Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01095/04.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL POR FACTO LÍCITO. PREJUÍZO ESPECIAL E ANORMAL.
VIADUTO DE AUTO-ESTRADA.
Sumário:I) – A responsabilidade extracontratual por facto lícito implica a existência de prejuízo especial e anormal.
II) – É o caso da construção de viaduto de auto-estrada a poucos metros confinante com habitação dos autores, de que resultou desvalorização de 20 % do valor do imóvel (com um valor de € 90.000,00 - noventa mil euros), em função da perda de qualidade ambiental, por aumento de ruído e diminuição de exposição solar (ruído a que antes não estavam sujeitos, e, num juízo empírico e de inferência, de considerável incomodidade; exposição solar drasticamente diminuída).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:EP- Estradas de Portugal, SA
Recorrido 1:ASF e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Instituto de Estradas de Portugal (Praça…) [actual Infraestruturas de Portugal, SA, (IP, SA)], recorre de decisão do TAF de Braga, que, em acção administrativa comum sob a forma ordinária, intentada por ASF e MLTS (), condenou “a R. a pagar aos AA. uma indemnização pelos prejuízos especiais e anormais causados e decorrentes da desvalorização do prédio dos AA., com a construção da auto-estrada A7/IC5, sublanço Calvos-Fafe, Nó de Fafe, no montante de € 18.000,00 (dezoito mil euros)”.

O recorrente tira as seguintes conclusões (sic):
I. Por sentença datada de 9 de outubro de 2013 o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a ação proposta pelos Recorridos, condenando a aqui Recorrente a reconhecer o direito de propriedade destes sobre o imóvel dos autos e, ainda, no pagamento de indemnização no montante de 18.000,00€ a titulo de prejuízos anormais e especiais, não se conformando a Recorrente com a sentença em causa; daí o presente Recurso.

II. Os danos referidos na sentença ora em crise não possuem caráter especial a anormal, são, outrossim, danos impostos pelo desenvolvimento e pelo progresso.

III. É facto notório que há cada vez mais carros em circulação circunstância que resulta, aliás, da ação de todos que possuem carro próprio e, ainda, que a construção de uma estrada implica, para os vizinhos mais próximos, aumento de ruídos a cheiros decorrentes da circulação rodoviária, tratando-se, porém, de riscos normais de viver em sociedade.

IV. A sociedade em que se inserem os Recorridos é absolutamente dependente da utilização de carros, autocarros e camiões para subsistir e no local dos autos existem estradas com tráfego (EN 207), pelo que não podemos concordar com a decisão judicial ora em crise quando diz que que a construção em causa causou “…um prejuízo anormalmente oneroso provocado por uma atuação pública, pelo que grave."

V. Aceita-se que a degradação da qualidade ambiental referida nos autos seja um factor de desvalorização de imóveis, não se aceita, porém, que neste caso em concreto afecte especialmente e anormalmente os Recorridos.

VI. Como se disse no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido na apelação n° 377/04 " É que (..), hodiernamente (vivemos num mundo complexo e industrializado, buliçoso) justifica-se que as pessoas tolerem até certo ponto a pequena poluição causada pelo seu semelhante, incomodidade esta a que, aliás, tendemos a criar alguma habituação. Também nas relações de vizinhança se terá que entender que só quando a poluição ultrapasse aquilo que é razoável aceitar-se é que se justifica a tomada de medidas (...)".

VII. Uma desvalorização de 20% não é, em nosso entender, um prejuízo especial e anormal, e, outrossim, decorrente dos riscos de viver em sociedade e, por isso, devem ser os Recorridos a tolerá-lo.

VIII. No que respeita ao ruído, sequer se demonstrou in casu se os níveis de ruído eram tais que, de facto, implicassem um prejuízo anormal e especial.

IX. Pelo exposto, o Tribunal a quo podia e deveria ter decidido de outro modo, considerando os prejuízos em causa normais e gerais porque decorrentes dos normais riscos e encargos da vida em sociedade.

X. Caso assim se não se entenda, sempre se dirá que não existem nos autos provas que permitam concluir que o aumento de ruído derivado da construção do viaduto constitui dano indemnizável a título de desvalorização.

