Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02758/13.8BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/30/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Canelas
Descritores:DELEGAÇÃO DE PODERES – NORMA HABILITANTE – AUTARQUIA LOCAL – CONTRA-ORDENAÇÕES URBANISTICAS
Sumário:I – Pela delegação de poderes um órgão, legalmente habilitado para o efeito, permite que outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria, consubstanciando, assim, um ato pelo qual um órgão opera uma transferência de poderes para o exercício normal de uma competência cuja titularidade lhe pertence, primária ou originariamente, transferência de poderes que se opera dentro do mesmo ente administrativo.

II - Como decorre do inciso “sempre que para tal estejam habilitados por lei”, constante disposto no nº 1 do artigo 35º do CPA/91, a possibilidade da delegação de poderes depende de a lei a prever, e sem essa habilitação legal o ato de delegação de poderes é nulo por traduzir uma renúncia ou alienação de competência não admitida.

III – A norma do artigo 98.º n.º 10 do RJUE (DL. nº 555/99) não é excludente da disposição do artigo 70º nº 3 alínea m) da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99), a qual expressamente consagra a possibilidade de as competências para a determinação da instrução de processos de contraordenação e para a designação do respetivo instrutor, poderem ser delegadas ou subdelegadas no pessoal dirigente.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., LDA.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
A., LDA. (devidamente identificado nos autos) autor na ação administrativa especial que instaurou contra o MUNICÍPIO DE (...)na qual impugnou os seguintes atos, ali assim identificados: (1) o ato de delegação de poderes constante do Despacho n.º 070/PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) em 22/11/2005, no que concerne aos poderes indicados no ponto 9 do mesmo; (2) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 157/2011-VEF, praticado pela Vereadora E. em 25/02/2011, no que concerne aos poderes indicados na alínea c) do ponto 4 da parte I do mesmo, e (3) o ato de delegação de poderes constante do Despacho n.º 56/2013-PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) em 21/01/2013, no que concerne aos poderes indicados na Parte II do mesmo; (4) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 166/2011, praticado pelo Diretor de Departamento J. em 03/03/2011, no que concerne aos poderes indicados na parte II do mesmo (…); (5) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 65/2013, praticado pelo Diretor de Departamento J. em 22/01/2013, no que concerne aos poderes indicados na parte II do mesmo, peticionando a sua declaração de nulidade ou inexistência e bem assim a condenação do réu Município a praticar todos os atos e operações materiais que se revelarem necessários à reconstituição da situação atual hipotética à data da execução da sentença anulatória – inconformada com a sentença datada de 15/02/2019 (fls. 339 SITAF) do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (para o qual o processo foi remetido na sequência de decisão de incompetência em razão do território proferida em 30/11/2015, a fls. 137 SITAF, pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, onde a ação foi instaurada, da qual, já que muito embora dela tenha sido interposto recurso para o TCA Sul o mesmo não foi admitido por acórdão daquele Tribunal de 06/10/2016 – fls. 174 SITAF) que julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo o réu dos pedidos, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 365 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1.ª O presente recurso de apelação tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferida a 15 de Fevereiro de 2018, que julgou improcedente a presente acção, sendo o sentido desta decisão, bem como toda a fundamentação aduzida, o objecto do presente recurso.
2.ª Ao contrário do que julgou o Tribunal a quo, a competência para determinar a instauração do processo contra-ordenacional e a competência para designar o respectivo instrutor, previstas no n.º 10 do artigo 98.º do RJUE e relativas ao universo de contra-ordenações urbanísticas que este artigo 98.º prevê, não podem ser delegadas nos dirigentes dos serviços municipais.
3.ª Não tendo sido disputada qualquer matéria de facto (tornando-se relevante para o presente recurso somente a matéria de direito), verifica-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo se encontra ferida de erro na aplicação do Direito, ao não interpretar o enunciado normativo que se retira do artigo 98.º, n.º 10 do RJUE no sentido da não permissão de delegação da competência de instauração do processo de contra-ordenação e de designação do respectivo instrutor, que pertence ao presidente da câmara municipal, nos serviços municipais.
4.ª Assim, não deveria ter sido interpretada a referida disposição legal no sentido de a mesma não impedir a aplicação dos artigos 68.º, n.º 2, alínea p) e 70, n.º 3, alínea m) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, comummente conhecida por Lei das Autarquias Locais, que permitem, de forma evidente, a delegação da competência de instauração do processo contra-ordenacional e de designação do respectivo instrutor nos serviços municipais.
5.ª A decisão do Tribunal a quo deveria partir dos elementos da interpretação da norma jurídica e, por isso, determinar como somente delegável nos membros do órgão colegial executivo a competência emergente do artigo 98.º, n.º 10, do RJUE: o elemento histórico demonstra que o legislador sempre considerou premente fixar esta competência nos regimes jurídicos especificamente criados para o licenciamento de operações urbanísticas (ao passo que nada previa nos diplomas aplicáveis à organização e funcionamento das autarquias locais); o elemento literal da norma, associado ao sistemático, demonstra que serão somente membros da câmara municipal aqueles que fazem parte do órgão colegial com competências deliberativas e executivas; o elemento teleológico ou, melhor, a sua ratio prende-se com a superior complexidade técnica das contra-ordenações urbanísticas, a maior amplitude das molduras sancionatórias, a necessidade de garantia dos particulares e de responsabilização dos órgãos municipais.
6.ª Assim, todos os actos praticados pelo MUNICÍPIO DE (...) e que vêm expressamente impugnados na presente acção administrativa especial, isto é, os actos de delegação de competências e todos os actos praticados ao abrigo de tais operações, estão feridos de invalidade administrativa: os primeiros são nulos, visto que envolvem a disposição para os dirigentes dos serviços municipais de competências que, pela sua natureza e por força do RJUE, somente poderiam ser delegadas nos vereadores; os segundos são inexistentes uma vez que (i) são consequentes de actos juridicamente nulos, (ii) são praticados por um agente (e não por um órgão) que, por natureza, é insusceptível de manifestar uma vontade imputável à Administração, e (iii) têm por objecto uma disposição impossível ou, no mínimo, ilegal de competências administrativas.
7.ª Em suma, a Sentença deve ser revogada pelo Tribunal ad quem e substituída por uma decisão que declare procedentes os pedidos apresentados pela Autora, mais precisamente que declare nulos ou inexistentes os seguintes actos constantes dos seguintes despachos: Despacho n.º 070/PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), em 22 de Novembro de 2005; Despacho n.º 157/2011-VEF, praticado pela Vereadora E., em 25 de Fevereiro de 2011; Despacho n.º 56/2013-PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), em 21 de Janeiro de 2013; Despacho n.º 166/2011, praticado pelo Director de Departamento J., em 3 de Março de 2011; Despacho n.º 65/2013, praticado pelo Director de Departamento J., em 22 de Janeiro de 2013.

