Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00369/11.1BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:DIREITO À DEDUÇÃO DO IVA LIQUIDADO POR EMITENTE “CESSADO”.
Sumário:1. À luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitui um requisito essencial ao direito à dedução.
2. Tal condição não se define em razão de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de atividade nos termos do artigo 31.º/1 do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de atividade.
3. Pelo contrário, a condição de sujeito passivo pode-se definir em função de cada operação tributável que realiza.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

J..., Lda, melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Viseu que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA relativas a partes das liquidações dos exercícios de 2007 e 2008 dela interpôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

1. - Devem os autos baixar à 1a Instância para ser ouvida a prova testemunhal, que era apta aos fins em causa, cf. Art° 392° do C.Civil e Art.° 115° e 118°, do CPPT.
2. - A recorrente provou por abundante, prova documental, que adquiriu as mercadorias ao fornecedor José…, e que as mesmas foram pagas.
3. - Pois, no imposto do IVA, tanto a possibilidade de cobrança do imposto, como a possibilidade de dedução do imposto apurado, está intimamente conexionada com a existência de uma concreta transação comercial, transmissão de bens ou prestação de serviço, relativamente à qual se possa fazer o cálculo concreto do imposto exato que deve incidir sobre essa mesma transação - vide acórdão do STA, de 22.04.2015, Processo n.° 0879/14.
4. - A ATA e pois a Sentença que a acompanha não pode recusar o direito à dedução do IVA à recorrente que não sabia, não lhe sendo exigível que soubesse, que o referido fornecedor tinha cessado a sua atividade e que as transações efetuadas constituiriam uma fraude.
5. - Por outro lado, não existe na lei fiscal explicitação à recorrente, adquirente, a obrigação de controlar se o número de identificação estava ou não válido ou existente.
6. - Pelo que deve ser aceite o direito à dedução do IVA evidenciado nas faturas do referido fornecedor.
7. - A ATA e a Sentença que a acompanha viola a norma da incidência tributária, pois a transação comercial ocorrida entre a recorrente e o referido fornecedor, constitui um facto tributário, como uma condição “sine qua non” da fixação do imposto suportado a montante e da liquidação efetuada.
8. - Pelo que deve ser decretada, sem mais, a anulação das liquidações recorridas.
Termos em que deve a Sentença de que se recorre ser revogada com anulação da liquidação impugnada e recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente a impugnação contra as liquidações adicionais de IVA e ainda saber se neste processo pode ser atribuída indemnização pela prestação indevida de garantia.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. A Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, levada a cabo pelos serviços de inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, com base na ordem de serviço n.º OI201000738, de 03.08.2010, de âmbito parcial [IVA e IRC], a qual incidiu sobre os anos de 2007 e 2008. – cfr. fls. 25 do processo administrativo apenso aos autos.
2. No âmbito da ação inspetiva, através do ofício n.º 1 399, de 08.02.2011, foi a Impugnante notificada do projeto de relatório e para, querendo, exercer o direito de audição. – cfr. fls. 16/17 do processo administrativo apenso.
3. A Impugnante não exerceu o direito de audição.
4. Em 22.02.2011, no âmbito da referida ação de inspeção, foi elaborado o relatório de inspeção tributária, constante de fls. 20/37 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
“[…]

