Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02228/04-Viseu
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
SISA.
DÉFICE INSTRUTÓRIO.
Sumário:I) O montante declarado como preço de compra/venda constante em escritura pública de compra e venda de imóvel, pode ser afastado pela AT no âmbito do seu poder de correcção das declarações dos contribuintes, desde que existam indícios certos e seguros, que o mesmo não corresponde à realidade, sem necessidade de decisão judicial de nulidade desse negócio.
II) O ónus da prova para afastar esse preço declarado é da AT, enquanto facto constitutivo do seu direito à liquidação por montante diverso/superior ao declarado.
III) Na situação em apreço, e com referência à questão nuclear apontada nos autos, ou seja, saber se o valor inscrito no contrato promessa não tem qualquer ligação com a realidade efectivamente a considerar, na medida em que o mesmo apenas foi inscrito a pedido do promitente vendedor por ter necessidade de recorrer a um financiamento bancário, é manifesto que tal situação pode ser demonstrada por testemunhas nos termos preconizados pelo Recorrente.
IV) Em função do que fica exposto, mesmo considerando os elementos relacionados com a tramitação do processo, não se vê como negar razão ao recorrente no que concerne à alegada violação do princípio do inquisitório, que não em razão de nulidade processual, pois que, não obstante, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório, com vista a um correcto e definitivo apuramento dos factos, tal como sucede no caso dos autos, porquanto, não pode afirmar-se que o impugnante não produziu a prova que lhe competia, quando nada se diligenciou no sentido de lhe permitir produzir toda a prova arrolada, sendo certo que, o princípio do inquisitório, que enforma o processo tributário, impõe que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (cf. artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT), não estando sequer limitado às provas que as partes apresentarem ou requererem.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
M…, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 24-04-2013, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação de SISA, de imposto de selo e de juros compensatórios no montante total de € 12.934,47.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 60-69), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1ª) O recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida contra uma liquidação adicional de SISA, acrescida de imposto de selo e de juros compensatórios, no valor global de € 12.934,47.
2ª) Impugna-se a decisão quanto aos factos, por entender-se que existiu erro na apreciação da prova produzida.
3ª) A decisão deveria ter sido no sentido da procedência total da impugnação.
4ª) O recorrente adquiriu uma parcela de terreno para construção urbana.
5ª) A liquidação impugnada foi praticada com base no convencimento de que a venda teria ocorrido pelo preço de Esc. 30.000.000$00.
6ª) O Fisco operou com esse valor por o mesmo constar do contrato promessa que foi celebrado.
7ª) O referido valor foi inscrito no contrato promessa a pedido do promitente vendedor – L… - para efeito de o habilitar a recorrer a um financiamento bancário.
8ª) A transacção foi efectuada pelo valor declarado de Esc.
5 000.000.$00

