Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01198/18.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/12/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DO ACTO PROCESSUAL
Sumário:
I-O ora Recorrente foi notificado pessoalmente no dia 06/02/2018 e o seu mandatário em 08/02/2018, tendo a acção sido proposta em 10 de maio de 2018;
I.1-o prazo de impugnação é de três meses, nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 58° do CPTA, e conta-se nos termos do artigo 279° do Código Civil de modo contínuo, sem suspensão durante as férias judiciais;
I.2-no caso, o regime aplicável é o da anulabilidade e não o da nulidade;
I.3-é que a sanção que geralmente recai sobre um acto administrativo inválido é a sua anulabilidade (artº 135º do CPA);
I.4-a invalidade de um acto administrativo consiste na sua inaptidão intrínseca para a produção de efeitos, decorrente de uma ofensa à ordem jurídica;
I.5-a nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, torna o acto totalmente ineficaz, é insusceptível de sanação, é impugnável a todo o tempo perante os tribunais, sendo que este conhecimento judicial concorre com o conhecimento administrativo;
I.6-a anulabilidade traduz um desvalor menos grave, sendo o acto eficaz até ser anulado (ou suspenso), é passível de sanação, é obrigatório enquanto não for anulado, e esta anulação, que tem prazo, apenas pode ser judicial;
I.7-caso a violação do direito fundamental não atinja o seu “conteúdo essencial” ou o seu “núcleo duro”, a sanção adequada será a anulabilidade;
I.8-o caso em apreço não assume a excepcionalidade inerente à natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental (artigo 133º/2/d) do CPA), determinante da nulidade do acto impugnado;
I.9-a anulabilidade só pode ser invocada durante determinado prazo, findo o qual o acto se consolida na ordem jurídica;
I.10-a caducidade do direito de acção (intempestividade da prática do acto processual) é uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e importa a absolvição do Réu da instância, nos termos da al. h), do nº 1 e nº 2 do artigo 89º (actual artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, al. k)) do CPTA, conjugado com os artigos 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2 e 577º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA;
I.11-a caducidade do direito de acção é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica, que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:EFCQAF
Recorrido 1:Ministério da Justiça
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autor EFCQAF e Réu o Ministério da Justiça, ambos neles melhor identificados, foi proferido saneador sentença pelo TAF de Coimbra que julgou procedente a intempestividade da prática do acto processual e absolveu o Réu da instância.
Deste vem interposto recurso.
Alegando, o Autor concluiu:
a) após procedimento disciplinar do qual não resultou o apuramento de qualquer violação dos deveres gerais (próprios de qualquer trabalhador da função pública) ou especiais (próprios da carreira de investigação criminal) o recorrente foi punido com pena de multa, ainda que suspensa na sua execução;
b) por assim ser, e fundamentando-se nas leis e na falta de factos legitimadores da sanção aplicada, houve por adequado lançar mão da presente impugnação em Juízo, por entender que foi ilegalmente ofendido num seu direito essencial, o de não ser punido sem causa justa e o direito de manter incólume o seu bom nome pessoal e profissional;
c) não é sustentável, antes é ofensivo do princípio da tutela jurisdicional efetiva, de consagração constitucional e na legislação infraconstitucional, que uma decisão punitiva afetada de nulidade não possa ser submetida ao escrutínio do órgão de soberania tribunal;
d) não tem razão o Ministério recorrido ao suscitar a exceção, quer por motivos de forma ou de processo, quer por motivos de fundo;
e) apesar disso decidiu o Tribunal a quo erradamente, ao concluir procedente a exceção suscitada pela entidade recorrida Ministério e ao absolvê-lo da instância;
f) deve por isso a sentença sub judice ser revogada, conhecendo-se do fundo da questão e decidindo-se a final a ação procedente,
com o que será feita Justiça.
*
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
a) A decisão recorrida decidiu corretamente, a exceção da caducidade do direito de ação;
b) O Recorrente foi notificado pessoalmente no dia 06/02/2018 e o seu mandatário em 08/02/2018, tendo a ação sido intentada em 10 de maio de 2018;
c) O prazo de impugnação é de três meses, nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 58.° do CPTA, e conta-se nos termos do artigo 279.° do Código Civil de modo contínuo, sem suspensão durante as férias judiciais;
d) A sentença revela uma correta avaliação e interpretação e aplicação do quadro legal. O regime aplicável é da anulabilidade e não o da nulidade;
e) A anulabilidade só pode ser invocada durante determinado prazo, findo o qual o ato anulável se consolida na ordem jurídica.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve ser negado pro­vimento ao presente recurso, e, consequentemente, confirmada a de­cisão recorrida.
*
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) Por despacho de 1 de fevereiro de 2018 do Diretor da Unidade Territorial na Diretoria do Norte da Policia Judiciária foi aplicada ao A. a pena disciplinar de multa de € 300,00 suspensa na sua execução pelo período de um ano (fl. 391 e 392 do p.a.).
2) Tal despacho foi notificado ao A. no dia 6 de fevereiro de 2018 (fl. 393 do p.a.) e ao seu Mandatário no dia 8 de fevereiro de 2018 (aviso de receção que consta entre as fls. 393 e 394 do p.a.).
3) A presente ação foi intentada no dia 10 de maio de 2018.
X
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que julgou procedente a arguida intempestividade da prática do acto processual.
Na óptica do Recorrente não é sustentável, antes é ofensivo do princípio da tutela jurisdicional efectiva, de consagração constitucional e na legislação infraconstitucional, que uma decisão punitiva afetada de nulidade, não possa ser submetida ao escrutínio do órgão de soberania tribunal.
Cremos que carece de razão.
Antes, atente-se no seu discurso fundamentador:
Pede o A. que seja “anulado o despacho do Sr. Diretor da Unidade Territorial do Norte que, concordando integralmente com a apreciação fático-jurídica vertida no relatório final de fl. 358 a 387, assim como o parecer do SR. Diretor da UDI (…)” contidos (apreciação e parecer) no sobredito relatório, e concordando com a proposta punitiva, aplicou ao autor a pena proposta pelo Sr. Instrutor, com suspensão de execução reduzida ao prazo de um ano – documento n.º 4.30 e 4.31”.
Como se provou, tal ato foi notificado ao A. no dia 6 de fevereiro de 2018 e ao seu Ilustre Mandatário no dia 8 de fevereiro de 2018, data a partir da qual se iniciou a contagem do prazo de impugnação (art.º 59º, n.º 2 do CPTA).
O prazo de impugnação era de três meses, nos termos do art.º 58º, n.º 1, alínea b) do CPTA e conta-se nos termos do art.º 279º do Código Civil (n.º 2 do art.º 58º do CPTA), de modo contínuo, sem suspensão durante as férias judiciais.
Tal prazo (90 dias) terminou a 9 de maio de 2018 tendo a presente ação sido intentada em 10 de maio de 2018.
Em suma, aquando da propositura desta ação, já tinha ocorrido a caducidade do direito de ação, estando consolidado o ato administrativo impugnado.
Conclui-se, portanto, que procede a intempestividade da prática do ato processual, impondo-se a absolvição da instância do R., nos termos do art.º 89º, n.ºs 2 e 4, alínea k) do CPTA.
Em face do exposto, julga-se procedente a intempestividade da prática do ato processual, e, consequentemente, absolve-se o Réu da instância.
X
Vejamos:
Invoca o Recorrente, em síntese, que o acto em crise ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental e faz agravo ao seu bom nome e dignidade pessoal e profissional, pelo que atento o disposto no artigo 161º/2/b), são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo que os actos nulos são invocáveis a todo o tempo, nos termos do artigo 162° do CPA.
Não secundamos esta leitura.
Como é sabido, o regime de nulidade tem carácter excepcional e a anulabilidade tem carácter de regra. A regra do Direito Administrativo português é de que todo o acto administrativo é anulável. Os vícios do acto impugnado constituem, em princípio, fundamento da sua anulabilidade, só impli­cando a sua nulidade nos casos expressamente enunciados no artigo 161°/2 do CPA.
(Na verdade, o dever de fundamentação, por regra, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade; só gera a nulidade, nos termos do disposto no nº 1 e alínea f) do nº 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo [de 1991; alíneas d) e g) do nº 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo de 2015] se a fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº 1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº 2 alínea d) do CPA] - neste sentido, cfr., entre outros, os seguintes Acórdãos:
-do Tribunal Constitucional, de 10/12/2008, no Proc. nº 1111/07, “[…] Ora, o direito de ação ou de recurso contencioso tem por conteúdo a garantia da possibilidade do acesso aos tribunais para a defesa desses direitos e interesses legalmente protegidos, afetados ou violados por atos administrativos.
A fundamentação, apenas, propicia, na perspetiva de um eventual exercício desse direito ou garantia fundamental e da sua efetividade, a obtenção do material de facto e de direito cujo conhecimento poderá facilitar ao administrado, de modo mais ou menos determinante e decisivo, a interposição da concreta ação e o seu êxito, através da qual se pretende obter a tutela dos concretos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja ofensa é imputada ao concreto ato e deliberação. Por mor da sujeição da administração ao princípio da legalidade administrativa e através desse instituto, o cidadão terá à mão, porventura, mais facilmente do que acontece nas relações privadas, onde lhe caberá desenvolver a atividade investigatória que tenha por pertinente, os elementos de facto e de direito com bases nos quais se pode determinar, pelo recurso aos tribunais, configurar os concretos termos da causa e apetrechar-se dos meios de prova, para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O dever de fundamentação não tem, pois, uma relação de necessidade com o direito de acesso aos tribunais, existindo este sem aquele. Nesta perspetiva, pode concluir-se que o dever de fundamentação não constitui uma condição indispensável da realização ou garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra atos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. […] Estabelecendo, embora, o dever da fundamentação, a referida norma constitucional não fixa, todavia, as consequências do seu incumprimento. Como ensina o Prof. Vieira de Andrade, caberá, por isso, à lei ordinária esclarecer, por exemplo, se o vício é [ou é sempre] causa de invalidade do ato administrativo, que tipo de invalidade lhe corresponderá, bem como em que condições serão admissíveis a sanação do vício ou o aproveitamento do ato. Assim sendo, bem poderá, em princípio, o legislador ordinário, na sua discricionariedade constitutiva, sancionar a falta de fundamentação, apenas, com a anulabilidade, erigida a sanção-regra [artigo 135º do CPA], e não com a nulidade, assumida, legislativamente, como sanção específica [artigo 133º do CPA], bem como subordiná-las a diferentes prazos de arguição. E, dizemos em princípio, porque a violação da ordem jurídica pode ser de tal gravidade que, para se manter o essencial da força jurídica da garantia institucional constitucional do dever de fundamentação, tenha a sanção para a sua falta de constituir na nulidade. Serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº 1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº 2 alínea d) do CPA]. Tal acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo ato fundamentando ou quando se trate de atos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia. […]”;
-do Supremo Tribunal Administrativo de 26/09/2002, no Proc. 0360/02: “(…) a falta de fundamentação, consiste num vício de forma que não é gerador de nulidade mas de mera anulabilidade. Vejam-se neste sentido e a título meramente indicativo os Acórdãos da Secção, de 30/11/1995, no recurso n° 35.872, de 21/3/2002, no recurso n° 221/02 e do Pleno de 8/10/1998, no recurso 34.722, que veio reforçar aquela linha jurisprudencial de que não se vislumbram agora razões para divergir. Como se pode ler no primeiro daqueles Acórdãos, “Com efeito, nem todos os elementos do ato administrativo enumerados no n° 2 do artigo 123° do Código do Procedimento Administrativo constituem elementos essenciais do ato para efeitos do disposto no n° 1 do artº 133° do mesmo diploma, sendo entendimento dominante que a falta de fundamentação é geradora de mera anulabilidade. A história dos preceitos confirma este entendimento: na 2ª versão (1982) do Projeto do então chamado Código do Processo Administrativo Gracioso, após se estabelecer a regra de que eram nulos os atos a que faltasse qualquer dos seus elementos essenciais (n° 1 do artigo 174º), também se cominava a nulidade para os atos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigida (alínea f) do n° 2 do mesmo artigo), o que implicava que a fundamentação não era considerada elemento essencial do ato; na versão definitiva do Código, retirou-se do elenco do n° 2 do correspondente artº 133° a menção aos atos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigível, “pois a sanção adequada para eles não é a nulidade, mas a anulabilidade” (Freitas do Amaral e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª edição, Coimbra, 1995, págs. 197 e 212; porém, admitindo a existência de casos em que a falta de fundamentação, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, gera nulidade, nos termos da alínea d) do n° 2 do citado artigo 133º, cfr. Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Volume II, Coimbra, 1995, págs. 96-98 e 151”. Sendo a fundamentação dos atos administrativos em si mesma um direito instrumental ou formal, com vista à defesa de outros de conteúdo material, não é de considerar como direito fundamental, salvo se em concreto serve a defesa de um direito desta natureza, o que não está adquirido nos autos.”).
Voltando ao caso concreto, decidiu o Tribunal a quo: pede o Autor que seja anulado o despacho do Sr. Director da Unidade Territorial do Norte que, concordando integralmente com a apre­ciação fáctico-jurídica vertida no relatório final de fls. 358 a 387, assim como o parecer do Sr. Director da UDI (...) contidos (apreciação e parecer) no sobredito relatório, e con­cordando com a proposta pelo Sr. Instrutor, com suspensão de execução reduzida ao prazo de um ano.
Com efeito, o processo disciplinar teve origem no despacho proferido pelo Senhor Procurador Adjunto do DIAP de Vale de Cambra no âmbito do processo NUIPC 14/14.3GBSVV no qual invoca que o insucesso da investigação se deveu ao facto de não terem sido indicados, em tempo útil, meios de prova por si considerados essenciais, por eventual falta imputável ao Autor.
Como ressuma dos autos, o objecto impugnado é o despacho de 01/02/2018, proferido pelo Director da Directoria do Norte, que lhe aplicou a pena disciplinar de multa no valor de € 300,00, suspensa na sua execução pelo período de um ano, no âmbito do processo disciplinar n° 35/2017, tendo o Autor sido notificado pessoalmente no dia 06/02/2018 e o seu mandatário em 08/02/2018, pelo que o prazo para intentar a acção terminou no dia 09/05/2018.
Logo, visto que a p.i. deu entrada no TAF do Porto em 10/05/2018, ou seja, decorridos mais de 3 meses sobre o prazo consignado na alínea b) do n° 2 do artigo 58° do CPTA que estipula que a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses, nenhuma censura merece a decisão sob escrutínio.
O apelo à violação dos preceitos constitucionais1) não passa de uma manobra desesperada do Recorrente no sentido de levar a sua posição por diante.
De resto, não se vislumbra qualquer atropelo à Lei Fundamental, sendo que a invocação do seu desrespeito, sem a necessária densificação, desde logo a faz soçobrar.
Em suma:
-a decisão recorrida apreciou correctamente a excepção invocada;
-o ora Recorrente foi notificado pessoalmente no dia 06/02/2018 e o seu mandatário em 08/02/2018, tendo a acção sido proposta em 10 de maio de 2018;
-o prazo de impugnação é de três meses, nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 58° do CPTA, e conta-se nos termos do artigo 279° do Código Civil de modo contínuo, sem suspensão durante as férias judiciais;
-o regime aplicável é o da anulabilidade e não o da nulidade;
-a invalidade de um acto administrativo consiste na sua inaptidão intrínseca para a produção de efeitos, decorrente de uma ofensa à ordem jurídica;
-a nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, torna o acto totalmente ineficaz, é insusceptível de sanação, é impugnável a todo o tempo perante os tribunais, sendo que este conhecimento judicial concorre com o conhecimento administrativo;
-a anulabilidade traduz um desvalor menos grave, sendo o acto eficaz até ser anulado (ou suspenso), é passível de sanação, é obrigatório enquanto não for anulado, e esta anulação, que tem prazo, apenas pode ser judicial;
-caso a violação do direito fundamental não atinja o seu “conteúdo essencial” ou o seu “núcleo duro”, a sanção adequada será a anulabilidade;
-o caso em apreço, repete-se, não assume a excepcionalidade inerente à natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental (artigo 133º/2/d) do CPA), determinante da nulidade do acto impugnado;
-como decidiu e sintetizou o STA, no Acórdão de 10/04/2007, proferido no âmbito do processo nº 0523/07: (…) I-A sanção que geralmente recai sobre um acto administrativo inválido é a sua anulabilidade (artº 135º do CPA), (….);
-a anulabilidade só pode ser invocada durante determinado prazo, findo o qual o acto (anulável) se consolida na ordem jurídica;
-a caducidade do direito de acção (intempestividade da prática do acto processual) é uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e importa a absolvição do Réu da instância, nos termos da al. h), do nº 1 e nº 2 do artigo 89º (actual artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, al. k)) do CPTA, conjugado com os artigos 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2 e 577º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, mostrando-se por esse facto prejudicado o conhecimento do mérito do pedido apresentado;
-a interpretação avançada pelo Recorrente não encontra um mínimo de apoio na letra da lei - constitucional ou ordinária -;
-ora, onde o legislador não legisla, não deve o intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil);
-segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, “não pode....ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. o Prof. João Baptista Machado, em “Introdução ao Direito Legitimador”, 1983-189.
E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.
É que, como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.
O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exato alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte”, como escreveu o Prof. Baptista Machado, em ob. cit. págs. 182/183. A ratio legis revela, portanto, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina;
-assim, a caducidade do direito de acção é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica, que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo - (vide Manuel Andrade em ”Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 3ª reimpressão, pág. 464;
-a certeza jurídica é, seguramente, o fim da norma do artº 59º do CPTA;
-a interpretação proposta pelo Apelante não é ajustada à letra da lei e compromete a segurança jurídica perseguida pelo preceito visado.
Improcedem pois as conclusões da alegação.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 12/04/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho
-*-
1) Os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade, e da justiça e da razoabilidade, consoante elencado no Código do Procedimento Administrativo, art°s 3º, 4º, 7º e 8º, sempre em decorrência de princípios jurídico-constitucionais homólogos. Ou seja, num ponto de vista substantivo o acto em crise ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental; para além disso - e agora num ponto de vista adjectivo ou processual - merecedor da efectivação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e dos conexos princípios anti-formalista e pro actione e, subsidiariamente in dubio pro habilitate instantiae, art° 2° do CPTA em consonância com a garantia solenemente afirmada na Lei Fundamental, art° 20° e n° 4 do art° 268º da Constituição. E faz agravo ao seu bom nome e dignidade pessoal e profissional.