O recorrido MUNICÍPIO DE (...) contra-alegou (fls. 394 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
A. Os despachos impugnados não enfermam do vicio de incompetência, porquanto foram proferidos ao abrigo de lei habilitante e com autorização de subdelegação.
B. Não houve violação de normas jurídicas nem de princípios, tendo o Tribunal a quo feito uma interpretação correcta do Direito.
C. O Tribunal a quo não violou as regras de interpretação, porquanto o RJEU não prevalece sobre a LAL.
D. A norma da Lei das Autarquias Locais, que permite delegação de competências em termos amplos e sem as limitações pretendidas pela recorrente, em nada foi contrariada por qualquer das disposições do invocado RJUE.
E. Por outro lado, não pode a recorrente extrair do silêncio da lei, uma proibição, que até é contrariada pelo regime consagrado numa lei com valor reforçado.
F. Por último, a LAL (art.º 68 n.º2 al. p) e artigo 70 n.º3 al. m)) permite de forma cristalina que o Presidente da Camara ou os vereadores possam delegar ou subdelegar nos dirigentes dos serviços, as competências para determinar a instrução de processos de contra-ordenação e designar instrutor.
G. A sentença recorrida ora em crise, também não padece de qualquer vicio ou erro de julgamento que imponha a sua revogação e substituição, devendo manter-se nos seus exactos termos.
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Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.
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Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O presente recurso vem interposto de sentença do Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido impugnatório dirigido aos identificados atos de delegação e de subdelegação de poderes.
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA, em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as respetivas conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artigos 98.º, n.º 10 do RJUE (DL. nº 555/99) e 68.º, n.º 2, alínea p) e 70, n.º 3, alínea m) da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99)
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

O Mmº Juiz a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:
A) Por despacho n.º 070/PRES de 22 de Novembro de 2005, o Presidente da Câmara Municipal de (...) determinou o seguinte [cf. documento n.º 1 junto com a PI]:
“(…) Tendo em vista conferir maior celeridade e eficiência no funcionamento dos serviços, ao abrigo do estatuído no artigo 70° da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, dos artigos 35.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n." 442/91 de 15 de Novembro, e tendo presente o constante no meu Despacho n.º 062/PRES de 2005-11-03, delego e subdelego na licenciada P., Chefe da Divisão Jurídica, os seguintes poderes e competências, no âmbito da respectiva unidade orgânica (…) 9. Determinar a gestão e instrução dos procedimentos e processos a cargo do serviço, incluindo os de contra-ordenação, bem como nomear o respectivo instrutor, tomar todas as medidas que visem acelerar a respectiva conclusão, bem como assegurar a execução das respectivas decisões, incluindo entre outras, as notificações. mandados e pedidos de parecer a entidades ou organismos externos e a publicitação dos actos administrativos quando obrigatórios (…)”
B) Em 19 de Maio de 2007, a Chefe de Divisão Jurídica, a Dra. P., ao abrigo da delegação de poderes identificada na alínea antecedente, determinou a instauração de processo de contra-ordenação contra a Autora, tendo posteriormente designado como instrutora a Dra. Carla Santos [cf. admissão por acordo];
C) Por despacho n.º 157/2011-VEF, de 25 de Fevereiro de 2011, a Vereadora da Câmara Municipal de (...), E., determinou o seguinte [cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial]:
“(…) Tendo em vista conferir maior celeridade e eficiência ao funcionamento dos serviços, ao abrigo do estatuído no artigo 70.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, dos artigos 35.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, e do constante na alínea f) do ponto III do Despacho do Senhor Presidente da Câmara, n.º 63/2011, de 13 de Janeiro, delego e subdelego no licenciado J., Director do Departamento de Gestão Administrativa e Informação Municipal, os seguintes poderes e competências, no âmbito da respectiva unidade orgânica: (…) 4 – Outras áreas de actividade: (…) c) as competências para determinar a instauração, instrução e nomeação de instrutor, realização de actos instrutórios e demais diligências de carácter instrumental, no âmbito dos processos de contra-ordenação, bem com a tomada de todas as medidas com vista à sua rápida conclusão e apresentação a decisão, assim como assegurar a execução das respectivas decisões (…) II Fica o Director do Departamento de Gestão Administrativa e Informação Municipal autorizado a subdelegar nos Chefes de Divisão do Departamento, as competências ora delegadas e subdelegadas (…)”;
D) Por despacho n.º 166/2011, de 3 de Março de 2011, o Director de Departamento de Gestão Administrativa e Informação Municipal da Câmara Municipal de (...) determinou, sob a epígrafe “Subdelegação de competências”, além do mais, o seguinte [cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]:
“Nos termos do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 93/2004, de 20 de Abril, e nos artigos 35.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, e considerando ainda as competências que me foram subdelegadas através do Despacho n.º 157/2011, de 2011.02.25, subdelego na Sr. Chefe de Divisão da Divisão Jurídica, Dr.ª P., os seguintes poderes e competências, no âmbito da respectiva divisão. (…) II – São, igualmente, subdelegadas na Sr.ª Chefe de Divisão as competências para determinar a instauração, instrução, nomeação de instrutor, realização de actos instrutórios e demais diligências de carácter instrumental, no âmbito dos processos de contra-ordenação, bem como a tomada de todas as medidas com vista à sua rápida conclusão e apresentação a decisão, assim como assegurar a execução das respectivas decisões (…)”;
E) Em 15 de Abril de 2011, a Chefe da Divisão Jurídica, a Dr.ª P., ao abrigo da subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 166/2011 praticado pelo Director de Departamento de Gestão Administrativa em 3 de Março de 2011, designou como instrutora do processo a Dr.ª A. [cf. admissão por acordo];
F) Por despacho n.º 56/2013 – PRES de 21 de Janeiro de 2013, o Presidente da Câmara Municipal de (...) determinou o seguinte [cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]:
“(…) Considerando que se encontra já institucionalizada a Divisão Jurídico-Administrativa do Serviço de Policia Municipal pelo que se torna urgente a adoção de medidas com vista a implementar a sua entrada em actividade plena; Considerando que se encontra já a decorrer procedimento com vista à oportuna nomeação da estrutura dirigente do Serviço de Polícia Municipal; Considerando que se torna necessário assegurar a adequada transição dos serviços e actividades da extinta Divisão Jurídica para a Divisão Jurídico Administrativa, determino que: A – O Director do Departamento de Gestão Administrativa, licenciado J. (…) São-lhe igualmente delegadas as competências para determinar a instauração, instrução nomeação de instrutor, realização de atos instrutórios e demais diligências de carácter Instrumental, no âmbito dos processos de contraordenação, bem como a tomada de todas as medidas com vista à sua rápida conclusão e apresentação a decisão, assim como assegurar a execução das respetivas decisões, e ainda, a realização de notificações, mandados e pedidos de parecer a entidades e organismos externos e a publicitação dos atos administrativos quando obrigatórios. (…) IV Fica o delegante autorizado a subdelegar na Sr.ª Chefe da Divisão Jurídico-Administrativa as competências ora delegadas e subdelegadas (…)”
G) Por despacho n.º 65/2013 de 21 de Janeiro de 2013, o Director de Departamento de Gestão Administrativa da Câmara Municipal de (...) determinou o seguinte [cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]:
“(…) Nos termos do disposto no artigo 16.º da Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto, e nos artigos 35.º seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, e considerando ainda as competências que me foram delegadas e subdelegadas através do Despacho n.º 56/2013, de 2013.01.21, subdelego na Sra. Chefe da Divisão Jurídico-Administrativa, Dr.ª A., os seguintes poderes e competências: (…) II São-lhe igualmente subdelegadas as competências para determinar a instauração, instrução nomeação de instrutor, realização de atos instrutórios e demais diligências de carácter instrumental, no âmbito dos processos de contraordenação, bem como a tomada de todas as medidas com vista à sua rápida conclusão e apresentação a decisão (…)”
H) Em 28 de Janeiro de 2013, a Chefe da Divisão Jurídica, a Dr.ª A., ao abrigo da delegação de poderes constante do Despacho n.º 65/2011 praticado pelo Director de Departamento de Gestão Administrativa em 22 de Janeiro de 2013, designou como instrutora do processo a Dr.ª M. [cf. admissão por acordo].
I) Em 26 de Abril de 2013, a instrutora do processo de contra-ordenação 398/CO/2007, M., elaborou o relatório de instrução no âmbito do qual propôs a aplicação à Autora de uma coima no valor de EUR 50.000,00 [cinquenta mil euros], nos termos do artigo 17.º, n.º 2, artigo 54.º e 58.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro [cf. documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
J) Por despacho de 26 de Abril de 2013, exarado sobre o relatório identificado na alínea antecedente, a Chefe da Divisão de Gestão Administrativa da Câmara Municipal de (...) determinou o seguinte: “De acordo. À Consideração do Sr. Director (despacho n.º 136/2013, de 23-04-2013)” [cf. documento n.º 6 junto com a petição inicial];
K) Por despacho de 29 de Abril de 2013, exarado sobre o relatório e parecer identificados na alínea antecedente, o Director de Departamento de Gestão Administrativa da Câmara Municipal de (...) determinou o seguinte: “Ao Senhor Presidente. Concordo com o proposto (despacho n.º 142/2013, de 24-04-2013)” [cf. documento n.º 6 junto com a petição inicial];
L) Por despacho de 13 de Maio de 2013, exarado sobre o relatório e pareceres identificados nas alíneas antecedente, o Presidente da Câmara Municipal de (...) determinou o seguinte: “De acordo com os elementos constantes nos autos e considerando o relatório de instrução e proposta de decisão da instrutora, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e que fazem parte integrante da presente decisão, aplico à arguida baixo identificada a coima de € 50.000,00 (cinquenta mil euros)” [cf. documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
M) Com data de entrada de 20 de Junho de 2013, a ora Autora apresentou impugnação judicial contra a decisão melhor identificada na alínea antecedente, a qual corre termos no 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures sob o n.º 2938/13.6TALRS, encontrando-se suspenso a aguardar decisão a proferir nos presentes autos [cf. documentos n.º 7 e 8 juntos com a petição inicial].
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B – De direito