9ª) O recorrente pagou o imposto com base no valor que foi fixado na avaliação - Esc. 7.035.000$00 - por este ser superior ao valor de pagamento efectivamente suportado (Doc. n° 3 da PI).
10ª) O recorrente só adquiriu a posse e fruição do terreno depois de ter sido celebrada a escritura.
11) Uma vez que o recorrente pagou o imposto de acordo com o valor fixado pela AT e que este é superior ao valor do preço envolvido na transacção, foi escrupulosamente cumprida a Lei.
12ª) O valor indicado no contrato promessa não tem qualquer relevância por corresponder a uma ficção.
13) A impugnação foi decidida improcedente, em síntese, com base no seguinte: «O que o impugnante diz é que o valor que consta do contrato de promessa de compra e venda foi indicado a pedido do vendedor Sr. L…. Ora, se por um lado não nega, antes confirma que existiu tal contrato de promessa de compra e venda, como também não nega que nesse contrato foi indicado o preço de venda do imóvel de 30.000.000$00, cabia-lhe então provar o que alega, ou seja que tal valor ocorreu a pedido do vendedor para este poder recorrer a um financiamento.» - folha 7 da Sentença.
14ª) Com o devido respeito, não se compreende como é que o Tribunal se decidiu pela improcedência da impugnação com a fundamentação supra referida, uma vez que foi o próprio Tribunal que avaliou como desnecessária a produção da prova testemunhal.
15ª) O recorrente entendeu que essa avaliação do Tribunal significava que a prova documental era suficiente para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
16ª) Estranhamente escreveu-se na Sentença que o impugnante não produziu a prova que lhe competia, sem que seja feita referência ao facto de ter sido o próprio Tribunal que entendeu desnecessário produzir a prova que o impugnante se propunha fazer.
17ª) O impugnante anunciou na sua PI o propósito de inquirir várias testemunhas, sendo que uma delas era o vendedor L….
18ª) Como é perfeitamente plausível essas testemunhas prestariam todos os esclarecimentos que segundo a Sentença deviam ter sido prestados, o que só não sucedeu por o Tribunal ter comunicado ao impugnante a inoportunidade de serem inquiridas as testemunhas por si arroladas.
19ª) A Sentença erra quanto à apreciação dos factos precisamente por estes terem sido deficientemente apurados.
20ª) Se a prova tivesse sido produzida de acordo com a tramitação normal do processo de impugnação judicial, designadamente com a habitual inquirição das testemunhas arroladas, a Sentença seria no sentido da procedência da impugnação.
21ª) O recorrente peticiona nesta peça a revogação da Sentença recorrida e que processo baixe à primeira instância para que sejam inquiridas as testemunhas arroladas na PI.
22ª) É que as mesmas só não foram ouvidas no momento próprio em virtude do equívoco originado pelo anúncio da irrelevância dos depoimentos que viessem a ser prestados.
23ª) Ora, atento o teor da Sentença, ou o Tribunal mudou ulteriormente de opinião ou o impugnante entendeu mal a notificação sobre a inadequação da produção de prova testemunhal.
24ª) De qualquer modo, o Tribunal tem o poder/dever de oficiosamente desencadear todas as iniciativas aptas à produção de uma sentença justa e conforme com o bloco da legalidade, o que manifestamente não se verificou.
25ª) No caso em mérito não só não houve por parte do Tribunal esse esforço como ainda foram considerados como dispensáveis os depoimentos das testemunhas que o impugnante arrolou, pelo que seria inaceitável a impugnação ser decidida improcedente neste contexto.
26ª) A liquidação de SISA impugnada é ilegal por enfermar do vício de violação de lei, por erro quanto aos pressupostos de facto - Art. 99º do CPPT.
27ª) Sendo que essa liquidação também está ferida de ilegalidade por ter sido erradamente interpretado e aplicado o direito - art. 99º do
CPPT.