XI. Na verdade, não existe nos autos qualquer prova de nexo de causalidade entre o aumento de ruido e a desvalorização.

XII. Se temos essa prova para os restantes danos, não existe tal prova para o ruído já que as peritos não se referiram a tal condicionante no seu relatório.

XIII. Acresce, ainda, que não há-de ser qualquer acréscimo de ruído que legitima a atribuição de indemnização, deverá ser um que seja anormal e especial, ou seja, que atinja proporções relativamente aos afectados que mereçam a tutela jurídica.

XIV. Nos autos não existem quaisquer medições relativamente aos índices de ruído existentes e respectiva variação, razão pela qual a mera afirmação de que houve "um aumento" não possa, por si só, desacompanhada de outros meios de prova, implicar a desvalorização do imóvel em causa, pelo que, quanto a este ponto, deveria a Recorrente ser absolvida do pedido.

XV. Ao não decidir assim, a sentença recorrida viola, entre outras disposições, o disposto nos arts. 22.° e 205.°, n.° 1 CRP, arts. 158.°, 591.°, 655.° e 668.°, alínea b) do CPC, arts. 389.° e 591.° do Código Civil e artigo 9.° do Decreto Lei 48051, de 21/11/1967.

Os recorridos não contra-alegaram.

*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitiu parecer.
*
Dispensando vistos, cumpre decidir.
*
Tendo a decisão recorrida afirmado responsabilidade extracontratual por facto lícito, condenando no pagamento de indemnização por prejuízo especial e anormal, avançando agora o recorrente discordância, cumpre saber se há ou não erro de julgamento a tal propósito, ponderando da argumentação esgrimida.
*
Factos provados, a considerar:
1. O direito de propriedade sobre o prédio descrito no art.º 1º da petição inicial (prédio) encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe, a favor dos autores (alínea A) dos Factos Assentes).
2. A R. trouxe em construção a auto-estrada que liga o concelho de Guimarães ao concelho de Chaves, e que se designa por A7/IC5 (alínea B) dos Factos Assentes).
3. No sub-lanço denominado Calvos-Fafe, a auto-estrada A7/IC5, atravessa a freguesia de Antime, no concelho de Fafe. (alínea C) dos Factos Assentes)
4. No lugar da Cruz, daquela freguesia de Antime, a auto-estrada A7/IC5, mais concretamente a parte da obra que se designa por Nó de Fafe, desenvolve-se em viaduto. (alínea D) dos Factos Assentes).
5. O prédio referido em 1) adveio à posse e propriedade dos AA. por o haverem adquirido através da escritura de Compra e Venda, lavrada a fls. 75/verso a 77, do Livro de Escrituras Diversas 337-A, do Cartório Notarial de Fafe, em 24 de Novembro de 1995 (quesito 1.º da base instrutória).
6. Posteriormente os AA. procederam à execução de obras no referido prédio, pelo que hoje o prédio possui de área coberta 113 m2, com rés-do-chão e primeiro andar e logradouro com 193 m2 (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
7. Para além disso, há mais de 20, 30, 50 anos que os AA. por si e antepossuidores estão na posse, uso e fruição do aludido prédio, nele semeando milho, erva, feijão, centeio, plantando produtos hortícolas e vinha, colhendo os respectivos frutos, nele habitando, utilizando-o também para a actividade industrial e retirando dele as demais utilidades que lhe são inerentes (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
8. Fazendo reparações e pagando as contribuições e impostos sobre ele incidentes (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
9. Dando-o de arrendamento e recebendo as respectivas rendas (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
10. O que tudo sempre têm feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção e na firma convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tal prédio (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
11. Um dos tabuleiros desta via dista 15 metros para sul do prédio dos AA. e a cota é de cerca de 18 metros relativamente à soleira do edifício (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
12. Sobre o prédio dos AA. ficou constituída uma servidão non aedificandi já que o mesmo se situa na faixa “non aedificandi” de 40 m criada pela execução da auto estrada A7 (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
13. A casa de habitação dos AA. era uma casa bastante arejada, exposta em permanência à acção directa dos raios solares (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
14. Atualmente a casa de habitação dos AA só em parte do dia é que consegue ser atingida pelos raios solares, uma vez que durante uma parte do dia, o viaduto não permite a passagem de raios solares (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
15. A passagem em viaduto da auto-estrada mesmo ao lado da casa de habitação dos AA. provocou um aumento de ruído decorrente da passagem dos veículos pelas juntas de dilatação existentes no tabuleiro (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
16. A construção do viaduto depreciou a qualidade ambiental do prédio (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
17. Com efeito, a mesma situa-se às portas da cidade de Fafe, isto é a cerca de 500/1000 metros (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
18. No local existe, mesmo pegado à casa dos AA. um Jardim de Infância, a sede de Junta de Freguesia e uma Escola Primária (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
19. A cerca de 20/30 metros da casa dos AA. passam regularmente transportes públicos, que servem as cidades de Fafe e de Felgueiras (resposta ao quesito 22º da base instrutória).
20. Toda aquela área dispõe de saneamento básico, água, electricidade e bem assim vias e acessos dos mais importantes, desde logo a própria estrada nacional que liga Fafe a Felgueiras (resposta ao quesito 23º da base instrutória).
21. Para além disso, toda aquela zona dispõe de diversas unidades fabris e bem assim, nas proximidades de cafés e restaurantes (resposta ao quesito 24º da base instrutória).
22. Relativamente perto situa-se ainda um Lar de Idosos, a Igreja e o Cemitério da freguesia (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
23. O prédio dos AA., no âmbito do PDM tem a seguinte classificação: “localiza-se num aglomerado principal suburbano está classificado pelo PDM; - restrições na Planta de Condicionantes do PDM; Os índices urbanísticos máximos admitidos pelo art.º 53º, n.º 3 do Regulamento do PDM, para os aglomerados principais suburbanos, são: índice bruto máximo=0,50; número de pisos máximos=dois a três pisos; área de anexos: 60.00 m2. As infra-estruturas existentes são: acesso rodoviário pavimentado, rede de abastecimento de água, rede pública de saneamento, rede publica de aguas pluviais, rede de telefones e rede pública de energia eléctrica.” (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
24. A área total do prédio dos AA. é de 306 m2 (resposta ao quesito 31º da base instrutória).
25. O prédio dos AA. valia, antes da construção da A7/IC5, € 90.000,00 (noventa mil euros) (resposta aos quesitos 32.º, 33.º e 36.º da base instrutória).
26. O valor do prédio após a construção do viaduto sofreu uma desvalorização de 20% em função da perda de qualidade ambiental, que inclui o aumento do ruído, e exposição solar (resposta ao quesito 34.º da base instrutória, nos termos supra expostos).
*

Direito:
Sendo vários os pedidos formulados na acção - sobre os quais, e com diferentes sortes, se pronunciou a decisão recorrida -, uma das pretensões que teve parcial êxito, agora sob impugnação, foi a da condenação da “R. a pagar aos AA. uma indemnização pelos prejuízos especiais e anormais causados e decorrentes da desvalorização do prédio dos AA., com a construção da auto-estrada A7/IC5, sublanço Calvos-Fafe, Nó de Fafe, no montante de € 18.000,00 (dezoito mil euros)”.
No que se discorreu:
«(…)
O art. 22.º da C.R.P. estabelece que o «Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».
À data da ocorrência dos factos dos presentes autos, a concretização desta responsabilidade por actos de gestão pública era feita, em geral, pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.67 que estabelecia no seu art. 9.º, n.º 1, “o Estado e as demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais”.
São pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, por actos lícitos praticados no domínio de gestão pública, prevista no art. 9.º do DL nº 48.051, de 21.11.67 (cf. Ac. do STA de 9/12/2008, Proc. 1088/08):
a. Um acto lícito do Estado ou de outra pessoa colectiva pública;
b. Praticado por motivo de interesse público;
c. Um prejuízo especial e anormal;
d. Nexo de causalidade entre o acto e o prejuízo.
Nesta situação, decorre que se prescinde dos requisitos da ilicitude e da culpa, apenas se exigindo que os prejuízos causados, para ser indemnizáveis, sejam especiais e anormais (cf. Ac. do TCA Norte, de 10.12.2010, P. 152/04).
(…)
Vem demonstrado nos autos que a R. trouxe em construção a auto-estrada que liga o concelho de Guimarães ao concelho de Chaves, designada por A7/IC5, que no sub-lanço denominado Calvos-Fafe atravessa a freguesia de Antime, no concelho de Fafe, e que no lugar da Cruz a parte da obra que se designa por Nó de Fafe, desenvolve-se em viaduto e que passa ao lado da habitação dos AA.. De facto, demonstrou-se que um dos tabuleiros da A7/IC5 dista 15 metros para sul do prédio dos AA. e a cota é de cerca de 18 metros relativamente à soleira do edifício e que sobre o prédio dos AA. ficou constituída uma servidão non aedificandi já que o mesmo se situa na faixa “non aedificandi” de 40 m criada pela execução da auto estrada A7/IC5.
Esta matéria é apta à conclusão da verificação da existência de um acto lícito – a construção de uma auto-estrada -, in casu, da R. – que à data era uma pessoa colectiva pública - praticado por motivo de interesse público – já que se trata de uma importante infra-estrutura rodoviária em perfil de auto-estrada destinada à ligação do concelho de Guimarães a Chaves.
A respeito do prejuízo especial e anormal escreveu-se no Acórdão do TCA Norte de 15.3.2012, P. 01290/06.0BEBRG, que “A doutrina e a jurisprudência vêm construindo, desde há muito, a noção de prejuízo especial e anormal, tendo-se destacado, a respeito da noção da especialidade, a teoria da intervenção individual, e quanto à noção de anormalidade, a chamada teoria do gozo standard. A primeira, põe o seu enfoque na especialidade do resultado da intervenção, ou seja, na incidência do acto sobre uma só pessoa ou grupo de pessoas, de forma que será especial aquele prejuízo que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa ou a grupo de pessoas certo e determinado, em função de uma específica posição relativa dessa pessoa ou desse grupo. A segunda, parte da garantia do gozo médio ou standard dos bens que pertencem aos particulares, de tal forma que será anormal o prejuízo que se traduz na ablação total ou parcial desse gozo standard.
O prejuízo indemnizável deve, pela sua gravidade, pela sua importância, pelo seu peso, ultrapassar o carácter de um ónus natural decorrente da vida em sociedade.
Os prejuízos serão qualificados de especiais e anormais quando ultrapassem os pequenos transtornos que são inerentes à actividade administrativa, que decorrem da natureza da própria actividade, e se configuram como um custo a suportar pela própria integração social, ou seja, são danos que vão onerar, pesada e especialmente, apenas algum ou alguns cidadãos, sobrecarregando-os de forma desigual em relação a todos os demais.
O que caracteriza a especialidade e anormalidade do prejuízo é, pois, o facto deste, pelo seu carácter e volume, exceder aquilo que é razoável fazer suportar ao cidadão normal socialmente integrado.
Assim, a especialidade e a anormalidade são traços distintivos do prejuízo ressarcível, relativamente ao ónus natural do risco e da vida em sociedade. Actuam como verdadeiros travões ao princípio de que o Estado, e demais entes públicos, deverão reparar os danos causados pela sua crescente actividade. E surgem como verdadeiros conceitos indeterminados, carecidos de preenchimento valorativo na aplicação ao caso concreto.
[...]
Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração.
O princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento axiológico deste tipo de responsabilidade, traduzindo a refracção do princípio geral da igualdade em igualdade de contribuição dos cidadãos no suporte daqueles encargos".
E com interesse, consta ainda do Ac. STA de 2/12/2010, Proc. n.º 0629/10 "Na verdade, a propósito do requisito da anormalidade e especialidade de que o artigo 9º (- Dispõe o artigo 9º, do DL n.º 48051: “ O Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.”), do DL n.º 48051, de 21-11-1967, faz depender o direito de indemnização dos particulares pelos prejuízos causados por acto lícitos praticado pela Administração, escreve-se no acórdão deste STA de 2-12-2004, Proc.º n.º 670/04, citado aliás na decisão recorrida: “ o princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento axiológico deste tipo de responsabilidade, traduzindo a refracção do princípio geral da igualdade em igualdade de contribuição dos cidadãos no suporte daqueles encargos.
Daí que se exija a existência de um prejuízo especial (não imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa) e anormal (não inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos), condicionando-se o dever de indemnizar à verificação de tais requisitos.
A “especialidade” e a “anormalidade” dos prejuízos decorrentes de actuações lícitas da Administração, constituem pois um duplo condicionamento para efeito de efectivação de ressarcimento de tais danos, limitando naturalmente o âmbito de aplicação do instituto a casos de manifesta inusualidade.””.
Atento o exposto, cumpre agora atentar no probatório.
Provou-se nos autos que:
- Um dos tabuleiros da via em causa dista 15 metros para sul do prédio dos AA. e a cota é de cerca de 18 metros relativamente à soleira do edifício;
- A casa de habitação dos AA. era uma casa bastante arejada, exposta em permanência à acção directa dos raios solares;
- Atualmente só em parte do dia é que consegue ser atingida pelos raios solares, uma vez que durante uma parte do dia, o viaduto não permite a passagem de raios solares;
- A passagem em viaduto da auto-estrada mesmo ao lado da casa de habitação dos AA. provocou um aumento de ruído decorrente da passagem dos veículos pelas juntas de dilatação existentes no tabuleiro;
- A construção do viaduto depreciou a qualidade ambiental do prédio;
- O prédio dos AA. valia, antes da construção da A7/IC5, € 90.000,00 (noventa mil euros) e que o valor do prédio após a construção do viaduto sofreu uma desvalorização de 20 % em função da perda de qualidade ambiental, que inclui o ruído, e exposição solar.
Em face desta factualidade, é inequívoco que a construção da auto-estrada levada a cabo pela Ré causou aos AA. danos patrimoniais especiais e anormais, consubstanciados no ensombramento e perda de qualidade ambiental que determinaram uma desvalorização de 20% do seu prédio.
Com efeito, os AA. são proprietários do prédio em causa e viram-se obrigados a suportar as consequências decorrentes da construção e implantação de uma obra pública de carácter permanente a poucos metros do mesmo, em razão da qual o prédio passou a ter menor exposição solar e perdeu qualidade ambiental, incluindo em termos de verificação de um aumento do ruído, pois que se provou que os AA. têm de suportar o aumento de ruído decorrente da passagem dos veículos pelas juntas de dilatação existentes no tabuleiro.
Todos os danos referidos não podem considerar-se prejuízos normais, inerentes aos riscos normais da vida em sociedade e que são suportados por todos os cidadãos e sem que se mostrem ultrapassados os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração.
Antes se configuram como especiais pois afectam apenas os Autores, dada a repercussão que a obra levada a cabo pela Ré teve - especificamente - no prédio daqueles, tendo afectado de modo especial a sua esfera jurídica, acarretando-lhes um sacrifício inequitativo com relação designadamente aos demais utentes da auto-estrada em causa. Ultrapassam os custos próprios da vida em sociedade e, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.
A construção em causa, apesar de constituir uma intervenção legítima em ordem à prossecução do interesse público consubstanciado na melhoria da circulação e da rede viária, causou efeitos especialmente desfavoráveis desiguais para o património dos Autores.
Com efeito, enquanto os cidadãos em geral só beneficiaram, com os trabalhos públicos, os Autores viram o seu prédio desvalorizado em 20%, em função da alteração e degradação das condições ambientais antes usufruídas pelo prédio – e principalmente por quem nele habita.
A desvalorização do prédio dos AA. em 20%, não representa um pequeno constrangimento ou contrapartida natural dos benefícios recebidos pela construção da A7 mas sim de um prejuízo anormalmente oneroso provocado por uma atuação pública, pelo que grave. Traduzindo-se em danos de tal maneira graves, especiais e anormais que não são reportados aos demais cidadãos beneficiários também da obra em causa.
Ou seja, os danos apurados constituem um sacrifício superior e mais intenso do que o normalmente imposto aos outros membros da colectividade, pelo que, sem uma indemnização por essa privação, fica em causa a ideia da necessária igualdade de todos perante os encargos públicos que justifica o dever, público, de compensar os prejuízos especiais e anormais.
Quanto ao nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo neste tipo de responsabilidade, adquire relevo autónomo, de modo que vem sendo entendido que a pretensão de indemnização só existe a favor do destinatário imediato do acto impositivo do sacrifício. O nexo de causalidade, assim, não deverá fixar-se apenas em termos de adequação concreta entre facto e dano, mas também em termos de imediatividade entre o facto e dano, o que significa que, por esta via, se estabelece novo elemento-travão, em ordem a evitar a sobrecarga do tesouro público, limitando o reconhecimento de um dever indemnizatório ao caso dos danos inequivocamente graves e imediatos.
Ora, a matéria factual provada é, igualmente, apta à demonstração do nexo de causalidade entre a construção da A7/IC5 e a desvalorização do prédio dos AA., tendo sido estes os destinatários imediatos do ato impositivo.
Com efeito, vem demonstrado que a causa da menor exposição solar e do aumento do ruído é o viaduto e a passagem de veículos pelas juntas de dilatação existentes no tabuleiro, que foi a construção do viaduto que depreciou a qualidade ambiental do prédio e que a desvalorização do prédio dos AA. se deu na sequência da construção do viaduto. Não restando, por isso, dúvidas também quanto ao preenchimento deste requisito.
Conclui-se assim pelo preenchimento de todos os requisitos de responsabilidade civil extracontratual por facto lícito da Ré, e, consequentemente, constitui-se esta na obrigação de compensar os Autores pelos danos sofridos, que ascendem a € 18.000,00 correspondentes a 20% de desvalorização do seu prédio.
(…)».

O tribunal “a quo” teve presente jurisprudência deste TCAN, com expressa referência ao Ac. de 15-03-2012, proc. nº. 01290/06.0BEBRG, de contornos muito similares, onde também se aferiu da existência de “prejuízo especial e anormal” por via da construção da mesma obra de arte (viaduto) na A7/IC5.
Tal aresto teve confirmação por Ac. do STA, de 19-12-2012, proc. nº 01101/12 (a mesma solução de direito material foi acolhida também por Ac. do STA, de 18-12-2013, proc. n.º 01834/13, noutro idêntico caso).
Mais recentemente, e com a mesma similitude de identidade, o Ac. deste TCAN, de 22-10-2015, proc. nº 01098/04.8BEBRG.
É no mesmo enquadramento de responsabilidade extracontratual por facto lícito, operando com similares dados factuais, que agora o caso em mãos é apreciado, convocando o conceito de "prejuízo especial e anormal" para efeitos do art.º 9.º do Dec. Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967.
Como a recorrente chama a atenção, há, naturalmente, danos impostos pelo desenvolvimento e pelo progresso, e são aceitáveis normais riscos e encargos da vida em sociedade; noutro pólo de tensão, “O ressarcimento dos danos provocados por actuações administrativas lícitas tem seguramente um carácter evolutivo podendo dizer-se que quanto mais evoluída e próspera é uma sociedade maior deverá ser a sua capacidade indemnizatória em relação às vítimas das suas intervenções, tomadas, afinal, em proveito de todos” (pode ver-se, no mesmo sentido, toda a jurisprudência posterior deste STA, designadamente, o acórdão de 9.12.08, proferido no recurso 1088/02 e outra aí citada)” [supra referido Ac. do STA, de 19-12-2012, proc. nº 01101/12].
Na difícil equação da “medida do sacrifício suportável” «A especialidade e a anormalidade são traços distintivos do prejuízo ressarcível, relativamente ao ónus natural do risco e da vida em sociedade, e actuam como verdadeiros travões ao princípio de que o Estado, e demais entes públicos, deverão reparar os danos causados pela sua actividade, sendo verdadeiros conceitos indeterminados, carecidos de preenchimento valorativo na aplicação ao caso concreto» (Ac. deste TCAN, de 10/12/2010, proc. nº 00152/04.0BEBRG), sendo “unânime a posição doutrinal e jurisprudencial, no sentido de que subjacente à noção de prejuízo especial e anormal, se encontram as teorias da intervenção individual e do gozo standard, respectivamente (Ac. do STA, de 25-03-2015, proc. n.º 01389/14).
Assim, comummente se entende que prejuízo especial aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; prejuízo anormal é aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração (cfr. jurisprudência supra enunciada).
O recorrente aceita que “a degradação da qualidade ambiental referida nos autos seja um factor de desvalorização de imóveis”.
Mas sustenta que, no caso concreto, não tem o peso de dano especial e anormal.
Não é esse nosso julgamento.
Como se escreve em Ac. do STA de 02/12/2010, proc. nº 0629/10 “(…) A “especialidade” e a “anormalidade” dos prejuízos decorrentes de actuações lícitas da Administração, constituem pois um duplo condicionamento para efeito de efectivação de ressarcimento de tais danos, limitando naturalmente o âmbito de aplicação do instituto a casos de manifesta inusualidade”.
E esse é aqui o caso.
Como se destacou na decisão recorrida, «Provou-se nos autos que: - Um dos tabuleiros da via em causa dista 15 metros para sul do prédio dos AA. e a cota é de cerca de 18 metros relativamente à soleira do edifício; - A casa de habitação dos AA. era uma casa bastante arejada, exposta em permanência à acção directa dos raios solares; - Atualmente só em parte do dia é que consegue ser atingida pelos raios solares, uma vez que durante uma parte do dia, o viaduto não permite a passagem de raios solares; - A passagem em viaduto da auto-estrada mesmo ao lado da casa de habitação dos AA. provocou um aumento de ruído decorrente da passagem dos veículos pelas juntas de dilatação existentes no tabuleiro; - A construção do viaduto depreciou a qualidade ambiental do prédio; - O prédio dos AA. valia, antes da construção da A7/IC5, € 90.000,00 (noventa mil euros) e que o valor do prédio após a construção do viaduto sofreu uma desvalorização de 20 % em função da perda de qualidade ambiental, que inclui o ruído, e exposição solar.».
As conclusões a tirar vão no mesmo sentido do julgado em 1ª instância.
Os recorridos, com o viaduto de auto-estrada a poucos metros de sua casa e com as comprovadas consequências nefastas que se projectaram na situação do imóvel, viram-se numa situação particular suficientemente distinta daquela que tem de suportar a generalidade dos cidadãos, ultrapassando mesmo aquela que se possa ter como comum para situações de vizinhança com tais vias rodoviárias. Por outro lado, uma desvalorização de 20% referente a um imóvel, com valor de € 90.000,00 (noventa mil euros), é uma desvalorização grave, em valor que ultrapassa o dever aceitável de suportar a actividade lícita da Administração sem qualquer individual compensação; num padrão de normalidade do cidadão médio deste país.
Debalde o recorrente lança a terreiro a falta de medição dos níveis de ruído e de um nexo de causalidade. Tais questões entrecruzam-se nos juízos de facto tirados pelo tribunal “a quo”, que afirmou a «perda de qualidade ambiental, que inclui o ruído, e exposição solar» [é de todo claro que se trata de ruído a que antes os AA. e o seu imóvel não estavam sujeitos, e, num juízo empírico e de inferência, de considerável incomodidade; por outro lado, resulta também que a exposição solar do imóvel foi drasticamente diminuída, o que, como se sabe, e no geral, importa negativos reflexos de qualidade habitacional], daí estabelecendo o nexo para com a desvalorização do imóvel, o que o julgador deu em resposta ao que constava de base instrutória e no uso da liberdade de julgamento sobre a matéria. O que está de acordo com o que ditam as regras da experiência, sem qualquer necessidade de medição de níveis de ruído, e com o que é de causalidade adequada, de incólume impugnação fáctica. «As regras da experiência não exigem certezas científicas, não são perícias, nem exames donde resultem aquelas certezas, mas informações reais que a vida ensina na verificação empírica de resultados produzidos.» - Ac. do STJ, de 22-02-2013, proc. n.º 420/06.7GAPVZ.P1.S2.
Assim, e também na linha dos supra enunciados casos análogos, é de manter o decidido.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.

Porto, 8 de Abril de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins