Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00017/14.8BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/07/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rosário Pais
Descritores:IMPUGNAÇÃO; MÉTODOS INDIRETOS; IMPUGNAÇÃO DO JULGAMENTO DE FACTO; FUNDADA DÚVIDA; QUESTÃO NOVA; PRESCRIÇÃO;
Sumário:I) A prescrição pode ser apreciada em processo de impugnação e em sede de recurso jurisdicional, para efeito de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, desde que os autos reúnam todos os elementos documentais necessários para esse efeito.
II) Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afeta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada.
III) A alegada desconsideração da factualidade alegada e provada pela Recorrente não consubstancia nulidade da sentença podendo, antes, configurar erro de julgamento.
IV) A exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, prevista nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 640.º, integra um ónus impugnatório primário, na medida em que tem por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto, sendo que a respetiva inobservância implica, inexoravelmente, a rejeição do recurso nessa parte.
V) Recaindo sobre o sujeito passivo o ónus da prova do excesso na quantificação (artigo 74.º n.º 3 da LGT) e não tendo este logrado demonstrar erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada (artigo 100.º n.º 3 do CPPT), não se pode fundar a anulação da liquidação na existência de “fundada dúvida” sobre a quantificação operada, ao abrigo do n.º 1 do artigo 100.º da LGT, pois que tal caminho está vedado na situação concreta dos autos, mercê do recurso a métodos indiretos (artigo 100.º n.º 2 do CPPT).
VI) Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões impugnadas, não se destinando à apreciação de questões novas, salvo se forem de conhecimento oficioso. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. A., Lda, devidamente identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 16/12/2013, que julgou totalmente improcedente a impugnação por ela deduzida contra a liquidação de IRC do ano de 1999, cuja matéria coletável foi determinada através de métodos indiretos.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

1. Face à prova produzida nos autos e em audiência, a decisão só poderia ser no sentido de julgar-se a impugnação procedente por provada, contudo o Meritíssimo Juíz "a quo" decidiu julgar inexplicavelmente a impugnação improcedente.
2. Acontece que, o Meritissimo Juíz "a quo", não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante, ora recorrente, no decorrer do processo judicial, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma pouco fundamentada, sem conseguir dar respostas fundamentadas através dos factos e fundamentos de direito, o que só por si conduz ao vicio da nulidade da sentença recorrida.
3. Na Sentença proferida o Tribunal "a quo" atendeu somente aos factos alegados pela Administração Tributária, designadamente aos contantes do Relatório elaborado pela Inspecção Tributária que promoveu a acção inspectiva.
4. Com efeito, absteve-se de se pronunciar sobre os factos alegados pela impugnante, bem como sobre o conjunto de provas oferecidas e produzidas, quer documentais, quer testemunhais, como consta da acta de inquirição de testemunhas.
5. O Tribunal recorrido não se pronunciou nem relevou a prova testemunhal produzida, a qual é exaustiva na demonstração dos factos alegados pela impugnante, conforme se alcança da respectiva acta de inquirição a fls. 73 a 76 dos autos e pela gravação integral da audiência.
6. Mais, o Meritissimo Juiz "a quo" não carreou para a Sentença qualquer dos factos declarados pelas testemunhas os quais contrariam, inapelávelmente, o sentido da decisão proferida.
7. Aliás, é a própria Inspectora Tributária, testemunha indicada pela Fazenda Pública, que no seu depoimento prestado em audiência, afirma que relativamente ao exercício de 1999, não viu nem facturas de compras, nem facturas de vendas para apurar a margem de comercialização, limitando-se a aplicar ao ano de 1999, a margem de 146, 8 % por ela calculada em relação ao ano de 2000, quando esta tinha de respeitar o princípio da Especialização dos Exercícios consagrado no artigo 18° do Código do IRC.
8. No seu depoimento e com interesse para os autos, a Senhora Inspectora declarou em audiência que nunca se deslocou às instalações do Restaurante, bem como ao armazém da Firma e que a margem média que aplicava no sector da restauração a outros contribuintes rondava os 100%.
9. Na verdade, a douta Sentença recorrida apoia-se exclusivamente nos factos alegados no Relatório da Inspecção Tributária e baseia a sua decisão apenas nesses factos.
10. O absoluto desconhecimento a que a Sentença recorrida vota, substancialmente, os factos alegados pela impugnante, ora recorrente, menospreza os princípios do inquisitório e do contraditório, contidos nos artigos 58° da Lei Geral Tributária e artigo 45° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
11. A Administração Tributária não demonstrou estar reunido qualquer dos pressupostos legais que legitime o recurso a métodos de avaliação indirecta, como também não demonstrou que a impugnante, aqui recorrente, praticou actos pelos quais obteve rendimentos que não declarou para efeitos de tributação.
12. E isto, porque a Inspectora Tributária não efectuou o exame à escrita do ano de 1999, e por isso, não demonstrou a impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável, referida na alínea b) do artigo 87° da Lei Geral Tributária, quanto ao ano de 1999, ao contrário do que é dito na Douta Sentença recorrida.
13. Aliás, é a própria Inspectora Tributária que o confirma no Relatório da Inspecção e no seu próprio depoimento em audiência, que relativamente ao exercício de 1999, não viu nem facturas de compras, nem facturas de vendas, ou seja, não verificou todos os elementos da escrita da impugnante, ora recorrente, indispensáveis ao apuramento da verdade material.
14. A Inspectora Tributária não fez a inventariação física das existências, nem fez testes de inventariação com referência ao ano de 1999, como ficou provado pelo depoimento da própria Inspectora M. e pelo depoimento da testemunha R., empregado de mesa, que nunca viu a Senhora Inspectora no Restaurante, nem no armazém, para conferir fosse o que fosse.
15. Os depoimentos das Testemunhas M., MB e R., confirmaram que a Inspectora nunca foi vista no restaurante ou no armazém.
16. Sendo certo que, a própria Inspectora no seu depoimento em audiência afirmou que no decorrer da acção inspectiva nunca se deslocou ao Restaurante, nem a nenhum armazém da Firma, apenas "foi lá no último dia para que o gerente assinasse a Nota de Visita", o que prova que nada viu "in loco”.
17. Pois a Inspectora Tributária não efectuou quaisquer pesagens dos produtos a confeccionar, comprovativas das percentagens indicadas de perda de peso, antes e depois da confecção dos produtos.
18. Como ficou provado pelo depoimento da Testemunha MB, Cozinheiro do Restaurante, que disse que "a Senhora Inspectora nunca se deslocou à cozinha do Restaurante para vêr como eram confeccionados os pratos."
19. E questionada a própria Inspectora em audiência sobre se se tinha deslocado à cozinha do Restaurante, esta confirmou que nunca tinha ido à cozinha do Restaurante.
20. Por outro lado, a própria Inspectora Tributária no seu depoimento em audiência declarou que a margem de 146,8% estava mais elevada do que a margem média que normalmente aplicava no sector da Restauração a outros contribuintes, que rondava os 100%, o que demonstra a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário (n° 1 do artigo 100° do C.P.P.T.).
21. Pelo que, no caso sub judice, o critério utilizado na determinação do lucro tributável, ao aplicar uma margem de 146,8% sobre o custo das mercadorias vendidas e matérias primas consumidas com referência ao exercício de 1999, já de si incorrecto porque relativo a valores do ano 2000, é ilegal, porque não respeitou a lei, ou seja, os factores previstos nas alíneas a) a i) do n° 1 do artigo 90° da Lei Geral Tributária.
22. O Douto julgador errou, quando na ausência de "Rácios do Sector" e sem qualquer fundamentação, acolheu a margem de 146,8%, já de si completamente aleatória e excessiva, em total desrespeito da lei, designadamente, não aplicou nenhum dos factores previstos nas alíneas a) a i) do n° 1 do artigo 90° da Lei Geral Tributária.
23. Mais, importa referir que é o próprio Perito da Administração Fiscal que no Documento de Procedimento de Revisão n° 21, a pág.22, propõe que a margem bruta S/C.E.V.M.C., na percentagem de 146,8%, fosse reduzida para 135 %, por a considerar excessiva e, portanto, ilegal.
24. E questionada em audiência a Senhora Inspectora sobre o porquê de não ter junto ao relatório final os rácios solicitados pelo contribuinte no Direito de Audição referentes aos anos de 1999 e 2000, esta apenas respondeu que "não dava importância a tais rácios, e que nem sabia quais eram os valores desses rácio.", o que demonstra o desconhecimento total da lei (artigo 90° da Lei Geral Tributária) e da realidade económica que pretendiam alterar.
25.
A Administração Tributária, ao tempo, devia obediência à Lei Geral Tributária que entrou em vigor em 01-01-1999, e, por isso mesmo, se eventualmente se admitisse a existência de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, o que, como demonstram os autos, não ocorreu, teria de tomar em consideração o factor previsto na alínea a) do n° 1 do artigo 90° da L.G.T., ou seja, "as margens médias de lucro liquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos e serviços de terceiros, o que não fez.
26.
A impugnante, ora recorrente, no exercício do direito de audição suscitou e solicitou para que lhes fossem dados a conhecer os rácios de IRC para o sector da actividade, ano 1999, correspondentes à média do sector declarados pelos sujeitos passivos a nível distrital e nacional (n° 6 do artigo 60° da L.G.T., actual n° 7), contidos no sistema informático da D.G.C.I., contudo, como demonstram os próprios autos, estes rácios nunca foram fornecidos à impugnante, ora recorrente, constituindo tal facto vicio de forma por deficiência de fundamentação.
27.
Quando, nos termos dos artigos 58° e 59° da Lei Geral Tributária, tais rácios eram absolutamente indispensáveis para a apreciação da matéria factual, designadamente, quanto à verificação do excesso de quantificação e, em consequência, excesso de rentabilidade fiscal de 15% que lhe foi imputada pela Administração Tributária para o exercício de 1999, sem qualquer fundamentação legal.
28.
É que a determinação da matéria tributável nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 90° da Lei Geral Tributária, tem necessariamente de basear-se em "critérios objectivos", em obediência ao disposto no artigo 84°, n° 1 da referida Lei Geral Tributária, já que reportada ao cálculo e estatística que lhe subjaz. Esta é a lei do País em matéria tributária.
29.
E, assim sendo, a quantificação a que a Administração Tributária procedeu é tecnicamente errónea e ilegal, sendo manifesto e notório o excesso total da matéria tributável quantificada no valor de 50.089.064$00.
30.
Por último, no caso dos autos, verifica-se que a dívida referente ao IRC do ano de 1999 já se encontra prescrita.
31.
Segundo a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei N° 398/98, de 17 de Dezembro, o prazo de prescrição é de 8 anos (artigo 48°, n° 1).
32.
Portanto, até à presente data, catorze de Fevereiro de 2014, já decorreu lapso de tempo superior ao indicado periodo de 8 anos.
33.
Conclui-se, portanto, que a dívida que constitui a liquidação impugnada já se encontra extinta por prescrição.
34.
Assim, na Douta Sentença, ao julgar improcedente a Impugnação judicial relativa à liquidação de IRC, com referência ao exercício de 1999, apreciou-se e decidiu-se mal, em clara violação dos normativos legais insertos nas disposições dos artigos 8°, 55°, 58°, 60°, n° 6, 77°, n°s 1 e 2, artigo 81°, n° 1, 85°, 87°, 88° e 90° da L.G.T., artigo 18° do Código de IRC, artigo 100°, n°s 1 e 3 do C.P.P.T, 103°, n° 3 e 4, 266°, n° 2 e 268°, n° 2 da CRP.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal a liquidação de IRC, objecto dos autos, por falta de pressupostos legais de aplicação de avaliação indirecta, falta de fundamentação do critério utilizado na determinação da matéria tributável, preterição de formalidades legais essenciais e prescrição, a bem da JUSTIÇA.».

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Notificada para o efeito, em 08.01.2014 a Fazenda Pública comunicou aos autos o teor da resposta ao pedido deste TCAN de apreciação, pelo SF de (...), da eventual prescrição da dívida exequenda (fls. 275/275 verso).

1.5. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal que emitiu o parecer de fls. 279 a 285 pronunciando-se no sentido da improcedência deste recurso, por entender que:
«(…)
Como refere a jurisprudência do STA, o conhecimento das convicções do julgador quanto à matéria de facto e dos critérios de avaliação da prova com que operou é essencial para o controlo da definição da verdade que o mesmo deu como existente (acs do STA de 12.02.2003, recurso 1850/02, de 29-5-2002, recurso nº 228/02), e Ac TCAN 17-6-2010 já anteriormente citado).
Tal como a decisão devidamente sustenta, entendemos que a A. T demonstra, sem margem para dúvidas, a necessidade de apuramento da matéria coletável com recurso à avaliação indireta.
o método indiciário constitui um método excecional de apurar o facto tributário que só pode ter lugar quando a contabilidade do contribuinte não merecer credibilidade e não for possível reconstituir a realidade de forma direta.
Porque a tributação deve incidir sobre a matéria tributável real, a avaliação indireta, porque envolve a apreciação de elementos de ordem subjetiva e, por isso, menos exatos, constitui meio subsidiário de determinação da matéria coletável que só pode ser usada nos casos e condições previstos na lei e aplicando-se-lhe sempre que possível e a lei não dispuser de outra forma, as regras da avaliação direta - cf. art°s. 81.° n.2, 83 e 85 da LGT.
A avaliação indireta é feita pois, com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a AT. disponha, pelo que quando for permitido à A.T. recorrer à quantificação da matéria tributável por métodos indiretos, terá a mesma de ter como suporte elementos de facto.
O recorrente tem como atividade a restauração.
Na análise dos elementos contabilísticos a administração tributária verificou que a contabilidade do impugnante não se encontrava corretamente organizada e não oferecia credibilidade.
No decurso da ação inspetiva foram apreendidos documentos relevantes para a análise da contabilidade cujas cópias se encontram juntas no PA
As liquidações foram pois, efetuadas na sequência da ação inspetiva, de cujo relatório constam os elementos em que a AT se baseou para calcular a matéria tributável, pelo que é bem percetível o suporte legal e os elementos fácticos utilizados.
Em sede de pedido de revisão, não tendo havido acordo entre os peritos o Diretor de Finanças manteve os valores do relatório da Inspeção.
A declaração do contribuinte deve ser controlada pela administração tributária, que tem o dever de proceder às correções nela evidenciadas e aferir da sua correspondência à realidade sempre que o contribuinte não forneça os elementos indispensáveis ao controlo da sua situação tributária, e proceder à liquidação oficiosa do imposto devido quando houver discrepâncias que o justifiquem.
Isto é, a declaração do contribuinte goza da presunção da veracidade desde que esteja apresentada nos termos previstos na lei e sejam fornecidos à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária (artigo 75.°, n.º 2, alínea b) da L.G.T.).
Cabe à administração tributária a demonstração de que tais elementos não correspondem à realidade tributária, devendo fazê-lo quando da sua actividade instrutória resulte com segurança que os factos em que se sustenta a declaração não são verdadeiros, como decorre também do princípio da legalidade que preside ao Direito Fiscal e do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte Cfr. a propósito o Ac. do TCA Sul de 29/04/2004, rec nº 6449/02, em www.dgsi.pt
Ou seja, a administração tributária tem o ónus de demonstrar a factual idade que a levou a desconsiderar uma determinada operação que se encontre relevada na contabilidade do contribuinte, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente.
Veja-se neste sentido e relativamente ao ónus da prova, entre outros, o Ac deste TCAN, Proc 00462/04, de 30-06-2005, cujo sumário se transcreve:
1.Cabe à Fazenda Pública fundamentar a utilização dos métodos indiciários para apuramento da matéria tributável, bem como indicar os critérios utilizados na quantificação da mesma, situação que ocorre nos autos, atentas as irregularidades encontradas na contabilidade da recorrente e que inviabilizam o apuramento daquela matéria por outros métodos, tendo a quantificação sido operada a partir de amostragem realizada com base na escrita.
2.Cabe ao contribuinte o ónus de provar o erro da quantificação, nomeadamente por a mesma não se adequar à sua situação, ou por os critérios utilizados na mesma não serem adequados para se apurar a matéria tributável no caso concreto.
O recorrente não demonstrou que os seus elementos de escrita e de controlo da atividade empresarial fossem suficientes para efeitos de determinação da matéria coletável, já que a contabilidade para além de não se encontrar organizada, enfermava de deficiências que não podem considerar-se supridas por depoimento de testemunhas ou juízos conclusivos formulados por alegações.
Como também não apresentou como lhe competia, fatos ou elementos capazes de contrariar a factualidade apurada, face à cessação da presunção da verdade declarativa de que goza a declaração do contribuinte.
A sentença a nosso ver ponderou pois todos os elementos de prova e da mesma consta quanto à fundamentação da matéria de facto os meios de prova a que o Tribunal recorreu para dar como provada a matéria factual, especificando os meios de prova atendidos, o que esteve na base e sustentou a sua convicção no sentido da matéria de facto fixada.
O impugnante suscitou como questão nova a apreciação da prescrição da dívida.
A possibilidade de conhecer incidentalmente da prescrição em sede de impugnação judicial apenas se impõe ao tribunal caso constem dos autos todos os elementos que permitam uma avaliação segura dessa questão, designadamente todos os que permitam aferir da existência de causas interruptivas ou suspensivas do prazo de prescrição.
Face aos elementos que constam da informação de fls 275 e vº; a dívida não se encontra prescrita.».

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida:
- é nula por falta valoração da prova produzida pela Recorrente e insuficiente fundamentação;
- enferma de erro de julgamento de facto e de direito.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A Impugnante, "A., Lda", tem como objecto social a exploração do restaurante "A." localizado na esplanada à beira mar, na cidade de (...)" — fls. 2 do Relatório de fls. 3 da PA apenso no TCAN;
2. Em 11/12/2002 a AT elaborou "Relatório de Inspecção Tributária" onde apurou correcções à matéria tributável de IRC e correcções ao IVA dos anos de 1999 e 2000 fazendo aplicação de métodos indirectos de avaliação - fls. 1 do Relatório de fls. 3 da PA apenso no TCAN;
3. Do referido Relatório consta que a AT decidiu recorrer a métodos indirectos de avaliação com base nos seguintes motivos reportados ao ano de 1999:
a) - "as existências finais do exercício de 2000 mais do que duplicaram em relação ao ano anterior, não havendo qualquer justificação plausível para o facto, uma vez que a empresa iniciou a actividade em 1994, encontrando-se já numa situação de exploração estabilizada";
b) - "as margens sobre o preço de custo relativas à restauração (77,6%) estão aquém do considerado normal neste tipo de actividade";
c) - "as rentabilidades fiscais (3,6%) apresentam valores muito baixos"
d) - "em relação aos inventários (anexo 1 e 2) é notória a falta de rigor com que os mesmos foram elaborados (...) por um lado foram mencionadas quantidades exageradamente elevadas para os produtos inventariados e, por outro, não foram elencados produtos básicos como o café, águas ou refrigerantes";
e) - "os apuros registados até Maio de 1999, inclusive, não têm qualquer fita de máquina como suporte documental" e "não incluem as prestações de serviços sem factura";
f) - a partir de junho de 1999 existem fitas de computador com os totais diários registados (...) lançados na contabilidade. No entanto, existem dias em que somando as facturas, os valores destas ultrapassam por si só o montante da fita registado na contabilidade". Exemplificativamente isso verificou-se nos dias 4, 17, 18, 19, 20 e 24 de Dezembro de 1999;
g) - "em Dezembro de 1999, embora o apuro mensal s/IVA fosse de 9.987.527$00 (anexo3), foi registado nas prestações de serviços um montante de 14.972.263$00 (anexo 5) ...não havendo qualquer documento de suporte que justifique essa diferença";
h) - "no exercício de 1999 verificou-se que os depósitos nas várias contas bancárias juntamente com os cartões (excluindo transferências entre contas) ultrapassam o volume de negócios com IVA (...) Assim, o total dos movimentos financeiros ascendeu a 154.040.661$00 quando o total dos proveitos com IVA (incluindo a venda de imobilizado) totaliza apenas 145.513.751$00"
i) - "numa grande parte dos dias de Dezembro de 1999 (2, 4, 5, 6, 9, 13, 15, 18, 19, 20, 22, 29 e 30) o pagamento com cartões foi superior ao registado na contabilidade";
j) - "existem facturas que continuam (deveriam continuar) na página seguinte. No entanto essa página não existe (...) não se sabendo o montante das parcelas que faltam" (anexo 8);
k) - "há facturas que não foram somadas, como por exemplo a factura 103521 do dia 19/3/99 (anexo 9) ";
1) - "existem facturas com a menção «2a via» (mas que não se referem a factura a que se reportam) as quais não foram somadas (exemplo em anexo 10) ";
m) - "existem facturas que não foram somadas pelo facto de estarem riscadas (documento exemplificado em anexo 11). No entanto, o risco foi efectuado na cópia pois o original não existe";
n) - "os empréstimos de sócios não têm qualquer documento de suporte aos seus movimentos. No entanto, quando são efectuados os lançamentos para pagamento desses suprimentos, existem documentos bancários de transferências para as contas dos sócios (extracto e documento exemplificativo em anexo 12) ";
"A conjugação desses factos, indicam haver indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, pelo que não sendo possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação do lucro tributável propõe-se que para os exercícios de 1999 (...) o mesmo seja determinado por métodos indirectos, nos termos do disposto nos artigos 52° do Código do IRC e 90° da Lei Geral tributária, por força do disposto no artigo 51° do Código do IRC e dos artigos 87° e 88° da Lei Geral Tributária" — fls. 3 a 7 do Relatório apenso no TCAN;

4. Quanto aos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, consta do ponto V do Relatório que:"Tendo em conta que a margem declarada no exercício de 2000 é inferior à do ano anterior, foi seleccionado aquele, para se proceder à recolha dos elementos necessários.
Neste sentido, foram repartidas por produtos ou grupos de produtos as compras de mercadorias efectuadas nesse ano, conforme mapas de trabalho em anexo 14.
Seguindo a mesma metodologia, foram efectuados os mesmos grupos relativamente aos inventários inicial (anexo 1) e final (anexo 2).
A partir desses dados foi elaborado o mapa seguinte:

ProdutoEi Compras LEI Consumo rad. com'. UnidConsum. 119.v. c/IVA Vendas c / IVA
Aguas
Vitalis 0,25O67067241.608160257.280
Vid/CarvJP.SaL/Fas 0,2502000200244.800170816.000
Água CastekO18O182443217073.440
Vitais/ Fastio 0.5O52005202010.4001901.976.000
Vitais 1O232O232122.784330918,720
Cara/ Fastio 1O2780278123.3363401.134.240
Vitais/ Fastio 1,5O68O6812816360293.760
Refrigerantes
Água Unira/ Gin er AleO18O182443219082.080
CampalO822O8221822220180.840
BongoO2O2275422011.880
Diversos 0,2/0,33O515O5152412.3602202.719.200
Diversos 1,5029O2912348380132.240
Cerveja
BarrilO5540055404,524.9302004.986.000
Cheers/ MuniqueO49O49241.176290341.040
S uper BockO13O132431223071.760
Bebidas Alcoólicas11.000.500
Vinhos22.768.710
Café (Kg)O370O37014051.8001407.252.000
Descafeinado Grão (Kg)O35O351404.900150735.000
Descai/ Nescafé (doses)O450O450145015067.500
CháO1150O115011.150160184.000
Entradas5.269.860
Pratos de Marisco58.689, 123
Pratos de Peixe82.780.761
Pratos de Carne28.1 53.648
Sandes4.186.592
Pão7.676.948
Sopa3.909.335
Sobremesas22.723.164
TOTAL269.391 .622

Aguas/Refrigerantes/Cerveja/Café/Chá: Como se pode verificar, em todos eles as compras identificam-se com o consumo, uma vez que não há existências! As respectivas vendas foram determinadas directamente neste mapa;
Bebidas Alcoólicas: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 15;
Vinhos: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 16;
Entradas: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 17;
Pratos de Marisco: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 18;
Pratos de Peixe: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 19;
Pratos de Carne: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 20;
Sandes: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 21;
Pão: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 22;
Sopa: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 23;
Sobremesas: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 24;
Preços de venda:
Os preços utilkados foram fornecidos pelo sujeito passivo, conforme tabelas em anexo 25.
Nos produtos não incluídos nessas tabelas, os respectivos preços foram retirados directamente das facturas de venda nos meses de Março e Dezembro de 2000.
Autoconsumo:
a) IVA Regularizações:
( ...)
b) Dedução ao volume de negócios
Para efeitos de IRC, as refeições dos empregados serão calculados ao preço de venda das mesmas, ou seja, 1.300$ correspondente ao valor do prato (considerou-se o valor dos pratos mais económicos uma vez que na determinação dos consumos, houve produtos que se considerou serem quase exclusivamente para consumo dos empregados (80%) não tendo entrado na determinação do número de refeições, vidé frango com miúdos e barriga), 420$/sopa, 220$/ bebida, 140$/ café e 120$/2 pães, 300$ / sandes (lanche), totalizando 2.500$ por dia por empregado. Multiplicando esse valor pelo número de refeições diárias de 19 (trabalhadores) e pelos dias de trabalho de 287 por ano),obtemos o seguinte montante: 2.500$ x 19x 287 dias = 13.632.500$.
Assim, ao montante das prestações de serviços calculado para o exercício de 2000 de 269.391.622$, vai ser retirado o valor do autoconsumo de 13.632.500$, resultando um valor de 255.759.122$, imposto incluído à taxa de 12% (taxa aplicável às prestações de serviços de alimentação e bebidas). As prestações de serviços correspondentes sem IVA ascendem assim a 228.356.359$, que comparadas com as declaradas, apresentam a seguinte diferença:


Discriminação2000
Prestações de Serviços calculadas228.356.359$
Prestações de Serviços declaradas a)142.214.520$
Omissão de "Prest. Ser. Restauração"86.141.839$

a) Excluindo as vendas de tabaco
Assim, a margem bruta obtida para este segmento da actividade no exercício de 2000, será:

Rubrica2000
Prestações de Serviços Corrigidas228.356.359$
Existências iniciais declaradas13.876.009$
Compras declaradas a)97.380.885$
Existências finais Corrigidas b)18.733.259$
CEVC Corrigido92.523.635$
Margem s/ CEVC146,8%
a) Excluindo as compras de tabaco
b) Existências finais declaradas de 30.961.524$ - Correcção ao inventário de 12.228.2651 (Conforme mapa em anexo 26, de acordo com as
existências finais consideradas para os "vinhos" e "bebidas alcoólicas').
Tabaco: Relativamente ao tabaco, não será efectuada qualquer correcção, em virtude de se ter verificado que a margem anual evidenciada na contabilidade era a normalmente praticada relativamente a este tipo de produto.
Exercício de 1999
Tendo em conta que as anomalias detectadas são iguais às verificadas em 2000, não se justificando por isso que fosse efectuado um levantamento exaustivo das compras tal como foi feito para o ano seguinte, ao Custo das Existências Vendidas e Consumidas deste exercício, vai ser aplicada a margem bruta calculada para o ano de 2000, ou seja:

Descrição1999
Existências iniciais declaradas9.749.580$
Compras declaradas76.528.100$
Existências finais declaradas13.876.009$
CEVC declarado72.401.671$
Prest. Serv. corrigida (CEVC x 2,468)178.687.324$
Prest. Serviços Restauração declaradas128.598.260$
Omissão de Prestação de Serviços50.089.064$

TABACO
Neste exercido não foi declarada qualquer venda de tabaco.
Deste modo o lucro tributável corrigido nos dois exercidos é o seguinte:


Descrição19992000
Lucro Tributável Declarado4.603.957$3.626.861$
Correcção às Prest. Serviços50.089.064$86.141.839$
Correcção às Exirt. Finais a)12.228.265$
Total das Correcções50.089.064$73.913.574$
Lucro Tributável Corrigido54.693.021$77.540.435$
, —
a) As existências finais de 2000 foram reduzidas em 1 . .C.E.e consequentemente o V. aumentou ,
pelo que os custos são superiores.
A estes resultados correspondem as seguintes taxas de rentabilidade fiscal:

Descrição19992000
A- Lucro Tributável Corrigido54.693.021$77.540.435$
B- Volume de negócios corrigido178.687.324$a) 229.045.649$
Rentabilidade Fiscal (A/B)30,6%33,9%

Face às taxas de rentabilidade fiscal apuradas em ambos os exercícios, parece razoável presumir também custos omitidos pelo sujeito passivo, de modo a obter rentabilidades mais próximas da realidade. Mesmo sabendo que o "Regime Simplificado de Tributação" tem por base um coeficiente de 0,2, aplicável também ao sector de "alojamento e restauração" (art. 53° n°6 do Código do IRC), será utilzado um coeficiente de 15% (5 pontos abaixo daquele e cerca de metade dos calculados), de modo a não penalizar o sujeito passivo.
Assim, considerando a fórmula da rentabilidade fiscal, ou seja,
RF = Lucro Tributável / Volume Negócios
para que a mesma seja de 15%, o lucro tributável será:
Descrição19992000
Volume de negócios corrigido178.687.324$229.045.649$
Lucro Tributável (VN x 20%)26.803.099$34.356.847$
Rentabilidade Fiscal (LT. / VN)15%15%
Consequentemente, os custos presumidos, serão os seguintes:

Descrição19992000
EscudosEurosEscudosEums
A-Lucro Tributável Declarado4.603.957$22,964,443.626.861$18.090,71
B-Lucro Tributável Corrigido26.803.099$133.693,2934.356.847$171.371,23
C-Total das Correcções (B A)22.199.1421110.728,8530.729.986$153.280,52
Cl- Correcção às Prest. Serviços50.089.064$249.843,2086.141.839$429.673,68
C2- Correcção às Exist. FinaisOO(12.228.265$)
(43.183.588$)
(60.994,33,
(215.398,83,
C3- Custos presumidos (C-C1-C2)(27.889.922$)(139.114,35)(43.183.588)(215.398,83)

Em sede de IVA ( ...)" - fls. 7 a 13 do Relatório;
5. Em resposta ao direito de audição, consta do ponto IX do Relatório: "DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
Nos termos previstos no artigo 60° da Lei Geral Tributária e artigo 60° do Regime Complementar de Procedimentos da Inspecção Tributária, o projecto de conclusões do relatório de inspecção foi enviado ao sujeito passivo através de carta registada em 22/11/2002 (Oficio n°8313808, de 21/11/2002), tendo o mesmo exercido o seu direito de audição por escrito (Entrada n° 19900 de 09/12/2002, em anexo 29).
Relativamente ao mesmo, cumpre informar o seguinte:
1- Ao longo dos primeiros 17 pontos do direito de audição, o sujeito passivo demonstra um conhecimento profundo das normas tributárias, uma ver que enuncia os diversos dispositivos legais, que devem nortear a actuação da Administração Tributária. Contudo, logo depois afirma que "não foi efectuado exame à escrita com referência ao ano de 1999" e que "se nada se viu como é possível afirmar-se que as anomalias são iguais às do ano de 2000?", o que é um contra senso no contexto referido. Como se pode interpretar tão correctamente as leis e fazer uma leitura tão absurda do projecto de relatório?
Vejamos: O projecto tem um Capitulo IV com os "Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos" e um Capitulo V com os "Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos". No Capitulo IV, foram elencadas todas as situações anómalas detectadas, que permitiram a aplicação de métodos indirectos em ambos os exercícios. Como é lógico, essas situações só seriam possíveis de detectar pós um exame à escrita. Se atentarmos nos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, e 11 do Capitulo IV, veremos que são situações especificamente detectadas no ano de 1999, que resultaram de uma análise minuciosa à escrita desse ano, caso contrário não seria possível a sua detecção e descrição. Não se compreendem pois, que quem domina tão profundamente as leis tributárias, tenha confundido factos detectados em exame à escrita" e "critérios de cálculo de valores". É que o Capitulo V (quantificação da matéria colectável) é já uma consequência do Capitulo anterior (fundamentos para a utilização de métodos indirectos), onde ficou demonstrado sem margem para dúvidas que a contabilidade de ambos os exercícios continha diversas anomalias, não permitindo a comprovação directa e exacta da matéria tributável desses exercícios.
No critério escolhido para o exercício de 2000, efectuou-se um levantamento exaustivo das compras por produtos, mas poderia não ter sido feito. Esse foi apenas um meio para se chegar à margem efectivamente praticada pelo sujeito passivo, mas poderia ter sido aplicado outro critério. No exercício de 1999, o critério escolhido foi aplicar a margem a que se chegou no ano de 2000, pois não havia motivo para que a margem praticada pelo sujeito passivo fosse diferente, uma vez que laborou normalmente nos dois exercícios.
2- A propósito do inventário de 2000, vem o contribuinte afirmar que "... a Administração Tributária não demonstrou e não provou a falta de consistência da situação patrimonial real com os valores declarados pelo contribuinte... ". Mais uma vezo contribuinte demonstra não ter interpretado correctamente o que foi dito no projecto de relatório. Se for lida com atenção o ponto 16 do Capitulo IV, constatar-se-á que ficou mais do que provada a falta de consistência do inventário de 31/12/2000. De facto, como se pode verificar pelos mapas que se juntaram em anexo 13, nos casos de diversos "Vinhos" e "Bebidas alcoólicas" que são praticamente os únicos produtos inventariados, as existências finais de diversos destes produtos, eram só por si, superiores à soma das existências iniciais com as compras. Por outras palavras, o que existia no inicio do ano somado com as compras era inferior ao que ficou no fim do ano em stock, o que matematicamente é impossível (teria havido um milagre de multiplicação?). E isto considerando que nada se tinha vendido. Se isto não é falta de consistência, o que é?
3- Alega ainda que foi considerada uma rentabilidade fiscal de 15%, e porque não de 2%, 5%, 12%, 20%, 25%, 30%?"
É simples, cerca de 30% foi a rentabilidade a que se chegou naturalmente em resultado dos critérios adoptados. No entanto, atendendo ao facto de neste tipo de actividade poderem existir alguns custos não reflectidos na contabilidade, procurou-se beneficiar o contribuinte, considerando alguns desses, donde resultou uma rentabilidade de 15%, inferior àquela e à que resultaria se o lucro tributável fosse determinado de acordo com o regime simplificado (20%). Contudo, se esta situação desagrada assim tanto ao sujeito passivo, poderá sempre utilizar-se a rentabilidade inicialmente apurada.
4- Pergunta-se ainda "...porque não foi aplicada uma percentagem para, quebra e se toda a comida confeccionada foi vendida? "
Se o contribuinte tivesse analisado correctamente os mapas onde foram calculados os valores dos pratos, teria verificado que essas quebras foram consideradas, uma vez que foi atribuída uma percentagem de desperdício para cada tipo de bem.
5- Pôr último solicita que lhe sejam dados a conhecer os rácios de IRC para o sector, dos anos de 1999 e 2000, contidos no sistema informático dos Serviços de Inspecção Tributária, valores Distritais e Nacionais.
Em primeiro lugar, estranha-se o pedido, uma vez que os contribuintes normalmente não têm conhecimento das aplicações especificas que os Serviços de Inspecção possuem no seu sistema informático, como é o caso dos rácios Distritais e Nacionais. Em segundo, informa-se que esses rácios são o resultado do tratamento informático das declarações entregues pelos sujeitos passivos, sendo pois rácios declarados e não os efectivamente praticados. Se a Inspecção Tributária se limitasse a aplicar esses rácios, não faria qualquer sentido a análise específica a efectuar junto de cada sujeito passivo à sua contabilidade.
Conclusão: O sujeito passivo vem apenas contestar genericamente e de forma confusa a utilização de métodos indirectos (confundindo fundamentos para aplicação de métodos indirectos com critérios de quantificação), sem contudo contestar especifica e coerentemente cada um dos fundamentos descritos nos dezasseis pontos do Capitulo IV, nem qualquer das premissas adoptadas no cálculo dos valores apurados, pelo que, se mantêm as conclusões e valores apresentados no projecto de relatório. Juntam-se em anexo 30, mapas resumo relativos ao "Imposto sobre o rendimento" contendo os valores declarados, correcções e valores corrigidos referentes aos exercícios de 1999 e 2000." — fls. 15 a 17 do Relatório.

6. Em 13/1/2003 a agora Impugnante apresentou articulado requerendo ao Director de Finanças de (…) "a revisão da matéria tributável que lhe foi fixada com referência aos anos de 1999 e 2000 — IRC e IVA" — fls. 242 a 251 do PA apenso no TCAN;

7. Não tendo havido acordo entre os peritos, foi proferido, em 30/4/2003, "termo de resolução" no qual o Director de Finanças de … decidiu "manter os valores constantes do Relatório da DPIT, a saber: Em sede de IVA (...)
Em sede de IRC:
APURAMENTO DO LUCRO TRIBUTÁVEL
VALOR
Relativo aDeclarado
(1)
De Correcção por aplicação de Métodos IndirectosFiscal Corrigido
(3)-(1)+(2)
Vendas de Mercadorias
Vendas de Produtos
Prestações de Serviços 641.445,42249.843,20891.288,62
Variação da Produção
Outros Proveitos 2.044,252.044,25
Total dos Proveitos 643.489,67249.843,20893.332,87
CEVC 361.138,01361.138,01
Existência Inicial 48.630, 7048.630, 70
Compras 381.720, 55381.720, 55
Existência Final 69.213,2469.213,24
Outros Custos 279.100,81139.114,35418.215,16
Total dos Custos 640.238,82139.114,35779.353,17
Impostos sobre Lucros
Resultado Líquido do Exercício 3.250,85110.728,85113.979,70
Variações Patrimoniais
Acréscimos 19.873,7019.873,70
Deduções 160,11160,11
Lucro Tributável— P/efeitos fiscais22.964,44110.728,85133.693,29
-fls. 252 a 267 do PA apenso no TCAN;

8. Em 18/6/2003 a AT efectuou a liquidação 8310011044, relativa ao IRC de 1999 e à agora Impugnante, na qual, com base na matéria colectável de € 133.693,29, foi apurado imposto a pagar no montante de € 48.743,14 até à data limite de 4/8/2003 — fls. 12 dos autos;

9. A presente impugnação foi apresentada em 30/9/2003- fls. 2 dos autos;


Além disso, dá-se como provado que:

10. A AT não forneceu à Impugnante os rácios para o sector de actividade, ano 1999, contidos no sistema informático da DGCI (artigo 43°, b) da p.i e 5ª testemunha);

11. O sujeito passivo não foi notificado nos termos da alínea a) do artigo 88° da LGT, para suprir as deficiências apuradas pelo serviço de inspecção (artigo 43°, b) da p.i.);

12. A acção inspectiva decorreu, inicialmente no gabinete do técnico de contas responsável pela contabilidade da Impugnante, onde verificou a contabilidade de 1999, e, partir de certa altura, num sótão de um prédio próximo onde tinha as pastas do ano 2000 — 5ª testemunha;

13. Pouco depois de iniciar a acção inspectiva, depois de recolher indícios de que haveria omissão de proveitos e de fazer uma estimativa provisória, a inspectora e o seu chefe de equipa propôs ao Sr. A., na presença da filha do Técnico Oficial de Contas, que regularizasse voluntariamente a situação apresentando declarações de rendimentos modelo 22 de "substituição" — 5ª testemunha;

14. De acordo com essa estimativa haveria a pagar impostos cujo valor global rondava 14.000 contos —1a testemunha;

15. A inspectora só foi ao restaurante no final da acção inspectiva para dar a assinar a nota de diligência — 5ª testemunha;

16. A inspectora não fez inventariação física das existências físicas de 1999 por considerar que em 2004 essa tarefa era impossível e não fez testes físicos, como pesagens dos bens usados nos menus, nem a análise pormenorizada da contabilidade de 1999 por considerar que isso era inútil — 5a testemunha;

17. Para análise das anomalias nas vendas do ano de 1999 escolheu, por amostragem, o mês de Dezembro para evitar concentrar-se nos meses de maior movimento, que coincide com o Verão — 5a testemunha;

18. O critério de quantificação assentou na análise da totalidade das compras facturadas e registas no ano 2000 e foi estendido também ao ano de 1999 por não se ter verificado qualquer alteração da actividade nesses anos — 5ª testemunha;

19. A inspectora escolheu a margem de rentabilidade fiscal de 15%, e não outra, para evitar prejudicar o contribuinte, compensando custos não contabilizados, nomeadamente com subfacturação com pessoal, que considera ocorrerem normalmente neste sector de actividade — 5ª testemunha;

20. Tal margem de rentabilidade foi utilizada por parecer à inspectora, em função da sua experiência — de cerca de 4 anos - no exame do sector de restauração do distrito de Aveiro, que é a taxa normal e adequada ao caso concreto — 5ª testemunha;

21. A inspectora admite que em vez da margem de 15% poderia ter usado a taxa de 18% ou de 13% - 5a testemunha;

22. Antes da inspecção em causa nos autos, a AT já tinha produzido um Relatório datado de 26/11/1999, que "visava o controlo das obrigações tributárias do contribuinte e o cruzamento de elementos recolhidos no decurso de visita efectuada ao sujeito passivo S. Ldª' , tendo sido analisadas as declarações de rendimentos modelo 22 da agora Impugnante relativas aos anos de 1996 e 1997, "dando especial atenção ao quadro 17 e algumas contas de custos", de onde resultaram correcções técnicas à matéria tributável de IRC no valor de 2.163.625$00, em 1996, e 2.082.178$00, em 1997, e foram efectuadas correcções de IRS considerado em falta, no ano 1996, no montante de 612.910$00 — fls. 10 e seguintes do segundo PA apenso no TCAN;

3.2 — Matéria de facto não provada
Com interesse para a boa decisão das questões suscitadas nos autos dão-se como não provados os seguintes factos:
1. A AT não efectuou o exame à escrita com referência ao ano de 1999 (invocado no artigo 24°, 35° e 41° da p.i.);
2. A AT aceitou como correctos os valores contabilizados os serviços prestados em 1997 e 1998, no sentido de que essa aceitação incluiu as margens de lucro e de rentabilidade fiscal e resultou da inspecção feita à actividade desses anos (invocado no artigos 36° e 37° da p.i.);
Motivação:
A convicção do tribunal quanto aos factos assentes teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados, a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que se dão como integralmente reproduzidos e os depoimentos das testemunhas inquiridas, em particular da 1ª (TOC) e 5ª (inspectora) testemunhas, dada a sua especial razão de ciência, não obstante o primeiro resultar em grande parte do conhecimento que lhe ia sendo transmitido diariamente pela filha.
Com relevância para os autos, a 2ª testemunha (cozinheiro da Impugnante) e 3ª testemunha (empregado da Impugnante) apenas confirmaram que a inspectora não frequentou o restaurante durante a acção inspectiva.
A 4ª testemunha (irmão do dono da Impugnante, Sr. A., e também cozinheiro noutro restaurante) não prestou depoimento relativo a factos com relevância para os autos.
Quanto aos factos referidos em 3.2, foram dados como não provados pelos seguintes motivos: o primeiro, porque dos autos resulta provado justamente o contrário. Ou seja, a inspectora verificou que no ano de 1999 se verificaram indícios, que aponta no Relatório, susceptíveis de, em sua opinião justificarem a aplicação de métodos indirectos (cfr. facto 3 de 3.1 supra). Isso não se altera pelo facto de a inspectora não ter, assumidamente, efectuado a análise aprofundada a todos os documentos do ano de 1999.
A questão de saber se a análise efectuada foi ou não suficiente para fundamentar a verificação dos pressupostos que justificam a aplicação de métodos indirectos constitui o objecto do "conhecimento do mérito" dos autos, que se difere para momento oportuno.
Quanto ao segundo facto não provado (2 de 3.2), que na verdade constitui uma autêntica "afirmação conclusiva" e não confirmada pelos documentos juntos aos autos, discorda-se completamente da inferência que a funda: - a Impugnante tentou, nomeadamente em audiência de testemunhas, sustentar a tese de que se a AT teve oportunidade, em acção inspectiva a anos anteriores, de corrigir as margens reveladas na contabilidade dos anos de 1996 e 1997, alegadamente idênticas às do ano 1999, e não o fez, tal significará que as aceitou.
Isso não é assim, por várias razões.
Primeiro, porque a inspecção efectuada em 1999 aos anos de 1996 e 1997 teve carácter muito limitado e visava apenas o controlo parcial das obrigações declarativas resultantes do cruzamento de informação obtida na empresa S. Lda (cfr. facto 22 de 3.1).
Além disso, mesmo que a AT tivesse verificado as margens em causa utilizadas nos anos de 1996 e 1997 e não tivesse feito as respectivas correcções nesses exercícios, isso não equivaleria a uma espécie de "seguro" concedido ao contribuinte, que lhe permitiria invocar esse "precedente" para continuar a praticar as mesmas margens indefinidamente, independentemente do concreto exercício da actividade, sem perigo de lhe serem aplicados métodos indirectos de avaliação e sem que a AT pudesse, de futuro, fazer quaisquer correcções.
Tais considerações têm de se submeter ao interesse público em que assenta a actividade da AT, de fiscalização da actividade económica na perspectiva tributária, para angariação de receitas indispensáveis à sobrevivência do Estado de direito democrático e social a que se refere a Constituição da República Portuguesa (CRP).
Questão essencial é que nessa actividade inspectiva sejam respeitados os princípios constitucionais e as regras legais que regem a actuação da administração.».


3.2. De Direito

Como resulta do já exposto, a Recorrente foi alvo de uma ação de inspeção tributária que incidiu em IVA e IRC dos exercícios de 1999 e 2000, da qual resultaram liquidações de ambos os impostos e períodos, cuja matéria coletável foi determinada com recurso a métodos indiretos.
Na petição inicial a Impugnante e ora Recorrente elegeu como grande questão a apreciar a legalidade do recurso à aplicação de métodos indiretos e alegou, em síntese resumida, que «(…) a Administração Tributária não só não demonstra estar reunido qualquer dos pressupostos legais que legitime o recurso a métodos de avaliação indirecta, como também não demonstra que o reclamante praticou actos pelos quais obteve rendimentos que não declarou para efeitos de tributação» sustentando que «Antes pelo contrário, resulta de uma forma inequívoca dos seus elementos contabilísticos a escorreita possibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável.» - cfr. Artigos 21.º e 22.º da p.i..
Entende que a Inspetora Tributária «Não efectuou exame à escrita com referência ao ano de 1999, conforme consta a fls. 11 do Relatório da Inspecção Tributária, onde é referido: “tendo em conta que as anomalias detectadas são iguais (???) às verificadas em 2000, não se justifica por isso que fosse efectuado um levantamento exaustivo das compras…”» e que «(…) sem um exame completo e minucioso à escrita, não ficou demonstrada a impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável (…), quanto ao ano de 1999» - cfr. Artigos 24.º e 26.º da p.i..
Alega, também, que a AT não a notificou, nos termos do artigo 88.º, alínea a), da LGT, para suprir, em prazo não superior a 30 dias, as deficiências detetadas na contabilidade e que só não sendo estas supridas naquele prazo se poderia, eventualmente, concluir pela impossibilidade de comprovação e quantificação diretas da matéria tributável. (cfr. artigos 30.º a 31.º da p.i.).
Insurge-se contra a presunção de custos no ano de 1999, por entender que “os custos e proveitos presumidos foram abolidos com a entrada em vigor do Código do IRC em 1 de Janeiro de 1898”, concluindo que «(…) não estão reunidas, de forma alguma, as condições do pressuposto da alínea b) do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, sendo portanto, completamente falsa a alegada impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável.» - cfr. artigos 32.º e 33.º da p.i..
Seguidamente, alega que o n.º 4 do artigo 77.º da LGT impõe que a decisão de tributação por métodos indiretos, para além de especificar os motivos de impossibilidade de comprovação direta e exata da matéria tributável, indicará os critérios utilizados na sua determinação, contudo, «(…) a margem aplicada de 146,8% a fls. 10 do Relatório é absolutamente irreal, teórica e nada tem a ver com a actividade exercida pelo contribuinte no ano de 1999, pois que, com referência ao ano de 1999, nem sequer foi efectuado exame à escrita da Firma.».
Mais refere que não colhe o argumento do Perito da AT quanto ao princípio contabilístico da Continuidade ou da Consistência porque, tendo a firma sido inspecionada com referência aos exercícios de 1997 e 1998, a AT aceitou os valores contabilizados de serviços prestados, procedendo apenas a correções técnicas. Por isso, também entende que, sendo aceites os rácios evidenciados pela sua escrita nos anos anteriores, a AT não devia aplicar métodos indiretos em 1999 a 2000.
Sustentou, igualmente, inexistir fundamentação para a aplicação da taxa de rentabilidade fiscal de 15% pois, relativamente a 1999, nem foi efetuado exame à escrita - cfr. artigos 34.º a 42.º da p.i..
Por último, alegou que que há preterição de formalidades legais, na medida em que não foi dada satisfação ao solicitado pelo contribuinte no sentido de lhe serem dados a conhecer os rácios de IRC para o setor, no ano de 1999, contidos no sistema informático dos Serviços de Inspeção Tributária e por ter sido omitida a notificação ao contribuinte para suprir as deficiências apuradas.
Na sentença recorrida, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu o seguinte:
- relativamente ao erro nos pressupostos em que assentou a decisão de recorrer a métodos indiretos (artigos 8.º a 33.º da p.i.), «(…) a AT invocou a existência de diversos factos (nº 3 de 3.1. supra) que individualmente se enquadram nas alíneas a) e b) do artigo 88.º da LGT e, no seu conjunto indiciam a existência de intenção de viciação da escrita, de formas a ocultar a verdadeira capacidade contributiva.» , «A contabilização apenas parcial do valor facturado ou registado na fita de máquina, apuros diários que não incluem a totalidade das operações activas, e a omissão de registo de proveitos, cumulado com outros comportamentos verificados na inspeção e relatados nos autos, como a anulação do duplicado de factura sem junção do respectivo original, apontam no sentido da existência de intenção de viciação da escrita e da realidade perante a AT que não se reconduz à mera irregularidade, erro ou inexactidão involuntária» e «a AT descreveu factos que tornam impossível, nomeadamente, saber qual o valor dos serviços prestados e não registados em falta nos apuros diários e mesmo nas fitas de máquinas, sugerindo fortemente que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial do contribuinte.»
- no que concerne ao erro quanto à decisão relativa à determinação do critério de quantificação por avaliação indireta (artigos 34.º a 38.º da p.i.), o Tribunal a quo entendeu que a tese da impugnante quanto ao erro na aplicação da taxa de 146,8% assenta no pressuposto de que “nem foi realizado exame à escrita”, mas «(…) tal pressuposto não se verifica. Isto é, a AT efectuou exame, mais ou menos aprofundado, à escrita do ano de 1999»; no que respeita à alegação de que a AT já havia aceitado as margens dos anos de 1996 e 1997 «(…) nesta matéria não existe a possibilidade de invocação de tal “benefício”, traduzido na inalterabilidade de situações de eventual fuga ao fisco com fundamento num “direito adquirido” através de acto silente».
Ainda quanto à taxa de 146,8%, considerou o Meritíssimo Juiz a quo que «A AT demonstrou cabalmente como foi obtida (…). A AT começou por fazer uma análise aprofundada das compras do ano de 2000, que usou como referência, com base nos documentos existentes na contabilidade e, com base nos preços de venda/prestação de serviços que foram fornecidos pelo sujeito passivo ou retirados das facturas emitidas pela agora Impugnante, determinou o valor das vendas/prestações de serviços (corrigidas), (…). Esta análise incidiu sobre a totalidade das compras contabilizadas nos meses de Março e Dezembro (…). Ao referido valor corrigido a AT deduziu 13.632.500$00 para autoconsumos e determinou o valor das prestações de serviços, sem IVA, que quantificou em 228.356.259$00». «A Impugnante não se esforçou minimamente por juntar aos autos quaisquer documentos que permitam ao Tribunal acompanhar a sua tese. Por isso, ficou sem se perceber por que razão entende que aquela margem é irreal, teórica e desfasada da actividade exercida pela Impugnante no ano de 1999, sendo certo que a AT afirmou que essa era a margem que resultava dos elementos contabilizados no ano de 2000 e que não tinha havido qualquer alteração das condições de exercício de actividade relativamente ao ano anterior, pelo que já não se justificava fazer idêntica análise das compras do ano de 1999. (…). A Impugnante não alegou nem as testemunhas aludiram a qualquer alteração substancial das condições de exercício da actividade no período temporal abrangido pela inspecção.»;
- quanto à falta de fundamentação para aplicação da taxa de rentabilidade fiscal de 15% (artigos 39.º a 42.º da p.i.), refere-se na sentença que «Mais uma vez, essa afirmação parece assentar no pressuposto de que “relativamente ao ano de 1999, nem sequer foi efectuado o exame à escrita”. Já acima se viu que tal pressuposto não existe. Na verdade, a AT efectuou exame à escrita do ano de 1999». Analisando o percurso de terminação daquela taxa, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que «A AT começou por determinar o valor das prestações de serviços omitidas em 1999, que quantificou em 50.089.064$00, partindo das existências iniciais e finais e das compras declaradas e registadas pela Impugnante. Essa determinação resultou da utilização da margem sobre o custo das existências vendidas/consumidas (CEVC) apurada com base nas compras de 2000 (no valor de 146,8%), através da qual obteve o valor de 178.687.324$00, (…). Conhecido o lucro tributável declarado para o ano de 1999 e o valor da correcção determinada, a AT obteve, para esse exercício, o “lucro tributável corrigido” de 54.693.021$00 (…). Assim, inerente à proporção entre o volume de negócios e o lucro, ambos determinados após as referidas correcções, está a rentabilidade fiscal de 30,6% (…) para o ano de 1999. Com a preocupação de evitar tributação em excesso e recorrendo à experiência profissional resultante da prática inspectiva na área da restauração no distrito de … (depoimento da 5.ª testemunha) a AT entendeu “razoável presumir também custos omitidos pelo sujeito passivo, de modo a obter rentabilidades mais próximas da realidade” (…). A inspectora, 5.ª testemunha, afirmou que a sua experiência lhe indica que neste sector de actividade é normal que os restaurantes suportem custos com pessoal, e outros, superiores aos contabilizados porque necessitam de obter certos bens ou serviços que de outro modo não obteriam. Dessa experiência resultaria, alegadamente, que no caso dos autos se estava perante uma dessas situações, com custos não declarados, em que a taxa de rentabilidade fiscal corrigida se apresentava distorcida, afastada por excesso da taxa habitual neste sector e adequada à concreta situação do restaurante da Impugnante, que considerava ser de cerca de 15%. Por isso, após considerar que a taxa resultante da mera aplicação do regime simplificado de tributação das actividades de alojamento e restauração se situa, em média, em 20%, por força do disposto no artigo 53º do CIRS, a AT decidiu que no caso concreto não seria de aplicar taxa superior a 20% (…).». Afigurou-se ao Juiz a quo que «No essencial, a Impugnante não aparenta discordar mas pretendeu maior certeza, como que exigindo que a AT demonstrasse a certeza absoluta numa determinada taxa em concreto (…). Ora, numa situação como a dos autos não se pode exigir que a AT continue a justificar e a demonstrar o seu esforço de quantificação, sob pena de se inviabilizar qualquer correcção por métodos indirectos».
- quanto à preterição de formalidades legais (artigos 43.º e 44.º da p.i.), refere-se na sentença que não tendo sido utilizados os “rácios do sector para o IRC de 1999”(fosse para aferir a razoabilidade das declarações dos contribuintes e eventual necessidade de inspeção à sua contabilidade, fosse para determinar a matéria coletável), a falta de menção e eles não constitui “preterição de formalidade legal” pois este vício «decorre da omissão de formalidade essencial legalmente prevista para o concreto procedimento ou [d]o uso de formalidade proibida para o procedimento ou o seu uso indevido». Já a falta de notificação da Impugnante para suprir as deficiências encontradas na inspeção, «a AT não invocou (…) a referida alínea a) do artigo 88º como fundamento da decisão de aplicar métodos indirectos de avaliação» e «não havendo o dever de notificar o sujeito passivo para suprir as anomalias, não se pode imputar ao procedimento o apontado vício (…)».

3.2.1. A Recorrente invoca a prescrição da dívida de IRC do ano de 1999, cuja liquidação constitui objeto destes autos.
Vem sendo uniformemente aceite que, pese embora respeite à exigibilidade da dívida tributária e não à sua legalidade, a prescrição pode ser apreciada em processo de impugnação, mesmo em sede de recurso jurisdicional, para efeito de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Para tanto é, porém, necessário que os autos reúnam todos os elementos documentais necessários para esse efeito, designadamente para averiguar da existência de alguma causa de suspensão ou interrupção do prazo prescricional. Se assim não acontecer, o Tribunal deve abster-se de conhecer de tal questão, a qual poderá sempre ser invocada e conhecida pela AT, que disporá de toda a informação necessária para o dito efeito.
No caso em análise, para apreciação da prescrição da dívida exequenda apenas consta dos autos uma informação prestada pela AT, desacompanhada, porém, dos elementos documentais em que se fundamenta.
Assim sendo, é manifesto que os autos não reúnem os elementos necessários ao conhecimento da alegada prescrição da dívida impugnada de IRC do ano de 1999, pelo que nos abstemos de apreciar tal questão.

3.2.2. A Recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida porquanto, na sua ótica, o Meritíssimo Juiz a quo não se pronunciou nem valorou a prova por ela produzida, atendendo apenas aos factos alegados pela AT, (conclusões 3.ª a 6.ª, 9.ª e 10ª), bem como por insuficiente fundamentação.

Preceitua o artigo 125º, nº 1, do CPPT que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».
No mesmo sentido estabelece o artigo 615.º/1-b) do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, ao estatuir que «1. É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão; (…)».
Contudo, vem sendo entendido que apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afeta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
No caso, a sentença recorrida contém a factualidade considerada provada e não provada, bem como a respetiva motivação/fundamentação, não podendo dizer-se que carece em absoluto de fundamentação de facto e, em consequência, que enferma de nulidade.
Nesta conformidade, improcede a alegada nulidade da sentença sob escrutínio.

Já a alegada desconsideração da factualidade alegada e provada pela Recorrente não consubstancia nulidade da sentença podendo, antes, configurar erro de julgamento. É que, como se refere no acórdão do STJ de 23.03.2017, proc. 7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c3e13ed356928302802580ed0053e3ba?OpenDocument:

«(…) no que se refere à decisão de facto, importa ter presente que esta se integra na fundamentação da sentença e que os juízos probatórios parcelares que a consubstanciam podem, quando muito, padecer dos vícios de deficiência, obscuridade ou de contradição nos termos especificamente previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC. Por sua vez, a falta ou insuficiência da fundamentação da decisão sobre algum facto essencial constitui irregularidade suprível, mesmo oficiosamente, nos termos do citado artigo 662.º, nº 2, alínea d), e 3, alínea b). Nessa medida, em sede de decisão de facto, não se afigura, em princípio, aplicável o regi-me das nulidades da sentença previsto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC.

Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.
Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis[1]:
«(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.
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(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»
E, por argumento de maioria de razão, o mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.».

3.2.3. No que respeita às regras da impugnação da matéria de facto e à apreciação da prova vigora no processo tributário português o regime jurídico estabelecido para o processo civil, por força do disposto no artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
Fazendo um breve enquadramento legal das regras a que a Recorrente está sujeita para a impugnar a matéria de facto e dos poderes do TCA para a sua apreciação há que trazer à colação os artigos 662.° e 640.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), na redação atualmente vigente pois que este recurso foi interposto em 27.12.2013.
Resulta da leitura conjugada daqueles normativos que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto sempre que, em seu juízo autónomo, os elementos de prova acessíveis determinem uma solução diversa.
Isto, porém, sem prejuízo do especial ónus de impugnação que recai sobre o Recorrente, concretizado nas três alíneas do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, as quais lhe impõem a especificação (i) dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos a matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Decorre ainda do n.º 2 deste artigo que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Vejamos então o que, no caso vertente, consta das conclusões do recurso em matéria de impugnação do julgamento de facto.
Nas conclusões 5.ª e 6.ª, a Recorrente sustenta que «O Tribunal recorrido não se pronunciou nem relevou a prova testemunhal produzida, a qual é exaustiva na demonstração dos factos alegados pela impugnante, conforme se alcança da respectiva acta de inquirição a fls. 73 a 76 dos autos e pela gravação integral da audiência.» e que «(…), o Meritissimo Juiz "a quo" não carreou para a Sentença qualquer dos factos declarados pelas testemunhas os quais contrariam, inapelávelmente, o sentido da decisão proferida.».
Como se pode constatar, a Recorrente não identifica (designadamente por referência ao articulado inicial) os factos por si alegados que, tendo sido demonstrados através da prova testemunhal produzida, não foram considerados pelo Juiz a quo.
Sabendo-se que o ónus de alegação imposto pelo artigo 640.º do CPC é especial, trazemos à colação o acórdão do STJ de 21.03.2019, proc. 3683/16.6T8CBR.C1.S2, onde se consigna que «(…) integram um ónus primário, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto[4].»
Este aresto sublinha, portanto, o rigoroso ónus impugnatório principal de especificação dos concretos pontos de facto incorretamente julgados e expressa que «(…) a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada,».
Uma vez que a Recorrente nunca identifica os concretos pontos de facto incorretamente julgados, inexoravelmente deve o recurso ser rejeitado nesta parte.
Improcedem, assim, as conclusões 7.ª a 10.ª e 13ª a 20.ª (1.ª parte) das alegações de recurso.

3.2.4. A Recorrente sustenta, nas conclusões 11.ª e 12.ª, que a AT não demonstrou estar reunido qualquer dos pressupostos legais que legitime o recurso a métodos indiretos, porquanto a inspetora tributária não efetuou exame à escrita do ano de 1999, pois não se deslocou às instalações ou ao armazém da Recorrente, não viu faturas de compras nem de vendas, não fez a inventariação física das existências nem fez testes de inventariação com referência ao ano de 1999.
Contudo, ainda que a referida factualidade tivesse aderência à realidade (o que não está assente nos autos), o certo é que a contabilidade da Recorrente foi efetivamente analisada, conforme resulta do ponto 12 dos factos provados (e não se mostra impugnado pela Recorrente) onde consta que a inspeção “decorreu, inicialmente no gabinete do técnico de contas responsável pela contabilidade, onde verificou a contabilidade do ano de 1999”. E foi com base nessa análise que a AT apurou as irregularidades descritas nas 14 alíneas do ponto 3 dos factos provados.
Para além do referido, é de salientar que a Recorrente não demonstra que as alegadas circunstâncias de não terem sido analisadas todas as faturas de compras ou realizados testes aos inventários de 1999, determinaram conclusões incorretas por parte da AT.
Em suma, não subsistem dúvidas em como, efetivamente, a AT efetuou exame à escrita do ano de 1999 e apurou as irregularidades com base nas quais concluiu que era de determinar a matéria coletável através de métodos indiretos, sendo certo que a Recorrente não demonstrou quer a inverificação das ditas irregularidades quer o erro na conclusão da AT de que não era possível o apuramento direto e exato da matéria tributável com base na sua contabilidade.

3.2.5. Mais alega a Recorrente (na 2.ª parte da conclusão 20ª) que existe fundada dúvida sobre a existência e quantificação da matéria coletável, na medida em que a inspetora tributária admitiu que a margem de 146,8% estava mais elevada do que a margem média que normalmente aplicava, a qual rondava os 100%.
Mas, mesmo admitindo que a inspetora tributária proferiu tal declaração, também aqui carece de razão a Recorrente.
Como se refere no acórdão do STA de 17/10/2018, proc. 0261/11.0BECBR «Dispõe o n.º 2 do artigo 100.º do CPPT que: «Em caso de quantificação da matéria tributável por métodos indirectos não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição da contabilidade ou escrita e demais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais».
Entende JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, pp. 137/138 – nota 7 ao art. 100.º do CPPT) que os atrasos na escrituração e suas irregularidades não supridos no prazo legal, bem como a insuficiência de elementos de contabilidade para levar a cabo uma determinação directa da matéria tributável, parecem consubstanciar situações de inexistência de tal escrituração necessária para essa determinação directa. A inexistência a que se refere o n.º 2 deste art. 100.º não pode ser entendida apenas como a inexistência total de elementos de escrita, pois não seria razoável que a existência apenas um qualquer elemento de escrita, com falta da generalidade dos restantes, pudesse justificar um regime diferente do ónus da prova em matéria de quantificação da matéria tributável. Por isso, esta inexistência tem de conectar-se com a finalidade probatória que se tem em vista, o que conduz a concluir que ela existirá sempre que falte algum ou alguns dos elementos de escrita legalmente exigidos e quando, com eles, não for possível a determinação exacta da matéria tributável (destacado nosso).».
No caso dos autos, decorre do relatório de inspeção, aludido designadamente no n.º 3 do probatório fixado, que a AT considerou que «A conjugação destes factos, indicam haver indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, pelo que não sendo possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação do lucro tributável, propõe-se que nos anos de 1999 e 2000, o mesmo seja determinado por métodos indirectos nos termos do disposto nos artigos 52º do Código do IRC e 90º da Lei Geral Tributária, por força do artigo 51º do Código do IRC e dos artigos 87º e 88º da Lei Geral Tributária.» (cfr. Pág. 7 do RIT,a fls. 173 do PA).
Ou seja, a AT fundamentou o recurso a métodos indiretos na “impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável” – prevista na alínea b) do artigo 87.º e no artigo 88.º, ambos da LGT -, em razão de irregularidades detetadas na contabilidade. Tais irregularidades, não supridas e ainda que não dolosas, terão impossibilitado o controlo direto da matéria tributável e justificaram o recurso a métodos indiretos, que o tribunal a quo sancionou.
Ora, sendo a situação dos autos enquadrável no n.º 2 do artigo 100.º do CPPT, não poderia ser anulada a liquidação objeto dos autos em razão da existência de “dúvida fundada” sobre a quantificação efetuada pela AT. É que, nestes casos, a anulação por erro na quantificação da matéria tributável só ocorrerá se o impugnante demonstrar erro ou manifesto excesso da matéria tributável quantificada, como se refere no n.º 3 – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 138 (nota 8 ao artigo ao artigo 100.º da LGT), o que no caso dos autos não sucedeu.
Recaindo sobre o sujeito passivo o ónus da prova do excesso na quantificação (artigo 74.º n.º 3 da LGT) e não tendo este logrado demonstrar erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada (artigo 100.º n.º 3 do CPPT), não enferma de qualquer vício a sentença recorrida ao não fundar a anulação da liquidação na existência de “fundada dúvida” sobre a quantificação operada, ao abrigo do n.º 1 do artigo 100.º da LGT, pois que tal caminho lhe estava vedado na situação concreta dos autos, mercê do recurso a métodos indiretos – cfr., neste preciso sentido, o identificado acórdão do STA, cujo teor acompanhámos.

3.2.6. Nas conclusões 24.ª a 29.ª, a Recorrente sustenta que, mesmo que se admitisse a existência de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, o que os autos não evidenciam, a AT devia ter aplicado o fator previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º da LGT, ou seja, as “margens médias de lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimento e serviços de terceiros”, o que não fez, quando, nos termos dos artigos 58.º e 59.º da LGT, tais rácios eram absolutamente indispensáveis para a apreciação da matéria factual, designadamente quanto à verificação do excesso na quantificação e, em consequência, excesso da rentabilidade fiscal de 15% que lhe foi aplicada para o exercício de 1999. Concluiu, por isso, que a quantificação operada pela AT é tecnicamente errónea e ilegal, sendo manifesto e notório o excesso total da matéria tributável quantificada em 50.089.064$00. E, nas conclusões 21.ª a 23.ª a Recorrente alega ser manifesto que a margem aplicada de 146,8% sobre o custo das mercadorias e matérias primas é absolutamente errónea e ilegal, porque não teve em conta o critério da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º da LGT
Já no corpo das alegações a Recorrente referiu que o Meritíssimo Juiz a quo errou quando, na ausência de “rácios do sector” e sem qualquer fundamentação, acolheu a margem de 146%, já de si completamente aleatória e excessiva, em total desrespeito da lei e não aplicou nenhum dos fatores previstos nas alíneas a) e i) do artigo 90.º da LGT (conclusões 21.ª a 23.ª).
Começando pela questão da convergência dos pressupostos de aplicação de métodos indiretos para determinação da matéria coletável, designadamente a impossibilidade de comprovação direta e exata da matéria coletável com base na contabilidade, como resulta evidente da factualidade assente e da súmula constante do início da apreciação jurídica deste recurso, para as quais nos remetemos, o Meritíssimo Juiz a quo levou ao probatório e descreveu na fundamentação de direito da sentença recorrida todas as irregularidades detetadas na contabilidade da Recorrente, concluindo, fundamentadamente, que as mesmas inviabilizavam o apuramento direto e exato da matéria tributável.
Já sobre a questão da fundamentação da quantificação, considerou-se na sentença recorrida o seguinte:
«A AT demonstrou cabalmente como foi obtida tal taxa (fls. 7 a 10 do Relatório)
A AT começou por fazer uma análise aprofundada das compras do ano 2000, que usou como referência, com base nos documentos existentes na contabilidade e, com base nos preços de venda/prestação de serviços que foram fornecidos pelo sujeito passivo ou retirados das facturas emitidas pela agora Impugnante, determinou o valor das vendas/prestações de serviços (corrigidas), no total de 269.391.622$00 (fls. 7/8 do Relatório).
Essa análise incidiu sobre a totalidade das compras contabilizadas nos meses de Março e Dezembro de 2000, que não se incluem no período de maior actividade (Maio a Setembro, a crer na 3ª testemunha) coincidente sensivelmente com o Verão, assim procurando ter em conta a sazonalidade da actividade exercida à beira-mar (5ª testemunha).
Ao referido valor corrigido a AT deduziu 13.632.500$00 para autoconsumos e determinou o valor das prestações de serviços, sem IVA, que quantificou em 228.356.359$00 (fls. 9 e 10 do Relatório).
Por fim, no quadro de fls. 10 do Relatório, a AT determinou a "margem sobre o CEVC", para 2000, de 146,8% (sabe-se que CEVC é acrónimo para "custo das existências vendidas/consumidas")
A demonstração efectuada afigura-se bastante objectiva e pormenorizada.
Nessa situação competia ao Impugnante demonstrar os factos que apontam no sentido da alegada inadequação da margem apurada ao caso da empresa sob inspecção.
A Impugnante não se esforçou minimamente por juntar aos autos quaisquer elementos que permitam ao Tribunal acompanhar a sua tese. Por isso, ficou sem se perceber por que razão entende que aquela margem é irreal, teórica e desfasada da actividade exercida pela Impugnante no ano 1999, sendo certo que a AT afirmou que essa era a margem que resultava dos elementos contabilizados no ano 2000 e que não tinha havido qualquer alteração das condições de exercício de actividade relativamente ao ano anterior, pelo que não se justificava fazer idêntica análise das compras do ano 1999.
Essa equiparação da actividade do ano 2000 à do ano de 1999 resulta dos termos utilizados no Relatório, nomeadamente a fls. 15/16, onde consta: "No exercício de 1999, o critério escolhido foi aplicar a margem a que se chegou no ano de 2000, pois não havia motivo para que a margem praticada pelo sujeito passivo fosse diferente, uma vez que laborou normalmente nos dois exercícios." - facto 5 de 3.1. Isso também foi expressamente confirmado pelo depoimento da 5a testemunha.
A Impugnante não alegou nem as testemunhas aludiram a qualquer alteração substancial das condições de exercício da actividade no período temporal abrangido pela inspecção. Pelo que se julga não verificado o vício sob análise.» - o sublinhado é da nossa autoria.
Contra o assim decidido (quanto a estas duas questões, a da verificação dos pressupostos para aplicação de métodos indiretos e a da adequada fundamentação da quantificação operada) a Recorrente nada opõe em concreto, mormente demonstrando que existem nos autos elementos que comprovem estarem errados os pressupostos em que a AT assentou a sua análise e/ou as conclusões que dela extraiu, não se encontrando demonstrado qualquer erro da sentença nesta parte, sendo certo que também não está adequadamente impugnado o julgamento de facto da 1.ª instância.
Concluímos, pois, que não está evidenciado qualquer erro de julgamento nesta parte.
Acresce que a Recorrente vem suscitar questões novas, não alegadas na p.i., que respeitam, por um lado, à violação do artigo 90.º da LGT, por falta de aplicação do critério de quantificação previsto na alínea a) do seu n.º 1, e, por outro lado, à violação dos artigos 58.º e 59.º da LGT (princípios do inquisitório e da colaboração).
Com efeito, sobre a rentabilidade fiscal aplicada de 15%, no articulado inicial, apenas foi alegado o vício de forma por falta de fundamentação («39º - Por outro lado, é absolutamente ilegal, por falta de fundamentação, o referido no Relatório a fls. 12 de que: “parece razoável presumir também custos para que a rentabilidade fiscal seja de 15%”. 40º - Pois, relativamente a 1999, nem sequer foi efectuado exame à escrita. 41º// Assim sendo, a falta de fundamentação quanto ao critério utilizado pela Administração Tributária é flagrante e notória, imperando uma ausência total de objectividade (nº 2 do artigo 11º do CPPT).», o qual foi objeto de apreciação na sentença recorrida nos moldes já supra aludidos, tendo a Recorrente abandonado tal questão no presente recurso (pois que sobre ela e o correspondente julgamento nada refere, quer nas conclusões quer nas alegações de recurso).
E, relativamente aos rácios da AT para o setor, no ano de 1999, na petição inicial apenas invoca preterição de formalidades legais, por violação do n.º 6 do artigo 60.º da LGT («43º- D) PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS// a) Há preterição de formalidade legal na medida em que não foi dado cumprimento ao solicitado pelo contribuinte, nos termos do nº 6 do artigo 60º da L.G.T., para que lhe fossem dados a conhecer os rácios de IRC para o sector, ano de 1999, contidos no sistema informático dos Serviços de Inspecção Tributária»), a qual também foi apreciada na sentença recorrida, em moldes que não mereceram qualquer censura ou comentário no presente recurso.
Está, pois, bom de ver que as questões da violação do artigo 90.º da LGT e dos artigos 58.º e 59.º da mesma lei, não foram suscitadas na petição inicial, nem foram objeto de apreciação na sentença recorrida.
É sabido que, por força do princípio do dispositivo, o tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigo 608.º, n.º 2 CPC vigente)
Cada questão corresponde a um binómio causa de pedir - pedido, o qual exprime os fundamentos fácticos e jurídicos que justificam a concessão da tutela judicial pretendida (artigo 581.º n.ºs 3 e 4 CPC; na doutrina Alberto dos Reis Código de Processo Civil anotado Volume V, 1984 p.58.).
O recurso jurisdicional é um meio de impugnação das decisões judiciais, visando o reexame pelo tribunal superior no sentido da sua revogação, modificação ou confirmação, estando vedado ao tribunal de recurso o conhecimento de questão nova, salvo se for de conhecimento oficioso (artigo 627.º n.º 1 CPC.)
Limitados nestes termos os poderes de cognição do Tribunal e não podendo as enunciadas questões ser oficiosamente conhecidas, está vedada a respetiva apreciação no presente recurso.


4. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente e manter a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 7 de fevereiro de 2020


Maria do Rosário Pais
Fernanda Esteves
Barbara Tavares Teles