1. Da decisão recorrida
Pela sentença recorrida o Mmº Juiz do Tribunal a quo julgou improcedente o pedido impugnatório dirigido aos atos de delegação de poderes ali assim identificados: (1) o ato de delegação de poderes constante do Despacho n.º 070/PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) em 22/11/2005, no que concerne aos poderes indicados no ponto 9 do mesmo; (2) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 157/2011-VEF, praticado pela Vereadora E. em 25/02/2011, no que concerne aos poderes indicados na alínea c) do ponto 4 da parte I do mesmo, e (3) o ato de delegação de poderes constante do Despacho n.º 56/2013-PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) em 21/01/2013, no que concerne aos poderes indicados na Parte II do mesmo, (4) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 166/2011, praticado pelo Diretor de Departamento J. em 03/03/2011, no que concerne aos poderes indicados na parte II do mesmo (…); (5) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 65/2013, praticado pelo Diretor de Departamento J. em 22/01/2013, no que concerne aos poderes indicados na parte II do mesmo.

2. Da tese da recorrente
A recorrente propugna pela revogação da sentença recorrida, e sua substituição por decisão que julgando procedente a ação declare nulos os três primeiros identificados atos de delegações de competências, por envolverem, nas suas palavras, a disposição para os dirigentes dos serviços municipais de competências que, pela sua natureza e por força do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), somente poderiam ser delegadas nos vereadores e inexistentes os outros dois por serem consequentes de atos juridicamente nulos e praticados por um agente (e não por um órgão) que, por natureza, é insuscetível de manifestar uma vontade imputável à Administração, e terem por objeto uma disposição impossível ou, no mínimo, ilegal de competências administrativas.
Sustenta para tanto, nos termos que expõe nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões, que a sentença recorrida se encontra ferida de erro na aplicação do Direito, ao não interpretar o enunciado normativo que se retira do artigo 98.º, n.º 10 do RJUE no sentido da não permissão de delegação da competência de instauração do processo de contraordenação e de designação do respetivo instrutor, que pertence ao presidente da câmara municipal, nos serviços municipais; que ao contrário do que julgou o Tribunal a quo, a competência para determinar a instauração do processo contraordenacional e a competência para designar o respetivo instrutor, previstas no n.º 10 do artigo 98.º do RJUE e relativas ao universo de contraordenações urbanísticas que este artigo 98.º prevê, não podem ser delegadas nos dirigentes dos serviços municipais e que não deveria ter sido interpretada a referida disposição legal no sentido de a mesma não impedir a aplicação dos artigos 68.º, n.º 2, alínea p) e 70, n.º 3, alínea m) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro (Lei das Autarquias Locais), defendendo que para tanto apontam o elemento histórico, o elemento literal e sistemático e ainda o elemento teleológico da norma do n.º 10 do artigo 98.º do RJUE.

3. Da análise e apreciação da questão
3.1 Na sentença recorrida o Mmº Juiz a quo delimitou o objeto da ação definindo que a questão principal a solucionar passava por aferir da possibilidade de delegação e subdelegação nos serviços municipais e respetivos dirigentes dos poderes de instauração de processo de contraordenação em matéria urbanística e nomeação do respetivo instrutor.
E tendo por base a matéria de facto que deu como provada, que não vem impugnada no recurso, enfrentou nos seguintes termos, que se passam a transcrever:
«(…)
Dispunha, a este título, o artigo 35.º do Código de Procedimento Administrativo na redacção anterior à entrada em vigor ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro, sob a epígrafe “Da delegação de poderes”, que:
“1 - Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria.
2 - Mediante um acto de delegação de poderes, os órgãos competentes para decidir em determinada matéria podem sempre permitir que o seu imediato inferior hierárquico, adjunto ou substituto pratiquem actos de administração ordinária nessa matéria.
3 - O disposto no número anterior vale igualmente para a delegação de poderes dos órgãos colegiais nos respectivos presidentes, salvo havendo lei de habilitação específica que estabeleça uma particular
repartição de competências entre os diversos órgãos.”

Ora, como se sabe, esta delegação de poderes, enquanto instrumento de desconcentração administrativa, trata-se de um acto pelo qual o órgão [legalmente habilitado para o efeito] permite que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria ou, por outras palavras, um acto pelo qual um órgão transfere para outro o poder de exercício normal de uma competência cuja titularidade lhe pertence [primária ou originariamente] [cf. MARCELLO CAETANO, in Manual de Direito Administrativo, I, Almedina, pp. 226].
Todavia, conforme alertavam já MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e PACHECO DE AMORIM [in Código de Procedimento Administrativo Anotado, 2007, pp. 215]: “(…) a possibilidade da delegação de poderes (…) depende de a lei a prever. Sem essa habilitação, a delegação é ilegal – nula, por envolver uma renúncia ou alienação de competência, ficando os actos que venham a praticar-se ao abrigo dela feridos também do vício de incompetência (gerador de anulabilidade ou de nulidade, consoante os casos). A exigência de habilitação legal tem mesmo consagração constitucional (art. 114.º, n.º 2, em relação à competência administrativa dos órgãos de soberania das Regiões Autónomas e do Poder Local (…)”
Assim sendo, importa, portanto, antes de mais, aferir quais os requisitos ou parâmetros a que deve obedecer a delegação de poderes e que, no fundo, se reconduzem [vide, entre outros, MÀRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, in Direito Administrativo, Vol. 1, 1980, pp. 268 e seguintes e FREITAS DO AMARAL, in Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, 2006, pp. 838 e seguinte] aos seguintes:
(1) Existência de uma lei que confira competência para delegar [35.º, n.º 1, do CPA];
(2) Existência de um concreto e expresso acto de delegação, do qual constem os específicos poderes que são delegados ou subdelegados [37.º, n.º 1, do CPA];
(3) Publicação do acto de delegação e sub-delegação [37.º, n.º 2, do CPA].
Ora, no caso dos autos, como é bom de ver, a Autora apenas sindica o primeiro daqueles requisitos [ausência de norma habilitante], pelo que a apreciação deste Tribunal terá necessariamente de se ater a esse mesmo requisito.
Pois bem, no que especificamente concerne à Administração Autónoma Local, dispunha o artigo 68.º, n.º 2, alínea l), da então em vigor Lei n.º 169/99, de 18/09, que:
“2 – Compete ainda ao presidente da câmara municipal:
p) Determinar a instrução dos processos de contra-ordenação e aplicar as coimas, nos termos da lei, com a faculdade de delegação em qualquer dos restantes membros da câmara;”

Neste mesmo sentido, direcciona-se o [ainda] actual Regime Jurídico da Urbanização e Edificação aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, ao preceituar no seu artigo 98.º, n.º 10, que:
“A competência para determinar a instauração dos processos de contra-ordenação, para designar o instrutor e para aplicar as coimas pertence ao presidente da câmara municipal, podendo ser delegada em qualquer dos seus membros”.
Da leitura conjugada dos normativos que ora se acabam de transcrever, logo é possível extrair uma primeira e clarividente conclusão: o Presidente da Câmara Municipal encontra-se natural e legalmente habilitado a delegar o poder de instaurar processo de contra-ordenação e designar o instrutor [competência própria] nos respectivos membros.
Até aqui não há dúvidas.
No entanto, a verdade é que o cerne do presente dissídio reside, em bom rigor, no teor do artigo 70.º, n.º 1 e 3, alínea m), da citada Lei n.º 169/99, de 18/09 que, sob a epígrafe “Delegação de competências no pessoal dirigente”, preceituava que:
“1 - O presidente da câmara ou os vereadores podem delegar ou subdelegar a sua competência no dirigente máximo da respectiva unidade orgânica no que respeita às matérias previstas nas alíneas a), c), g), h), l), r), t), u) e v) do n.º 1 e e), f), h), i), o) e r) do n.º 2 do artigo 68.º
3 - Podem ainda ser objecto de delegação e subdelegação as seguintes matérias:
m) Determinar a instrução de processos de contra-ordenação e designar o respectivo instrutor;”

O Autor, como se viu, considera que estas normas não têm a virtualidade de afastar a aplicação do artigo 98.º, n.º 10 do RJUE, ou melhor, de permitir a delegação ou subdelegação daquelas competências nos dirigentes dos serviços municipais, ao passo que o Réu, considera o contrário, ou seja, que isso é legalmente possível.
Contudo, conforme supra já se teve oportunidade de adiantar, considera-se que não assiste, de todo, razão ao Autor.
Em primeiro lugar, tal como vem sustentado pelo Réu, o facto de o RJUE prever [apenas] a delegação da aludida competência nos respectivos membros [vulgo Vereadores] da Câmara Municipal não tem a virtualidade de afastar a aplicação do referido normativo [artigo 70.º, n.º 3, alínea m)] da Lei das Autarquias Locais [que permite a delegação nos dirigentes dos serviços municipais], seja porque estas soluções da LAL foram deliberadamente mantidas pelo legislador no artigo 38.º, n.º 3, alínea l), da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro [o que só pode significar que o Legislador, ciente da existência daquela norma (aparentemente incompatível) do RJUE, optou por, ainda assim, manter a possibilidade de delegação e subdelegação daquela específica competência nos dirigentes dos serviços municipais (aos quais o anterior DL n° 100/84, de 29.03 apenas permitia delegar a assinatura de certos documentos de expediente)], seja porque a falta de indicação expressa no RJUE da possibilidade de delegação e subdelegação nos dirigentes dos serviços jamais poderia significar, a contrario, o afastamento da Lei geral [cf. neste sentido, em situação com contornos algo semelhantes, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08 de Setembro de 2009, proferido no processo n.º 1060/08-2, acessível em www.dgsi.pt].
Até, porque, tal como se concluiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20 de Outubro de 2008, proferido no processo n.º 1969/08-1, acessível em www.dgis.pt [para cuja fundamentação ora se remete, por uma questão de comodidade de raciocínio lógico], mesmo tendo presente o argumento histórico, seria paradoxal que a Assembleia da República (AR), em Lei de 18 de Setembro [a “LAL”], conferisse um poder de delegação com determinado âmbito [alargado], para vir o Governo, no mesmo ano, apenas cento e um dias mais tarde, derrogar, restringir, tal concessão, no DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro [paradoxo este que sempre sairia reforçado pelo facto de o Governo, no caso do DL n.º 555/99, legislar mediante autorização legislativa da AR, dada para matéria distinta da por si mesma regulada na LAL].
Situação distinta verificar-se-ia, isso sim, se, porventura, o RJUE proibisse expressamente a possibilidade de a competência para a instauração de processos de contra-ordenação ser objecto de acto de delegação nos dirigentes dos serviços municipais.
Todavia, não é esse o caso como o demonstra o seu elemento gramatical.
Em segundo lugar, o facto de o RJUE estipular expressamente os casos em que as competências podem ser delegadas e subdelegadas [nos vereadores ou nos dirigentes dos serviços municipais; cf. artigos 5.º, 8.º, n.º 2, 11.º, n.º 10, 36.º, n.º 1, 75.º, 94.º, n.º 1 e 117.º, n.º 2], não significa, uma vez mais, que, a contrario, isto é, em caso de silêncio, se tenha pretendido afastar a solução que decorre do regime geral e especificamente aplicável à administração local [“LAL”] [alertando, em situação semelhante, para os perigos da interpretação a contrario sensu, afastando-a expressamente, vejam-se, entre outros, o Acórdão da Relação de Guimarães, de 1 de Março de 2010, proferido no processo n.º 132/06.1TAGMR.G1, acessível em www.dgsi.pt].
Trata-se, isso sim, de uma mera técnica legislativa que, pelo menos no que diz respeito à delegação de competências em sede de processo de contra-ordenação, se mostra desprovida de qualquer efeito prático, por redundante [tal como fora reconhecido, em situação semelhante, no já citado Acórdão da Relação de Guimarães, de 20 de Outubro de 2008, processo n.º 1969/08-1, acessível em www.dgsi.pt].
Enfim, não se pode, de todo, concluir que foi intenção do legislador do RJUE operar a revogação daquele normativo da LAL, vedando a delegação da competência própria do Presidente para a instauração dos processos de contra-ordenação e designação do instrutor nos dirigentes dos serviços municipais [nem se podendo, aliás, retirar, como o faz a Autora, que é essa a posição assumida por FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA CASTANHEIRA NEVES e DULCE LOPES, in Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação Comentado, 2016, pp. 631].
Portanto, considera este Tribunal que, contrariamente ao que vem sustentado pela Autora, a competência para determinar a instauração do processo de contra-ordenação e para designar o respectivo instrutor, podia e pode ser delegada e subdelegada nos dirigentes dos serviços municipais, nos termos do artigo 70.º, n.º 3, alínea m), da Lei das Autarquias Locais [actual 38.º, n.º 3, alínea l), da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro].
Motivo pelo qual inexiste, nesse âmbito, qualquer violação do princípio da irrenunciabilidade e da inalienabilidade das competências legalmente conferidas aos órgãos administrativos e previsto no artigo 29.º do CPA de 1991 [isto, claro está, sem olvidar que as consequentes subdelegações de poderes se encontram, no caso concreta, expressamente autorizadas pelos delegantes e subdelegantes, ao abrigo do n.ºs 1 e 2 do artigo 36.º do CPA].
Portanto, nenhum outro argumento sendo expendido pela Autora contra os actos de delegação [e, bem assim, de subdelegação] de poderes ora sindicados, nada mais há a apreciar e decidir.
Em último lugar, no que tange à alegação de que os destinatários dos actos de delegação e subdelegação de poderes foram os agentes administrativos e não, como deveriam, os órgãos do MUNICÍPIO DE (...), trata-se, em bom rigor, de uma interpretação que se considera meramente virtual do conteúdo dos despachos ora sindicados.
Com efeito, como já se deixou dito, o artigo 70.º, n.º 3, alínea m), da Lei das Autarquias Locais permite a delegação da competência para instaurar os processos de contra-ordenação e designar o instrutor nos dirigentes dos respectivos serviços municipais.
E, conforme se constata da leitura do seu conteúdo, todos esses despachos em os poderes que são respectivamente delegados e subdelegados, têm por destinatário o dirigente v.g. da Divisão Jurídica ou do Departamento de Gestão Administrativa e de Informação Municipal.
E, se assim é, contrariamente ao alegado pela Autora, não se vislumbra qualquer intenção por parte do órgão delegante em delegar ou subdelegar poderes [apenas] ao concreto agente administrativo investido na titularidade do cargo de dirigente, mas sim, apenas e tão só, ao dirigente do respectivo serviço municipal, tal como, de resto, se encontra expressamente previsto pela LAL [embora a alegação da Autora se prenda no sentido de esta se reconduzir a situações de “inexistência jurídica” como as dos Acórdãos do STA, 22 de Setembro de 1998, processo n.º 043105 e de 10 de Outubro de 2000, processo n.º 045589, a verdade é que o caso dos autos nada tem que ver com a paradigmática distinção entre órgão e agente administrativo, pois os destinatários dos actos de delegação e subdelegação de poderes foram, como manda a Lei, os dirigentes dos serviços municipais].
Vale tudo isto por dizer que os despachos ora impugnados foram efectivamente precedidos de normal legal habilitante [artigo 35.º, n.º 1, do CPA] e de autorização expressa de subdelegação [artigo 36.º, n.ºs 1 e 2, do CPA], transferindo-se [“em escada”] a competência para instaurar o processo de contra-ordenação e designar o respectivo instrutor para os dirigentes dos serviços do MUNICÍPIO DE (...) [70.º, n.º 3, alínea m), da LAL], pelo que os mesmos preenchem os requisitos de que depende a sua existência na ordem jurídica, não padecendo, no mais, do desvalor jurídico que lhes vem assacado pela ora Autora.»
3.2 A decisão é de manter. Vejamos porquê.
3.3 Os atos em causa nos autos, de delegação e subdelegação de poderes, são os seguintes:
(1) o ato de delegação de poderes constante do Despacho n.º 070/PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) em 22/11/2005, no que concerne aos poderes indicados no ponto 9 do mesmo, cujo teor (vertido no Ponto A) do probatório), é o seguinte:
“(…) Tendo em vista conferir maior celeridade e eficiência no funcionamento dos serviços, ao abrigo do estatuído no artigo 70° da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, dos artigos 35.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n." 442/91 de 15 de Novembro, e tendo presente o constante no meu Despacho n.º 062/PRES de 2005-11-03, delego e subdelego na licenciada P., Chefe da Divisão Jurídica, os seguintes poderes e competências, no âmbito da respectiva unidade orgânica (…) 9. Determinar a gestão e instrução dos procedimentos e processos a cargo do serviço, incluindo os de contra-ordenação, bem como nomear o respectivo instrutor, tomar todas as medidas que visem acelerar a respectiva conclusão, bem como assegurar a execução das respectivas decisões, incluindo entre outras, as notificações. mandados e pedidos de parecer a entidades ou organismos externos e a publicitação dos actos administrativos quando obrigatórios (…)”
(2) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 157/2011-VEF, praticado pela Vereadora E. em 25/02/2011, no que concerne aos poderes indicados na alínea c) do ponto 4 da parte I do mesmo, cujo teor (vertido no Ponto C) do probatório), é o seguinte:
“(…) Tendo em vista conferir maior celeridade e eficiência ao funcionamento dos serviços, ao abrigo do estatuído no artigo 70.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, dos artigos 35.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, e do constante na alínea f) do ponto III do Despacho do Senhor Presidente da Câmara, n.º 63/2011, de 13 de Janeiro, delego e subdelego no licenciado J., Director do Departamento de Gestão Administrativa e Informação Municipal, os seguintes poderes e competências, no âmbito da respectiva unidade orgânica: (…) 4 – Outras áreas de actividade: (…) c) as competências para determinar a instauração, instrução e nomeação de instrutor, realização de actos instrutórios e demais diligências de carácter instrumental, no âmbito dos processos de contra-ordenação, bem com a tomada de todas as medidas com vista à sua rápida conclusão e apresentação a decisão, assim como assegurar a execução das respectivas decisões (…) II Fica o Director do Departamento de Gestão Administrativa e Informação Municipal autorizado a subdelegar nos Chefes de Divisão do Departamento, as competências ora delegadas e subdelegadas (…)”;
(3) o ato de delegação de poderes constante do Despacho n.º 56/2013-PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) em 21/01/2013, no que concerne aos poderes indicados na Parte II do mesmo, cujo teor (vertido no Ponto F) do probatório), é o seguinte:
“(…) Considerando que se encontra já institucionalizada a Divisão Jurídico-Administrativa do Serviço de Policia Municipal pelo que se torna urgente a adoção de medidas com vista a implementar a sua entrada em actividade plena; Considerando que se encontra já a decorrer procedimento com vista à oportuna nomeação da estrutura dirigente do Serviço de Polícia Municipal; Considerando que se torna necessário assegurar a adequada transição dos serviços e actividades da extinta Divisão Jurídica para a Divisão Jurídico Administrativa, determino que: A – O Director do Departamento de Gestão Administrativa, licenciado J. (…) São-lhe igualmente delegadas as competências para determinar a instauração, instrução nomeação de instrutor, realização de atos instrutórios e demais diligências de carácter Instrumental, no âmbito dos processos de contraordenação, bem como a tomada de todas as medidas com vista à sua rápida conclusão e apresentação a decisão, assim como assegurar a execução das respetivas decisões, e ainda, a realização de notificações, mandados e pedidos de parecer a entidades e organismos externos e a publicitação dos atos administrativos quando obrigatórios. (…) IV Fica o delegante autorizado a subdelegar na Sr.ª Chefe da Divisão Jurídico-Administrativa as competências ora delegadas e subdelegadas (…)”
(4) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 166/2011, praticado pelo Diretor de Departamento J. em 03/03/2011, no que concerne aos poderes indicados na parte II do mesmo, cujo teor (vertido no Ponto D) do probatório), é o seguinte:
“Nos termos do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 93/2004, de 20 de Abril, e nos artigos 35.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, e considerando ainda as competências que me foram subdelegadas através do Despacho n.º 157/2011, de 2011.02.25, subdelego na Sr. Chefe de Divisão da Divisão Jurídica, Dr.ª P., os seguintes poderes e competências, no âmbito da respectiva divisão. (…) II – São, igualmente, subdelegadas na Sr.ª Chefe de Divisão as competências para determinar a instauração, instrução, nomeação de instrutor, realização de actos instrutórios e demais diligências de carácter instrumental, no âmbito dos processos de contra-ordenação, bem como a tomada de todas as medidas com vista à sua rápida conclusão e apresentação a decisão, assim como assegurar a execução das respectivas decisões (…)”;

(5) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 65/2013, praticado pelo Diretor de Departamento J. em 22/01/2013, no que concerne aos poderes indicados na parte II do mesmo, cujo teor (vertido no Ponto G) do probatório), é o seguinte:
“(…) Nos termos do disposto no artigo 16.º da Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto, e nos artigos 35.º seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, e considerando ainda as competências que me foram delegadas e subdelegadas através do Despacho n.º 56/2013, de 2013.01.21, subdelego na Sra. Chefe da Divisão Jurídico-Administrativa, Dr.ª A., os seguintes poderes e competências: (…) II São-lhe igualmente subdelegadas as competências para determinar a instauração, instrução nomeação de instrutor, realização de atos instrutórios e demais diligências de carácter instrumental, no âmbito dos processos de contraordenação, bem como a tomada de todas as medidas com vista à sua rápida conclusão e apresentação a decisão (…)”

3.4 O quadro normativo a convocar, tal como o fez a sentença recorrida, é o que à data em que foram prolatados os identificados despachos de delegação e subdelegação de competências se encontrava em vigor, a saber o decorrente do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL. nº 442/91, de 15 de novembro (doravante, CPA/91), a Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias (doravante, Lei das Autarquias Locais), e ainda, em face da natureza das competências em causa, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL. n.º 555/99, de 16 de dezembro (doravante, RJUE), todos naturalmente na redação à data (“tempus regit actum”).
3.5 O CPA/91 acolhe expressamente, no seu artigo 29º, o princípio da legalidade da competência, e a irrenunciabilidade e inalienabilidade, ao estabelecer que “…a competência é definida por lei ou por regulamento, e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes e à substituição” (nº 1), ferindo de nulidade “…todo o ato ou contrato que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins” (nº 2).
A este propósito refere Luís Filipe Colaço Antunes, in, “A Ciência Jurídica Administrativa”, Almedina, 2016, pág. 216, que a tese da natureza irrenunciável e inalienável da competência “(…) tem a sua inspiração doutrinal em Blumann, segundo a qual a Administração não é dona das competências, não podendo, em caso algum, os órgãos administrativos renunciar aos seus poderes ou transmiti-los para outros órgãos da Administração, sob pena, dizemos nós, de nulidade (artigo 29º/2 CPA). Para o autor francês, é o princípio da legalidade e da impessoalidade da competência, que se opõe à sua renúncia, na medida em que aquela é um dado exterior ao titular do órgão e que, portanto, este não pode desatender ou modificar.
Também a este respeito referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in, “Código de Procedimento Administrativo – Comentado”, Almedina, 2ª Edição, 2003, pág. 191 ss., em anotação ao artigo 29º do Código, que “o princípio fundamental consagrado neste preceito – pese a sua epígrafe – é o da legalidade da fixação da competência, primeira das vertentes do princípio geral da legalidade: a competência administrativa é fixada por lei ou por ato por ela habilitado. (…) A irrenunciabilidade e inalienabilidade, pelo órgão administrativo, da competência que lhe está legalmente conferida (tanto da sua titularidade como a do seu exercício), são também corolários do princípio da legalidade e da sua funcionalidade jurídico-pública, entendida como uma administração da Administração à prossecução de interesses públicos. Por isso, os órgãos administrativos estão legalmente obrigados a exercer a sua competência – e um poder que se exerce por cominação funcional da lei é sempre, salvo disposição em contrário, de exercício pessoal, insuscetível de delegação ou de procuração. Não se trata, portanto, de regras ou princípios postos com vista à proteção dos interessados, mas de uma constrição que impende sobre os órgãos administrativos (ou competentes em matéria administrativa) com o objetivo de garantir a prossecução o interesse público. Por outro lado, dos referidos princípios resulta ainda que o poder ou competência administrativa conferida para a prossecução das necessidades públicas (que não podem ser objeto de renúncia ou de alienação) são sempre objeto de consideração e decisão primárias pela Administração Pública – que foi constitucional e legalmente estruturada em vista disto mesmo”.
3.6 Mas o princípio da legalidade da competência, e da sua irrenunciabilidade e inalienabilidade, não é incompatível com a possibilidade da sua delegação (e subdelegação), posto que efetuada nos termos legalmente definidos.
Possibilidade para que remete, aliás, e desde logo a parte final do nº 2 do artigo 29º do CPA/91.
E a que se referem os artigos 35º, 36º e 37º do CPA/91 nos seguintes termos:
Artigo 35.º
Da delegação de poderes
1 - Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria.
2 - Mediante um ato de delegação de poderes, os órgãos competentes para decidir em determinada matéria podem sempre permitir que o seu imediato inferior hierárquico, adjunto ou substituto pratiquem atos de administração ordinária nessa matéria.
3 - O disposto no número anterior vale igualmente para a delegação de poderes dos órgãos colegiais nos respetivos presidentes, salvo havendo lei de habilitação específica que estabeleça uma particular repartição de competências entre os diversos órgãos.

Artigo 36.º
Da subdelegação de poderes
1 - Salvo disposição legal em contrário, o delegante pode autorizar o delegado a subdelegar.
2 - O subdelegado pode subdelegar as competências que lhe tenham sido subdelegadas, salvo disposição legal em contrário ou reserva expressa do delegante ou subdelegante.


Artigo 37.º
Requisitos do ato de delegação
1 - No ato de delegação ou subdelegação, deve o órgão delegante ou subdelegante especificar os poderes que são delegados ou subdelegados ou quais os atos que o delegado ou subdelegado pode praticar.
2 - Os atos de delegação e subdelegação de poderes estão sujeitos a publicação no Diário da República ou, tratando-se da administração local, no boletim da autarquia, e devem ser afixados nos lugares do estilo quando tal boletim não exista.


3.7 Pela delegação de poderes um órgão, legalmente habilitado para o efeito, permite que outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria, consubstanciando, assim, um ato pelo qual um órgão opera uma transferência de poderes para o exercício normal de uma competência cuja titularidade lhe pertence, primária ou originariamente, transferência de poderes que se opera dentro do mesmo ente administrativo (vide, a este propósito Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in, “Código de Procedimento Administrativo – Comentado”, Almedina, 2ª Edição, 2003, pág. 210 ss., em anotação ao artigo 35º do Código, e Paulo Otero, in, “Conceito e fundamento da hierarquia administrativa”, Coimbra Editora, 1992).
3.8 Como decorre do inciso “sempre que para tal estejam habilitados por lei”, constante disposto no nº 1 do artigo 35º do CPA/91, a possibilidade da delegação de poderes depende de a lei a prever. E sem essa habilitação legal o ato de delegação de poderes é nulo (cfr. artigo 29º nº 2 do CPA/91), por traduzir uma renúncia ou alienação de competência não admitida.
A possibilidade de delegação de poderes tem, pois, que radicar na lei (lei de habilitação), não podendo resultar da mera vontade do órgão delegante.
Aliás, a exigência de habilitação legal da delegação de poderes tem consagração constitucional em relação à competência administrativa dos órgãos de soberania, das Regiões autónomas e do poder local, como expressamente decorre do artigo 111º nº 2 da CRP, quando dispõe que “…nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei.”.
3.9 Na situação dos autos estava precisamente em causa saber se existia, ou não, norma habilitante para as delegações de poderes operadas pelos atos sindicados.
A sentença recorrida entendeu que sim. Isto com base na interpretação que fez dos artigos 98.º n.º 10 do RJUE (DL. n.º 555/99) e 68.º, n.º 2, alínea p), e 70.º, n.º 1 e 3, alínea m), da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99).
E fê-lo corretamente.
3.10 O artigo 98º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) aprovado pelo DL. n.º 555/99, de 16 de dezembro, a respeito das contraordenações urbanísticas ali regidas, dispõe no seu nº 10 que “…a competência para determinar a instauração dos processos de contraordenação, para designar o instrutor e para aplicar as coimas pertence ao presidente da câmara municipal, podendo ser delegada em qualquer dos seus membros”.
Por sua vez os artigos 68.º, n.º 2, alínea p), e 70.º, n.º 1 e 3, alínea m), da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99) dispunham, na versão à data (a anterior à entrada em vigor da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, que estabeleceu o regime jurídico das autarquias locais, aprovou o estatuto das entidades intermunicipais, estabeleceu o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprovou o regime jurídico do associativismo autárquico), o seguinte:
Artigo 68º
Competências do presidente da câmara
1 – (…)
2 - Compete ainda ao presidente da câmara municipal:
(…)
p) Determinar a instrução dos processos de contraordenação e aplicar as coimas, nos termos da lei, com a faculdade de delegação em qualquer dos restantes membros da Câmara;
(…)

Artigo 70º
Delegação de competências no pessoal dirigente
1 – O presidente da câmara ou dos vereadores podem delegar ou subdelegar a sua competência no dirigente máximo da respetiva unidade orgânica no que respeita às matérias previstas nas alíneas a), c), g), h), l), r), t), u) e v) do nº 1 e e), f), h), i), o) e r) do nº 2 do artigo 68º.
2 – (…)
3 – Podem ainda ser objeto de delegação e subdelegação as seguintes matérias:
(…)
m) Determinar a instrução de processos de contraordenação e designar o respetivo instrutor;
(…)

3.11 Na tese do recorrente a competência para a instauração do processo de contraordenação e de designação do respetivo instrutor, que pertence ao presidente da câmara municipal, não pode ser delegada nos serviços municipais, mas apenas em qualquer dos restantes membros da Câmara Municipal. Isto por força do disposto no artigo 98.º n.º 10 do RJUE que, apenas admite, e por conseguinte, habilita, essa delegação de poderes nos vereadores da Câmara Municipal.
3.12 Assim, e no entender do recorrente, a norma do artigo 98.º n.º 10 do RJUE seria excludente da disposição do artigo 70º nº 3 alínea m) da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99), a qual expressamente consagra a possibilidade de as competências para a determinação da instrução de processos de contraordenação e para a designação do respetivo instrutor, poderem ser delegadas ou subdelegadas no pessoal dirigente.
Não existe, contudo, qualquer fundamento válido para a posição que propugna.
3.13 É certo que o RJUE (DL. nº 555/99) versando sobre o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, e dentro dele, configurando como infrações contraordenacionais as atuações, que ali descreve no seu artigo 98º nº 1, para as quais cumina a aplicação das respetivas coimas, estabelece no nº 10 daquele mesmo artigo 98º uma norma de competência, que atribui ao Presidente da Câmara Municipal, para a prática dos seguintes atos: i) para determinar a instauração dos processos de contraordenação; ii) para designar o instrutor; iii) para aplicar as coimas.
Essa norma de competência não mostra desvios à que consta do artigo 68º nº 2 alínea p) da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99), sendo convergentes quanto à competência originária do Presidente da Câmara Municipal para a prática daqueles atos.
O que ela constituiu foi uma nova solução face à que até então constava do Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos (DL. n.º 448/91, de 29 de novembro), já que quanto às contraordenações que aquele regime jurídico previa por violação das normas relativas às operações de loteamento e às obras de urbanização reguladas naquele diploma (que o RJUE passou a tratar) a competência para determinar a instrução dos processos de contraordenação, para designar o instrutor e para aplicar as respetivas coimas pertencia, nos termos do artigo 58º nº 11 do DL. n.º 448/91, às câmaras municipais ou as comissões de coordenação regional, consoante o processo de contraordenação corresse por aquelas ou por estas.
3.14 Por outro lado, são também paralelas as citadas normas do artigo 98º nº 10 do RJUE (DL. nº 555/99) e do artigo 68º nº 2 alínea p) da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99), ao autorizarem que o Presidente da Câmara Municipal dele nos demais membros da Câmara os poderes para a prática daqueles identificados atos.
3.15 E só o artigo 70º nº 3 alínea m) da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99), consagra a possibilidade de as competências para a determinação da instrução de processos de contraordenação e para a designação do respetivo instrutor, poderem ser delegadas ou subdelegadas no pessoal dirigente.
Mas esta norma não deixa de ser habilitante para a delegação de poderes ali prevista. A qual, atenha-se não abrange ou a abarca a competência para a decisão final dos processos de contraordenação, máxime, para a aplicação das coisas, a qual, pertencendo ao Presidente da Câmara Municipal, só pode ser por este delegada nos vereadores (cfr. artigos 98º nº 10 do RJUE artigo 68º nº 2 alínea p) da Lei n.º 169/99),
3.16 A norma habilitante para a delegação ou subdelegação de competências no pessoal dirigente para a determinação da instrução de processos de contraordenação e para a designação do respetivo instrutor, existe, pois, e encontra-se, ademais, inserida na lei que precisamente estabelece o quadro de competências, bem como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios. Não se mostrando que deva ser afastada, como bem foi entendido na sentença recorrida.
Aliás, não é sequer de exigir que a norma permissiva da delegação de poderes tenha que constar da mesma lei onde é atribuída a competência (vide, neste sentido, o acórdão deste TCA Norte de 26/01/2018, Proc. nº 00355/11.1BEMDL, in, www.dgsi.pt/jtcn).
Nem podendo entender-se ser a norma do artigo 98.º n.º 10 do RJUE excludente da disposição do artigo 70º nº 3 alínea m) da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99), a qual expressamente consagra a possibilidade de as competências para a determinação da instrução de processos de contraordenação e para a designação do respetivo instrutor, poderem ser delegadas ou subdelegadas no pessoal dirigente.
3.17 Não colhe, pois, a tese do recorrente, pelo que improcedendo o recurso deve ser mantido o julgamento feito na sentença recorrida.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
*
Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
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Porto, 30 de outubro de 2020

M. Helena Canelas
Isabel Costa
Rogério Martins