve afastar-se liminarmente a segunda possibilidade. Não existem nos autos nenhuns elementos interpretativos que permitam sustentar que a Mmª Juiz a quo, ao dar como provado que a decisão administrativa assentou em determinados pressupostos de facto, estivesse também a dar como provados os factos em que a decisão administrativa assentou. E o Recorrente também não os indica: limitou-se a prevenir-se contra essa possibilidade interpretativa.

Na verdade, o que resulta dos factos provados é que o tribunal recorrido deu como assente que a administração tributária concluiu o que concluiu. Relegando para fase ulterior (a aplicação do direito aos factos) as consequências a extrair da falta de impugnação desses factos.

E como não deu (nem deixou de dar) como provados os factos correspondentes, isto é, não inseriu na resposta à matéria de facto nenhum juízo sobre a sua ocorrência, não teria também – obviamente – que justificar a convicção que, porventura, sobre ela tivesse formado.

O único vício que, por isso, poderia existir seria o de a Mmª Juiz dever ter apreciado esses factos e se ter declinado fazê-lo.

Só que esse vício nunca poderia integrar a nulidade da alínea b), do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

Na interpretação que fazemos deste normativo, a falta de especificação da matéria de facto que ali se sanciona com a nulidade é a falta absoluta de motivação, e não a sua insuficiência. O que por aqui se sanciona com nulidade é a ausência total de fundamentos de facto ou de exame crítico das provas. Por isso se prevê ali que o juiz deixe (de todo) de especificar os fundamentos, e não que não os especifique de forma suficiente.

Como refere o Prof. Alberto dos Reis (in «Código de Processo Civil Anotado», volume V, pág. 140), há «que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade».

A nulidade resulta, por isso, de um vício de natureza formal, que se aprecia atendendo fundamentalmente à estruturação da decisão, e não propriamente à sua substância. A sua constatação resulta de uma primeira análise, em que se verifica que há decisão mas não há justificação, que há conclusão mas não há premissas, em que se dá vencimento, mas não se oferece nada que permita o convencimento.

E não é isso que está em causa nos autos: como já acima referimos, a Mmª Juiz a quo pronunciou-se sobre determinados factos e justificou essa decisão. O que se pretende é que não se pronunciou sobre outros que, na tese do recurso, teria que apreciar.

Há, todavia, algumas insuficiências de motivação que poderão também conduzir à nulidade da decisão, mas por outra via.

Assim, quando o juiz dá como provado e não provado o mesmo facto, os fundamentos de facto estão em oposição entre si (independentemente do acerto do decidido quanto a um deles), o que conduzirá à nulidade da sentença, já não pela alínea b), mas pela alínea c) do n.º 1 daquele artigo 668.º do Código de Processo Civil. É que, se os fundamentos se contradizem entre si, um deles está em oposição com a decisão.

Por outro lado, quando o juiz não se pronuncia sobre determinados factos que deveria apreciar, temos omissão de pronúncia, que também conduz à nulidade da sentença, mas pela alínea d) do mesmo dispositivo legal.

No caso, a insuficiência da motivação de facto só poderia resultar de omissão de pronúncia. Mas para que se pudesse incorrer em tal vício seria necessário que se tivesse o dever de se pronunciar sobre a questão de facto correspondente. E o juiz só se pode pronunciar sobre os factos alegados pelas partes ou daqueles que a lei manda conhecer oficiosamente – artigos 660.º, n.º 2, e 264.º, ambos do Código de Processo Civil.

Na verdade, também em processo tributário a atividade inquisitória está limitada aos factos alegados pelas partes e aos do conhecimento oficioso, como decorre dos artigos 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 13.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (… relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer).

Ora, o Recorrente não alega ter invocado os factos correspondentes no seu articulado, nem tal resulta da respetiva análise. Pelo que a sentença recorrida nunca poderia ter incorrido em tal nulidade. E o recurso não pode proceder nesta parte.

2.5 Adiante, o Recorrente alega que o tribunal recorrido não fez a apreciação crítica da matéria de facto, visto que não remete na sua decisão para os documentos ou depoimentos que, em concreto, a suportam.

O que, todavia, só pode ter resultado de uma leitura apressada da decisão recorrida, visto que a Mmª Juiz a quo não se limitou a consignar o que o Recorrente transcreve no ponto 14.º das alegações de recurso e que no ponto 2.2. supra também transcrevemos. Indicou também, logo a seguir a cada um dos factos provados, o documento em que, em concreto, se baseou para os dar como assentes.

Pelo que o recurso também não pode merecer provimento nesta parte.

3 Fundamentação de Direito

3.2 Prossegue o Recorrente arguindo a nulidade decorrente da falta de fundamentação de direito, porque «se ficou sem saber quais os preceitos legais que foram concretamente interpretados e aplicados à factualidade provada, por forma a poder concluir-se pela legalidade da liquidação e do seu correcto enquadramento jurídico-tributário» (artigos 39.º e 40.º das doutas alegações de recurso).

Deve, anotar-se, em primeiro lugar, que o Recorrente, na douta e bem estruturada petição inicial, arguiu e delimitou claramente alguns vícios em que, alegadamente, teria incorrido a administração tributária no ato impugnado, que a M.mª Juiz a quo, depois de os enumerar, também apreciou de forma discriminada.

No entanto, o Recorrente não esclarece agora se a nulidade apontada abrange todos os vícios apreciados ou parte deles. Não os localiza nem enquadra nem explica tampouco como é que chegou a tamanha constatação. Ficou-se por uma arguição genérica, sumária e descontextualizada, que põe em causa o enquadramento do vício e a sua concreta apreciação.

De qualquer modo, a eventual fragilidade do raciocínio lógico da sentença na operação não integra as causas de nulidade mencionadas no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (nem tão pouco do artigo 668.º, n.º 1, do C.P.C.). Como se refere no douto acórdão do T.C.A.S. de 2006.09.19 (Rec. n.º 01270/06), citando o Acórdão da Relação de Lisboa de 1991.01.17, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XVI, tomo 1º, pág. 122, «o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade».

No que, de qualquer modo, nunca se concederia no caso. Porque, na apreciação dos diversos vícios, a Mmª Juiz a quo citou sempre (e e em alguns casos até transcreveu) diversas normas e efetuou a respetiva subsunção ao caso. Permitindo assim, mesmo ao leitor menos experimentado, perceber quais foram as normas em que, a respeito de cada vício, sustentou a sua decisão.

Tanto basta para negar provimento ao recurso, também nesta parte.

3.3 A questão que, de seguida, o Recorrente coloca ao tribunal de recurso é a de saber se, ao exigir-lhe que fizesse a prova de que os valores que constam do relatório de inspeção tributária não foram recebidos, o tribunal recorrido não estará a inverter o ónus de prova e a impor-lhe a prova impossível, a chamada “diabolica probatio”.

Estão em causa os rendimentos imputados à categoria A do I.R.S. de 2005, no montante de € 51.273,00: confrontando um conjunto de documentos apreendidos no âmbito de um processo de inquérito e que foram disponibilizados à administração tributária, os serviços de inspeção tributária concluíram que a sociedade de que o Recorrente é sócio gerente lhe pagou esse valor a título remunerações complementares, que não foram objeto de retenção em I.R.S. nem foram declaradas.

A M.mª Juiz a quo concluiu que a administração tributária apurou factualismo que lhe permitiu proceder à correção aritmética da matéria tributável e que o ali impugnante nunca alegou qualquer facto que permitisse considerar que tais valores não correspondiam à realidade e que pudesse pôr em crise as correções técnicas efetuadas. E o Recorrente contrapõe, basicamente que era à administração tributária que competia a demonstração de que esses valores lhe foram pagos ou colocados à sua disposição.

Sobre esta matéria, o que importa referir desde já é que o tribunal recorrido não inverteu o ónus de prova consagrado no artigo 74.º da Lei Geral Tributária, porque não deixou de indagar previamente se a administração tributária reuniu (ou não) indicadores suficientes de que o Recorrente efetivamente auferiu esses rendimentos. O que a M.mª Juiz a quo observou também foi que, depois de a administração tributária reunir tais indicadores, seria a vez do visado apresentar indicadores de sinal contrário, que evidenciassem o desacerto dessas conclusões ou gerassem dúvida fundada sobre a existência do facto tributário.

Raciocínio que inteiramente subscrevemos, porque observa a lei aplicável. Na verdade, o que resulta do artigo 75.º da Lei Geral Tributária é que a apresentação da declaração de rendimentos do contribuinte gera a presunção de verdade dos rendimentos ali declarados e dos respetivos documentos justificativos. Trata-se, no entanto, de uma presunção que o legislador faz assentar na aparência de colaboração que o cumprimento dos valores declarativos indicia e que poderá ser elidida pela verificação de que essa colaboração era meramente aparente e encobre, afinal, a intenção de ocultar rendimentos e a sua verdadeira situação tributária. O que poderá acontecer, designadamente, quando sejam reunidos indícios fundados de que essa declaração ou os respetivos dados de suporte não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo – n.º 2, alínea a), daquele dispositivo legal.

E o que sucede é que, quando a administração tributária reúne esses indicadores de falta de colaboração, está precisamente a dar cumprimento ao ónus que sobre si recaía e a que alude o referido artigo 74.º. Porque esses indicadores são, em simultâneo, os factos constitutivos do direito a desconsiderar os dados da declaração do contribuinte, que deixam então de beneficiar da presunção, e do direito ao imposto não declarado.

Ora, se tais indicadores forem efetivamente reunidos, é evidente que o Recorrente já não pode reconduzir-se à presunção de verdade da sua declaração (porque esta já foi elidida) nem pode remeter para o ónus da administração tributária (porque já foi cumprido). E também não pode escudar-se no facto de lhe estar a ser exigida uma prova impossível (a de que não teve os rendimentos que a administração lhe imputa), porque, como já não beneficia da presunção de verdade da sua declaração na parte correspondente, do que se trata é de provar um facto positivo: o de que os rendimentos dessa categoria correspondem aos valores declarados ou outros valores diferentes dos apurados. Ou de, pelo menos, apresentar e provar a ocorrência de outras factos que constituam também indicadores objetivos, que abalem a consistência dos que a administração tributária reuniu e gerem dúvida fundada sobre a existência ou quantificação do facto tributário – artigo 100.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

E essa prova – podemos adiantar desde já, em inteira sintonia com a douta sentença recorrida – o Recorrente não fez nem tentou fazer. Nunca avançou com nenhum dado de facto que explicasse a origem e a razão de ser dos documentos em que a administração tributária se baseou nem apresentou elementos adicionais que assegurassem ou indiciassem de forma consistente que o ali designado «Acordo Parassocial» não se firmou ou dele não advieram rendimentos adicionais para o Recorrente. Em bom rigor, não estamos sequer perante um problema de prova, mas de alegação de factualidade alguma que pudesse ser contraposta aos dados de facto que a administração reuniu.

A única questão que fica nesta parte é, por isso, a de saber se os indicadores fornecidos pela administração tributária são, efetivamente, suficientes para sustentar as conclusões a que chegou e, assim elidir a presunção de verdade da declaração de rendimentos do Recorrente. E se, por conseguinte, andou bem a Mmª Juiz a quo ao concluir que a administração tributária apurou factualismo que lhe permitiu proceder à correção aritmética da matéria tributável.

Analisado o relatório de fiscalização, para que remetem os factos provados na douta sentença, verificamos que os serviços de inspeção tributária concluíram «que o SP em análise auferiu rendimentos da “CS”, sob a forma de “remunerações complementares”, não contabilizados pela empresa e, necessariamente não declarados à Administração Fiscal pelo beneficiário, sujeitos a IRS – categoria A, nos termos do art.º 2º do respectivo Código, que não foram tributados na sua esfera jurídica.». Conclusão que – como já dissemos – assentou na análise de um conjunto de documentos apreendidos àquela sociedade, cujo teor não é em si mesmo posto em causa e que eram constituídos:

a) Por uma minuta da ata n.º 116, de 2002.06.18, referente a uma «Assembleia Geral Extraordinária», onde o Recorrente figura como presente e onde teria ficado acordado que passaria a receber a remuneração mensal de € 59.354,33;

b) Por uma minuta de uma denominado «Acordo Parassocial» onde constava que o Recorrente, para além da remuneração mensal acordada na ata de 2002, auferiria também uma remuneração mensal mínima de € 19.812,00, a indexar ao valor da faturação real mensal (se superior) e a considerar também em anos subsequentes;

c) Por dois mapas anuais de remunerações dos sócios, referentes aos anos de 2003 e 2004, onde constam os montantes auferidos contra recibos e os «outros», sendo os ali indicados como auferidos pelo Recorrente na categoria «outro» iguais ou superiores a € 19.812,00;

d) Por cinco mapas diários denominados «movimento de caixa» (dois de 2003, 2 de 2004 e 1 de 2005), que refletem saídas de dinheiro para o Recorrente;

Os valores de saídas de caixa de 2003 e 2004 foram confrontados com os constantes dos mapas anuais, tendo-se confirmado a correspondência nos valores anuais

e) Por quatro notas discriminativas intituladas «Contas – Dr. J. G. A» (uma de 2003, uma de 2004 e duas de 2005, que evidenciam as verbas recebidas via «oficial» e «por fora».

Ora, a análise conjugada destes documentos indica fortemente que a “CS” entregava ao seu sócio-gerente, ora Recorrente, determinadas quantias a título de remuneração, que não declarava nem processava para efeitos de retenção na fonte e que lançava em contas paralelas. Não é apenas a designação atribuída a esses valores («outro»; «por fora»; «fora de fl.») que assim o indica, mas também a coincidência entre esses valores e os que vinham previstos no denominado «Acordo Parassocial» com essa designação. Bem como o facto de esses documentos se encontrarem nas instalações da empresa e em poder desta à data da apreensão, não se descortinando nenhuma razão para tal que não fosse a de documentar registos de declarações e operações realmente efetuadas.

Contrapõe o Recorrente que a administração tributária não demonstrou que os valores ali indicados lhe foram efetivamente pagos porque [1] não provou os fluxos financeiros (saídas dos fundos na sociedade e entrada na esfera dos gerentes); [2] os documentos não estão assinados; [3] não provou que o «Acordo Parassocial» produziu efeitos.

A este respeito, não pode deixar de observar-se que o Recorrente não põe em causa que a minuta foi elaborada com o objetivo da formalização de um acordo nos termos ali referidos e entre os contraentes ali identificados. Nem que as funções executivas que ali exercia lhe dariam acesso à informação necessária à elucidação desse facto. E os documentos não assinados e as minutas não são destituídos de valor probatório, sendo a sua força probatória livremente apreciada pelo tribunal, como decorre do artigo 366.º do Código Civil. Sendo que o melhor indicador de que esse acordo se concretizou e passou à prática vem dos demais documentos apreendidos, que se conjugam inequivocamente com o teor da minuta do projetado acordo.

Por outro lado, o artigo 72.º da Lei Geral Tributária dispõe que o órgão instrutor pode recorrer, para o apuramento dos factos necessários à decisão do procedimento (incluindo a ocorrência dos fluxos financeiros), a todos os meios de prova em direito admitidos. Além de que, em casos em que se indiciam pagamentos «por fora» (para utilizar uma expressão utilizada nesses documentos) e com recurso à contabilidade paralela e quando a maior parte das saídas são em dinheiro (que é de fácil sonegabilidade), a reconstituição integral dos fluxos financeiros seria quase sempre impossível.

Contrapõe o Recorrente que a administração tributária poderia e deveria ter levantado o sigilo bancário.

A tal se deve contrapor que o levantamento do sigilo bancário, a ser admissível (o que não cabe aqui aferir) só se justificaria quando fosse necessário e adequado à aferição da verdadeira situação tributário do contribuinte. O que não se entrevê, no caso, uma vez que, como já se disse (e cfr. fls. 4 do relatório, 2.º §), a maior parte das saídas eram em dinheiro e não teriam, assim, que percorrer os circuitos bancários.

De todo o exposto decorre que o Recorrente também não tem razão nesta parte.

3.4 O Recorrente invoca também erro de julgamento, por não ter sido reconhecido na sentença recorrida que a administração tributária, malgrado referir que procedeu a correções técnicas, afinal procedeu à determinação da matéria tributável por métodos indiretos. E que, por conseguinte, houve preterição de formalidades legais no procedimento, dado que não foi notificado para exercer o direito de audição prévia ou requerer a revisão da matéria coletável.

Adiante, porém, alega também que a administração tributária afirma ter recorrido a correções técnicas quando se impunha que tivesse usado de métodos indiretos, porque a existência de diversas contabilidades é fundamento de recurso a métodos indiretos e a administração tributária entende existir contabilidade paralela.

A primeira observação a fazer é que estes vícios não podem ter ocorrido simultaneamente, porque a administração tributária não pode ter recorrido, simultaneamente e relativamente à mesma correção, a métodos indiretos e a correções técnicas. Pelo que a alegação simultânea destes vícios só pode ser entendida com a alegação de dois vícios alternativos: ou se recorreu a métodos indiretos sem observar as normas procedimentais respetivas, ou se procedeu a correções técnicas quando estavam reunidos os pressupostos de tributação por métodos indiretos.

E sobre o primeiro, não se pode deixar de invocar o que lucidamente se refere na douta sentença: o apuramento do valor tributável por métodos indiretos consiste em inferir a partir de um facto conhecido (facto-índice) e com recurso a regras da experiência (comum, técnicas) um facto desconhecido (o rendimento tributável). Sendo que, no caso, o valor do rendimento tributável não é um facto desconhecido, «uma vez que nos documentos apreendidos consta taxativamente quais os rendimentos que lhe foram pagos».

Ou seja, teria havido recurso a métodos indiretos nos termos dos artigos 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º, ambos da Lei Geral Tributária se a administração tributária tivesse verificado que o Recorrente auferiu rendimentos que não declarou e que não fosse possível apurar diretamente, havendo que recorrer a factos-índice, não apenas para aferir a existência de rendimentos não declarados, mas também para aceder ao valor aproximado desses rendimentos, na impossibilidade do apuramento do seu valor exato. Só assim estaríamos perante a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.

Não foi o caso: a administração tributária não se deparou com a impossibilidade de aferir concretamente o valor das quantias pagas «por fora» porque os documentos apreendidos indicavam o seu valor exato. E não houve, por isso, que recorrer a fatores de quantificação como os que se referem no artigo 90.º do mesmo Código.

É certo que, para aí chegar (isto é, para concluir que foram pagos ao Recorrente os valores mencionados naquelas folhas), a administração tributária teve que deduzir que as ações narradas naqueles documentos tiveram lugar e que, por conseguinte, esses documentos titulam factos reais e não fictícios.

Mas não é isso que distingue a avaliação direta da avaliação indireta, porque qualquer avaliação da matéria tributável pressupõe o recurso a métodos redutores da realidade. A própria escrita não é mais do que uma representação da realidade, uma narrativa em números, contada em discurso indireto e destinada a permitir a verificação a posteriori do rendimento tributável por quem não a elaborou e não presenciou a realização do processo produtivo, e não tem outro remedio senão presumir que se consumou nos termos que ali são representados. Mais: num sistema em que o resultado fiscal é induzido pelo próprio contribuinte, com base no cumprimento dos seus deveres de colaboração, assenta também numa aparência, a de que o contribuinte está a falar verdade porque se mostra colaborante. Qualquer método de avaliação parte, assim, de uma presunção primordial. Em certo sentido, de resto, a avaliação com base nas declarações do contribuinte e dos elementos da sua escrita ou contabilidade é que é uma forma de avaliação indireta, porque a sua verdade fiscal não é diretamente apreendida pela administração tributária mas indiretamente relatada pelo próprio.

Não é, por isso, o recurso a presunções no processo lógico do apuramento da verdade fiscal do contribuinte que define a avaliação indireta, mas a impossibilidade de aceder ao valor exato da matéria tributável depois de se confirmar que o declarado não corresponde à verdade. E essa impossibilidade não se verificou, no caso dos autos. Não houve qualquer recurso a métodos indiretos. E não havia, assim, que observar as regras procedimentais privativas deste método de avaliação. Pelo que o ato impugnado não poderia padecer dos vícios que, nesta parte, lhe são imputados. E a decisão recorrida que assim o concluiu não pode deixar de ser confirmada.

Resta acrescentar que, ao contrário do que também pretende o Recorrente, o facto de a administração tributária entender que existia contabilidade paralela não a obrigava, por si só, a recorrer a métodos indiretos. Sendo verdade que a existência de diversas contabilidades é uma das situações que a lei prevê poder conduzir à impossibilidade da determinação direta e exata da matéria tributável, é óbvio que tal só sucederá quando o apuramento direto seja mesmo inviabilizado. O que decorria já da natureza subsidiária da avaliação indireta mas é confirmado pela letra do próprio artigo 88.º da Lei Geral Tributária.

No caso, tal só sucederia se a administração tributária não tivesse meio de saber qual dessas contabilidades é verdadeira. E não foi isso que sucedeu: o que a administração tributária verificou foi que aqueles elementos de contabilidade não declarada da sociedade se destinaram a documentar remunerações que o Recorrente efetivamente auferiu. E que, por conseguinte, refletiam a sua verdadeira situação tributária.

Pelo que o recurso também não pode merecer provimento por aqui.

3.5 Por último, o Recorrente aponta à sentença recorrida o erro de julgamento, na parte em que conheceu do vício de falta de fundamentação e concluiu pela improcedência da impugnação na parte correspondente.

Alega para o efeito que as conclusões do relatório de fiscalização, na parte referente à determinação dos rendimentos da categoria A, não se encontram suficientemente fundamentadas, porque ao anexo 5 foram juntos apenas documentos de suporte a título exemplificativo.

E que, na parte referente aos rendimentos que a administração tributária subsumiu à categoria E, a liquidação também se encontra insuficientemente fundamentada, porque não foi indicado o motivo por que procedeu à liquidação dos juros à taxa de 8%.

Começando pela falta de fundamentação das conclusões do relatório na determinação dos rendimentos da categoria A, julgamos necessário distinguir o dever de fundamentação do dever de comprovar os pressupostos de facto que integram essa fundamentação.

Quando nos referimos à necessidade de expor, ainda que de forma sucinta, as razões de facto e de direito que motivaram a decisão do procedimento, estamos a aludir ao dever de fundamentação, ademais consagrado no artigo 77.º da Lei Geral Tributária. Mas isso já não acontece quando nos referimos à necessidade de recolha dos documentos que irão servir como meio de prova das conclusões que integram a motivação da decisão do procedimento, aflorada nos artigos 72.º da Lei Geral Tributária, 50.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A obrigação de comprovar os pressupostos de facto da decisão procedimental tem, assim, uma notória função instrumental: não se destina a dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, mas a demonstrar a ocorrência dos factos índice em que a fiscalização se baseou na composição desse raciocínio.

Por outro lado, o incumprimento deste dever também não contende, em regra, com nenhum vício de natureza formal: se a administração tributária não realizou todas as diligências instrutórias necessárias à confirmação dos pressupostos de facto da sua decisão, há erro na avaliação da prova (traduzido em erro sobre a suficiência dos atos instrutórios para sustentar as conclusões), que é um vício de natureza substancial, visto que já não está em causa saber o que a administração concluiu, mas se o poderia ter concluído.

Feita esta destrinça, fica claro que a falta de junção de todos os documentos de suporte em que se baseou o quadro que compõe o anexo 5 não contende com o dever de tornar percetíveis as razões que levaram os serviços de inspeção tributária a concluir o que concluíram, apontando apenas para um dever de comprovar essas conclusões com documentos que as evidenciem. O que se invoca aqui não é, por isso, a falta de fundamentação mas a falta de realização de determinadas diligências instrutórias que seriam necessárias a sustentar esses fundamentos.

Ressalve-se que a falta de junção de documentos pode contender, em situações limite, com a qualidade ou a clareza da fundamentação. O que sucederá sobretudo quando para ele se remeta sem suficiente descrição ou individualização ou quando seja o exame desse documento que melhor permite aferir o indicador que dele é extraído.

Mas não é o caso, porque o resumo dos registos das saídas de caixa do anexo 5, confrontado com as folhas de movimento de caixa permite apreender com clareza donde a fiscalização extraiu as conclusões do relatório, nomeadamente a de que houve saídas regulares para o ora Recorrente, e de onde extraiu os valores que lançou no quadro que compõe o anexo 5. Pelo que este também não tem razão quando afirma desconhecer a forma através da qual foi elaborado o tal anexo 5 ou, inclusivamente, os elementos em que tal quadro se baseou.

O que, por aqui poderia estar em causa não seria o incumprimento do dever de fundamentação, mas de um dever de comprovação dos fundamentos através da junção dos documentos de suporte. Mas nem no incumprimento deste último dever se concederia. Porque o legislador não exigiu que a administração tributária juntasse ou anexasse ao relatório todos os documentos contabilísticos que relevou no apuramento da matéria tributável, mas apenas que mencionasse e identificasse esses documentos no relatório, de forma a que o destinatário pudesse confrontar as suas conclusões com o teor afirmado desses documentos – cfr. o já mencionado artigo 55.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.

Aliás, as informações prestadas pela administração tributária baseadas em dados objetivos, gozam de igual valor probatório aos documentos – artigo 76.º da Lei Geral Tributária. E verdade, também, é que o Recorrente nem sequer pôs em causa o recebimento desses valores, o que sempre estaria em condições de fazer. E, apesar de ter sido notificado do projeto do relatório, também não exerceu o direito de audição prévia para participar ativamente no procedimento e requerer outras diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos correspondentes, o que poderia fazer, designadamente, através do artigo 88.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo e seria adequado a provocar a junção dos restantes mapas diários, se realmente pretendesse a confirmação desses valores. Exigindo, assim, os meios de prova cuja falta agora aponta.

De todo o exposto decorre que a falta de junção dos restantes mapas diários não só não contendeu com o dever de fundamentação do relatório (na medida em que permite saber ao que se refere a administração quando conclui que há coincidência entre os somatórios dos dois mapas) como também não contendeu com o dever de comprovação desses fundamentos, a que acima fizemos alusão.

Passando, agora, à falta de fundamentação das conclusões do relatório na determinação dos rendimentos da categoria E. O Recorrente não se conforma com o decidido em primeira instância porque não se percebe porque é que a taxa de juro de 8% constante do documento apreendido que integra o anexo 9 prevaleceu sobre a taxa de juros de 6% constante de outros dois documentos apreendidos e que integram os anexos 7 e 8.

Para melhor se apreender o problema agora colocado, importa referir que os documentos anexados ao relatório sob os nºs 7 e 8 são declarações assinadas pelo mutuário onde, além do mais, este se compromete a pagar o valor mutuado acrescido de juros à taxa de 6%. Enquanto o documento que integra o anexo 9 é um mapa de capital em dívida, notoriamente relacionado com este empréstimo (dada a total coincidência com os valores do anexo 8 e o facto de conter também o seu valor em dólares), mas em que a taxa de juro ali calculada ascende a 8%. Ao contrário dos documentos dos anexos 7 e 8, este mapa contém apenas uma rúbrica de autor desconhecido e os seguintes dizeres, apostos manualmente: «D. SB 14/6/2002 → Corrigido 1 Euro = 0,95 Dólares».

Neste caso, já não está em causa a junção de algum documento de suporte à decisão, mas a valoração de diversos documentos de suporte, na parte em que divergem entre si.

Da leitura de fls. 4/5 do relatório e a análise dos anexos 7 a 9 retira-se que a administração tributária relevou todos os documentos apreendidos por se encontrarem em poder da sociedade e dentro das suas instalações à data da apreensão, atendeu ao teor do documento que integra o anexo 8 para confirmar que a dívida não foi paga na data do vencimento e teve que ser reescalonada, e ao teor do documento que integra o anexo 9 para deduzir que os juros devidos foram efetivamente calculados à taxa de 8%, por ser a taxa que nele vem mencionada e corresponder ao valor mencionado na coluna dos juros.

Mas não se retira porque é que a fiscalização relevou a taxa de 8% em vez da taxa de 6%. Porque é que, neste segmento, deu crédito ao teor de um documento em detrimento de outro.

Nesta parte, por isso, o Recorrente tem razão. A administração tributária não externou as razões que a levaram a concluir o que concluiu.

Todavia, só pode considerar-se em causa, por aqui, a parte da correção correspondente à diferença entre os juros calculados à taxa de 6% e a os juros calculados à taxa de 8%. Pelo que o vício de falta de fundamentação só conduz à anulação da parte da liquidação correspondente à medida do excesso (ou seja 6.929,00).

Pelo que o recurso merece provimento nesta parte. No mais, porém, deve a douta sentença ser confirmada.

4 Conclusões

4.2 O juiz só pode pronunciar-se sobre factos alegados pelas partes, a menos que a lei preveja o seu conhecimento oficioso – artigos 264.º do Código de Processo Civil, 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 13, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

4.3 Pelo que não é nula, nem por falta de especificação dos fundamentos de facto nem por omissão de pronúncia, a sentença que não se pronuncia sobre factos ventilados no procedimento tributário e sobre os quais nenhuma das partes tomou posição nos articulados.

4.4 A sentença também não é nula por falta de fundamentação de direito se, na apreciação e cada um dos vícios invocados, o tribunal recorrido cita ou transcreve as normas que considera aplicáveis e procede à subsunção dos factos a que alude o número anterior à respetiva hipótese normativa.

4.5 Não inverte o ónus probatório fixado no artigo 74.º da Lei Geral Tributária nem impõe ao sujeito passivo uma prova impossível o tribunal recorrido que, confirmando que a administração tributária reuniu indícios fundados de que a declaração de rendimentos do sujeito passivo não reflete a sua verdadeira situação tributária, julga elidida a presunção de verdade dessa declaração (a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da mesma Lei) e reverte contra este o ónus de demonstrar a veracidade dessas declarações ou de alegar e demonstrar factos que gerem dúvida fundada sobre a existência do facto tributário.

4.6 Constituem indícios fundados de que o sujeito passivo recebeu remunerações, não declaradas para efeitos de I.R.S., da sociedade de que é sócio gerente, a apreensão de uma minuta de um acordo entre os sócios que prevê a atribuição dessas remunerações, bem como de mapas anuais e diários e notas discriminativas onde estão lançados esses montantes, discriminados dos declarados sob a designação «outro», «por fora» ou «fora de fls.».

4.7 Não constitui diligência necessária nem adequada à descoberta da verdade material o levantamento do sigilo bancário sobre as contas do sujeito passivo, destinado a apurar se este recebeu efetivamente os valores mencionados nos documentos a que aludem os números anteriores, se deles resulta que a maior parte das saídas era em dinheiro.

4.8 A existência de diversas contabilidades, a que alude o artigo 88.º, alínea c), primeira parte, da Lei Geral Tributária, só implica o recurso a métodos indiretos quando inviabilize o apuramento do valor exato da matéria tributável [cfr. também os artigos 85.º, n.º 1, e 87.º, n.º 1, alínea b) da mesma Lei];

4.9 A administração tributária não recorre nem tem necessidade de recorrer a métodos indiretos se reúne indicadores de que os dados inscritos numa dessas contabilidades correspondem aos rendimentos realmente auferidos pelo sujeito passivo e registam o valor exato da matéria tributável.

4.10 A falta de junção ao relatório de diversos documentos de suporte às conclusões da fiscalização não interfere com a qualidade nem com a clareza da fundamentação se o resumo, em quadro discriminativo, dos valores mencionados nesses documentos permite apreender com clareza donde a administração tributária extraiu essas conclusões.

4.11 Mas já interfere com a clareza da fundamentação a junção ao relatório de documentos de suporte que contenham informações divergentes sobre a taxa de juro acordada em empréstimo concedido pelo Recorrente, sem que a administração explique porque relevou uma taxa em detrimento de outra.

5 Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

a) Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou devidamente fundamentada a correção aos rendimentos de capitais (categoria E), na parte dessa correção correspondente à diferença entre os juros calculados à taxa de 6% e a os juros calculados à taxa de 8%;

b) Em substituição, anular a liquidação impugnada na parte que teve por base o valor correspondente – € 6.929,00 – bem como a dos respetivos juros compensatórios, com todas as consequências legais, nomeadamente a restituição desse valor que tiver sido pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

No mais, negar provimento ao recurso

Custas em primeira instância, pelo ora Recorrente e pela Fazenda Pública não proporção do decaimento, sendo o decaimento do primeiro de 91% e da segunda de 9%.

Neste recurso, são devidas custas pelo Recorrente, que as suportará na medida do seu decaimento. A Fazenda Publica beneficia da isenção a que aludia o artigo 2.º, n.º 1, alínea g), do Código das Custas Judiciais, aplicável nos presentes autos, atento o disposto no artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02.

Porto, 27 de Setembro de 2012

Ass.: Nuno Bastos

Ass.: Irene Neves

Ass.: Pedro Marques