SEGUE IMAGEM NO ORIGINAL
[…]
[…]”.
5. As conclusões vertidas no relatório de inspeção foram sancionadas superiormente. – cfr. fls. 20/21 do processo administrativo apenso aos autos.
6. A Impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária pelo ofício n.º 1 892, expedido por correio registado com aviso de receção em 22.02.2011. – cfr. fls. 18/19 do processo administrativo apenso aos autos.
7. Na sequência da referida ação de inspeção, foram emitidos os seguintes atos de liquidação:
a) Liquidação adicional n.º 11039307, referente a IVA do período de 0703T, no montante de 917,12 €. – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial;
b) Liquidação n.º 11039308, referente a juros compensatórios, no montante de 138,60 €;. – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.
c) Liquidação adicional n.º 11039309, referente a IVA do período de 0706T, no montante de 1 121,21 €. – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial.
d) Liquidação n.º 11039310, referente a juros compensatórios, no montante de 158,01 €. – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial.
e) Liquidação adicional n.º 11039311, referente a IVA do período de 0709T, no montante de 2 326,94 €. – cfr. doc. 5 junto com a petição inicial.
f) Liquidação n.º 11039312, referente a juros compensatórios, no montante de 304,73 €. – cfr. doc. 6 junto com a petição inicial.
g) Liquidação adicional n.º 11039313, referente a IVA do período de 0712T, no montante de 2 294,85 €. – cfr. doc. 7 junto com a petição inicial.
h) Liquidação n.º 11039314, referente a juros compensatórios, no montante de 277,39 €. – cfr. doc. 8 junto com a petição inicial.
i) Liquidação adicional n.º 11039315, referente a IVA do período de 0803T, no montante de 2 105,14 €. – cfr. doc. 9 junto com a petição inicial.
j) Liquidação n.º 11039316, referente a juros compensatórios, no montante de 233,70 €. – cfr. doc. 10 junto com a petição inicial.
k) Liquidação adicional n.º 11039317, referente a IVA do período de 0806T, no montante de 3 604,53 €. – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial.
l) Liquidação n.º 11039318, referente a juros compensatórios, no montante de 362,63 €. - cfr. doc. 12 junto com a petição inicial.
m) Liquidação adicional n.º 11039319, referente a IVA do período de 0809T, no montante de 6 251,35 €. – cfr. doc. 13 junto com a petição inicial.
n) Liquidação n.º 11039320, referente a juros compensatórios, no montante de 566,56 €. – cfr. doc. 14 junto com a petição inicial.
o) Liquidação adicional n.º 11039321, referente a IVA do período de 0812T, no montante de 2 504,00 €. – cfr. doc. 15 junto com a petição inicial.
p) Liquidação n.º 11039322, referente a juros compensatórios, no montante de 201,97 €. – cfr. doc. 16 junto com a petição inicial.
8. Em 27.06.2011, o Serviço de Finanças de Mangualde instaurou contra a aqui Impugnante o processo de execução fiscal n.º 2550201101007033, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA e juros compensatórios, cuja quantia exequenda ascende a 23 368,73 € - cfr. fls. 57 do processo administrativo apeno aos autos.
9. Em 21.07.2011, no âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto que antecede, foi prestada, pelo BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., a garantia bancária n.º 229/11/00343, até ao limite de 29 500,34 € - cfr. fls. 269/270 dos autos.
10. Da referida garantia bancária consta, designadamente, o seguinte:

O BANIF – BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A., […] presta pelo presente documento, em nome e a pedido de J…, LIMITADA […], uma garantia bancária a favor da DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS - NIPC 600000079, Serviço de Finanças de Mangualde […] até ao limite de € 29.500,35 (vinte e nove mil e quinhentos euros e trinta e cinco cêntimos), destinada a garantir o “Processo de Execução Fiscal n.º 2550201101007033”, responsabilizando-se como principal pagador e e renúncia ao benefício de excussão, dentro desta garantia por fazer a entrega de quaisquer importâncias que se tornem necessárias até aquele limite.
O valor da presente garantia é, pois, de € 29.500,35 (vinte e nove mil e quinhentos euros e trinta e cinco cêntimos).
A presente garantia é incondicional e irrevogável, e expirará quando a DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS, NIPC 600000079 – Serviço de Finanças de Mangualde comunicar por escrito que cessaram todas as obrigações do Ordenante relativas ao Processo de Execução Fiscal n.º 2550201101007033. […]”.
[realce original].
[cfr. fls. 270/271 dos autos].
11. Em 17.11.2015, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2550201101007033, a Impugnante procedeu ao pagamento das dívidas provenientes da liquidação impugnada. – cfr. fls. 283 dos autos.
12. Constam dos autos cópias das faturas e recibos emitidos por José…, nos anos de 2007 e 2008. – cfr. fls. 37/127 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13. José…, emitente das faturas e recibos a que se alude no ponto 12 encontrava-se com a atividade cessada desde 31/12/2006. – cfr. fls. 38 do processo administrativo apenso aos autos.
14. Em 22.07.2011, foi remetida a este Tribunal, por correio eletrónico, a petição inicial que deu origem aos presentes autos de impugnação – cfr. fls. 2 dos autos.
15. Em 17.11.2015, o processo de execução fiscal identificado no ponto 8 foi declarado extinto, por pagamento da dívida exequenda – cfr. fls. 283 dos autos.

3.2. Factos não provados:
Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, bem como da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a fiscalização externa com referência aos exercícios de 2007 e 2008 que culminou com a liquidação adicional por, entre outros factos, ter deduzido o IVA constante de facturas emitidas por José…, o qual se encontrava cessado desde 31/12/2006.

A AT considerou que nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 19º do CIVA, em articulação com o n.º 11 do art.º 22º, o IVA dedutível é aquele que é pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeito passivos. Tendo o emitente cessado em 31/12/2006 perdeu esse estatuto, pelo que o IVA contido nas facturas por ele emitidas não é dedutível.

O Impugnante discordou e impugnou as liquidações. Alegou, entre o mais, desconhecer a cessação da actividade do emitente e que as mercadorias foram pagas (em dinheiro) havendo recibos e facturas justificativos. Além disso, se a AT não aceita como compras as facturas do fornecedor José… devia abatê-las nos inventários finais, porque a Impugnante considerou nos inventários finais as mercadorias adquiridas ao referido fornecedor e ainda não vendidas.

A MMª juiz julgou improcedente a Impugnação louvando-se na doutrina do acórdão do STA n.º 0943/09, de 4/5/2011.

Como argumento fundamental em apoio da exclusão do direito à dedução do imposto processado e pago, decidiu que “o emitente das facturas em questão, tendo cessado a sua actividade em 31.12.2006, perdeu, por esse motivo, a natureza de sujeito passivo que detinha até então. Assim, a Impugnante estava impedida de deduzir o IVA mencionado nas faturas emitidas por José… por força do preceituado no artigo 19º n.º 1 alínea a) do CIVA”.

Não acompanhamos a MMª juiz, não obstante o respaldo no acórdão do STA que invocou em defesa da sua fundamentação, desde logo porque tal doutrina não toma em consideração que o estatuto de sujeito passivo de IVA não se adquire por força da declaração do início (ou cessação) de actividade, mas sim por força das operações que pratica, como resulta do disposto na alínea a) e c) do art. 2º do CIVA.

A questão não é nova, e para além do acórdão referido na sentença, foi já tratada no acórdão do STA de 20/01/2010, processo 0974/09 e mais recentemente no acórdão 01923/13 de 13-09-2017 que fundamentou o direito à dedução de IVA contido em fatura de emitente cessado e cuja doutrina seguimos de perto.

Com efeito, o direito à dedução do IVA suportado a montante constitui uma característica fundamental do sistema comum desse imposto, essencial para garantia da neutralidade do mesmo e “peça chave” do seu funcionamento — cf. Acórdão de 8/07/09, no recurso n.º 199/09 e o aí citado estudo de Clotilde Celorico Palma «IVA — Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução», in Estudos de Imposto sobre Valor Acrescentado, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 139/161).

Daí que a desconsideração ou exclusão da dedução do montante do IVA suportado pelo adquirente de bens e serviços, deva constituir uma resultante iniludível da aplicação da legislação aplicável.

Ora, assim não acontece no caso em apreço em que o fornecedor José… que apesar ter cessado a sua atividade em data anterior à respetiva faturação, processou esta acrescida de IVA, imposto este suportado pelo adquirente e reportando-se a serviços que não foram colocados em crise pela Administração Fiscal (que o mesmo é dizer que não foi arguida a sua falsidade).

De facto, se é certo que à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitui um requisito essencial ao direito à dedução, a verdade é que tal condição não se define em razão de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de atividade nos termos do artigo 31.º/1 do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de atividade ao abrigo do sequente artigo 33.º.

Pelo contrário, a condição de sujeito passivo pode-se definir em função de cada operação tributável.

É o que resulta do disposto no artigo 2.º alínea a) do CIVA (redação dada pelo artigo 2.º do DL n.º 290/92, de 28/12) ao prever que são sujeitos passivos do imposto – “As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC.”

E estabelece a alínea c) do mesmo normativo que são ainda sujeitos passivos do imposto “As pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA”, prevendo-se ainda nestes casos a obrigatoriedade da entrega do imposto cobrado nos cofres do Estado (artigo 26.º/2 do CIVA – atual 27º/2).

Por outro lado, o artigo 42.º do CIVA (revogado pelo art. 199º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, substituído pelo actual art. 27º/2 na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 197/12, de 24/8) regula expressamente o prazo dentro do qual os sujeitos passivos deverão fazer a declaração na repartição de finanças da ocorrência de uma só operação tributável.

Em face do exposto, deve concluir-se que não obstante a declaração de cessação de atividade, o contribuinte prestador de serviços e bens se define como sujeito passivo na exata medida em que processa uma fatura com IVA do serviço prestado.

Daí que nada permita afirmar que no caso o encargo não se encontre devidamente documentado com a resultante da consideração como custo dedutível em sede de IRS do respetivo montante, consoante foi entendido na sentença recorrida, tanto mais que não foi posta em causa a prestação do serviço.

Diversa seria a situação se a AT tivesse posto em causa a veracidade dos serviços prestados. Não sendo esse o caso, apenas podemos concluir que os fundamentos invocados na sentença para impedir o direito à dedução do IVA contido nas facturas do emitente em causa não procedem.

E assim sendo, fica prejudicado a apreciação do pedido de baixa dois autos 1ª Instância para ser ouvida a prova testemunhal.

A Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações impugnadas (como é informado pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública a fls. 282) e na petição inicial solicitou a devolução das “importâncias pagas ou que se venham a pagar, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios previstos no art. 61º do CPPT”.

Por força da improcedência da impugnação, a MMª juiz julgou prejudicada a apreciação desta questão.

E julgou também prejudicado a apreciação do pedido formulado no sentido do pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.

No que respeita à devolução das importâncias pagas acrescida dos respetivos juros indemnizatórios, tal não oferece quaisquer dúvidas face ao disposto nos artigos 61º/2 do CPPT e 43º e 100º da LGT, não estando sequer dependente de pedido, como resulta do disposto no art. 61º/2 CPPT (1)

O mesmo não sucede quanto ao pedido de indemnização pela prestação indevida de garantia.

O pedido não foi formulado na petição inicial mas sim em requerimento autónomo no qual solicitou “nos termos do Art.º 71º do CPPT e Art.º 53º da LGT, a indemnização por prestação indevida da garantia – Garantia Bancária, no Processo de execução fiscal n.º 2250201101007033, em virtude de ter apresentado impugnação judicial, que corre termos nos presentes autos” (fls. 268).

E foi apresentado por requerimento de 4/12/2015 anexando vários documentos entre os quais cópia da garantia bancária com data de 21 de julho de 2011 e requerimento pedindo a suspensão da execução datado de 25 de julho de 2011.
A petição inicial deu entrada no TAF de Viseu em 22/7/2011.

Podemos então concluir que sendo a garantia datada de 21 de julho de 2011, o pedido de indemnização deveria ter sido formulado na petição inicial porque esta foi apresentada depois - um dia.

De acordo com o disposto no artigo 53.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

Nos termos do n.º 2 do mesmo normativo o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

A indemnização será total ou parcial conforme o vencimento que o interessado obtenha em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida (cfr. artigo 53.º/1 da LGT).

Se se comprovar que houve erro imputável aos serviços, essa indemnização será devida independentemente do período de tempo durante o qual a garantia tiver sido mantida (cfr. artigo 53.º/2 da LGT). Se a anulação, total ou parcial, não tem por fundamento um erro daquele tipo (designadamente, se a liquidação for anulada por erro imputável ao próprio contribuinte ou por vício de forma ou incompetência) a indemnização só é devida se a garantia tiver sido mantida por mais de três anos (cfr. artigo 53.º/1 da LGT) – cfr., neste sentido, Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.433 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.237 e seguintes.

Para além do disposto no art. 53º LGT que dispõe sobre os requisitos substanciais do direito à indemnização pela prestação de garantia indevida, devemos também atender aos requisitos formais previstos no art. 171 do CPPT que dispõe o seguinte:

“1 - A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.
2 - A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”

Portanto, em princípio, o pedido de indemnização pela prestação indevida de garantia deve ser apresentado no processo em que se impugna a legalidade da dívida garantida e por ocasião da apresentação da petição (impugnação, recurso ou oposição).

Se na data apresentação da petição ainda não tiver sido prestada a garantia, o pedido deve ser formulado no prazo de 30 dias após essa prestação – cfr., neste sentido Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 06/04/2005, in recurso n.º 1.650/05;Acórdão da mesma Secção do STA, de 26/02/2003, in recurso n.º 1.259/02; no mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão dessa Secção do STA de 04/10/2006, in recurso n.º 1.151/05; Acórdão do STA, de 20/02/2008, proferido no processo n.º 0998/07; Acórdão do STA, de 21/11/2007, proferido no âmbito do processo n.º 0633/07; Acórdão do STA, de 21/01/2015, proferido no âmbito do recurso n.º 152/13.

Assim, vejamos antes do mais se o pedido respeitou o prazo legal de trinta dias

Mesmo admitindo que embora datado de 21/7/2011 a garantia bancária só chegou às mãos do impugnante em data posterior à entrada desta petição inicial de impugnação, (documento superveniente) então o pedido deveria ter sido formulado no prazo de 30 dias após a sua ocorrência (art. 171º/2 do CPPT).

Mas não foi. Sendo a garantia datada de 21 de julho de 2011 o pedido só foi apresentado neste processo por requerimento de 4/12/2015.
O facto de ter sido (também) apresentado no processo de oposição não releva para esta apreciação. Não só porque se trata de processos distintos mas também porque se desconhece a data em que ali foi formulado, sendo certo que no ofício de fls. 285 se menciona que o pedido “teve a entrada neste Serviço de Finanças em 2015-12-09”, o que a confirmar-se, nos colocaria perante idêntico problema de tempestividade.

Por conseguinte, só podemos concluir que o pedido foi apresentado extemporaneamente, pelo que não pode ser atendido nesta ação (2).

Contudo, mesmo que o pedido não seja formulado nos termos anteriores, pode ser sempre formulado autonomamente.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, julgar procedente a impugnação judicial determinando-se a devolução das quantias pagas acrescidas dos juros indemnizatórios devidos.
Custas pela AT em primeira instância.
Porto, 25 de janeiro de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles


(1) Ac. do TCAS n.º 09624/16 de 13-07-2016
Sumário: 1. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.
(2) Cfr. Ac. do STA n.º 0998/07 de 20-02-2008 Relator: MIRANDA DE PACHECO
Sumário: I - De acordo com o preceituado no artigo 171.°, n.°s 1 e 2 do CPPT, o pedido indemnizatório em caso de garantia indevida deverá ser peticionado no meio procedimental ou processual em que se impugne o acto de liquidação da dívida relativamente à qual a garantia foi prestada, podendo o mesmo ser deduzido autonomamente quando o fundamento for superveniente e nos 30 dias posteriores à ocorrência deste.
II - O reconhecimento de erro imputável aos serviços como decorrência da revogação da liquidação por parte da Administração Fiscal, não constitui fundamento superveniente para efeito de início da contagem do aludido prazo de 30 dias.
III - No contencioso tributário o exercício do direito de indemnização deve submeter-se às regras que lhe são definidas no artigo 171.° do CPPT, sem prejuízo da possibilidade de a indemnização por garantia indevida ser pedida autonomamente através de acção de indemnização por responsabilidade civil no caso de se verificarem os respectivos pressupostos.
(3) Ac. do STA n.º 01016/14 de 08-10-2014 -Relator: CASIMIRO GONÇALVES