28ª) Assim, a sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, devendo o processo baixar à primeira instância, para que sejam inquiridas as testemunhas arroladas, com todas as demais consequências legais, assim se fazendo Justiça.”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 80 a 82 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em apreciar a bondade da decisão recorrida que desatendeu a presente impugnação judicial na medida em que a ora Recorrente não fez prova do alegado com referência ao facto de o valor vertido no contrato promessa apontado nos autos ter sido estipulado a pedido do vendedor para este poder recorrer a um financiamento, sem olvidar o alcance da decisão sobre a matéria de facto.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A. Com data de 23 de Maio de 2001, foi celebrada escritura pública pela qual a impugnante adquiriu o prédio urbano, parcela de terreno para a construção urbana, sito nas Mozes, freguesia e concelho de Armamar, descrito na Conservatória do registo predial de Armamar sob o n.º …, pelo preço de cinco milhões de escudos – cfr. fls. 14 a 16 do PA anexo aos autos, que se dão por integralmente reproduzidas, tal como as demais que seguem.
B. Com data de 11 de Janeiro de 2001, o impugnante celebrou contrato de promessa de compra e venda, pelo qual declarou prometer comparar o prédio urbano indicado no ponto anterior pelo preço global de 30.000.000$00 – cfr. fls. 10 a 12 do PA anexo aos autos.
C. Por informação dos Serviços de Inspeção Tributária de 11 de Janeiro de 2002, foi proposta a correção da liquidação de SISA pela aquisição do prédio indicado em A., por haver sido declarada a transação deste prédio pelo valor de 5.000.000$00 e do contrato de promessa de compra e venda celebrado para o efeito constar que o preço global da transação era de 30.000.000$00 - cfr. fls. 7 a 9 do PA anexo aos autos.
D. Com data de 24/04/2002, o Serviço de Finanças de Armamar, notificou o impugnante “para no prazo de 30 dias efectuar o pagamento do Imposto Municipal de Sisa, no montante de € 11.454,89, respeitante à diferença de liquidação entre o valor declarado e o valor constante do contrato-promessa (€ 24.939,90 e € 149.639,37) acrescido de juros compensatórios no montante de € 563,19, o eu totaliza € 12.018,08 e, bem assim a importância de € 916,39 de Imposto de Selo devido nos termos do n.º 1 da Tabela Geral do Imposto de Selo e Juros compensatórios de € 44,10, o que totaliza € 960,49, ambos relativos à liquidação adicional feita com base no contrato promessa de compra e venda e no relatório de inspecção tributária…” cfr. fls 4 dos autos.
E. Em 30 de Janeiro de 2008, a impugnante apresentou a petição inicial de impugnação dos presentes autos – cfr. fls. 4 do PA anexo aos autos.
F. Em 17/07/2002, o impugnante deduziu reclamação contra a liquidação aqui impugnada, imputando os mesmos vícios e fundamentos alegados na impugnação dos presentes autos – cfr. fls. 2 e 3 do PA anexo aos autos
G. Com data de 16 de Julho de 2003, o impugnante foi notificado do indeferimento da reclamação apresentada – cfr. fls. 54 do PA anexo aos autos
H. Em 1 de Agosto de 2003, deu entrada no Serviço de Finanças de Armamar a petição de impugnação dos presentes autos – cfr. fls. 1 dos autos.
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos.
Motivação da decisão de facto
A matéria de facto assente, tal como supra vem discriminada, resulta dos autos e da prova documental junta nos autos.
Inexiste qualquer factualidade que, relevando para o exame e decisão da causa, tenha sido julgada como não provada.”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
I. Em 26-05-2009 foi proferido despacho nos autos nos seguintes termos:
“Analisando a Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, constatamos que as questões a decidir são essencialmente de direito, e a decisão a proferir passa pela análise dos documentos, juntos aos autos.
Contudo, atendendo ao princípio da cooperação previsto no art. 266.º, n.º 2 do CPC, aplicável “ex vi” al e) do art. 2.º do CPPT, notifique o(a) Impugnante para, em 10 dias, esclarecer se mantém interesse na produção da prova testemunhal e, na afirmativa, indicar os factos (sem suporte documental junto aos autos) sobre os quais hão-de versar os depoimentos requeridos, por referência ao articulado.” (fls. 32 dos autos).
J. Na sequência da notificação do despacho referido em I., o Impugnante juntou requerimento aos autos nos termos do qual prescinde da inquirição das testemunhas por si arroladas (fls. 34 dos autos).
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se apreciar a bondade da decisão recorrida que desatendeu a presente impugnação judicial na medida em que a ora Recorrente não fez prova do alegado com referência ao facto de o valor vertido no contrato promessa apontado nos autos ter sido estipulado a pedido do vendedor para este poder recorrer a um financiamento.

Com efeito, e em termos essenciais, a decisão recorrida ponderou que:
“…
No caso, como da matéria do probatório resulta, a AT carreou para os autos, a existência de contrato promessa de compra e venda outorgado em 11/01/2001, onde foi mencionado tal preço de compra/venda de 30.000.000$00, e que comparando este valor com o que resulta da posterior escritura de compra e venda, 5.000.000$00, há diferença entre o valor declarado e o valor real (o do contrato de promessa de compra e venda), pelo qual o negócio foi celebrado (pontos A. e B. do probatório) – neste sentido o Acórdão do TCA Sul de 05/03/2013, processo 05688/12.
Com efeito, a Administração Tributária cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia de demonstração ter ocorrido simulação do preço.
O que impugnante diz é que o valor que consta do contrato de promessa de compra e venda foi indicado a pedido do vendedor Sr. L….
Ora, se por um lado não nega, antes confirma que existiu tal contra de promessa de compra e venda, como também não nega que nesse contrato foi indicado o preço de venda do imóvel de 30.000.000$00, cabia-lhe então provar o que alega, ou seja que tal valor ocorreu a pedido do vendedor para este poder recorrer a um financiamento.
Bem andou, pois, a Administração Fiscal ao proceder à liquidação adicional dos tributos vindos de impugnar. …”.

Nas suas alegações, o Recorrente impugna a decisão quanto aos factos, por entender-se que existiu erro na apreciação da prova produzida, pois que a decisão deveria ter sido no sentido da procedência total da impugnação, na medida em que o recorrente adquiriu uma parcela de terreno para construção urbana e a liquidação impugnada foi praticada com base no convencimento de que a venda teria ocorrido pelo preço de Esc. 30.000.000$00, sendo que o Fisco operou com esse valor por o mesmo constar do contrato promessa que foi celebrado, valor que foi inscrito no contrato promessa a pedido do promitente vendedor – L… - para efeito de o habilitar a recorrer a um financiamento bancário, o que significa que a transacção foi efectuada pelo valor declarado de Esc. 5 000.000.$00 e o recorrente pagou o imposto com base no valor que foi fixado na avaliação - Esc. 7.035.000$00 - por este ser superior ao valor de pagamento efectivamente suportado, além de que o recorrente só adquiriu a posse e fruição do terreno depois de ter sido celebrada a escritura, de modo que, uma vez que o recorrente pagou o imposto de acordo com o valor fixado pela AT e que este é superior ao valor do preço envolvido na transacção, foi escrupulosamente cumprida a Lei e o valor indicado no contrato promessa não tem qualquer relevância por corresponder a uma ficção.
Ora, a impugnação foi decidida improcedente, em síntese, com base no seguinte: «O que o impugnante diz é que o valor que consta do contrato de promessa de compra e venda foi indicado a pedido do vendedor Sr. L…. Ora, se por um lado não nega, antes confirma que existiu tal contrato de promessa de compra e venda, como também não nega que nesse contrato foi indicado o preço de venda do imóvel de 30.000.000$00, cabia-lhe então provar o que alega, ou seja que tal valor ocorreu a pedido do vendedor para este poder recorrer a um financiamento.», sendo de notar que foi o próprio Tribunal que avaliou como desnecessária a produção da prova testemunhal e o recorrente entendeu que essa avaliação do Tribunal significava que a prova documental era suficiente para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Estranhamente escreveu-se na Sentença que o impugnante não produziu a prova que lhe competia, sem que seja feita referência ao facto de ter sido o próprio Tribunal que entendeu desnecessário produzir a prova que o impugnante se propunha fazer, verificando-se que o impugnante anunciou na sua PI o propósito de inquirir várias testemunhas, sendo que uma delas era o vendedor L… e como é perfeitamente plausível essas testemunhas prestariam todos os esclarecimentos que segundo a Sentença deviam ter sido prestados, o que só não sucedeu por o Tribunal ter comunicado ao impugnante a inoportunidade de serem inquiridas as testemunhas por si arroladas, pelo que, a Sentença erra quanto à apreciação dos factos precisamente por estes terem sido deficientemente apurados, pois que se a prova tivesse sido produzida de acordo com a tramitação normal do processo de impugnação judicial, designadamente com a habitual inquirição das testemunhas arroladas, a Sentença seria no sentido da procedência da impugnação, o que implica a revogação da Sentença recorrida e a baixa do processo à primeira instância para que sejam inquiridas as testemunhas arroladas na PI.
É que as mesmas só não foram ouvidas no momento próprio em virtude do equívoco originado pelo anúncio da irrelevância dos depoimentos que viessem a ser prestados, ou seja, atento o teor da Sentença, ou o Tribunal mudou ulteriormente de opinião ou o impugnante entendeu mal a notificação sobre a inadequação da produção de prova testemunhal, sendo que, de qualquer modo, o Tribunal tem o poder/dever de oficiosamente desencadear todas as iniciativas aptas à produção de uma sentença justa e conforme com o bloco da legalidade, o que manifestamente não se verificou.

