Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02695/15.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; DOMÍNIO PÚBLICO; USUCAPIÃO; FUMUS NON MALUS IURIS.
Sumário:1 – São requisitos cumulativos para a concessão da providência cautelar conservatória a aparência do bom direito, a ameaça de lesão grave e dificilmente reparável deste direito e a ponderação de interesses (artº 120º, nº1- b) e nº2 do CPTA).
2 - No artigo 120.°, n.º 1, alínea b) do CPTA, estabelece-se expressamente que para o decretamento de providência cautelar conservatória não é preciso que se prove, ou que o juiz fique com a convicção sobre a probabilidade da procedência da pretensão dos Requerentes. Basta que “não seja manifesta a falta de fundamento” da pretensão – isto é, que se verifique “fumus non malus iuris”.
3 – No entanto, estando-se perante providência cautelar tendente a obter a suspensão do ato que determinou a desocupação de parcela de terreno, indevidamente ocupada, integrada no domínio público municipal, para efeitos da alínea b) do nº 1 do Artº 120º do CPTA, é manifesta a falta de fundamento da pretensão, na medida em que nunca as mesmas seriam suscetíveis de ser adquiridas, designadamente, por usucapião, sem que ocorresse a sua prévia desclassificação.
4 – O domínio público é assim o conjunto de coisas que, estando afeto a uma pessoa coletiva de direito público, são submetidas por lei, a um determinado fim de utilidade pública a que se encontram afetadas, submetidas a um regime jurídico especial caracterizado pela sua insusceptibilidade absoluta em serem comercializados sem prévia desafetação, por forma a preservar a produção dessa utilidade pública.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MCAM e AP
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer concluindo que “(…) deverá ser negado provimento ao recurso jurisdicional sub judice e, consequentemente, ser confirmada a douta sentença recorrida”.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
MCAM e AP, com os sinais nos autos, inconformadas com a decisão proferida no TAF do Porto, em 16 de Dezembro de 2015, através da qual foi julgada “improcedente a requerida providência cautelar” apresentada contra a Município do Porto, consubstanciada no pedido de suspensão dos “atos administrativos que têm em vista a desocupação dos terrenos” identificados, vieram em 13 de Janeiro de 2016 apresentar Recurso Jurisdicional, no qual concluíram (Cfr. Fls 119 a 122 Procº físico):
“a) Parte a sentença recorrida da ideia da exigência de dois requisitos para o decretamento das providências cautelares conservatórias, como é o caso da suspensão de eficácia de atos administrativos, sendo o primeiro o do fumus non malus iuris, que julga verificado, e sendo o segundo o do periculum in mora que julga não verificado.
b) Quanto ao primeiro requisito, estando nós em face de um Despacho Saneador/Sentença, mais do que a prova – que ainda se não produziu toda, nem tinha que produzir – importa para a decisão a alegação.
c) Diz a sentença recorrida que se alegou vagamente o risco de lesão irreparável dos interesses dos Requerentes/Recorrentes, apenas a ele se referindo os arts. 43.º e 44.º do requerimento inicial, que transcreve
d) Acontece que o disposto nesses artigos – e também no subsequente art. 45.º - constituiu conclusão fáctica e jurídica do que atrás se alegara.
e) E o que atrás se alegara foi que as Requerentes/Recorrentes sempre exerceram a posse sobre os terrenos em questão à vista de toda a gente e, designadamente, da Requerida/Recorrida – cfr. arts. 3.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 36.º, 37.º, 38.º, 42.º, 43.º, 44.º e 45.º do requerimento inicial.
f) E caracterizaram tal posse através do facto de cuidarem o terreno – cfr. art. 3.º do requerimento inicial – que estava inculto – e assim assegurarem para os mesmos, confinantes com suas casas, condições de salubridade pública – cfr. art- 11.º do requerimento inicial, bem como de o delimitarem, de o ajardinarem, cultivarem e manterem o jardim que ali fizeram, integrando-o fisicamente no terreno de sua propriedade – cfr. arts. 12.º e 13.º do requerimento inicial, como tudo demonstraram com as fotografias que juntaram como docs. nºs 13 e 14
g) Também do facto de utilizar correspondente terreno como acesso a garagem, tendo até para o efeito, rampa devidamente licenciada pela Recorrida – cfr. arts. 16.º e 17.º do requerimento inicial.
h) E de serem tratados pela própria Recorrida como proprietários dos terrenos em causa – cfr. art. 15.º do requerimento inicial.
i) Por tudo o que estariam em condições de adquirir os terrenos por usucapião – conforme alegaram no art. 35.º do requerimento inicial.
j) E assim se compreende a alegação das Recorrentes nos trechos citados pelo Mmo. Juiz a quo – o prejuízo irreparável com a execução do ato administrativo é a destruição da propriedade dos Requerentes, dos jardins que edificaram nos terrenos possuídos e da sua integração física nos prédios que adquiriram, bem como no caso da Recorrente, a impossibilidade de acesso automóvel à sua casa pela rampa instalada na rua de C....
k) O que se reconduz a uma situação de facto consumado, como se alegou nos arts 44.º e 45.º do requerimento inicial.
l) E o que, para este efeito, como aí também se alegou e como decorre da lei, é equivalente ao prejuízo irreparável.
m) Verifica-se, assim, ao contrário do decidido, o segundo requisito exigido pela lei para o decretamento da providência cautelar, ao menos em termos de alegação e até de princípio de prova.
n) Por tudo o que, ao contrário do decidido, não pode a providência deixar de ser decretada.
o) Tendo a sentença recorrida violado o art. 120.º n.º 1 al. b) do CPTA.
TERMOS EM QUE DEVE REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA E ORDENAR-SE A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE DECRETE A PROVIDÊNCIA CAUTELAR REQUERIDA, COMO O IMPÕE O DIREITO E A JUSTIÇA”

