Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01902/11.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/15/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
AFASTAMENTO PARCIAL DA PRESUNÇÃO DE RENDIMENTO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
INTERPRETAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I – A nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal se pronuncia sobre questões de que não podia tomar conhecimento - arts. 125.º do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
II – Na interpretação do acto administrativo devem considerar-se as circunstâncias em que o mesmo foi proferido e o seu fim legal, atendendo-se primacialmente aos termos da declaração do órgão administrativo (elemento textual), ao tipo legal de acto, aos seus antecedentes procedimentais e às demais circunstâncias em que foi emitido (elemento histórico), aos motivos que levaram o órgão a actuar e ao fim ou interesse que procurou alcançar (elemento racional).
III- Evidenciada a aquisição, pelo Recorrente, de um imóvel com valor de aquisição superior a €250.000,00, quando ele declarara rendimentos líquidos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (20% do valor da aquisição - cfr. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável.
IV – Tal como resulta da jurisprudência do Pleno da Secção Tributária do STA (ac. de 19/05/10, proc. 0734/09), para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna.
V - Já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:F...
Recorrido 1:Director de Finanças do Porto
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1- RELATÓRIO
F…, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 10 de Outubro de 2011, que julgou improcedente o recurso, interposto ao abrigo do artigo 146º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da decisão do Director de Finanças do Porto que, nos termos previstos no artigo 89º-A da Lei Geral Tributária (LGT), fixou o rendimento tributável de IRS (Categoria G), respeitante ao ano de 2008, no montante de € 96.800,00, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
“I - EXCESSO DE PRONÚNCIA
1. A douta sentença em recurso, na parte referente à matéria de facto considera que o “requerente não logrou provar que, em 2008, não procedeu ao pagamento integral de 484.000,00 € pela compra do art.º 114 da freguesia de Retorta, em Vila de Conde”.
2. Portanto o Tribunal considera que o recorrente não logrou provar qualquer pagamento em momento anterior, nomeadamente os efectuados em 2005: ou seja, € 375.000,00, através de três cheques emitidos no ano de 2005, na sequência da outorga do contrato-promessa de compra e venda a 17.01.2005.
3. Sucede que para o recorrente, esta questão não foi colocada à apreciação do Tribunal a quo.
4. Na verdade nunca estiveram em discussão, dúvida ou alegados e sujeitos a apreciação do Tribunal, aqueles pagamentos no valor global de € 375.000,00 ocorridos em 2005, porquanto tal foi aceite como provado pela administração fiscal, como vem confirmado na informação que acompanha a fundamentação das correcções pretendidas pela administração fiscal.
5. Veja-se a fls .. do PA que corresponde à pág. 3 da fundamentação das correcções (ponto 2 in fine),onde apenas consta que “não se pode considerar provada a verba de € 75.000,00”.
6. Portanto as partes trouxeram a juízo apenas e só a discussão da origem ou forma de liquidação desta verba de € 75.000,00 (que fazia parte do preço global de € 484.000,00 do imóvel em causa), já que sobre os demais valores nenhuma dúvida subsistia e era pacífica a sua origem ou momento de pagamento (que no caso dos famigerados € 375.000,00 ocorrera em ano diverso de 2008)!
7. Existe assim excesso de pronúncia do Tribunal a quo pois este conheceu de questão que não foi submetida à sua apreciação, sendo que a decisão em recurso, nessa parte, nula (art.º 125, n.º 1 do CPPT).
II - VIOLAÇÃO DO DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
8. O Tribunal a quo fundamentou a decisão sobre esta concreta matéria de facto – o momento do pagamento dos € 375.000,00 - em prova documental.
9. Formou a sua convicção sobre esta factualidade que considera não provada com base na análise crítica e ponderada da prova produzida, designadamente no documento constante de fls 14 e 15 do PA
Afirmando que o “contrato promessa de compra e venda com recibo de sinal” celebrado em 17.01.2005, não se encontrava selado, nem as assinaturas reconhecidas, pelo que é duvidosa a sua validade, não podendo de per si provar inequivocamente que os negócios não foram realizados nos termos nele constante e que foi pago o preço nele consignado. Por sua vez, os cheques emitidos - ponto 8 do probatório – foram emitidos em nome de J…, também não provam que foi paga a quantia em causa à respectiva vendedora e que se destinavam a saldar o preço da prometida venda.”
10. Ora estes meios de prova documentais, a saber: contrato promessa de compra e venda com recibo de sinal” celebrado em 17.01.2005 e três cheques, provam à saciedade que o pagamento de parte do preço (€ 375.000,00) ocorreu em 2005.
11. Desde logo a douta sentença omite facto não negligenciável na sua apreciação destas provas – Que a promitente compradora M…, se fez representar por procurador na outorga do sobredito contrato promessa que não era outra pessoa que não o Sr. J… conforme se afere da leitura do documento constante de fls 14 e 15 do PA!
12. O Sr. J…, na qualidade de procurador de M… declara no contrato promessa de compra e venda com recibo de sinal celebrado em 17.01.2005, ter recebido os três cheques no valor global de € 375.000,00!
13. Os cheques foram descontados em 2005 (conforme se depreende da leitura do verso dos mesmos – docs. N.º 2, 3 e 4 que acompanharam a p.i.de recurso):
• Cheque n.º 2900000113 sobre o CPP no valor de € 250.000,00 em 19.01.2005
• Cheque n.º 5600000110 sobre o CPP no valor de € 62.500,00 em 20.01.2005
• Cheque n.º 2000000114 sobre o CPP no valor de € 62.500,00 em 19.01.2005
14. Assim, por meio da prova documental, o recorrente provou à saciedade que houve saída real e efectiva do seu património das importâncias dos três cheques em 2005 e provou que essas importâncias foram destinadas ao pagamento do sinal no contrato promessa de compra e venda com recibo de sinal.
15. A fazenda pública tinha o ónus da contraprova, se assim o entendesse, nos termos do art.º 346º do Código Civil, destinado a tornar duvidosos os factos provados pelo recorrente.
16. Em vez de fazer a contraprova, a Fazenda pública aceitou estas provas efectuadas pelo recorrente, validando-as e conformando-se com elas.
17. Assim se o Tribunal a quo tinha a prova do recorrente e não tinha a contraprova da fazenda pública, tinha julgar segundo as provas produzidas e não contra as provas produzidas.
18. É verdade que a prova documental está sujeita à livre apreciação do tribunal, mas também é verdade que a liberdade de julgamento assenta nas provas e não contra as provas, nos termos do art.º 655º, n.º 1 do CPC.
19. Ao ter julgado esta parte da matéria de facto contra as provas e não segundo as provas, o Tribunal a quo violou o art.º 655º, n.º 1 do CPC, não tendo respeitado as regras probatórias materiais.
III - ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO
20. Destarte e face ao exposto, verifica-se ainda que a sentença ao decidir como decidiu enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto (erro de julgamento em matéria de facto).
IV - ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
21. Independentemente do que sobreditamente vem alegado, a verdade é que o Recorrente pretende que o Tribunal “ad quem” proceda à alteração da matéria de facto, usando os poderes conferidos pelo art. 712, n.º1, alínea a) do CPC.
22. Os concretos pontos de facto que o Recorrente considera incorrectamente dados como provados, são os seguintes:
DOS FACTOS PROVADOS
5. O requerente apresentou um contrato promessa, denominado “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA COM RECIBO DE SINAL” celebrado em 17.01.2005 entre o requerente e M…, no qual prometiam vender e comprar, o art.º 114 da freguesia de Retorta, em Vila de Conde, pelo preço de 484.000,00 €, documento constante de fls. 14 e 15 do PA dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. Os cheques do Crédito Predial Português n.º 2900000113, 5600000110 e 2000000114, foram emitidos pelo requerente à ordem de J… no valor respectivamente de 250.000,00 € , 62.500,00 € e 62.500,00 €, nas datas de 17.01.2005, 19.01.2005 e 19.01.2005 (fls 16 a 18 do PA).
23. Ora, entende o Recorrente que os sobreditos factos enumerados (sob os n.ºs 5 e 8) considerados provados pela sentença, devem ser alterados no seguintes termos, determinando-se que ficou PROVADO que:
5. O requerente apresentou um contrato promessa, denominado “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA COM RECIBO DE SINAL” celebrado em 17.01.2005 entre J… na qualidade de procurador de M… e o requerente, no qual o primeiro prometia vender em nome da sua representada e o segundo prometia comprar, o art.º 114 da freguesia de Retorta, em Vila de Conde, pelo preço de 484.000,00 €, documento constante de fls. 14 e 15 do PA dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. Os cheques do Crédito Predial Português n.º 2900000113, 5600000110 e 2000000114, foram emitidos pelo requerente à ordem de J… no valor respectivamente de 250.000,00 €, 62.500,00 € e 62.500,00 €, com as datas de 17.01.2005, 19.01.2005 e 19.01.2005 e os mesmos foram descontados em 19.01.2005, 20.01.2005 e 19.01.2005 (fls 16 a 18 do PA e doc.s n.º 2, 3 e 4 juntos com a p.i. de recurso a fls…).
24. Devem ainda aditar-se dois novos FACTOS PROVADOS à MATÉRIA DE FACTO
13. Por escritura pública de “compra e venda a retro” celebrada em 16.07.2008, entre J… na qualidade de procurador de M… e o requerente, concretizou-se o contrato prometido de compra e venda do art.º 114 da freguesia de Retorta, em Vila de Conde, pelo preço de 484.000,00 €, documento n.º 7 junto com a p.i. de recurso a fls…, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
14. O requerente obteve financiamento bancário por livrança no valor de € 150.000,00 em 05.07.2008, doc. n.º 11 junto com a p.i. de recurso a fls…, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
25. As provas em que o Recorrente se alicerça para poder alterar esta matéria de facto, são as seguintes: - Prova documental:
Documentos:
a) contrato promessa de compra e venda com recibo de sinal celebrado em 17.01.2005 constante de fls 14 e 15 do PA dos autos;
b) Três cheques fls. 16 a 18 do PA e docs. n.º 2 a 4 juntos com a p.i. de recurso a fls …;
c) Escritura pública de “compra e venda a retro” em 16.07.2008 - doc. n.º 7 junto com a p.i. de recurso a fls….
d) Extracto bancário n.º 80, 2ª via, pág. 001/004 do Banco Santander Totta, emitido em 2008.08.01, da conta n.º 50234235001 do recorrente - doc. n.º 7 junto com a p.i. de recurso a fls….
SEM CEDER
V - QUANTO AO PAGAMENTO EM ESPÉCIE - € 75.000,00
26. Certo é que na sequência da escritura de compra e venda ficou uma verba por liquidar no valor de € 75.000,00 que será saldada através da venda de duas parcelas de terreno por igual preço (€ 75.000,00) – o que na verdade consubstancia uma permuta traduzida nos: a) contrato de compra e venda e b) contrato promessa de compra e venda de duas parcelas de terreno a destacar do prédio objecto do primeiro contrato, ambos contratos outorgados em 16.07.2008 (doc. n.º 7 e 8 juntos com a p.i de recurso).
27. Está é uma situação vulgar e recorrente: O construtor civil adquire um terreno para nele construir um edifício, paga o preço do mesmo terreno, sendo parte dele em dinheiro e outra parte em espécie, com a entrega do direito de propriedade de bens futuros que são algumas fracções autónomas desse edifício.
28. Não houve qualquer movimento financeiro: Nem o recorrente pagou os € 75.000,00 à D.ª M… no acto da escritura nem recebeu da D.ª M… os € 74.999,00 de sinal na outorga do contrato promessa das duas parcelas.
29. O contrato definitivo de compra e venda destas duas parcelas (entretanto já destacadas) ainda não ocorreu, mas isso não determina o que quer que seja, nomeadamente que o recorrente tivesse despendido a verba de € 75.000,00 em 2008.
30. Estando amplamente justificada a forma pela qual vai ocorrer o pagamento destes € 75.000,00, tanto pelos documentos juntos, como pela presente explicitação (sendo que no direito fiscal vigora o princípio da substância sob a forma).
31. Aliás o recorrente já notificou a promitente compradora para celebrarem o contrato definitivo (por duas vezes, uma vez que esta mudou de residência sem lhe comunicar esse facto – doc n.º 9 junto com a p.i. de recurso).
32. Sendo que a própria AT confirma que o contrato promessa não foi resolvido (ponto 2 in fine, na página 3 da informação – Doc. n.º1 junto com a p.i. de recurso).
33. Pelo que o contrato se mantém em vigor!
34. Certo é que o recorrente não pagou em 2008 os € 75.000,00 (fosse em numerário, cheque ou transferência bancária).
35. Assim, sendo, a sentença ao decidir como decidiu enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto (erro de julgamento em matéria de facto).
SEM CONCEDER
VI - PAGAMENTOS EM 2008 – Desconto de livrança (no valor de € 150.000,00)
36. Mas mesmo que considerássemos para meros efeitos dialécticos que o recorrente não logrou provar aquele acordado pagamento em espécie no valor de € 75.000,00.
37. Ainda assim certo é que provou e ninguém (nem mesmo o douto Tribunal a quo pôs em causa) que obteve um financiamento bancário de € 150.000,00 – doc. n.º 11 junto com a p.i. de recurso.
38. Pelo que mesmo tendo pago (com referência ao preço do contrato) € 14.000,00 em numerário e € 20.000,00 por cheque (em 2008 – Doc. n.º 10), certo é que aquela verba de € 75.000,00 ainda encontra cabimento naquele financiamento bancário de € 150.000,00 (14+20+75 = € 109.000,00).
39. Pelo que estaríamos sempre perante meios que não estavam sujeitos a declaração para efeitos de IRS em 2008.
40. Ora no caso de os rendimentos declarados em sede de IRS e do empréstimo contraído pelo sujeito passivo totalizar montante superior ao da manifestação de fortuna, tem que entender-se que foi feita a prova dos n.°s 3 e 4 do art.° 89.°-A da LGT, e que, por isso, não pode manter-se a avaliação indirecta do rendimento tributável.
ASSIM
41. A prova apresentada pelo recorrente foi e é suficiente para ilidir a presunção de evasão fiscal relativamente aos rendimentos declarados naquele ano de 2008.
42. O Recorrente logrou comprovar como lhe competia face ao preceituado no artigo 89-A, n.º 3 da LGT, “de que correspondiam à realidade os rendimentos por si declarados em 2008 e de que parte do valor ( € 375.000,00) foi pago em ano diverso (2005) e que é outra a fonte (financiamento bancário no valor de € 150.000,00) do acréscimo de património evidenciados em 2008.
43. Termos em que ficou ilidida de forma inequívoca a presunção de evasão fiscal relativamente aos rendimentos declarados no ano de 2008.
44. Ao julgar diversamente a douta sentença recorrida incorreu em vício de violação de lei – violação dos n.°s 3 e 4 do art.° 89.°-A da LGT
Termos em que, no provimento do recurso, deve revogar-se a sentença recorrida, com os legais efeitos daí advenientes,
Determinando-se em consequentemente, a anulação da decisão proferida pelo Director de Finanças do Porto Dr. Vitor Negrais que entendeu proceder à correcção do rendimento colectável declarado com recurso ao método indirecto previsto no artigo 89º-A, da LGT, com as legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA!
*
O Recorrido apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
*
Neste Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) emitiu douto parecer, defendendo, em síntese, que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida.
*
Com dispensa dos vistos legais - artigos 36º, nº 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e 707º, nº 4, do Código de Processo Civil (CPC), cumpre agora apreciar e decidir, visto que a tal nada obsta.
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As questões sob recurso e que importa decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações e respectivas conclusões, são as seguintes:
- Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia;
- Do erro da sentença no julgamento da matéria de facto;
- Do erro de julgamento da sentença em matéria de direito na medida em que considerou legal a decisão do Director de Finanças do Porto que, nos termos previstos no artigo 89º-A da LGT, fixou o rendimento tributável de IRS (Categoria G), respeitante ao ano de 2008, no montante de € 96.800,00.
*
2 - FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto dada como provada na 1ª instância cujo teor de se transcreve:
1. Na declaração modelo 3 de IRS, do sujeito passivo, no exercício de 2008 o rendimento líquido declarado para o efeito de tributação de IRS, para o ano de 2008, foi de 24.318.36 € (facto provado por acordo);
2. A Administração Fiscal, apurou que, no ano de 2008, o sujeito passivo comprou, em 16.07.2008, por escritura pública, celebrada no Cartório Notarial de C…, a M…, um prédio rústico, inscrito ma matriz predial da freguesia de Retorta, Concelho de Vila de Conde, com o art.° 114.º, pelo valor de 484. 000.00 € (fls. 43 a 50 dos autos);
3. Os supra referidos factos foram apurados pela Divisão de Liquidação de Impostos sobre o Rendimento e a Despesa, que se encontra descrito no relatório de inspecção, constante de fls. 13 a 15, dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzidos;
4. Com relevância para o caso em apreço consta do Relatório, no ponto 1.3. (...) Nos termos do citado normativo legal, a referida aquisição corresponde o rendimento padrão de €
96 800.00 (€480000,00 € x20%).
Os rendimentos declarados pelo contribuinte, originaram, após as deduções específicas, o rendimento líquido de €24.319,36 €. (...)“
5. O requerente apresentou um contrato promessa, denominado “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA COM RECIBO DE SINAL”, celebrado entre 17.01.2005, entre o Requerente e M…, no qual prometiam vender e comprar, o art.° 114.º da freguesia de Retorta, em Vila de Conde, pelo preço de 484 000.00 €, documento constante de fls. 14 e 15 do PA dos autos, que aqui se dá por integralmente por reproduzido;
6. Na cláusula n.° 3.° consta que “Como sinal e princípio de pagamento, a primeira outorgante recebe nesta data do segundo a importância de 375 000,00€ (trezentos e setenta e cinco mil euros), através de três cheques pelo que lhe conferem a competente quitação após a boa cobrança dos mesmos. “(fls. 14 e 15 do PA);
7. Na cláusula n.° 5.° consta que: “O restante valor, ou seja de 109 000.00 € (cento e nove mil euros) será liquidado no acto da escritura de compra e venda.” (fls. 14 e 15 do PA);
8. Os cheques do Crédito Predial Português n.°s 290000113, 5600000110 e 2000000114, foram emitidos pelo requerente à ordem de J…, no valor respectivamente de
250 000.00 €, 62 500.00 € e de 62 500.00€, nas datas de 17.01.2005, 19.01.2005 e 19.01.2005 (fls. 16 a 18 do PA);
9. O requerente apresentou um contrato promessa, denominado “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA COM RECIBO DE SINAL”, celebrado entre 16.07.2008, entre o Requerente e M…, no qual, aquele, prometia vender, duas parcelas de terreno a destacar do art.° 114.º da freguesia de Retorta, em Vila de Conde, pelo preço de
75 000.00 €, conforme documento constante de fls. 19 a 21 do PA dos autos, que aqui se dá por integralmente por reproduzido;
10. Na cláusula 4.° consta que “Como sinal e princípio de pagamento os primeiros outorgantes receberam da segunda a importância de 74 999,00 € e (setenta e quatro mil novecentos e nove euros) pelo que lhe confere a competente quitação (fls. 19 a 21 do PA).
11. Na cláusula 5.° consta que “O restante, ou seja, 1.00 € (um euro) será liquidado no acto da escritura de compra e venda (fls. 19 a 21 do PA);
12. Através do ofício n.° 38021 foi o requerente notificado da fixação de rendimentos colectáveis de IRS, para o ano de 2008, no valor de 484 000.00 € (fls. 17 e 18 dos autos).
Resultou a convicção do tribunal da análise dos documentos dos autos e dos documentos constantes do processo de administrativo apenso.
Não resultou factos provados ou não provados que importem para a decisão.
*
Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC, dada a sua relevância para a decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, que também resulta provada documentalmente:
13 – O relatório/ informação a que aludem os pontos 3 e 4 da matéria assente, apresenta o seguinte teor (cfr. fls. 5 a 7 do P.A):
“INFORMAÇÃO
1 - ANÁLISE DE FACTO E DE DIREITO
1.1 - Através dos elementos constantes do sistema informático da DGCI, designadamente relação notarial Modelo 11, referente ao ano de 2008, verifica-se que, nesse ano, o contribuinte acima identificado adquiriu um prédio rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de Retorta, concelho de Vila do Conde, sob o art° 114, pelo valor de € 484.000,00.
1.2 - De harmonia com o disposto no n° 1 do artigo 89° -A da Lei Geral Tributária (LGT), há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no número 4, ou quando o rendimento declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
1.3 – Nos termos do citado normativo legal, à referida aquisição corresponde o rendimento padrão de € 96.800.00 (€ 484.000,00 x 20%).
Os rendimentos declarados pelo contribuinte, originaram, após as deduções específicas, o rendimento líquido de € 24.319,36.
1.4 - Verificada a divergência anteriormente referida, foi o contribuinte notificado do projecto de decisão de aplicação de métodos indirectos para a determinação do rendimento sujeito a IRS do ano de 2008, através do ofício 38021, de 08-06-2010, nos termos da alínea d) do número 1 e número 5 do Artigo 60º da LGT (Anexo I).
2 - ANÁLISE DIREITO DE AUDIÇÃO
No exercício do direito de audição, o contribuinte fez chegar ao processo fotocópia de dois extractos bancários do Banco Santander Totta, referentes ao mês de Agosto de 2008, onde evidencia meios financeiros suficientes para comprar o prédio em referência (cf. folhas 3 e 4 do Anexo I).
Considerando que a aquisição foi efectuada em 16-07-08, tornou-se necessário, fazer prova desse poder aquisitivo na data da compra, assim como, também, se tornou necessário fazer prova, através de cópias de cheques e dos respectivos extractos bancários onde se evidenciassem esses movimentos, do pagamento ao vendedor.
Para esse efeito, foi o contribuinte notificado, novamente, pelo ofício nº 62236, de 21-09-2010 para apresentar os documentos referidos.
Na sequência desta notificação, o contribuinte fez chegar ao processo exposição (cf. folha 1 do Anexo II) onde explica que o contrato promessa de compra e venda do referido prédio, foi celebrado 17-01-05, entre M… e F…, pelo valor de € 484.000,00. Nessa data foi sinalizado o contrato com o pagamento de € 375.000,00, através de três cheques sobre o Crédito Predial Português: ch. nº 2900000113, com data de 17-01-2005, no valor de € 250.000,00, ch. nº 5600000110, com data de 19-01-2005, no valor de € 62.500,00 e ch. nº 2000000114, com data de 19-01-2005, no valor, também, de € 62.500,00 ( ver folhas 3. 4 e 5 do Anexo II), ficando o remanescente, no montante de € 109.000,00, para liquidar na data da celebração da escritura de compra e venda.
No dia 16 de Julho de 2008, data da celebração da escritura, foi liquidado o valor de € 20.000,00, pelo ch N° 76000000168, sobre o Banco Santander Totta (ver folha 16 Anexo II) e celebrado um contrato promessa de compra e venda no valor de € 75.000,00, entre F… e M…, em que este venderia duas parcelas de terreno a desanexar do terreno agora escriturado (ver folhas 6 a 9 do Anexo II).
Com a realização deste novo contrato promessa, foi dada quitação ao valor em dívida da escritura no valor de € 75.000,00.
Gomo refere o contribuinte na exposição do Anexo II o valor remanescente, ou seja € 14.000,00, foram pagos em dinheiro, também, no acto da escritura. Mais refere que os extractos bancários demonstram essa capacidade, o que em boa verdade se verifica pela análise do extracto da folha 20, do Banco Santander Totta, onde o salda à ordem é elevado.
No sentido de esclarecer a resolução do contrato promessa, no que respeita à desanexação das duas parcelas acima referidas, contactado o contribuinte por telefone, este, através dos elementos constantes do Anexo 111, verifica-se que a promitente compradora foi notificada para a celebração da escritura, em causa, no dia 26 de Abril de 2011, pelas 9,30 horas, no cartório notarial de Carla Carmo em Vila Nova de Gaia. No entanto, posteriormente contactado o contribuinte este confirmou a não realização da escritura por falta de comparência da compradora M….
Pela análise efectuada no Sistema Informático da Administração Fiscal - Património, verifica-se que o Artº 114°, encontra-se na presente data desactivado, tendo dado origem aos artigos 342º e 343° e estes encontram-se na posse do contribuinte F…. Por este facto conclui-se que não houve qualquer resolução do contrato promessa acima referido.
Assim, não se pode considerar provada a verba de € 75.000,00.
3 - CONCLUSÃO
Do exposto conclui-se que o contribuinte não fez prova de que corresponde à realidade. o rendimento declarado e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, como prescreve o número 3 do Artigo 89-A da LGT.
Assim, em virtude de o rendimento declarado no ano de 2008, pelo contribuinte em análise, ser inferior a 50% do rendimento padrão e não ficando demonstrada a origem da totalidade da manifestação de fortuna evidenciada, encontram-se reunidas as condições Iegais para, de acordo com a tabela a que se refere o número 4 do referido Artigo 89-A., se proceder à fixação do rendimento no montante de € 96.800,00, o qual, de acordo com a alínea d) do número 1 do Artigo 9º do código do IRS, vai ser considerado como rendimento da categoria G, como foi demonstrado no projecto de decisão enviado ao contribuinte em 08-06-2010.
À consideração Superior”
14 – Sobre a informação acima transcrita recaíram dois pareceres com ela concordantes e o despacho – “Concordo” – de 23/05/11, do Senhor Director de Finanças do Porto (cfr. fls. 4 do P.A);
15 – Num dos pareceres que recaiu sobre a informação referida, proferido em 19/03/11, pode ler-se, além do mais, que “o contribuinte no âmbito do direito de audição não veio efectuar a prova cabal prevista no nº3 do artigo 89º-A da LGT” (cfr. fls. 4 do P.A);
16 – Em 16/07/08 foi celebrada escritura pública de compra e venda, entre J…, na qualidade de procurador, em representação de M…, e F…, nos termos da qual o primeiro outorgante declarou, em nome da representada, que pelo preço de 484.000,00, já recebido, vende ao segundo outorgante o prédio rústico, sito no Lugar de Santa Luzia, da Freguesia da Retorta, concelho de Vila do Conde, descrito na CRP deste concelho sob o nº 139 e inscrito na matriz so o artigo 114 (cfr. fls. 25 a 28 dos autos).
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Do erro da sentença no julgamento da matéria de facto
O Recorrente impugnou o julgamento da matéria de facto efectuado pelo TAF do Porto na sentença recorrida, por considerar que a mesma carece de ser ampliada e alterada – conclusões 20 a 25.
A nosso ver, no entanto, a matéria de facto que se mostra essencial à decisão da causa já consta da sentença recorrida, com a ampliação oficiosa a que se procedeu anteriormente, que, em parte, acolhe a pretensão do Recorrente.
Para além disso, sempre se dirá, que esta alteração/ ampliação pretendida pelo Recorrente está intrinsecamente ligada com as conclusões das alegações de recurso 1 a 7, quando aí se defende o excesso de pronúncia. É, pois, na apreciação que seguidamente se fizer a tal propósito que se alcançará a desnecessidade de outras alterações à matéria de facto.
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Da invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia
Apreciemos, seguidamente, o alegado excesso de pronúncia em que, de acordo com o Recorrente, incorreu a sentença recorrida – conclusões 1 a 7.
Vejamos se assim é.
Nos termos do disposto no artigo 125º, nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença (…) a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
De igual modo dispõe o artigo 668º, nº1, al. d) do CPC, segundo o qual “É nula a sentença quando o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Tal nulidade, como bem se percebe, está relacionada com o disposto sobre as questões a resolver na sentença, concretamente com preceituado no artigo 660º, nº2 do CPC, na parte em que determina que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Quer isto dizer, pois, que o juiz não pode conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções que estejam na exclusiva disponibilidade das partes, sob pena de nulidade da sentença. Do mesmo modo, será nula a sentença, por excesso de pronúncia, quando o juiz, ao arrepio do princípio do dispositivo, no que à conformação objectiva da instância respeita, não considera os limites (da condenação) impostos pelo artigo 661º, nº 1 do CPC e condena ou absolve em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido.
Ora, no caso em análise, o Recorrente sustenta, em síntese, que, nos autos apenas estava em causa a comprovação de uma parte do valor (total) de aquisição de um bem imóvel, em concreto € 75.000,00, e não, como foi entendido pela sentença recorrida, a comprovação do montante total de aquisição do bem - € 484.000,00. Com efeito, prossegue, em sede do procedimento administrativo próprio, o Recorrente demonstrou, e a AT aceitou, a origem do financiamento de uma parte do valor do bem, concretamente do montante de € 409.000,00.
Portanto, sustenta o Recorrente, o Tribunal a quo não podia pronunciar-se sobre os referidos € 409.000,00.
Vejamos.
Ainda que o Tribunal perceba o alcance da argumentação do Recorrente quanto ao excesso de pronúncia (no que é acompanhado pelo EMMP), a verdade é que, analisada a questão tal como ela resulta dos autos, pode afirmar-se que a mesma traduz, não um excesso de pronúncia, mas antes uma situação configurável como erro de julgamento do tribunal a quo. Com efeito, está em causa, como melhor se explicitará seguidamente, um erro na interpretação do acto correspondente à decisão de avaliação da matéria tributável de IRS por métodos indirectos, baseada na existência de manifestações de fortuna.
Com efeito, sobre a questão jurídica posta à consideração do Tribunal recorrido – a de saber se a decisão que fixou o rendimento tributável do Recorrente, em sede de IRS, no ano de 2008, no valor de € 96.800,00, nos termos do artigo 89º-A da LGT, era conforme à lei – pronunciou-se o Tribunal partindo, porém, de uma errada interpretação quanto ao exacto conteúdo da decisão recorrida, o que se reflectiu no exame da causa.
Tal como afirmámos já, não configurando tal situação um excesso de pronúncia, não pode deixar de ser analisada enquanto eventual erro de julgamento. Isto porque o Tribunal não está vinculado à qualificação dos vícios imputados pelo Recorrente à sentença impugnada.
Não ocorrendo a nulidade por excesso de pronúncia, há que indagar, então, se o alegado pelo Recorrente configura o referido erro de julgamento.
Importa ter presente que a decisão da Administração Tributária objecto da sentença recorrida, enquanto acto tributário (não em sentido estrito) e, como tal, enquanto acto administrativo que é, deve ser interpretada à luz das circunstâncias em que foi proferida e do seu fim legal, atendendo-se primacialmente aos termos da declaração do órgão administrativo (elemento textual), ao tipo legal de acto, aos seus antecedentes procedimentais e às demais circunstâncias em que foi emitido (elemento histórico), aos motivos que levaram o órgão a actuar e ao fim ou interesse que procurou alcançar (elemento racional) – vide, ac. do STA, de 25/09/08, proferido no proc. nº 158/08.
Assim, tendo presentes os elementos que hão-de ser convocados para interpretar o acto administrativo e considerando o teor literal (o qual se deixou transcrito no ponto 13 da matéria de facto aditada), temos que do mesmo resulta expressamente que a Administração Tributária, no procedimento a que alude o artigo 89º-A da LGT e que culminou com o acto em apreciação, aceitou a justificação de parte do valor de aquisição do imóvel adquirido em 2008, por € 484.000,00, concretamente o montante de € 409.000,00.
Para a Administração Tributária, portanto, ficou por justificar unicamente o montante de € 75.000,00. Com efeito, de forma elucidativa, pode ler-se na referida informação:
-“ Nessa data foi sinalizado o contrato com o pagamento de € 375.000,00, através de três cheques sobre o Crédito Predial Português: ch. nº 2900000113, com data de 17-01-2005, no valor de € 250.000,00, ch. nº 5600000110, com data de 19-01-2005, no valor de € 62.500,00 e ch. nº 2000000114, com data de 19-01-2005, no valor, também, de € 62.500,00 – isto dito, a propósito do contrato promessa celebrado em 17/01/05, a que alude o ponto 5 do probatório;
- “No dia 16 de Julho de 2008, data da celebração da escritura, foi liquidado o valor de € 20.000,00, pelo ch N° 76000000168, sobre o Banco Santander Totta”;
- € 14.000,00, foram pagos em dinheiro, também, no acto da escritura. Mais refere que os extractos bancários demonstram essa capacidade, o que em boa verdade se verifica pela análise do extracto da folha 20, do Banco Santander Totta, onde o salda à ordem é elevado”;
- “Assim, não se pode considerar provada a verba de € 75.000,00” – isto dito no final da análise do direito de audição;
- “Assim, em virtude de o rendimento declarado no ano de 2008, pelo contribuinte em análise, ser inferior a 50% do rendimento padrão e não ficando demonstrada a origem da totalidade da manifestação de fortuna evidenciada… “
Mas mais, um dos pareceres que recaiu sobre a informação subjacente à decisão refere expressamente que “o contribuinte no âmbito do direito de audição não veio efectuar a prova cabal prevista no nº3 do artigo 89º-A da LGT”.
Portanto, todos estes elementos retirados do teor literal do acto mostram à saciedade que a Administração entendeu que apenas numa parte não havia sido demonstrada a origem da manifestação de fortuna. Em concreto, foi entendido que “ não se pode considerar provada a verba de € 75.000,00”.
Ora, isto mesmo foi assim entendido pelo Recorrente quando dirigiu o recurso ao TAF do Porto, como facilmente se retira do teor da p.i.
Mais. Também assim foi entendido pela Fazenda Pública em sede de contestação. Veja-se, a este propósito, o artigo 27º de tal articulado onde se pode ler que não estando justificado pelo recorrente o montante total do valor da manifestação de fortuna evidenciada, compra do prédio rústico – por o recorrente não ter conseguido provar, como pretende, que o montante de € 75.000,00 corresponde a um pagamento em espécie …”
E, acrescente-se, também este Tribunal assim o entende.
Sucede que, como se apontou, a Mma. Juiz a quo não interpretou o acto com este conteúdo, tanto assim que na sentença recorrida refere que “importa esclarecer se o preço de 484.000,00 €, devido pela aquisição de prédio rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de Retorta, Concelho de Vila do Conde, com o artº 114, e constante da escritura de 16.08.2008, foi proveniente de rendimentos do ano de 2008”.
Foi, pois, o apontado erro de interpretação do conteúdo do acto que levou a que a Mma. a quo examinasse a causa partindo do pressuposto (errado) de que estava por justificar o total do montante que permitiu a manifestação de fortuna, o que, como vimos, não corresponde à realidade.
Portanto, aqui chegados, temos que assentar no seguinte:
Em sede do procedimento a que alude o artigo 89º-A da LGT, a Administração Tributária admitiu a prova parcial do valor que permitiu a manifestação de fortuna. Em concreto, dos € 484.000,00, correspondentes ao valor de aquisição do imóvel, ficaram por justificar € 75.000.00. Assim sendo, não há já lugar à discussão dos restantes € 409.000,00.
Por assim se entender, perdem utilidade, ficando prejudicadas, as conclusões das alegações de recurso 8 a 19, quanto à valoração da prova do pagamento de € 375.000,00, incluídos nos mencionados € 409.000,00.
No que respeita aos aludidos € 75.000,00, pode ler-se na sentença recorrida que “O requerente refere ainda que o valor remanescente da dívida de 75 000.00 €, é pago em espécie, uma vez, será saldado através da venda de duas parcelas de terreno por igual preço que consubstancia uma permuta traduzido no contrato promessa de compra e venda e contrato promessa de compra e venda de duas parcelas de terreno do art.° 114.º, ambos contratos outorgados em 16.07.2008.
O requerente, até à presente data, não realizou a escritura de compra e venda, limitando-se a juntar aos autos cópia de carta, por si subscrita, e dirigida a M…, convocando-a para a realização de escritura.
Nos termos do n.° 3 do art..° 89.° A, da LGT, não é suficiente a justificação vaga e genérica da origem dos rendimentos mas sim prova inequívoca dos rendimentos”.
Vejamos.
Consta da escritura pública de compra e venda do imóvel em causa (cfr. ponto 16 aditado ao probatório) que o primeiro outorgante declarou que a vendedora havia já recebido o valor correspondente ao preço do imóvel adquirido – € 484.000,00 – tendo o ora Recorrente declarado aceitar a venda.
O Recorrente pretende pôr em causa a declaração constante do apontado documento autêntico através de um documento particular - o contrato-promessa a que alude o ponto 9 dos factos assentes.
Ora, da leitura de ambos os contratos, não se retira minimamente qualquer relação entre ambos, no que ao preço do imóvel adquirido respeita e, por outro lado, não resulta do probatório qualquer outro elemento que infirme a declaração de recebimento pelo vendedor do preço total do imóvel, tal como consta da escritura pública.
A isto acresce que, no contrato promessa a que se alude no ponto 9 dos factos provados, datado de 16/7/08, se faz expressa menção ao recebimento, por parte do Recorrente, da importância de € 74.999,00, como sinal e princípio de pagamento do total de € 75.000,00, correspondente ao preço de duas parcelas de terreno prometidas vender pelo Recorrente a M….
Tudo visto, não colhe, portanto, esta argumentação do Recorrente, não se mostrando os documentos juntos prova capaz de sustentar a factualidade alegada. Improcedem, pois, as conclusões 26 a 35.
Diga-se, ainda, que não colhem as conclusões de recurso (36 a 39) no sentido de que “mesmo que considerássemos (…) que o recorrente não logrou provar aquele acordado pagamento em espécie no valor de € 75.000,00, ainda assim certo é que provou (…) que obteve um financiamento bancário de € 150.000,00 (…) pelo que mesmo tendo pago (…) € 14,000,00 em numerário e € 20.000,00 por cheque, certo é que aquela verba de € 75.000,00 ainda encontra cabimento naquele financiamento bancário de € 150.000,00”.
Ora, como está bem de ver, esta pretensa justificação para a origem dos € 75.000,00 nunca foi avançada pelo Recorrente, nem em sede de procedimento gracioso, nem perante o Tribunal a quo. Pelo contrário, o Recorrente sempre afirmou, e foi isso que foi analisado, que os € 75.000,00 seriam pagos (não estando ainda pagos) no futuro e em espécie. De resto, mesmo no presente recurso jurisdicional manteve este entendimento de que não havia pago os € 75.000,00, donde afirmar, agora, que aquela verba de € 75.000,00 ainda encontra cabimento naquele financiamento bancário de € 150.000,00, se revela contraditório com a afirmação de que os aludidos € 75.000,00 nunca foram pagos.
Portanto, e concluindo, temos que o Recorrente não justificou a totalidade do montante que permitiu a manifestação de fortuna em 2008, em concreto os € 75.000,00.
Vejamos, então, atentando no artigo 89º -A da LGT.
Dispõe o nº 1 do art.º 89.º-A da LGT que “há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela”.
Por sua vez, estabelece o n.º 2 que, “na aplicação da tabela prevista no nº 4 tomam-se em consideração: (al. a) os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, (al. b) os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer outro elemento do agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo, (al. c) os suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar”
Determina o seu n.º 3 que, “verificadas as situações previstas no n.º 1, bem como na alínea f) do nº 1 do artigo 87º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna”.
Por último, dispõe o nº 4 que “quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:
Manifestações de fortuna Rendimento padrão
1.
Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a € 250.000 20% do valor de aquisição.
(…)”
Recuperando o caso concreto, temos que, no ano de 2008, o Recorrente declarou, para efeitos de IRS, um rendimento líquido de € 24.319,16. Nesse mesmo ano, o Recorrente adquiriu pelo valor de € 484.000,00 o imóvel correspondente ao prédio rústico, sito no Lugar de Santa Luzia, da Freguesia da Retorta, inscrito na matriz sob o artigo 114.
Ora, nos termos do ponto 1 da tabela prevista no nº 4 do artigo 89º-A da LGT, tal configura uma manifestação de fortuna. Por sua vez, e de acordo com a mesma tabela, o rendimento padrão corresponde a 20% do valor de aquisição, ou seja, € 96.800,00 (€ 484.000,00* 20%).
Considerando o rendimento padrão assinalado (€ 96.800,00) e comparando-o com o rendimento declarado pelo contribuinte, é manifesta a existência de uma desproporção superior a 50% (50% do rendimento padrão é € 48.400), para menos, deste, face àquele.
Com efeito, comprovada a aquisição, pelo Recorrente, de um imóvel com valor de aquisição superior a 250.000,00 €, concretamente € 484.000,00, quando havia declarado rendimentos líquidos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão, não podem deixar de se considerar verificados os requisitos legais para que a Administração Tributária pudesse, no caso, recorrer à avaliação indirecta do rendimento tributável do Recorrente.
Na verdade, é à Administração Tributária que cabe o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação; por isso lhe compete provar que o rendimento líquido declarado pelo sujeito passivo mostra uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão fixado na referida tabela.
Quer isto dizer, pois, que “O rendimento padrão serve assim, numa primeira fase, para verificar se ocorrem os pressupostos legais para o recurso a métodos indirectos de determinação do rendimento tributável. E uma vez provados esses pressupostos, passa a competir ao sujeito passivo o ónus de prova da ilegitimidade do acto por erro nos pressupostos, pela demonstração de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito (n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT).
Neste contexto, para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”. A justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos globais que permitiram tal manifestação de fortuna.vide, Ac. do Pleno da Secção Tributária do STA, de 19/05/10, proferido no processo 0734/09.
Ora, é esta precisamente a situação dos autos.
Como já tivemos oportunidade de explicitar, de forma detalhada, o ora Recorrente apenas logrou provar uma parte do montante que lhe permitiu adquirir o imóvel em questão. Em concreto, do valor de aquisição, de € 484.000,00, apenas em relação ao montante de € 409.000,00 o Recorrente demonstrou que era outra a fonte das manifestações de fortuna.
Ficou, pois, por demonstrar uma parte do referido valor de aquisição, concretamente o montante de € 75.000,00.
Em suma, e quanto a este ponto, dir-se-á que não pode deixar de se concluir estarem verificados os pressupostos legais para a aplicação do método indirecto de avaliação do rendimento tributável do Recorrente, ao abrigo do artigo 89º-A da LGT, uma vez que, repete-se, o Recorrente não justificou a totalidade do montante que lhe possibilitou a manifestação de fortuna, sendo certo que sobre si impendia esta prova.
Porém, uma coisa é, como dissemos, a justificação parcial da fonte da manifestação de fortuna não impedir a Administração Tributária de recorrer a este método indirecto de avaliar o rendimento tributável, pois, e sublinhando a ideia já avançada, só a justificação da totalidade do montante que permitiu efectuar a aquisição era susceptível de impedir o recurso a tal forma de avaliação indirecta.
Coisa diferente é saber se, em sede de fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS, a justificação parcial deverá ser atendida e em que moldes. Dito de outro modo, importa saber se, para tais efeitos, a justificação parcial quanto ao valor do imóvel adquirido tem alguma utilidade ou se, pelo contrário, é indiferente.
E aqui chegados, há que lançar mão da jurisprudência emanada do já citado acórdão do Pleno da Secção Tributária do STA, de 19/05/10, que, a este propósito, veio a entender que “Não pode, pois, deixar de ser reconhecido ao contribuinte o direito de provar o manifesto excesso dessa quantificação, pela demonstração de que o seu rendimento tributável não pode ser igual ao rendimento padrão que a lei fixa ou presume, na medida em que logrou demonstrar a proveniência de parte do montante que permitiu a manifestação de fortuna e esse montante não está sujeito a declaração e tributação como rendimento para efeitos de IRS. Impedir o contribuinte de fazer essa prova ou defender que não se pode dar qualquer relevância à demonstração da proveniência parcial do rendimento utilizado na manifestação da fortuna, argumentando que a quantificação tem, necessariamente, de ser aquela que resulta da aplicação de um critério estritamente legal e que parte de uma ficção ou presunção de um determinado rendimento sujeito a tributação (rendimento padrão), constituiria, desde logo, uma clara e directa violação do artigo 73.º da LGT, pois que sendo a situação em apreço uma daquelas que bule com a incidência objectiva de IRS, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário (n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil)”.
De resto, como salienta o citado acórdão do Pleno, solução diversa da propugnada afronta os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais, pois “mal se compreenderia, à luz dos referidos princípios, que, perante contribuintes relativamente aos quais se verificassem os pressupostos legais do recurso à avaliação indirecta por “sinais exteriores de riqueza” e que tivessem adquirido imóveis de valor idêntico, o contribuinte que nada justificou fosse tributado em sede de categoria G de IRS por montante exactamente igual ao contribuinte que justificou que parte significativa da fonte do acréscimo patrimonial não justificado lhe adveio do recurso a um empréstimo bancário, acrescendo, ainda que o montante obtido por via do empréstimo bancário acabaria também por ser tributado, não obstante tratar-se comprovadamente de montante não sujeito a tributação em sede de IRS”. Também neste sentido, o acórdão do TCA Sul, de 14/07/10, proferido no processo nº 03851/10.
Neste sentido, também se pronuncia a doutrina que mais recentemente se debruçou sobre o assunto. Para João Sérgio Ribeiro, quando há uma comprovação parcial, o rendimento presumido deve passar a ser fixado num montante inferior ao que resultaria se o sujeito passivo não tivesse feito qualquer comprovação JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, A Tributação Presuntiva do Rendimento: Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Coimbra, Almedina, Abril 2010, pp. 301/305, em concreto pág. 301..
Portanto, na linha da jurisprudência do Pleno do STA, dir-se-á que são diversos os argumentos que levam a que se deva considerar que a justificação parcial, não obstante não afastar a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser tomada em conta para efeitos de quantificação do rendimento tributável determinado por tal meio.
Quer isto dizer, pois, e no que ao caso concreto respeita, que a Administração Tributária, legitimada a recorrer a este método indirecto, não poderia deixar de observar, na quantificação do rendimento tributável do Recorrente, a justificação parcial que ab initio aceitou e, como tal, deveria ter considerado 20% do valor de aquisição deduzido dos montantes que permitiram (em parte) a aquisição da manifestação de fortuna e cuja origem ficou demonstrada.
Com efeito, o valor cuja fonte ficou comprovada (concretamente a utilização de capital do sujeito passivo em anos anteriores ou no ano da aquisição) não pode ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.
Assim, se, como aconteceu, a Administração Tributária, para efeitos de avaliação do rendimento tributável do Recorrente, não efectuou qualquer dedução relativa a tais montantes (no total de € 409.000,00), terá que se concluir que há excesso na quantificação, o que resulta na ilegalidade da decisão do Director de Finanças do Porto, no que toca a este aspecto da decisão. Ou seja, muito embora se mostrem verificados os pressupostos da tributação, a sua quantificação é claramente ilegal.
Consequentemente, a decisão tributária em causa não pode manter-se na ordem jurídica, qua tale, nem a sentença recorrida que a sufragou na íntegra.
*
3 - CONCLUSÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em conceder parcial provimento ao recurso,
- revogando a sentença recorrida na parte em que manteve a ilegal quantificação do rendimento tributável;
- anulando nessa mesma medida a decisão tributária contenciosamente impugnada.
Custas em ambas as instâncias pelo Recorrente e pelo ora Recorrido, na proporção dos decaimentos.
Porto, 15 de Dezembro de 2011
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Irene Neves
Ass. Nuno Bastos (Concederia integral provimento ao recurso, por entender que, no caso, a justificação parcial afastaria a qualificação do acto.)