Que dizer?
Como é sabido, no caso em apreciação, está em causa a liquidação adicional de SISA em função da existência de contrato promessa de compra e venda de valor superior ao constante da escritura de compra e venda.

Por outro lado, tal como refere a decisão recorrida, certamente por referência ao exposto no Ac. do TCA Sul 05-03-2013, Proc. nº 05688/12, www.dgsi.pt, “… no âmbito do anterior CIMSISD, as normas do art.º 19.º, nas suas várias alíneas e números, apenas mandava atender ao maior dos valores entre o preço convencionado e o resultante do rendimento colectável, havendo-o, não se prevendo sequer, que pudesse existir mais de um preço convencionado, em que houvesse lugar à aplicação daquele de valor mais elevado, nem mesmo para efeitos de sisa.
Porém, nos termos do disposto nos art.ºs 58.º e 63.º da LGT, à AT são conferidos poderes de descoberta da verdade material da situação tributária dos contribuintes, podendo proceder à correcção das declarações de rendimentos dos contribuintes bem como, nos termos do disposto no art.º 39.º da LGT, proceder à desconsideração do valor indicado como preço de compra/venda de certo imóvel constante em escritura pública, por esse facto não ser da directa percepção da entidade que procedeu à feitura dessa escritura, resultando das declarações dos outorgantes que a mesma não pode controlar, sem necessidade de, previamente, haver decisão judicial que declare a nulidade de tal acto ou contrato …
Contudo, para tal desconsideração do preço declarado em certa escritura pública de compra/venda, carece a AT de carrear elementos certos e seguros que demonstrem com um elevado grau de certeza que o montante do preço declarado não teve aquela dimensão quantitativa mas sim uma outra superior, o que pode ser efectuado através de indícios, desde que certos e seguros, donde deles se possa extrair, tal simulação no preço, facto que é constitutivo do direito à liquidação por banda da AT por tal preço superior e cujo ónus da prova não pode deixar de recair sobre a mesma, nos termos do n.º1 do art.º 74.º da mesma LGT, como bem se decidiu na sentença recorrida, o que de resto constitui jurisprudência pacífica, designadamente do STA. …”

Com este pano de fundo, e de acordo com o probatório, é ponto assente que a AT demonstrou a existência de contrato promessa de compra e venda outorgado em 11/01/2001, onde foi mencionado tal preço de compra/venda de 30.000.000$00, e que comparando este valor com o que resulta da posterior escritura de compra e venda, 5.000.000$00, há diferença entre o valor declarado e o valor real (o do contrato de promessa de compra e venda), pelo qual o negócio foi celebrado, de modo que, e sem mais, tem de dizer-se que a AT cumpriu dom o ónus probatório que sobre si impendia de demonstração da existência de simulação do preço.

Pois bem, lendo a petição inicial, é possível apreender que o Impugnante não coloca em crise os elementos acima descritos, pretendendo, no entanto, discutir a leitura dos mesmos, com destaque para o valor inscrito no contrato promessa, sustentando que o mesmo não tem qualquer ligação com a realidade efectivamente a considerar, na medida em que o mesmo apenas foi inscrito a pedido do Sr. L… por ter necessidade de recorrer a um financiamento bancário.
A partir daqui, ganha acuidade a crítica do Recorrente quando aponta que a decisão recorrida refere que o impugnante não produziu a prova que lhe competia, sem que seja feita referência ao facto de ter sido o próprio Tribunal que entendeu desnecessário produzir a prova que o impugnante se propunha fazer, verificando-se que o impugnante anunciou na sua PI o propósito de inquirir várias testemunhas, sendo que uma delas era o vendedor L….
Antes de avançar, não pode deixar de notar-se que em 26-05-2009 foi proferido despacho nos autos nos seguintes termos:
“Analisando a Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, constatamos que as questões a decidir são essencialmente de direito, e a decisão a proferir passa pela análise dos documentos, juntos aos autos.
Contudo, atendendo ao princípio da cooperação previsto no art. 266.º, n.º 2 do CPC, aplicável “ex vi” al e) do art. 2.º do CPPT, notifique o(a) Impugnante para, em 10 dias, esclarecer se mantém interesse na produção da prova testemunhal e, na afirmativa, indicar os factos (sem suporte documental junto aos autos) sobre os quais hão-de versar os depoimentos requeridos, por referência ao articulado.” (fls. 32 dos autos).
Na sequência da notificação do despacho referido em I., o Impugnante juntou requerimento aos autos nos termos do qual prescinde da inquirição das testemunhas por si arroladas (fls. 34 dos autos).

Ora, na situação em apreço, e com referência à questão nuclear apontada nos autos, ou seja, saber se o valor inscrito no contrato promessa não tem qualquer ligação com a realidade efectivamente a considerar, na medida em que o mesmo apenas foi inscrito a pedido do Sr. L… por ter necessidade de recorrer a um financiamento bancário, é manifesto que tal situação pode ser demonstrada por testemunhas nos termos preconizados pelo Recorrente.

Ora, neste domínio relacionado com a não consideração das diligências de prova requeridas, cabe notar que eventual vício formal pelo facto de o Tribunal não ter considerado ou ter prescindido da produção da prova apontada pelas partes fulminado com a nulidade esta não poderá deixar de ser de natureza secundária, na medida em que da sua realização, enquanto um acto ou uma formalidade prescrita por lei, pudessem resultar elementos susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa, integrando, assim, como se referiu, uma nulidade secundária, à luz do que preceitua o art.º 201º do CPC, por não abrangida pelos artigos que o precedem, a invocar/arguir nos termos do subsequente art.º 205.º do mesmo compêndio legal.
Por outro lado, dúvidas, também, não subsistem que, não dispondo o CPPT, de regime próprio relativamente às nulidades secundárias, estas terão de ser analisadas à luz do que, a respeito delas, se dispõe no dito C. Proc. Civil, por imposição do, também, referido art.º 2.º/e do CPPT. …”.
Diga-se ainda que a consideração de qualquer vício de forma neste âmbito exigiria que as diligências em apreço fossem impostas, tal como se refere no Ac. do TCA Sul de 06-10-2010, Proc. nº 03603/09, ao que se crê ainda inédito, “no sentido de inexoravelmente vinculadas, ou no dizer do preceito, prescrita por lei, para além de poder influir no exame ou na decisão da causa; Ou seja, e ao que aqui releva, para além de ter de se tratar de formalidade omitida cuja ausência não assegure, no dizer do Prof. A. dos Reis Cfr. Comentário ao CPC , vol. II , 481 e segs.. “(...) a instrução , a discussão e o julgamento regular do pleito”, assim devendo ser entendida a exigência de que a “(...) irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa” tem, ainda, de se tratar de formalidade imposta por lei Como diz aquele mestre, no mesmo local, ainda que a propósito das nulidades desde logo decretadas por lei; “A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a)Quando a lei expressamente a decreta;
b)Quando a irregularidade cometida posa influir no exame ou na decisão da causa.
O primeiro caso não levanta dúvidas. Se a lei declara, em termos explícitos, que determinado acto não poderá ser praticado, sob pena de nulidade, ou impõe a prática de um acto (...) não há que averiguar se (...) é ou não susceptível de influir no exame e decisão da causa (...); o tribunal tem de inclinar-se perante o império da lei, tem de decretar a anulação pura e simplesmente.
(...).
O 2.º caso em que a infracção formal tem relevância deixa ao juiz um largo poder de apreciação. (...)”.(sublinhado da nossa responsabilidade). , no sentido de a verificação de tal formalidade não estar, em circunstância alguma, sujeita a avaliação, segundo critérios de oportunidade, por parte do juiz.”.

É sabido que o processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT.

Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam - posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) - pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.

O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392.º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393.º, 394.º e 395.º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.

Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Nesta linha de raciocínio, resulta claro que a dispensa, a não produção de quaisquer diligências de prova não implica uma violação de qualquer acto/formalidade imposta por lei, já que é a própria lei que expressamente atribui ao juiz a faculdade de dela poder prescindir e não se vislumbra compatível que, de um passo, se confira ao juiz o poder de não produzir prova requerida pelas partes litigantes e, de outro e em simultâneo, se sancione a utilização de tal poder com um vício de forma fulminado com a nulidade.
Em todo o caso, e com referência à avaliação do juiz que suporta a sua decisão de não considerar quaisquer diligências de prova pode estar inquinada de erro, isto é, pode ter considerado, à luz das soluções jurídicas que postule como possíveis ao caso em apreciação, que os elementos provados já disponíveis eram bastantes e suficientes, sem que tal tenha, efectivamente, aderência à realidade, matéria em que nos deparamos, tal como se refere no Ac. acima referido, não com um vício de forma mas, antes e de facto, de fundo consubstanciado em erro de julgamento nessa medida inquinando o valor doutrinal da decisão proferida sem que tenha o apoio da prova prescindida.

Assim, na situação dos autos, e em função do que fica exposto, mesmo considerando os elementos relacionados com a tramitação do processo, não se vê como negar razão ao recorrente no que concerne à alegada violação do princípio do inquisitório, que não em razão de nulidade processual, pois que, não obstante, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório, com vista a um correcto e definitivo apuramento dos factos.
É o que se passa, assim o julgamos, no caso dos autos, porquanto, não pode afirmar-se que o impugnante não produziu a prova que lhe competia, quando nada se diligenciou no sentido de lhe permitir produzir toda a prova arrolada, sendo certo que, o princípio do inquisitório, que enforma o processo tributário, impõe que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (cf. artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT), não estando sequer limitado às provas que as partes apresentarem ou requererem.
Ora, o art. 712.º do C. Proc. Civil (actual art. 662º), ao fixar perspectiva e orientação para o julgamento, por parte do tribunal de recurso, da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, prevê, no respectivo nº 4, a hipótese de esta ser anulada sempre que se “repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando (se) considere indispensável a ampliação desta”. Trata-se da conferência de uma faculdade processual, coberta pela força das decisões proferidas por tribunais de grau hierárquico superior, tendente a, por princípio, permitir buscar todos os dados factuais disponíveis, com potencial interesse e relevo para um julgamento o mais acertado possível das pretensões formuladas pelas partes numa concreta demanda judicial, que, no âmbito específico da jurisdição tributária, pressupõe particular enfoque e atenção, por virtude do privativo ónus que impende sobre os juízes dos tribunais tributários de realizar ou ordenar todas as diligências consideradas úteis ao apuramento da verdade material - cfr. arts. 13º n.º 1 CPPT e 99º nº 1 LGT. Não se olvide, ainda, que é no estabelecimento da matéria de facto relevante que o juiz exercita o núcleo, a excelência, do seu múnus, é nesse momento que tem de fazer jus à sua condição de julgador, que se lhe impõe o acertado e responsável exercício do poder de julgar, aqui ao serviço da melhor, mais justa e equitativa, apreensão e tradução da realidade, da verdade, dos factos, com relação aos quais importa, sequentemente, aplicar o direito, tarefa, sobretudo, de cariz e apuro técnico (acessível, pois, a qualquer cultor do direito), determinada, condicionada, pelo quadro factual previamente traçado.
A partir daqui, e perante o que ficou exposto, tem de entender-se que a matéria relacionada com o valor inscrito no contrato promessa não está suficientemente esclarecida quer em relação ao alcance que a decisão recorrida lhe confere quer no que diz respeito à pertinência da crítica formulada pela Recorrente neste âmbito.
Nestas condições, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa.
E no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da oposição. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPC (actual art. 662º).
Ora, não constando da sentença, nem dos autos, elementos que permitam ao tribunal “ad quem” reapreciar o invocado erro nos pressupostos de facto em relação à liquidação impugnada, tem de concluir-se que os autos padecem de défice instrutório, determinante da anulação da sentença recorrida (artigo 712.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT) e da remessa dos autos ao tribunal “a quo” com vista à cabal averiguação da realidade alegada pelo impugnante no domínio em apreço, indispensável à boa decisão da causa e posterior decisão em conformidade.

4. DECISÃO
Nestes termos, na improcedência da questão da prescrição, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, devolvendo-se o processo ao Tribunal de 1ª instância para instrução e demais termos de acordo com o que fica exposto.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 14 de Julho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves