Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00676/15.4BEVIS-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:LEGITIMIDADE PASSIVA.
Sumário:I) – O Estado não tem legitimidade passiva se a acção/omissão respeita a pessoa colectiva pública que constitui distinto centro de imputação da relação e a acção não respeita a contrato ou responsabilidade [CPTA 2004].
II) – Nem essa legitimidade encontra justificação na circunstância de a acção suscitar um controlo difuso e concreto de inconstitucionalidade.*
* Sumário elaborado pelo relator.
Recorrente:JLNA
Recorrido 1:Caixa Geral de Aposentações, I,P. e Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
JLNA (Avª …), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Viseu, na presente acção administrativa especial intentada contra Caixa Geral de Aposentações, I,P. e contra o Estado Português, este último julgado parte ilegítima e absolvido da instância.

Conclui:

A.O presente recurso versa sobre o despacho saneador, proferido em 08.01.2016, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no âmbito dos presentes autos.
B. De acordo com a decisão ora impugnada, o Tribunal a quo julgou procedente a excepção da ilegitimidade passiva do Réu Estado Português, em consequência, absolveu-o da instância.
C. Contudo, não assiste razão ao Tribunal recorrido.
D. Nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.° 131/2012, de 25 de Junho, a Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA, I.P.) é um instituto público, integrado na Administração indirecta do Estado.
E. Nessa medida, a CGA, I.P. prossegue atribuições de um ente terceiro - o Estado e está sujeita a superintendência e tutela daquele terceiro - o Estado.
F. Ou seja, o Estado tutela e superintende na actividade desenvolvida pela CGA, I.P., pelo que, em última instância, a actuação desta é susceptível de ser imputada àquele.
G. Assim, demandar a CGA, I.P. implica necessariamente demandar o Estado, enquanto ente que tutela e superintende na actividade daquela.
H. Neste sentido, falecem os argumentos do Tribunal a quo quanto à ilegitimidade passiva do Réu Estado Português, devendo o mesmo ser considerado como parte legítima nos presentes autos
I. Por outro lado, "A legitimidade resulta da utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção pode advir para as partes, tendo em atenção a relação material controvertida tal como é configurada pelo A." (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 18.12.2015 - Proc. n.° 00139/14.5BEPNF).
J. Ora, aplicando o critério supra enunciado ao caso sub judice verifica-se que da procedência da presente acção pode resultar um prejuízo para o Estado Português,
K. Porquanto a procedência do pedido de condenação à prática do acto devido de pagamento de uma pensão de reforma, ao Recorrente, de valor superior àquele que actualmente aufere,
L. Implicará, desde logo, um acréscimo da despesa pública com consequências directas e imediatas ao nível do orçamento do Estado,
M. pois a um aumento de despesas pública terá necessariamente que corresponder um aumento da receita pública.
N. Assim, o desfecho da presente acção pode acarretar um prejuízo para o Estado Português e por conseguinte o Estado Português tem interesse processual cm contradizer a presente acção e consequentemente goza de legitimidade passiva para o efeito.
O. Por conseguinte, não procede a afirmação do Tribunal a quo de que "o Estado Português apenas pode ser parte demandada quando estejam em causa ações relativas a relações contratuais ou de responsabilidade", nem tão-pouco que "o único sujeito processual com legitimidade passiva para a presente ação é a CGA".
P. Acresce ainda que nos termos do artigo 10.°., n.° 1 do CVTA, cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
Q. Ora, a relação material controvertida, subjacente aos presentes autos, tem por base um acto administrativo - praticado pela Caixa Geral de Aposentações - ao abrigo de urna disposição legislativa que se imputa de inconstitucional.
R. Em concreto, pretende-se discutir a constitucionalidade do artigo 19.°, n.° 10 da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, o que implica, necessariamente, que seja aqui demandado o Estado-legislador
S. Ademais, o sentido da decisão que incidir sobre a inconstitucionalidade invocada poderá dar origem a uma ulterior acção de responsabilidade por danos decorrentes da função legislativa.
T. Perante o exposto, ressalta à evidência que o Estado-legislador constitui, a jusante e a par da CGA, I.P. - também demandada - a outra parte da relação material controvertida, conforme configurada pelo Autor na sua petição inicial.
U. Em face do exposto, a decisão recorrida padece de erro de julgamento, pelo que se impõe a sua revogação e consequente substituição por outro que julgue improcedente a exepção da ilegitimidade passiva do Réu Estado Português.

Sem contra-alegações.
*
Cumpre decidir, dispensando vistos.
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O que está em causa é saber se na decisão recorrida se verifica, ou não, erro de julgamento ao julgar o réu Estado parte ilegítima.
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Os factos:
A) - O Autor intentou a presente acção administrativa especial contra a Caixa Geral de Aposentações, I. P., e contra o Estado Português, nos termos da sua petição inicial, que aqui se têm em consideração, onde peticiona (cfr. p. i.):
a) Deve ser anulado o acto administrativo, de 15.04.2015, praticado pela CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, nos termos do artigo 163.°, n.° 1 do CPA, por padecer o mesmo do vício de forma por falta de fundamentação, bem como por aplicar norma jurídica que se reputa de inconstitucional, conforme supra alegado;
b) Deve ser declarada materialmente inconstitucional e desaplicada ao caso concreto, pelos fundamentos supra aduzidos, a norma constante do n.° 10 do artigo 19.° da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, nos termos e para os efeitos do artigo 280.° da CRP.
E, cumulativamente,
c) Devem os Réus ser condenados à prática do acto administrativo devido de quantificação e consequente pagamento da pensão de reforma, ao Autor, no valor de € 3.440,31 mensais, nos termos dos artigos 66.° e seguintes do CPTA.
B) – A decisão recorrida tem o seguinte teor (cfr. despacho):
«(…)
Da alegada ilegitimidade passiva do Estado Português
Alega o Estado Português, representado pelo Ministério Público, que é parte ilegítima nos presentes autos, em virtude do A. pretender a sua condenação e da CGA à prática de ato administrativo devido de quantificação e consequente pagamento da pensão de reforma no valor de € 3.440,31 mensais.
Mais refere que a atribuição de pensões de reforma compete exclusivamente à CGA, por isso, o Estado Português não tem competência para decidir a sua atribuição.
Em resposta e em síntese, o A. invoca que «…demandar a CGA, I.P. implica necessariamente demandar o Estado, enquanto ente que tutela e superintende na actividade daquela.».
Mais invoca «…Em concreto, pretende-se discutir a constitucionalidade do artigo 19º, nº 10 da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro,…o que implica, necessariamente, que seja aqui demandado o Estado-legislador…Acresce que o sentido da decisão que incidir sobre a inconstitucionalidade invocada poderá dar origem a uma ulterior acção de responsabilidade por danos decorrentes da função legislativa….».
Cumpre decidir.
O A. pretende a «…IMPUGNAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO, de 15.04.2015, praticado pela Coordenadora da Unidade, AB, da Caixa Geral de Aposentações, que determinou que se continuasse a aplicar, ao caso do Autor, o disposto no artigo 19.º, n.º 10 da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (cfr. Doc. n.º 1),
E, cumulativamente,
DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO ADMINISTRATIVO LEGALMENTE DEVIDO de quantificação e consequente pagamento da pensão de reforma, ao Autor, no valor de € 3.440,31 mensais, CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES [CGA], Avenida 5 de Outubro, 175, Apartado 1194, 1054-001, Lisboa, ora Ré, e ESTADO PORTUGUÊS, aqui Réu, nos termos do disposto nos art.º s 10.º e 11.º, ambos do CPTA,…».
O artigo 10º, nº 1, do CPTA, fornece um critério para se aferir da legitimidade passiva «Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.».
E o seu nº 2 preceitua que «Quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.».
Tal regime apenas é aplicável às ações administrativas especiais, não contemplando, por isso, as ações administrativas comuns que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade.
Assim, atento o estabelecido no artigo 11º, nº 2, do CPTA, o Estado apenas pode ser parte demandada quando estejam em causa ações relativas a relações contratuais ou de responsabilidade.
A legitimidade constitui um pressuposto processual que visa assegurar a concomitância dos sujeitos que conduziram ao processo e em cuja esfera jurídica se vão produzir os efeitos da decisão judicial.
O legislador consagrou no referido artigo 10º, nº 2, 2ª parte, do CPTA, uma limitação importante à intervenção do Estado, enquanto parte no processo, ao considerar como sujeitos do processo administrativo também os ministérios.
O processo administrativo é um processo de partes.
Em concreto, no caso dos autos, não está em causa uma ação ou omissão de um órgão de um ministério, mas sim um ato administrativo praticado pela CGA, que é um instituto público de regime especial, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio (cf. artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 131/2012, de 25 de junho).
Estando em causa a impugnação de um ato administrativo praticado pela CGA, independentemente da tutela ou superintendência a que se encontre sujeita, o único sujeito processual com legitimidade passiva para a presente ação é a CGA, que praticou o ato impugnado (vide Ac. do TCA Norte, de 23/09/2015, Processo nº 00479/13.0BEAVR).
A apreciação dos vícios assacados ao ato impugnado, nomeadamente por aplicar norma que o A. alega de inconstitucional, não confere ao Estado-legislador qualquer legitimidade para a presente ação.
Ante o exposto, procede a exceção invocada e, em consequência, absolvo o Estado Português da instância, nos termos dos artigos 576º, nºs 1 e 2 e 577º, alínea e), do CPC.
(…)».
*
O Direito:
A decisão recorrida não enferma de erro de julgamento.
Registe-se que discorremos situados ainda antes da revisão do CPTA operada pelo DL nº 214-G/20015, de 2/10 (e precedendo o saneador foi até lavrado despacho assinalando que “As alterações ao CPTA, introduzidas pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de outubro, não são aplicáveis ao presente processo, face ao preceituado no seu artigo 15º, nº 3.Assim sendo, as referências ao CPTA reportar-se-ão à redação anterior ao citado diploma legal.”).
Sob a epígrafe «Legitimidade passiva», dispõe o n.º 1, do artigo 10º do CPTA que “[C]ada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”. E o n.º 2, do mesmo normativo que “[Q]uando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.
«Pode retirar-se do disposto na 1ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA o princípio da coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária das entidades públicas, ao estatuir-se ali que “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público”. Princípio da coincidência que é acolhido, também, no processo civil, dispondo o nº 2 do artigo 5º nº 2 do CPC antigo (a que corresponde o nº 2 do artigo 11º do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013), de aplicação subsidiária nos Tribunais Administrativos (cfr. artigo 1º do CPTA), que “quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.» (Ac. do TCAS, de 15-01-2015, proc. nº 11502/14).
Coincidência, também, para com o que é legitimidade passiva (cfr. Ac. do TCAS, de 08-05-2008, proc. nº 01509/06)».
Como se sumaria no Ac. deste TCAN, de 28-02-2014, proc. nº 01788/09.9BEBRG:
I. A legitimidade processual é o pressuposto processual através do qual a lei seleciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo levado a tribunal.
II. Tal pressuposto deverá ser aferido nos estritos termos em que o A. no articulado inicial delineou ou configurou a relação material controvertida, gozando de legitimidade passiva a outra parte nesta relação [cfr. arts. 09.º, n.º 1 e 10.º do CPTA].
Os pedidos formulados foram os seguintes:
a) Deve ser anulado o acto administrativo, de 15.04.2015, praticado pela CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, nos termos do artigo 163.°, n.° 1 do CPA, por padecer o mesmo do vício de forma por falta de fundamentação, bem como por aplicar norma jurídica que se reputa de inconstitucional, conforme supra alegado;
d) Deve ser declarada materialmente inconstitucional e desaplicada ao caso concreto, pelos fundamentos supra aduzidos, a norma constante do n.° 10 do artigo 19.° da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, nos termos e para os efeitos do artigo 280.° da CRP.
E, cumulativamente,
e) Devem os Réus ser condenados à prática do acto administrativo devido de quantificação e consequente pagamento da pensão de reforma, ao Autor, no valor de € 3.440,31 mensais, nos termos dos artigos 66.° e seguintes do CPTA.
A legitimidade passiva da ré CGA, I.P., não sofre discussão.
Mas já com relação ao Estado, absolvido da instância por ilegitimidade passiva, o recorrente não se conforma.
O recurso comporta um primeiro feixe argumentativo que envolve a relação orgânica/funcional/patrimonial entre CGA, I.P., e Estado; acresce, numa outra vertente argumentativa, a circunstância de na presente acção vir sustentada uma inconstitucionalidade, encarada como passível de ulterior acção de responsabilidade.
Vejamos, vendo de cada.
O tribunal “a quo” avançou que só nas acções de contratos ou nas acções de responsabilidade é que a legitimidade passiva pertence ao Estado.
A jurisprudência dos tribunais superiores acolhe a proposição (cfr., p. ex., Acs. do STA, de 01-10-2015, proc. nº 0556/15; Acs. do TCAS, de 10-01-2013, proc. nº 09283/12; 15-01-2015, proc. nº 11502/14, de 30-04-2015, proc. nº 11243/14, de 29-05-2015, proc. nº 12072/15; Acs. deste TCAN, de 34-01-2015, proc. nº 00442/13.1BEPNF, de 23-09-2015, proc. nº 00479/13.0BEAVR, de 06-11-2015, proc. nº 00280/12.9BEBRG, de 04-03-2016, proc. nº 00991/14.4BEAVR).
A argumentação com que o recorrente acena não constitui bom sustento de justificação para afirmação da legitimidade passiva do Estado.
Refere «Nos termos do artigo 1-º do Decreto-Lei n.º 131/2012, de 25 de Junho, a Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA, I.P), é um instituto público, integrado na Administração indirecta do Estado» [conclusão E.].
Correcto (ainda actualmente, sem beliscarem as alterações do DL 28/2015, de 10/02).
E não se confundem Estado e outras entidades da administração estadual indirecta.
Recorrendo à lição de Freitas do Amaral (“Curso de Direito Administrativo”, Vol. I, 2ª ed., 7ª reimpr., Almedina, 2003, pág. 338), com rebate à argumentação trazida a recurso:
«Trata-se, com efeito de exercer uma actividade destinada a realizar fins do Estado, portanto no interesse dele. No fundo, é o Estado que se responsabiliza financeiramente: é o estado que entra com os capitais iniciais necessários para pôr de pé essas organizações, e é o Estado que tem de pagar os prejuízos se a exploração for deficitária.
Significa isto que aquela actividade é desenvolvida no interesse do Estado; se assim não fosse, o Estado desinteressar-se-ia e deixaria que os credores promovessem a declaração e insolvência ou de falência; todavia isso não pode acontecer, justamente porque se trata de uma actividade pública, que tem necessariamente de existir pois é destinada a prosseguir fins que são essenciais.
Mas porque assim é, porque a actividade é desenvolvida no interesse do Estado, é natural que em contrapartida o Estado tenha sobre essas entidades consideráveis poderes de intervenção. E tem: o estado dispõe em regra do poder de nomear e demitir os dirigentes desses organismos ou entidades, possui o poder de lhes dar instruções e directivas acerca do modo de exercer a sua actividade, e tem o poder de fiscalizar e controlar a forma como tal actividade é desempenhada.
Simplesmente, se a responsabilidade financeira inicial e final pertence ao Estado, como detentor do capital, estas organizações, por disporem de autonomia e personalidade, respondem juridicamente pelos seus actos e pagam, de harmonia com os seus orçamentos privativos e por conta dos seus próprios patrimónios, as dívidas contraídas no desenrolar normal da sua actividade. Daí o dizer-se que, se a administração estadual indirecta é na verdade exercida no interesse do Estado, ela é todavia exercida em nome próprio, isto é, em nome de cada uma das organizações que a prosseguem.
Numa palavra: a actividade exercida é desenvolvida em nome da própria entidade que a exerce; os actos praticados são actos dessa entidade e não do Estado; o património é património dessa entidade e não do Estado; o pessoal ao seu serviço é pessoal dessa entidade e não pessoal do estado; pelas dívidas dessa entidade é responsável o respectivo património e não o património do Estado; e assim sucessivamente (1).
(1) Como resulta do que acima ficou dito, só em caso de ruptura financeira insanável é que o Estado é chamado a entrar com novos capitais para assegurar a sobrevivência do organismo; é uma responsabilidade de segunda linha, que não exclui nem descaracteriza a responsabilidade primária do organismo em causa pelas suas próprias dívidas (…)».
[esta última nota tem já positivada consagração: “Pelas obrigações do instituto responde apenas o seu património, mas os credores, uma vez executada a integralidade do património do mesmo ou extinto o instituto público, poderão demandar o Estado para satisfação dos seus créditos” – art.º 36º, nº 6, da Lei nº 3/2004, de 15/01 (Lei Quadro dos Institutos Públicos)]
Assim acontece seguindo “a concepção perfilhada pela Constituição de 1976, ao reconhecer a pluralidade das pessoas colectivas públicas (art. 269.º) ao consagrar os princípios da descentralização e da desconcentração (arts. 6.º e 267.º), e ao demarcar claramente a fronteira entre a Administração directa do Estado, sujeita ao poder de direcção do Governo, e a administração indirecta (…)” – ob. cit. pág. 357.
No que mais vem de argumento, também o recorrente não tem razão.
A legitimidade refere-se a uma posição ou qualidade do sujeito em relação a um dado litígio, que lhe permite ser parte num determinado processo concreto, que tem esse litígio como objecto (legitimatio ad causam).
Ora, o juízo que recaia sobre a alegação de inconstitucionalidade – sem prejuízo do controlo aqui difuso e concreto, sem que obrigue à demanda do Estado-legislador -, a constituir eventual sustento de ulterior acção de responsabilidade, é só de hipótese para essa ulterior demanda; quando o recorrente defende a legitimidade do Estado em função desse interesse em contradizer, projecta esse interesse nessa ulterior acção; mas não a justifica na presente, que não cuida dessa responsabilidade.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.

Porto, 30 de Novembro de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato Sousa