O Município do Porto veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 29 de Janeiro de 2016, nas quais concluiu (Cfr. Fls. 156 a 166 Procº físico):
“A. A douta sentença proferida pelo tribunal a quo e ora colocado em crise pela Recorrente é, a nosso ver, justa, bem fundamentada e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas, maxime do disposto no artigo 120º do CPTA.
B. Para sustentar o recurso, defendem os Recorrentes que a sentença proferida pelo tribunal a quo viola o disposto no artigo 120º, nº 1, alínea b), nº 2 e nº 5 do CPTA (versão anterior a 2 de Dezembro de 2015, aplicável ao caso em apreço).
C. Os Recorrentes expressam o entendimento de que se verifica in casu a existência de periculum in mora – artigo 120º, nº 1 alínea b) do CPTA - e que o seu interesse enquanto particulares é, neste caso, superior ao interesse público, colocando por conseguinte em crise a ponderação de interesses prevista no nº 2 do artigo 120 do CPTA. Contudo, os argumentos apresentados pelos Recorrentes não abalam, nem beliscam, a justeza da sentença proferida pelo tribunal a quo.
D. A presente providência cautelar tem como fito a suspensão da eficácia do ato administrativo, proferido pela Direção Municipal de Finanças e Património, através do qual intima os Recorrentes a desocuparem, no prazo de 20 dias, os terrenos descritos no ofício I/202260/14/CMP e I/155588/14/CMP, sitos na Rua de M..., nesta cidade do Porto.
E. Importa assim analisar os dois requisitos para o decretamento de providências cautelares acima enunciados e que consubstanciam o “sumo” do recurso em apreço.
F. Para além do requisito do fumus boni iuris ou fumus malus iuris – que no caso em apreço o tribunal a quo entendeu não ser evidente a procedência ou a improcedência da ação administrativa principal anulatória - ter-se-á ainda que verificar a existência, ou não, de um outro pressuposto que a lei define para a procedência da providência requerida: o periculum in mora.
G. Importa, na verdade, averiguar se “os factos concretos alegados pelo requerente inspiram o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade” (e aqui estaremos perante uma situação de facto consumado).
H. Ou se “os factos concretos alegados pelo requerente inspiram o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil” (e aqui estaremos perante a existência de prejuízos de difícil reparação) – cfr. Mário Aroso de Almeida in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 291).
I. Na verdade, “ocorre uma situação de facto consumado previsto no artº120º nº1 al. b) do CPTA quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a ação quer influenciar fique inutilizada ex ante”. Danos de difícil reparação são “aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspetiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente”. – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2012, proferido no processo nº 0857/11 e disponível em www.dgsi.pt.
J. Neste particular, limitaram-se os Recorrentes a alegar no seu requerimento inicial que a execução do ato “levaria à destruição da manutenção tida pelo Requerentes, bem como uma lesão gravíssima dos interesses dos Requerentes”.
K. Ainda que a ação principal venha anular o ato suspendendo – o que não se concede, mas que se coloca como hipótese por mera cautela -, os danos resultantes da sua execução são sempre quantificáveis e reversíveis e por conseguinte, indemnizáveis.
L. Não é invocado qualquer prejuízo em concreto, pelo que este requisito não se mostra de forma alguma preenchido, o que conduz inelutavelmente à improcedência da presente providência cautelar e do presente recurso.
M. Contudo, e uma vez que tal é igualmente invocado no recurso em apreço, o Recorrido não pode deixar de fazer uma breve referência ao último critério estabelecido pelo legislador, isto é, à ponderação de todos os interesses em jogo (artigo 120º, n.º 2 do CPTA).
N. Nesta sede “avaliam-se, num juízo de prognose, os resultados de cada uma das alternativas, e não se concede a providência, mesmo que se verifiquem os requisitos, quando os prejuízos da concessão sejam superiores aos prejuízos que resultariam da não concessão. (...) O que está em causa não é ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou dá concessão (plena ou limitada) da providência cautelar” – cfr. Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, pág. 302/303).
O. Assim sendo, e ponderados os interesses em jogo na presente situação, o Recorrido considera que os danos que resultam da concessão da presente providência mostram-se manifestamente superiores àqueles que poderiam resultar da sua não procedência, uma vez que se trata de defender património que é propriedade pública, neste caso, do Recorrido Município do Porto e que está a ser ocupado ilegalmente pelos Recorrentes.
P. Não se verifica assim qualquer ofensa ou violação do disposto no artigo 120º, nº 1, alínea b), nº 2 e nº 5 do CPTA, pelo que deverá o presente recurso improceder.
Q. Pelo que foi acima aduzido e pelos fundamentos constantes da decisão judicial recorrida proferida pelo tribunal a quo, é entendimento do Recorrido que a mesma não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas.
Termos em que, confirmando o sentido da decisão judicial recorrida, farão V. Exas. a Costumeira e Sã JUSTIÇA.”

O Recurso veio a ser admitido por Despacho de 15 de fevereiro de 2016 (Cfr. Fls. 163 Procº físico).

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 9 de março de 2016 (Cfr. fls. 175 Procº físico), veio a emitir Parecer, em 11 de março de 2016 (Cfr. fls. 176 a 179 Procº físico), no qual conclui que “(…) deverá ser negado provimento ao recurso jurisdicional sub judice e, consequentemente, ser confirmada a douta sentença recorrida”.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, o que se consubstancia na necessidade de verificar, em síntese e designadamente, se se verificarão os requisitos previstos no Artº 120º CPTA, mais se invocando-se erro de julgamento de direito.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:
1) A Requerente AP é proprietária do prédio sito na Rua de C..., n.º … em A..., Porto, inscrito na matriz sob o n.º 26…NP (fl. 19 e 20 do suporte físico do processo).
2) A Requerente MCAM é proprietária do prédio sito na Rua de C..., n.º … em A..., Porto, inscrito n.º matriz sob o n.º 26… (fl. 21 e 22 do suporte físico do processo).
3) As Requerentes ocupam as parcelas de terreno, confinantes com os terrenos de que são proprietários, referidos em 1) e 2) e com a Rua de M..., identificadas na planta junta a fls. 2 do processo administrativo que se encontra apenso ao processo n.º 2694/15.3 (p.a).
4) Da informação técnica da Divisão Municipal de Gestão do Património do Município do Porto emitiu, em 30.05.2013, uma informação técnica, com a referência n.º I/97747/13/CMP, com o seguinte teor: “(…) Depois de consultados os elementos cadastrais, existentes nestes serviços e visitado o local cumpre-me informar o seguinte: A Câmara Municipal do Porto é titular da totalidade do terreno onde se encontra construído o Agrupamento de Casas Económicas de AA, com exceção dos terrenos destinados à construção das 226 casas Económicas (…) (moradia e terreno que lhe fica afeto), entretanto cedidos ao Estado, conforme escritura de venda lavrada em 30 de Janeiro de 1965, fls. 195 a 197v do Livro de Notas n.º 124 da Nota Privativa da Câmara Municipal (…) Auto de Demarcação e Avaliação de 22 de Dezembro de 1964, que retifica o feito em 27 de Dezembro de 1955. (…) O prédio veio à posse da câmara por sentença judicial proferida em 4 de Abril de 1949 correspondente à Parcela n.º 1 do Mapa de Expropriações e da Planta Cadastral dos terrenos destinados ao “Aglomerado de Casas Económicas da Rua de AA e seus acessos e Retificação desta Artéria” aprovados por despacho de sua Excelência o Subsecretário de Estado das Obras Públicas, em 24 de Outubro de 1945. (…) Relativamente às parcelas de terrenos municipais, espaços ajardinados da Rua de M... confinantes com os lotes de terrenos do Agrupamento de C.E. de AA (nomeadamente com os prédios localizados na Rua de C..., n.º 45,63,65,77 e 79), estes encontram-se vedados e ocupados pelos confinantes, desconhecendo-se título que habilite tal ocupação (…) Considerando as áreas alienadas ao Estado, teremos que de acordo com a escritura outorgada em 30Jan1965, todas as áreas externas aos “lotes” então constituídos são do domínio público municipal, nomeadamente arruamentos e jardins, em conformidade com a planta geral da urbanização do Bairro de Casas Económicas de AA e que constitui parte integrante da escritura (…)” (fls. 5 e 6 do p.a.).
5) A escritura de venda de Terrenos Municipais outorgada em 30/01/1965, pela Câmara Municipal do Porto e o Estado Português, refere que: “A Câmara Municipal do Porto é por justos e legais títulos dona e possuidora da totalidade do terreno onde se encontra construído o Agrupamento de Casas Económicas de AA limitado à orla Azul da planta presente neste ato a qual depois de devidamente assinada pelos outorgantes e por mim notário fica arquivada para os devidos efeitos (…) Que, de harmonia com o seu despacho de vinte e cinco do mês corrente (…) e com o Auto de Demarcação e Avaliação de vinte e dois de Dezembro de mil novecentos e sessenta e quatro, que retifica o feito em vinte e sete de Dezembro de mil novecentos e cinquenta e cinco, arquivado nesta Repartição a meu cargo, o qual também se arquiva (…)” e refere que quanto “(…) aos terrenos destinados à construção das Casas Económicas dos (…) tipos nesse mesmo Auto especificados, com a área total de setenta e sete mil trezentos e dez metros quadrados (…) nestes termos e pela presente escritura vende ao Estado (…) todo esse terreno livre de quaisquer ónus reais e em geral de qualquer responsabilidade.(…)” (fls. 57 a 62 do p.a.).
6) A parcela global de terreno na qual se incluem aqueles cuja desocupação foi ordenada constituía, de acordo com o projeto do bairro, uma área de jardim, conforme se pode constatar na “Planta Geral da Urbanização do Bairro de Casas Económicas de AA”, que aqui se dá por reproduzida, na qual a área que a compõe está delimitada a amarelo (fls. 65 do p.a.).
7) Os trabalhos de urbanização do “Agrupamento de Casas Económicas de AA” foram dados como devidamente concluídos e em condições de merecer aprovação, no dia 08/11/1960 ( fls. 69 do p.a.).
8) De acordo com o despacho da Chefe de Divisão Municipal de Planeamento e Ordenamento do Território, de 25/07/2013, exarado no processo n.º 48577/13/CMP, referente à parcela de terreno global identificada no ponto 7.: “(…) A parcela corresponde a um jardim público previsto no projeto do Bairro AA, pelo que deve permanecer no domínio público. O arrendamento provisório não é aconselhável porque vem viabilizar a ocupação indevida que se verifica por parte dos proprietários envolventes não contribuindo para a reabilitação destas áreas. O tratamento destes espaços é urgente para devolver estas áreas verdes ao bairro criando melhor qualidade de vida aos moradores. (…) a cedência desta pequena faixa de terreno iria provocar um precedente que descaracterizava do ponto de vista urbanístico o estudo original.(…)” (fls. 13 do p.a.).
9) Foram remetidos ofícios, assinados pelo Diretor do Departamento Municipal de Património, aos ocupantes das parcelas de terreno integrantes da parcela global identificada no ponto 7., nos quais se incluem as Requerentes que foram notificadas, respetivamente, pelo ofício I/202271/14/CMP, a 1.ª Requerente, e pelo ofício I/202267/14/CMP, a 2.ª Requerente, ambos datados de 01.12.2013, e com o seguinte teor: “(…)Tendo-se verificado que V. Ex.ª ocupa abusivamente uma parcela de terreno do domínio público municipal sita à Rua de M..., devidamente delimitada na planta em anexo, vimos pelo presente comunicar que deverá proceder à desocupação voluntária da parcela por si ocupada e à respectiva limpeza do terreno, concedendo-se um prazo máximo de 20 (vinte dias) para a sua execução voluntária.(…) Caso não proceda à desocupação voluntária da referida parcela municipal por si ocupada, no prazo que para o efeito lhe foi concedido (20 dias), o Município do Porto promoverá o seu despejo coercivo, imputando-lhe todos os encargos e/ou despesas. Junta-se cópia da planta com indicação da parcela municipal onde se verifica a ocupação (…)” (fls. 32 e 34 do pa.).
10) Na sequência destas notificações, foi apresentada, por cada uma das Requerentes, uma exposição de conteúdo semelhante, salvo quanto à identificação dos mesmos, à parcela de terreno de que são titulares, e à que ocupam, em que referem o seguinte: “(…) vem ocupando essa faixa de terreno, por si e pelos anteriores possuidores, há mais de 40 anos, como proprietários (…) à vista de toda a gente pacificamente e com conhecimento inclusive das referidas entidades Direção Geral da Previdência e Habitações Económicas e Instituto Nacional da Habitação, se não também da Câmara Municipal do Porto. (…) Assim, se outro título não existir, sempre adquiriu (…) a propriedade sobre a identificada parcela por usucapião. (…)” (fls. 45, 46, 51 e 52 do p.a.).
11) A possibilidade de permissão da aquisição das parcelas em causa pelos Requerentes foi reapreciada, tendo sido proferida a informação/44854/15/CMP, de 10/03/2015, sobre a qual foi emitido o despacho da Chefe de Divisão Municipal de Planeamento e Ordenamento do Território, de 24/03/2015 que, concordando com a referida informação técnica, referia o seguinte: “(…) Proponho a emissão de parecer desfavorável à pretensão do requerente (DMFP), na qual se pretende averiguar a “possibilidade de autorizar a ocupação precária ou mesmo a venda das faixas ocupadas aos respetivos proprietários confinantes”, uma vez que o espaço em causa apresenta dimensões substanciais para a escala do Bairro em que se insere e um enquadramento que o difere das outras tipologias de espaços verdes sobre os quais foi emitido despacho favorável à integração no domínio privado das parcelas confinantes. (…) À consideração superior. (…)”(fls. 67 do p.a.).
12) O despacho referido no ponto anterior mereceu despachos de concordância da Diretora do Departamento Municipal de Planeamento Urbano, de 25/03/2015, e do Diretor Municipal do Urbanismo, de 20/04/2015 (fl. 67, verso, do p.a.).
13) Por ofício com a referência I/173739/15/CMP de 14.10.2015 foi a Requerente AP notificada para proceder à desocupação voluntária da parcela em causa nos termos constantes de fls. 73 do p.a..
14) Por ofício com a referência I/173695/15/CMP de 14.10.2015 foi a Requerente MCAM notificada para proceder à desocupação voluntária da parcela em causa nos termos constantes de fls. 77 do p.a..

IV - Do Direito
O Recurso Jurisdicional assenta predominantemente no reiterar da argumentação jurídica aduzida e esgrimida em 1ª Instância.

Ao presente processo cautelar aplicam-se essencial e predominantemente, as regras gerais dos procedimentos cautelares, previstas nos Artigos 112º e seguintes do CPTA.

A concessão das providências cautelares assenta numa ponderação que se encontra prevista no artigo 120.º, n.º 2, por forma a que, se for caso disso, possa ser ponderado e conjugado o periculum in mora com o fumus boni iuris, segundo os critérios definidos no artigo 120.º, n.º 1.

Nestes termos, as providências cautelares conservatórias serão adotadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de ato manifestamente ilegal, de ato de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente – alínea a) do n.º1 do artigo 120.º do CPTA;
b) Quando, como no caso vertente, esteja em causa a adoção de uma providencia conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a inexistência de circunstancias que obstem ao seu conhecimento de mérito – alínea b) do nº 1 do Artº 120º CPTA.

O fumus boni iuris – alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA
Cabe ao tribunal avaliar, sumariamente, qual o grau de probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

Se considerar que é evidente a procedência da ação principal, designadamente por estar em causa a impugnação de um ato manifestamente ilegal, deve, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, decretar a providência solicitada independentemente da prova de qualquer outro pressuposto.

O processo cautelar visa assegurar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal e caracteriza-se fundamentalmente pela sua provisoriedade, porque não resolve definitivamente o litígio em presença, e pela cognição sumária de facto e de direito.

Assim, não cabe no âmbito deste processo cautelar avaliar se o ato impugnando é ilegal, antecipando deste modo para um processo sumário e urgente, a decisão sobre a questão de mérito do processo principal, mas tão só avaliar se a alegada invalidade é tão manifesta que não deixe dúvidas sobre a necessária procedência da pretensão a julgar na ação principal.

O referido Artº 120º nº 1 alínea a) do CPTA tem um carácter meramente exemplificativo das situações elencadas, com referência a processos impugnatórios, e exige que, para o deferimento da pretensão, a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal seja evidente.

Esta evidência tem de ser entendida no sentido de que a procedência da pretensão principal se apresenta de tal forma notória, patente, de modo a não necessitar de qualquer indagação, quer de facto quer de direito, por parte do tribunal, com vista ao assentimento da convicção a formular, a qual deve ser dada de imediato pela mera alegação da manifesta ilegalidade do ato.

Como se decidiu no Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.2004, in Rec. 893/04, não ocorre a evidência da procedência da pretensão formulada quando a questão jurídica fundamental subjacente ao ato é controversa.

Na situação em apreciação, entendeu o tribunal a quo que “não se verifica qualquer manifesta ilegalidade no ato suspendendo…”.

O periculum in mora – alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA
Sendo consensual ser a requerida Providência Cautelar, Conservatória, importará verificar do preenchimento dos pressupostos previstos na alínea b) do nº 1 do Artº 120º do CPTA.

Como se refere no Acórdão nº 166/04 do TCA-Sul de 17/06/2004 “São requisitos cumulativos para a concessão da providência cautelar conservatória a aparência do bom direito, a ameaça de lesão grave e dificilmente reparável deste direito e a ponderação de interesses (artº 120º, nº1- b) e nº2 do CPTA).

Atenta a urgência e celeridade que caracterizam as providências cautelares, impõe-se a observância, como regra, mais do que a alegação dos pressupostos normativos, que seja feita a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão.

O fundado receio há de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar "compreensível ou justificada" a cautela que é solicitada, não bastando ao Tribunal, para a formulação do tal juízo de prognose, a mera alegação vaga e abstrata dos prejuízos, devendo os autos conter razões, isto é, factos que fundamentem o pedido, para que se possa concluir pelo deferimento da pretensão.

A prova da existência do direito a acautelar basta-se com indícios de uma probabilidade séria da sua existência, ficando a certeza da sua existência para a ação principal; a prova da produção dos prejuízos de difícil reparação carece da demonstração de que estes são evidentes e reais, através de factos que mostrem ser tais prejuízos fundamentados.”
O fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal é o chamado periculum in mora, requisito comum a todas as providências cautelares.

Só prejuízos de difícil reparação para o interessado, lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar.

O fundado receio a que a lei se refere é o receio “apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.

Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões.” (António S.A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III vol., 3ª ed., pag.103).

Ora, se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado se admite que o mesmo seja de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora, os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal periculum in mora, visto que a qualificação legal do receio como “fundado” visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de proteção meramente cautelar, com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas ações principais.

O que se acaba de dizer vem a propósito do disposto no artº 114º, nº3-g) do CPTA, onde se estipula: “No requerimento, deve o requerente: (...) g) Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência.”
À semelhança da petição inicial de um processo comum, o requerente de uma providência cautelar deve expor as razões de facto e de direito que fundamentam a sua pretensão.

O artº 5º, nº1 do CPC, estipulando que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”, impõe, ao requerente da providência, o ónus geral de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, não podendo o tribunal substituir-se ao requerente, a não ser na atendibilidade de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão.

Sendo a causa de pedir, em geral, integrada pelo facto ou factos jurídicos em que se funda o direito invocado (artº 581º, nº4 do CPC), numa providência cautelar, o requerente deve alegar factos que, a par da inclusão dos elementos integrantes do direito subjetivo, abarquem a situação de perigo justificativa da concessão da medida pretendida.

Atenta a urgência e celeridade que caracterizam os procedimentos cautelares, impõe-se a observância, como regra, mais do que a alegação dos pressupostos normativos, que seja feita a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão, o que deverá ser refletido nos “factos provados”.

Ora, tal alegação prévia é um ónus do requerente exigido pelo ónus da prova imposto, nos termos do disposto no Artº 342º do CC, a quem alega um direito e segundo o qual, quem alega um direito deve fazer prova dos respetivos factos constitutivos.

Se, como se disse supra, relativamente ao direito da requerente não é de exigir a prova da sua existência, nos termos em que deverá ser produzida no âmbito da ação, bastando que se indique uma probabilidade séria, suficientemente forte, entre a simples ou mera possibilidade e a certeza de tal direito, no que diz respeito à lesão do direito ou à produção dos prejuízos irreparáveis ao requerente, este já tem de demonstrar que estas são evidentes e reais, alegando factos concretos que, mesmo a provar de forma indiciária, demonstrem ser tal lesão, ou receio de lesão, ou produção de prejuízos irreparáveis fundamentados.

O artº 120 do CPTA, estabelecendo o requisito da perigosidade - periculum in mora - resultante de o decurso do tempo na obtenção da decisão sobre o litígio a tornar inútil, total ou parcialmente, exige para o decretamento da providência cautelar que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.

Vejamos em concreto o suscitado.
Desde logo há uma questão incontornável, que resulta do facto de não poderem ser adquiridos, designadamente por usucapião, os bens integrados no domínio público, como resulta do Artº 202º, nº2 do Código Civil, sendo que as próprias recorrentes reconhecem que a controvertida parcela se encontra inserida no domínio público municipal.

Refere a indicada norma do CC:
“2. Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação individual.”

Entendem as Recorrentes que a sentença proferida pelo tribunal a quo viola o disposto no artigo 120º, nº 1, alínea b), nº 2 e nº 5 do CPTA, na versão então aplicável.

Efetivamente, estando em causa a adoção de providências conservatórias em que a situação, como no caso em apreciação, não tenha sido enquadrada na al. a) do n.º 1 do artigo 120º CPTA, este prevê um distinto grupo de condições de procedência e que se mostram consagrados nos n.ºs 1, al. b) e 2, condições de procedência que se podem reconduzir:
a) A duas condições positivas de decretamento:
- «periculum in mora» - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e
- «fumus boni iuris» (“aparência do bom direito”) – avaliação, em termo sumários, da existência do direito invocado pelo requerente ou da(s) ilegalidade(s) que o mesmo invoca e provável procedência da ação principal;
b) A um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados) – proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.

Entendeu o tribunal a quo, o que se acompanha, pelas razões já aduzidas, estar assente o “fumus non malus iuris”, em face do que se imporia “apurar se existe o chamado “periculum in mora”.

Mais se refere na sentença recorrida que “alegam as Requentes que “a desocupação só levaria à destruição da manutenção tida pelos Requerentes bem como uma lesão gravíssima dos interesses dos Requerentes”. Mais alegam que “se impedirá a destruição de tudo o quanto foi feito nas parcelas pertencentes às Requerentes, como seja a destruição dos seus próprios jardins para a construção de jardins públicos, a impossibilitação de acesso e casa e garagens, como supra se demonstrou que o próprio Município proporcionou e causando a tomada de posse, pelo Município, efeitos irreversíveis na propriedade dos Requerentes.
Tal alegação não pode fundamentar a preenchimento do periculum in mora.”

Estando-se perante uma questão de direito, importa referir desde logo, que se entende que, para efeitos da alínea b) do nº 1 do Artº 120º do CPTA, é manifesta a falta de fundamento da pretensão, na medida em que, tal como afirmado supra, estando-se perante parcelas inseridas no domínio publico municipal, nunca as mesmas seriam suscetíveis de ser adquiridas, designadamente, por usucapião, sem que ocorresse a sua prévia desclassificação.
Como ficou dito no recente Acórdão deste TCAN nº 2201/07BEPRT, de 5 de Fevereiro de 2016, “o domínio público é assim o conjunto de coisas que, estando afeto a uma pessoa coletiva de direito público, são submetidas por lei, a um determinado fim de utilidade pública a que se encontram afetadas, submetidas a um regime jurídico especial caracterizado pela sua insusceptibilidade absoluta em serem comercializados sem prévia desafetação, por forma a preservar a produção dessa utilidade pública.”

Por outro lado, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.10.2009, Proc. n.º 0826/09, reiterando entendimento jurisprudencial que ali invoca, face “… ao art. 120.º, n.º 1 b) e n.º 2 do CPTA, são três os requisitos de que depende a concessão de uma providência conservatória (como é o caso da suspensão de eficácia do ato) e cuja verificação é cumulativa: - o fumus boni iuris, na sua formulação negativa; - o periculum in mora; - a superioridade dos danos resultantes da sua concessão, relativamente aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.

No que diz respeito, desde logo, ao fumus non malus iuris, sustentou-se, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.05.2009, proc. n.º 0156/09, que o «tribunal apenas se deve basear, para a formulação dos juízos a que se refere o art. 120.º, numa apreciação perfunctória, que é própria da tutela cautelar, sobre a (in)existência de circunstâncias que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa e sobre a probabilidade de êxito que o requerente poderá ter no processo principal. Trata-se, pois, de juízos formulados sob reserva de, no processo principal, se poder chegar a uma conclusão diferente».

Na situação em apreciação está desde logo em causa que, não sendo os bens do domínio público suscetíveis de ser adquiridos, designadamente, por via de usucapião, estará desde logo comprometido o fumus boni iuris, na sua formulação negativa, por ser manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular na ação principal.

Independentemente do referido, entendem as Recorrentes que se verificará a existência de periculum in mora – artigo 120º, nº 1 alínea b) do CPTA - e que o seu interesse enquanto particulares é, neste caso, superior ao interesse público, colocando por conseguinte em crise a ponderação de interesses prevista no nº 2 do artigo 120 do CPTA.

A providência cautelar em análise visou a suspensão da eficácia do ato proferido pela Direção Municipal de Finanças e Património da CM do Porto, através do qual foram os aqui Recorrentes notificados para desocuparem, no prazo de 20 dias, os terrenos identificados no ofício I/202260/14/CMP e I/155588/14/CMP, situados na Rua de M..., no Porto.

Do periculum in mora
Para além do requisito do fumus boni iuris, na sua formulação negativa, que se entendeu já inexistir, o que só por si permitiria considerar improcedente a providência cautelar e o correspondente Recurso, importa ainda verificar e à cautela, a invocada existência do periculum in mora, enquanto segundo pressuposto cumulativo para a procedência da providência requerida.

Há pois que verificar se “os factos concretos alegados pelo requerente inspiram o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

A prova do “fundado receio” sempre teria de ser feita pelas Recorrentes, devendo para tal invocar e provar factos que levassem o Tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência requerida.

“Ocorre uma situação de facto consumado previsto no artº120º nº1 al. b) do CPTA quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a ação quer influenciar fique inutilizada ex ante”. Danos de difícil reparação são “aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspetiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente”. – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2012, proferido no processo nº 0857/11 e disponível em www.dgsi.pt.

Neste aspeto invocaram singelamente as Recorrentes que a desocupação não só levaria à destruição da manutenção tida pelos Requerentes bem como uma lesão gravíssima dos interesses dos Requerentes”. Mais alegam quese impedirá a destruição de tudo o quanto foi feito nas parcelas pertencentes às Requerentes, como seja a destruição dos seus próprios jardins para a construção de jardins públicos, a impossibilitação de acesso e casa e garagens, como supra se demonstrou que o próprio Município proporcionou e causando a tomada de posse, pelo Município, efeitos irreversíveis na propriedade dos Requerentes”.

Como foi sublinhado a este respeito na decisão recorrida, “tal alegação não pode fundamentar a preenchimento do periculum in mora, antes do mais porque é vaga e genérica e conclusiva, destituída da necessária concretização de factos, que constituía um ónus das Requerentes.”

Mais aí se refere que “(…) a destruição de jardins … e a eventual impossibilidade de acesso a garagens, destituída de qualquer outra factualidade complementar, por si só, não constituem um prejuízo de difícil reparação nem consubstanciam uma situação de facto consumada.
Quanto à genérica alegação relativa à “impossibilidade de acesso a casa” sempre se evidenciará que os prédios das Requerentes têm entrada pela Rua de C... e que as parcelas de terreno em causa confrontam com a rua de M... pelo que não se vislumbra como possam os prédios das Requerentes ficar “encravados” (o que atento o alegado caráter público das parcelas também dificilmente se compreenderia).

Assim, mesmo que a ação principal viesse a anular os atos cuja suspensão é aqui requerida, sempre os danos resultantes da sua execução seriam mensuráveis e potencialmente reversíveis.

Assim, não sendo objetivado ou quantificado qualquer prejuízo relevante, não se mostra por natureza preenchido o referido e necessário requisito, o que determinaria também e só por si, a improcedência da providência cautelar e do presente recurso.

Assim, sendo certo que impendia sobre as Recorrentes o ónus de alegação e prova dos requisitos necessários à concessão da providência solicitada, o que não lograram conseguir, não estão pois demonstrados os pressupostos de que a lei faz depender a sua concessão.

Da ponderação dos interesses públicos e privados
- Artigo 120º, nº 2 do CPTA -
À luz do nº 2 do Artº 120º do CPTA, a ponderação de interesses sempre dependeria do preenchimento de ambos os pressupostos constantes da alínea b) do nº 1 do Artº 120º CPTA, o que não foi o caso.

Em qualquer caso, refira-se que “avaliam-se, num juízo de prognose, os resultados de cada uma das alternativas, e não se concede a providência, mesmo que se verifiquem os requisitos, quando os prejuízos da concessão sejam superiores aos prejuízos que resultariam da não concessão. (...) O que está em causa não é ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou dá concessão (plena ou limitada) da providência cautelar” – cfr. Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, pág. 302/303).

Mesmo que se mostrassem aplicáveis os precedentemente referenciados requisitos constantes da alínea b) do nº 1 do Artº 120º CPTA, a ponderação de interesses evidenciaria que os danos que resultariam da concessão da presente providência se mostrariam superiores àqueles que poderiam resultar da sua não procedência, pois que estando em causa áreas inseridas no domínio público municipal, não desclassificadas, abusivamente ocupadas pelas Recorrentes, ao que acresce a circunstância de se inverificar qualquer periculum in mora relevante, sempre a concessão da requerida providência poderia gerar um pernicioso clima de “contágio” assente numa impunidade permissiva.

Em face do que precede, sempre improcederia necessariamente o Recurso interposto.

V - DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se o sentido da Sentença Recorrida.
Custas pelas Recorrentes

Porto, 21 de Abril de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão