Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02524/21.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/07/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL.
CONCURSO DE CONCEPÇÃO.
AUDIÊNCIA PRÉVIA. EXCLUSÃO.
Sumário:I) – Na disciplina do CCP o concurso de concepção não encontra passo para audiência prévia.
II) – Cfr. Ac. do STA, de 23-04-2020, proc. n.º 0498/18.0BECTB: «Não deve o julgador decidir no sentido da exclusão de uma determinada proposta com base num fundamento de invalidade que não foi convocado pela entidade adjudicante na decisão de exclusão».
Recorrente:A… – Engenharia, Ldª
Recorrido 1:Metro do Porto, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
A… – Engenharia, Ldª (Rua …), em acção de contencioso pré-contratual intentada contra Metro do Porto, SA (Av.ª …), e contra-interessados id. nos autos, interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF do Porto, que a julgou totalmente improcedente.

A autora/recorrente conclui:

1. A deliberação impugnada determinou a exclusão da proposta da Autora sem que tenha sido observada a audiência prévia.

2. O facto do especifico procedimento concursal de concepção obedecer à tramitação prevista nos artºs 219º-A e seguintes do CCP , dos quais ressalta, a regra do anonimato das propostas e da vinculatividade das deliberações do júri, não impede, antes obriga, que seja efectuada a audiência prévia a que se refere o artº 121º CPA.

3. A sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação, violando-as, das normas concursais, do artº 219º A e segs CCP e do artº 121º CPA.

4. A deliberação administrativa impugnada assentou única e exclusivamente nos atributos próprios da proposta da Recorrente e não fez qualquer menção nem se fundamentou nas propostas dos restantes concorrentes.

5. Por esse motivo falece o argumento de que o anonimato das propostas impediria a efectivação da audiência prévia da recorrente.

6. Os artºs 219º-A e segs do CCP não impedem que ocorra a audiência prévia, sendo compatível com este instituto.

7. A audiência prévia é compatível com o anonimato das propostas e só o não será se houver consulta dos concorrentes das propostas dos restantes concorrentes.

8. Se não existir a consulta das propostas dos concorrentes a audiência prévia deve ocorrer.

9. As sobreditas normas do CCP (artºs 219º-A e segs) não prevêem a proibição da audiência prévia.

10. A Recorrida invocou o artigo 219.º-B nº 2 e 3 do CCP depois da prática do acto impugnado, pelo que é um argumento e fundamento da deliberação impugnada que não a incorpora.

11. A deliberação de exclusão da proposta da Recorrente apenas incidia sobre os atributos desta e não faz qualquer referência às propostas dos demais concorrentes.

12. A decisão de exclusão da proposta da Recorrente apenas tem como único fundamento o facto de alegadamente essa proposta não cumprir com os requisitos do caderno de encargos, uma vez que o prazo previsto e proposto para a execução da obra exceder o prazo máximo exigido pelo caderno de encargos.

13. Deste modo o Recorrido não tinha que identificar a Recorrente, nem tinha que identificar os demais concorrentes; tal como não tinha que identificar o teor das propostas por estes apresentadas.

14. Uma vez que sendo o único fundamento da decisão excludente a violação do caderno de encargos em que a sua proposta, na tese do júri, incorria, então a Recorrente nenhuma necessidade tinha de saber o teor das propostas nem a identidade dos demais concorrentes.

15. A Recorrente apenas tinha direito a saber que o único fundamento para a intenção de exclusão da sua proposta residia na alegada violação do caderno de encargos, a fim de se poder pronunciar previamente à prática dessa decisão.

16. Deste modo, bem podia e devia o Recorrido ter cumprido o dever de audiência prévia da Recorrente antes de decidir excluir a sua proposta.

17. Na linha 40 do Gráfico de Gantt, refere a Recorrente que a Execução da Obra se estima que possa decorrer entre os dias 16/08/2024 e 28/05/2027, ou seja durante 1016 dias de calendário.

18. A deliberação impugnada, sufragando a decisão do júri, cometeu um erro de análise da proposta da Recorrente ao considerar que o prazo previsto nesta proposta para a execução da obra era de 1016 dias, portanto era superior ao valor máximo de 1100 dias. (…)”.

19. Aliás, a Recorrente alegou, ainda, que dos termos de referência aprovados consta, tão-só, a menção a 1100 dias de calendário para a execução da obra – cfr . artigo 10º n.1 alínea d).

20. A sentença recorrida violou essa norma concursal, ao decidir ser válida a deliberação impugnada.

21. No que toca ao período de tempo previsto, na proposta da Recorrente, para a execução da obra a sentença recorrida decidiu que o mesmo se encontra calendarizado de 16.08.2024 (linha 40 – coluna “start”) e até 28.05.2027 (linha 40 – coluna “finish”), totalizando, em dias de calendário, 1016 dias.

22. Assim, reconheceu valimento à tese da Recorrente.

23. Mas já não retirou a consequência anulatória desse reconhecimento.

24. Uma vez que entendeu que, analisando conjugadamente as disposições dos termos de referência e caderno de encargos, a realização da obra em causa - elaboração do projecto e empreitada de execução da obra - decorreria no período, total, de 1465 dias de calendário.

25. Entendimento esse que considera que a proposta da Recorrente para ambas as tarefas - projecto e execução - prevê uma calendarização, total, de 1762 dias – o que, claramente, excede o período total previsto pela R.

26. A sentença fez interpretação e aplicação erróneas ao decidir que o período da execução da empreitada da obra deve ser contabilizado desde (19.01.2024) e até 28.05.2027, o que excede o limite de 1100 dias para a execução da obra, constituindo, pois, causa de exclusão ao abrigo do preceituado no artigo 10º n.1 alínea d) dos termos de referência.

27. O artigo 10.º do documento designado por «Termos de Referência» define as causas de exclusão dos trabalhos de conceção, estipulando que serão excluídos os trabalhos de conceção cuja análise revele que o prazo previsto para execução da obra seja superior a 1100 (mil e cem) dias calendário.

28. Na fase de verificação dos documentos que materializam os Trabalhos de Conceção, o Júri constatou que a proposta 09/24 da Recorrente satisfazia todos os requisitos do documento designado por «Termos de Referência», nomeadamente que a solução técnica apresentada tem desenvolvimento ao nível de Estudo Prévio, sendo constituída por peças escritas e desenhadas em observância com o conteúdo mínimo exigido nas Disposições Gerais e especiais da Portaria 701-H/2008 de 28 de julho.

29. E, nessa data o júri decidiu que a documentação técnica apresentada foi elaborada em conformidade com o disposto nos Anexos II e III do documento designado por «Termos de Referência», com a única excepção de exceder a duração máxima de 1100 dias calendário para a execução da obra.

30. A proposta 09/24 da Recorrente especifica, nomeadamente na linha 40 do Gráfico de Gantt, que a Execução da Obra se estima que possa decorrer entre os dias 16/08/2024 e 28/05/2027, ou seja durante 1016 dias de calendário.

31. O Júri analisou com detalhe o conteúdo de outras propostas, nomeadamente no que diz respeito às datas de início e fim das tarefas apresentadas nos Gráficos de Gantt de alguns concorrentes, como é referido no Relatório.

32. No Relatório, o Júri decidiu, excluir a Recorrente exclusivamente nos termos do disposto na alínea d) do número 1 do Artigo 10.º dos Termos de Referência e não na alínea a) .

33. Foi essa a decisão do júri que foi acolhida e sufragada integralmente pela deliberação do Conselho de Administração, aqui impugnada e que decidiu a exclusão da proposta da Recorrente.

34. A deliberação impugnada, ao sufragar o referido entendimento do júri, cometeu um erro de análise da proposta da Recorrente.

35. Outrossim, ao considerar que o prazo previsto nesta sua proposta para a execução da obra era de 1016 dias, portanto, seria superior ao valor máximo de 1100 dias.

36. O Caderno de Encargos para o Concurso de Conceção inclui especificações sobre o contrato de prestação dos serviços de elaboração do projeto de execução da Ponte, a celebrar entre Metro do Porto S.A. e a entidade a quem o projeto de execução venha a ser adjudicado, que não devem ser confundidas com os Termos de Referência do concurso de conceção.

37. As cláusulas jurídicas do caderno de encargos para a elaboração do Projeto de Execução da Ponte não foram naturalmente invocadas pelo Júri do Concurso de Conceção (e, sufragadas pela deliberação impugnada) como motivo de exclusão da proposta 09/24 porque se destinam a uma fase posterior de adjudicação da prestação de serviços.

38. O Recorrido respondeu aos pedidos de impugnação em 02/11/2021, reafirmando que exclusão de trabalhos de conceção se baseou nos termos do artigo 10.° dos Termos de Referência.

39. A Recorrente apresentou a sua proposta ao concurso de acordo com os respetivos Termos de Referência (Documento 1) e demais documentação, através de plataforma eletrónica, tendo-lhe sido atribuído pelo Júri a referência “09/24”, de acordo com o “RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E ORDENAÇÃO DOS TRABALHOS DE CONCEÇÃO” (Documento 2).

40. Com efeito, na página 6 do Documento 2 o Júri refere que: “Da análise efetuada ao planeamento apresentado para o prazo previsto para execução da obra, de cada uma das soluções técnicas apresentadas no respetivo Trabalho de Conceção, o Júri constatou que a “duração máxima de 1100 dias calendário para a execução da obra” indicada no ponto 8 do Programa Preliminar, é excedida nas propostas/Trabalhos de Conceção seguintes: 02/16, 09/24, 12/30 e 27/46.”.

41. Na página 8 do Documento 2 o Júri refere que: “Em respeito do disposto na alínea d) do número 1. do Artigo 10.º dos Termos de Referência pela exclusão das propostas dos Trabalhos de Conceção seguintes: 02/16, 09/24, 12/30 e 27/46.”.

42. A proposta da Recorrente inclui um Plano de Trabalhos e nomeadamente um Esquema em Diagrama do Faseamento da Obra, tendo como escala de tempo o mês e sob a forma de Diagrama de Barras (Gráfico de GANTT), (Documento 3).

43. A alínea d) do número 1 do Artigo 10.º foi rigorosamente cumprida pela proposta da Recorrente, pois que contém como escala de tempo o mês e sob a forma de Diagrama de Barras (Gráfico de GANTT), os quais demonstram que o prazo de execução da obra previsto na proposta é de 1016 dias de calendário gregoriano.

44. Sendo certo que nos pontos nº 1 a 4 da proposta “1 PONTE SOBRE O RIO DOURO NO PORTO” se referem datas que não constituem indicação do prazo de execução da obra, o que, poderá, eventualmente, induzido a confusão dos membros do júri ao proferirem a decisão impugnada de exclusão da Concorrente.

45. Neste contexto, o decidido pela sentença recorrida não cuidou de analisar e interpretar correctamente a proposta da Recorrente.

46. A sentença recorrida não analisou que na linha 40 do diagrama de barras (Documento 3), para a execução da obra, pode ler-se o período que decorre entre 16.08.24 e 28.05.27, ou seja de 16 de Agosto de 2024 a 28 de Maio de 2027, a que correspondem 1016 dias de calendário, não sendo superior a 1100 dias calendário.

47. No relatório de avaliação, classificação e ordenação dos candidatos, tal como consta do facto provado na alínea E) da factualidade assente pela sentença o júri não imputa à proposta da Recorrente a violação da alínea a) do artigo 10.º dos Termos de Referência, sendo certo que a deliberação impugnada não averiguou nem analisou se todas as propostas admitidas respeitam todas as condições da alínea a) do artigo 10.º dos Termos de Referência.

48. Não pode o tribunal, de motu proprio substituir-se á actividade do Júri, nem violar o princípio do dispositivo.

49. Se o júri e a deliberação impugnada não analisaram nem invocaram que a proposta da Recorrente violasse a alínea a) do nº 1 do artº 10º dos termos de referência, não poderia a sentença decidir essa pretensa violação, substituindo-se ao júri.

50. Nunca poderia ser efectuado o aproveitamento do acto administrativo, ao contrário do decidido pela sentença, pois existem prejuízos decorrentes da prática do acto impugnado, consistentes nas despesas efectuadas no enorme volume de trabalho de técnicos especialistas nacionais e internacionais na preparação e apresentação da proposta 09/24 ao concurso, despesas de 10 engenheiros/arquitetos a trabalhar cerca de 100 horas a 100€/hora resultando, no mínimo, em cerca de 100.000,00€ de investimento na apresentação da proposta.

51. Nunca se poderá dizer, como o conclui a sentença, que não existem prejuízos que permitam efectuar o aproveitamento do acto administrativo.

52. A sentença recorrida fez incorrectas interpretação e aplicação artºs 121º nº 1, 123º nº 1 , n.º 1 do artigo 219.º-I., ex vi artsº 219º - B, n. º 2, 219.º -E, nº 3, 219º -F, n.º 5 2 e 3, e 219º -1 , n.º 1, todos do CCP e as peças do procedimento concursal ( 1. do Artigo 10.º dos Termos de Referência ).

A recorrida Metro contra-alegou, concluindo:

i) O presente recurso não pode ser considerado procedente quanto a qualquer dos seus fundamentos;

ii) Em primeiro lugar, mostra-se destituída de sentido a tese de obrigatoriedade de uma audiência prévia nos concursos de conceção;

iii) A tramitação adotada pela Recorrida no procedimento em apreço correspondeu à aplicação do consenso doutrinário nacional, o qual sufraga inteiramente a sequência de fases procedimentais seguida pela Ré e repudia em absoluto – e por unanimidade – a tramitação procedimental que é criativamente proposta pela Autora;

iv) A sugestão de uma audiência prévia num concurso de conceção implicaria a pura derrogação da lei em vigor, que fixa uma tramitação especial, sem paralelo em qualquer outro procedimento pré-contratual, desenhada de forma individualizada para evitar a mera potencialidade – nem sequer a certeza, mas a mera potencialidade – de perda do anonimato dos autores das criações concetuais;

v) A Recorrida obedeceu às regras que atribuem ao júri o poder-dever de emitir um relatório único (e não dois relatórios, antes e depois de uma audiência de interessados cuja identidade não poderia ser conhecida), de natureza absolutamente vinculativa para a entidade adjudicante, que não pode ser revertido, seja em que momento for do procedimento – cfr. artigos 219.º-F e 219.º-I do CCP;

vi) E isto porque a lei considera inegociável a ideia de que este júri, longe de se limitar a apresentar propostas de decisão que sejam suscetíveis de reavaliação e substituição, reúne internamente para plasmar num relatório único as suas deliberações relativas [a)] à “ordenação dos trabalhos de conceção apresentados, de acordo com o critério de seleção fixado nos termos de referência”, bem como [b)] à “exclusão dos trabalhos de conceção apresentados em violação de quaisquer regras relativas à apresentação dos trabalhos” (cfr. n.º 2 do artigo 219.º-F do CCP);

vii) E o órgão decisor limita-se a tomar conhecimento e a aceitar as deliberações vinculativas que lhe tenham sido remetidas, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 219.º-E e no n.º 1 do artigo 219.º-I do CCP;

viii) Aliás, para o legislador, mesmo que se conceba a hipótese de a evolução tecnológica oferecida pelas plataformas eletrónicas permitir materializar algum contacto com os concorrentes sem prejudicar o seu anonimato, não é sequer aceitável o perigo potencial que o resultado do procedimento e a apreciação dos Trabalhos sejam afetados ou fiquem dependentes das características dos concorrentes e do conhecimento que o júri delas possa ter;

ix) Como confirma o n.º 2 do artigo 219.º-B do CCP, “a identidade dos concorrentes autores dos trabalhos de conceção apresentados só pode ser conhecida e revelada depois de elaborado o relatório a que se refere o n.º 1 do artigo 219.º-I” – preceito este que se refere ao relatório que já se encontra nas mãos do órgão decisor, no momento em que este procede à decisão de seleção dos Trabalhos de acordo “com as deliberações vinculativas tomadas pelo júri”.

x) E este “relatório”, com o conteúdo fixado no n.º 2 do artigo 219.º-F, procede já a “indicar” […] “a ordenação dos trabalhos de conceção apresentados, de acordo com o critério de seleção fixado nos termos de referência”, bem como “a exclusão dos trabalhos de conceção apresentados em violação de quaisquer regras relativas à apresentação dos trabalhos”;

xi) Após esse “relatório” que ordena os trabalhos, e estando já “integralmente cumprido o disposto no número anterior”, o júri passa a “tomar conhecimento da identidade dos concorrentes” (cfr. n.º 3 do artigo 219.º-F);

xii) Nenhuma audiência foi realizada até então, nem ela está implícita ou explicitamente indicada na lei – ao contrário da tramitação prevista no artigo 146.º do CCP, em que a elaboração do relatório em causa é meramente “preliminar”, porque ainda será seguida por uma “audiência prévia” nos termos do artigo 147.º –; e nenhuma audiência poderá ser realizada a partir de então, porque o conhecimento da identidade dos concorrentes, obtido após esse relatório, inutiliza a possibilidade de reformulação das decisões de ordenação dos Trabalhos e, logo, retira qualquer efeito útil à audiência;

xiii) No dizer de toda a doutrina de referência, qualquer contacto só pode ser realizado “após a ordenação das propostas feita com respeito pelo anonimato”;

xiv) Assim, a tramitação completa e predeterminada das diligências a adotar pelo júri, constante do regime especial, não deixa em aberto qualquer lacuna regulatória que careça de ser suprida pela aplicação de uma regra subsidiária;

xv) Por outras palavras, é o inteiro complexo sistemático decorrente dos artigos 219.º-B, n.º 2, 219.º-F, n.os 2 e 3, e 219.º-I, n.º 1, do CCP que desmente a tese da Recorrente;

xvi) Esta solução legislativa só seria inaceitável se ela, de algum modo, implicasse a inimpugnabilidade e a irreversibilidade das decisões de um órgão administrativo como o júri do concurso ou como o órgão que tomou a decisão de contratar; mas é precisamente por isso que a entidade adjudicante fica vinculada a observar o disposto nos artigos 267.º e seguintes do CCP, recebendo e decidindo quaisquer impugnações administrativas que possam ser aduzidas por potenciais lesados – como sucedeu no presente caso;

xvii) Mas esteve e estará em causa, sempre, uma impugnação de decisões definitivas: não pode estar em causa uma audição que seja prévia à aprovação de tais decisões definitivas, visto que nenhuma alteração pode ser introduzida ao seu teor sem que o procedimento fique irremediavelmente perdido;

xviii) Tal como novamente a doutrina confirma de modo unânime, se a entidade adjudicante insistisse na realização da audiência prévia, ela transformar-se-ia numa “mera formalidade”, já que nem o Júri nem o órgão que praticou a decisão de contratar poderiam reformular materialmente uma decisão que é inalterável, independentemente de quais fossem as razões aventadas pelos concorrentes;

xix) Não é sequer compreensível o argumento da Recorrente segundo a qual a audiência prévia poderia ter sido realizada no presente caso pela simples razão de que “a deliberação de exclusão da proposta da Autora apenas incidia sobre os atributos desta”, pois que “não faz qualquer referência às propostas dos demais concorrentes” (!);

xx) O problema não está sequer em saber se seria revelada à Recorrente “a identidade dos demais concorrentes”: bastaria ao júri ou aos serviços da entidade adjudicante conhecer, única e exclusivamente, a identidade da própria Recorrente, para logo ficar o júri impedido de avaliar e pontuar o seu Trabalho de Conceção;

xxi) Não está unicamente em causa saber se cada concorrente conhece a identidade dos demais concorrentes; ninguém – nem os concorrentes, nem o júri, nem a entidade adjudicante, nem o público em geral – pode tomar conhecimento da autoria de um Trabalho antes da sua avaliação;

xxii) A lei incumbe todos e quaisquer participantes no procedimento de um dever ativo e omissivo específico: “a entidade adjudicante, o júri do concurso e os concorrentes devem praticar, ou abster-se de praticar, se for o caso, todos os atos necessários ao cumprimento do disposto no número anterior” (cfr. n.º 3 do artigo 219.º-B do CCP).

xxiii) Daí o consenso doutrinário segundo o qual “nos concursos de conceção não há audiência prévia”;

xxiv) Em suma: a Ré e Recorrida limitou-se, no presente procedimento, a dar cumprimento ao complexo normativo previsto nos artigos 219.º-B, n.º 2, 219.º-F, n.ºs 2 e 3, e 219.º-I, n.º 1, do CCP;

xxv) Não existiu, pois, qualquer violação dos 123.º, 147.º, e 219.º-A, n.º 6, do CCP, ou dos artigos 121.º a 123.º do CPA;

xxvi) Em segundo lugar, tão-pouco incorreu a entidade adjudicante ora Recorrida em qualquer ilegalidade por determinar a exclusão do Trabalho de Conceção da Recorrente;

xxvii) Com efeito, uma vez que o artigo 20.º dos Termos de Referência já prevenia que a Metro do Porto adotaria um procedimento de ajuste direto em momento subsequente ao concurso de conceção, daí resultou a obrigação de os Termos de Referência serem acompanhados do Caderno de Encargos do futuro ajuste direto, tal como legalmente exigido pelo n.º 4 do artigo 219.º-D do CCP; e se o legislador impôs essa exigência às entidades adjudicantes, ela só teria utilidade se os Trabalhos de Conceção ficassem vinculados a ambas as peças procedimentais, constituindo também o Caderno de Encargos – e não apenas os Termos de Referência – um parâmetro de validade e aceitabilidade das soluções apresentadas pela Recorrente;

xxviii) Se assim não fosse, qualquer cautela da entidade adjudicante quanto à inscrição de uma dada cláusula no Caderno de Encargos acabaria sendo perfeitamente inútil, em virtude de poder ser livremente desrespeitada pelos Trabalhos a selecionar, que encontrariam afinal como único parâmetro de vinculação os Termos de Referência.

xxix) Ora, nos termos conjugados do artigo 1.º, n.º 5, do artigo 8.º, n.º 3, e do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), dos Termos de Referência, ficavam evidentes para qualquer concorrente as seguintes três conclusões:

a) O Trabalho de Conceção teria de ser elaborado de acordo com as instruções previstas nos Anexos II e III aos Termos de Referência;

b) O prazo máximo para a elaboração do projeto de execução seria de 365 dias de calendário, sendo esse prazo máximo imposto de forma inequívoca pela cláusula 9.1.5 das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos e pelo ponto 7 do Anexo I das suas cláusulas técnicas;

c) Após a conclusão do projeto, o prazo de execução da obra não poderia exceder os 1100 dias de calendário, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 10.º dos Termos de Referência.

xxx) Tal como o Tribunal a quo bem notou à luz deste conjunto de regras procedimentais, verifica-se, quanto ao prazo indicado no Trabalho de Conceção da Recorrente para a elaboração do projeto de execução, que tal prazo não é de 510 dias – prazo esse que já seria superior ao prazo máximo de 365 dias, fixado no ponto 7 das cláusulas técnicas! –, mas de 746 dias;

xxxi) Só por isso, estava já confirmado o incumprimento do prazo previsto na cláusula 9.1.5 das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos e no ponto 7 do Anexo I das suas cláusulas técnicas – sendo tal conclusão suficiente para a exclusão do Trabalho de Conceção;

xxxii) Mas, adicionalmente, no tocante ao prazo previsto pela Recorrente para a execução da obra, verificou o Tribunal a quo que o Trabalho de Conceção, ao prever a calendarização de 1762 dias para o somatório dos prazos de elaboração do projeto e para a execução da obra, violou as disposições supracitadas dos Termos de Referência e do Caderno de Encargos, porquanto destes decorria um limite temporal máximo de 1465 dias de calendário para a realização daquelas tarefas;

xxxiii) Longe de incorrer num erro sobre os pressupostos de facto que lhe é agora imputado pela Recorrente, esta conclusão é inteiramente correta, visto que, como decorre do Programa de Trabalhos apresentado no Trabalho de Conceção da Recorrente (anexo A2 desse Trabalho), a calendarização estabelece como data de início 01 de janeiro de 2022 (linha 1) e como data de conclusão 28 de maio de 2027 (linha 149) – o que implica que o somatório dos prazos iniciados com as atividades de planeamento e projeto e terminados com a execução da obra corresponde a um período de 1972 dias de calendário;

xxxiv) E no que respeita ao planeamento e projeto, o Programa reserva-lhes as linhas 3 a 26 e indica como data de início 01 de janeiro de 2022 (linha 3) e data de conclusão 18 de janeiro de 2024 (linha 26) – o que equivale a dizer que, tal como confirmou o Tribunal a quo, a Recorrente estabeleceu para a elaboração do projeto um prazo de 746 dias de calendário – não obstante o prazo máximo permitido para a elaboração do projeto de execução ser de 365 dias de calendário, nos termos da cláusula 9.1.5 das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos e do ponto 7 do Anexo I das suas cláusulas técnicas;

xxxv) Ademais, ao ter proposto um somatório dos prazos iniciados com as atividades de planeamento e projeto e terminados com a execução da obra de 1972 dias de calendário, a Recorrente incorreu imediatamente numa violação flagrante:

a) Do n.º 5 do artigo 1.º dos Termos de Referência, que impunha que “os Trabalhos de Conceção objeto do presente concurso devem observar os requisitos constantes do Caderno de Encargos”;

b) Do n.º 3 do artigo 8.º dos Termos de Referência, que impunha que os Trabalhos de Conceção teriam de respeitar os “termos e condições previstos nestes Termos de Referência e no Caderno de Encargos”;

c) E da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º dos Termos de Referência, que coerentemente determinou que “são excluídos os Trabalhos de Conceção cuja análise revele que não observam os requisitos previstos nos artigos 8.º e 9.º […] para a elaboração e apresentação dos trabalhos de conceção”.

xxxvi) Desta solução do Trabalho de Conceção da Autora decorreu também uma ilicitude que afetou o prazo global de execução da obra, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 10.º dos Termos de Referência: foi em virtude de ter mais do que duplicado o prazo permitido para a execução do projeto que propôs que a execução da obra se iniciasse somente em 16 de agosto de 2024 (linha 40).

xxxvii) E foi assim – somente assim – que a Recorrente sugeriu que conseguiria respeitar o prazo máximo de 1100 dias para a execução da obra (concretamente 1015 dias de calendário), não obstante prever que a obra termine somente em 28 de maio de 2027 (linha 149): isso só é possível porque atrasou as atividades de elaboração do projeto de tal modo que previu que a obra se iniciasse somente em 16 de agosto de 2024, em flagrante violação do disposto na cláusula 9.1.5 das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos e no ponto 7 do Anexo I das suas cláusulas técnicas, com a consequente violação do n.º 5 do artigo 1.º, do n.º 3 do artigo 8.º e das alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º dos Termos de Referência, impondo a exclusão do seu Trabalho de Conceção nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 219.º-F do CCP;

xxxviii) A doutrina de referência é clara ao advertir que a entidade adjudicante está estritamente sujeita às regras que estabeleceu nas suas próprias peças, que formam para ela uma “auto-vinculação”;

xxxix) A conclusão da execução da obra em 28 de maio de 2027 revela que o concorrente propõe a violação de pelo menos um dos dois prazos vinculativos previstos nas peças do procedimento:

a) Propõe um prazo de elaboração do projeto (746 dias) muito superior ao limite de 365 dias de calendário previsto na cláusula 9.1.5 das cláusulas jurídicas e no ponto 7 do Anexo I das cláusulas técnicas do Caderno de Encargos;

b) Em alternativa, se o prazo de elaboração do projeto fosse reduzido, seria então o prazo de execução da obra que se mostraria muito superior ao limite de 1100 dias previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 10.º dos Termos de Referência, em virtude de o concorrente prever a sua conclusão apenas no ano de 2027.

xl) Tão-pouco assiste qualquer razão à Recorrente ao alegar que Douta Sentença recorrida erra ao não entender que “a indicação da atividade de projeto no plano era facultativa”: ainda que não fosse exigido aos concorrentes que indicassem expressamente na fase de apresentação dos trabalhos de conceção o prazo de elaboração do projeto de execução, não poderia a Recorrida ter por irrelevante e considerar como não vinculativa uma declaração formal de um concorrente que afirma pretender desrespeitar um prazo imperativo fixado nas peças do procedimento;

xli) A lei não distingue entre declarações negociais vinculativas, para levar a sério, e declarações negociais não vinculativas, para não levar a sério: todas as declarações negociais são manifestação da vontade do concorrente, pelo que todas igualmente o vinculam.

xlii) Por fim, tão-pouco tem razão a Recorrente ao argumentar que o Tribunal a quo fundamentou a exclusão do seu Trabalho de Conceção na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º dos Termos de Referência quando o júri propôs essa mesma exclusão com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 10.º dos Termos de Referência, em eventual violação do princípio dispositivo;

xliii) A Recorrente omite que, na linha argumentativa da Sentença, o Tribunal a quo se limitou a empreender um juízo adicional, hipotético, subsidiário e meramente a benefício de raciocínio, constatando que, mesmo que se julgasse procedente o erro sobre os pressupostos de facto o que não julgou –, o destino do Trabalho de conceção apresentado pela Recorrente continuaria, mesmo nessa circunstância, a não poder ser outro que não o da exclusão;

xliv) E tal sucederia, desta feita, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º dos Termos de Referência, porquanto resulta evidente o incumprimento do prazo máximo estipulado para a elaboração do projeto; portanto, o Tribunal limitou-se a considerar (e bem) que, mesmo que o alegado vício fosse julgado procedente, estariam reunidas as condições para recorrer ao instituto do aproveitamento do ato administrativo, que tem atualmente consagração expressa no artigo 163.º, n.º 5, do CPA;

xlv) Mas – reitere-se – tal raciocínio foi empreendido exclusivamente a título hipotético e subsidiário (assim o adverte expressamente o Tribunal a quo), com o propósito de esclarecer que se confirmaria a manutenção do ato impugnado mesmo no caso hipotético de verificação do erro sobre os pressupostos de facto que a Autora invocara – hipótese que o Tribunal descartou;

xlvi) Por conseguinte, nenhum vício afeta a Douta Sentença recorrida nem a Deliberação impugnada; pelo contrário, a admissão e avaliação do Trabalho de Conceção da Recorrente, manifestamente desconforme com a lei e as peças do procedimento, é que redundaria numa ilegalidade que prejudicaria a validade de todos os atos subsequentes do procedimento;

xlvii) Razão pela qual também improcede o presente recurso.
*
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
*
Com legal dispensa de vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*
Os factos, fixados como provados pelo tribunal “a quo”:
A). Em 10.03.2021, o Conselho de Administração do Metro do Porto, por deliberação vertida na “acta n.º 544”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, determinou a abertura de Concurso Público Internacional de Concepção para a elaboração do Projeto de execução da Ponte sobre o Rio Douro e Acessos entre o Porto (Campo Alegre) e Vila Nova De Gaia (Candal) – cfr. fls. 47 e ss. dos autos «SITAF»;
B). O teor dos “Termos de referência” definidos, em 16.03.2021, no âmbito do “Concurso Público Internacional de Conceção para a Elaboração do Projeto de Execução da Ponte sobre o Rio Douro e acessos entre o Porto (Campo Alegre) e Vila Nova de Gaia (Candal).”, que aqui se dão por reproduzidos e do qual consta, além do mais o seguinte:
“(…)
[Dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão]

(…)
ANEXO II
[Dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão]

(…)
[Dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão]

(…)
ANEXO III
[Dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão]

(…)
ANEXO V

[Dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão]

(… CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE AJUSTE DIRETO A DOTAR NA SEQUÊNCIA DO PRESENTE CONCURSO DE CONCEÇÃO
(…)
3. O critério de adjudicação é decomposto pelos seguintes fatores e subfactores, indicados por ordem decrescente de importância:
Fatores de Avaliação
A – Qualidade do trabalho de Conceção selecionada no âmbito
do concurso de Conceção – 50%
B – Preço – 20%
C – Prazo - 30%
(…)
6. O Fator C) é avaliado nos seguintes termos:
Critério
Pontuação
A pontuação parcial do fator C) será determinada pela expressão linear seguinte:
          VLC = 50 x Ppd / Ppp
          Com os prazos definidos em dias de calendário.
Em que:
Ppb = Prazo base para a elaboração do projeto de Execução em dias de calendário (Prazo previsto no Programa de Concurso – 365 dias)

Ppp = Prazo previsto na proposta em avaliação em dias calendário.

Se Ppp inferior a 183 dias calendário então VLC = 0

0 - 100

(…)”. - cfr. documento junto com a petição inicial, constante de fls. 11 e ss. do «SITAF»;
C). Em 13.05.2021, o júri do procedimento concursal em causa reuniu, elaborando acta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
20. O prazo previsto para a execução da obra de 1100 dias deve incluir o prazo para a elaboração do projeto (que, de acordo com o caderno de encargos, se estabelece com um limite superior a 365 dias)?
R: Não, o prazo previsto para a execução da obra é relativo à empreitada de execução da obra e, como tal, não inclui os 365 dias de elaboração do projeto.
(…)”. - cfr. processo administrativo – pasta 9 - «pen-drive»;
D). Em 18.07.2021, a A. apresentou proposta, cujo teor aqui se dá por reproduzido e da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
[Dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão]

(…)”. - cfr. documento junto com a petição inicial, constante de fls. 50 do «SITAF»;
E). Com data de 12.10.2021, foi elaborado o “Relatório de Avaliação, Classificação e Ordenação dos Trabalhos de Conceção”, no âmbito do “Concurso Público Internacional de Conceção para a Elaboração dos Projetos de Execução da Ponte sobre o Rio Douro e acessos entre o Porto (Campo Alegre) e Vila Nova de Gaia (Candal).”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
[Dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão]

(…)
[Dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão]

(…)”. – cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento de levantamento do efeito suspensivo «pen-drive»;
F). Em 18.10.2021, o Conselho de Administração da R. reuniu, tendo sido lavrada a respectiva acta, cujo teor, e dos respectivos documentos anexos, aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento de levantamento do efeito suspensivo «pen-drive»;
G). Em 03.11.2021, foi aberto o «Procedimento CPG/1/2021» destinado à celebração de contrato de aquisição de serviços, cujo objecto é a “Aquisição do serviço de elaboração do Projeto de Execução da Ponte sobre o Rio Douro e acessos entre o Porto (Campo Alegre) e Vila Nova de Gaia (Candal).”, com envio de convite às seguintes entidades: (i) C... - Consultores de Engenharia e Ambiente, S.A.; (ii) B... Consultores, Lda.; (iii) Prof. E... - Engenharia, Laboratório de Estruturas, Lda., tendo sido fixada a data limite de 08.11.2021, pelas 17h00m para a apresentação de propostas. – cfr. documento n.º 3 junto com o requerimento de levantamento do efeito suspensivo;
H). O teor do «caderno de encargos – cláusulas jurídicas» relativo ao “Concurso Público Internacional de Conceção para a Elaboração do projecto de execução da Ponte sobre o Rio Douro e Acessos entre o Porto (Campo Alegre) e Vila Nova de Gaia (Candal)que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
9. PRAZOS
9.1. PRAZO DE ELABORAÇÃO DO PROJECTO
9.1.1. O prazo de elaboração do Projeto de Execução da nova Ponte sobre o rio Douro e acessos entre o Porto (Campo Alegre) e Vila Nova de Gaia (Candal) é contado a partir da data de assinatura do contrato.
9.1.2. Todos os prazos referidos nos presentes Caderno de Encargos são contados em dias de calendário.
9.1.3. A contagem de tempo para efeitos de cumprimento do prazo não sofrerá paragens aquando da entrega de cada uma das partes do Projeto, pelo que o mesmo deverá prosseguir independentemente da aprovação por parte da Metro do Porto, S.A..
9.1.4. A contagem de tempo não sofrerá interrupção durante as diligências que a Metro do Porto, S.A. realize para tentar ter acesso a estudos ou projetos que tenham sido solicitados pelo adjudicatário.
9.1.5. O prazo global máximo para a elaboração do Projeto de Execução da nova Ponte sobre o rio Douro e acessos entre o Porto (Campo Alegre) e Vila Nova de Gaia (Candal) é de 365 dias calendário.
9.1.6. O projeto, ou as suas partes, só são considerados realizados quando aprovado pela Metro do Porto.
9.1.7. O prazo máximo para a apreciação dos projetos por parte da Metro do Porto é de 30 dias de calendário para as fases iniciais e de 45 dias de calendário para o projeto de execução.
9.1.8. O prazo de apreciação pela MP só se iniciará após a entrega de todas as peças de projeto referentes à fase em análise.
9.1.9. Os Projetos serão remetidos para revisão ficando o Adjudicatário obrigado a incluir no projeto todas as alterações indicadas pelo Revisor, bem como a atender às recomendações feitas pelo Revisor.
(…)”. cfr. processo administrativo;
I). O teor do «Anexo I - programa preliminar» do «caderno de encargos – cláusulas técnicas», relativo ao “Concurso Público Internacional para a Conceção da Ponte sobre o Rio Douro e Viadutos de Acesso entre o Porto (Campo Alegre) e Vila Nova de Gaia (Candal)que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
8. PRAZO PREVISTO PARA EXECUÇÃO DA OBRA
Prevê-se uma duração máxima de 1100 dias calendário para a execução da obra.
(…)”. – cfr. processo administrativo;
J). Em 21.09.2021, a R. e as sociedades AI...e Arquitectura, SQ...- Engenharia e Consultoria, SA., em agrupadas Consórcio, subscreveram documento denominado “Contrato para a prestação de serviços de a elaboração dos projectos de execução da linha da Casa da Música – Santo Ovídeo”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)

[Dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão]


(…)”, em cumprimento do qual, pelo identificado Consórcio, já foi emitida a factura n.º FT 2021CS/1, no valor global de 200.673,28€. - cfr. documentos n.º 11 e 12 junto com o requerimento de levantamento do efeito suspensivo «pen-drive»;
*
A apelação:
A decisão recorrida termina por julgar:
«a) improcedentes as excepções dilatórias suscitadas; e,
b) improcedente, por não provada a presente acção e, em consequência, absolvo a R. do pedido.».
O recurso incide sobre o julgamento de mérito, versando as soluções alcançadas quanto a:
- violação do direito de audiência prévia, que o tribunal “a quo” não acolheu;
- o vício identificado como erro nos pressupostos - os que fundamentaram a exclusão da proposta de trabalho de concepção da autora -, que também não foi tido como procedente, ademais subsidiariamente acrescendo o que se viu como hipótese de aproveitamento.
Audiência prévia.
O tribunal “a quo” não considerou que a ausência de audiência prévia pudesse ser tida como causa invalidante.
Fundamentou:
«(…)
Acerca do concurso de concepção, com relevo para a questão em apreço, o Código de Contratos Públicos estabelece: “(…)
Artigo 219.º-A (Âmbito e modalidades)
1 - O concurso de conceção visa selecionar um ou vários trabalhos de conceção, ao nível de programa base ou similar, designadamente nos domínios artístico, do ordenamento do território, do planeamento urbanístico, da arquitetura, da engenharia ou do processamento de dados.
(…)
Artigo 219.º-B (Disposições gerais)
1 - Salvo disposição em contrário nos termos de referência, cada concorrente pode apresentar vários trabalhos de conceção, devendo organizar para cada um deles uma candidatura autónoma.
2 - Qualquer que seja a modalidade adotada, a identidade dos concorrentes autores dos trabalhos de conceção apresentados só pode ser conhecida e revelada depois de elaborado o relatório a que se refere o n.º 1 do artigo 219.º-I.
3 - A entidade adjudicante, o júri do concurso e os concorrentes devem praticar, ou abster-se de praticar, se for o caso, todos os atos necessários ao cumprimento do disposto no número anterior.
4 - O procedimento decorre em plataforma eletrónica, podendo ser estabelecido que certos elementos da candidatura possam ser apresentados por correio registado ou entrega presencial, com registo da data e hora da receção, que deve acontecer dentro do prazo fixado para o efeito, e em qualquer dos casos salvaguardando-se o anonimato, sob pena de exclusão da candidatura.
5 - O prazo para a apresentação dos documentos que materializam os trabalhos de conceção não pode ser inferior a 30 dias, nos concursos público e limitado, e 15 dias, no concurso simplificado.
(…)
Artigo 219.º-D (Termos de referência)
1 - Os termos de referência devem indicar:
a) A identificação do concurso, bem como a respetiva modalidade escolhida;
b) Uma descrição, tão completa quanto possível, das características, das particularidades, das referências e de quaisquer outros requisitos de natureza estética, funcional ou técnica que os trabalhos de conceção apresentados devem observar;
c) A entidade adjudicante e o órgão competente para a decisão de contratar;
d) A identidade dos membros, efetivos e suplentes, que compõem o júri e, quando for o caso, as respetivas habilitações profissionais específicas;
e) As habilitações profissionais específicas de que os concorrentes devem ser titulares, se for o caso;
f) Os documentos que devem materializar os trabalhos de conceção apresentados e a identificação do prazo e do local para a apresentação desses documentos;
g) O critério de seleção, explicitando claramente os fatores e eventuais subfatores que o concretizam;
h) O montante global dos eventuais prémios de participação a atribuir aos concorrentes cujos trabalhos de conceção não sejam excluídos;
i) O número de trabalhos de conceção a selecionar;
j) O valor do prémio de consagração a atribuir a cada um dos concorrentes selecionados;
k) A intenção ou não de celebrar, na sequência do concurso, por ajuste direto ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 27.º, um contrato de prestação de serviços destinado a adquirir planos, projetos ou quaisquer criações conceptuais que consistam na concretização ou no desenvolvimento do ou dos trabalhos de conceção selecionados neste concurso.
2 - Quando for adotada a modalidade de concurso limitado por prévia qualificação, os termos de referência devem ainda indicar:
a) Os requisitos mínimos de capacidade técnica que os candidatos devem preencher;
b) Os documentos destinados à qualificação dos candidatos e a identificação do prazo e modo para a sua apresentação.
3 - Os termos de referência podem ainda conter quaisquer regras específicas sobre o concurso de conceção consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência, bem como ser acompanhados de quaisquer documentos complementares necessários à cabal descrição referida na alínea b) do n.º 1 ou indicar a entidade e o local onde esses documentos podem ser obtidos diretamente pelos interessados.
4 - Quando se verificar a situação prevista na alínea k) do n.º 1, os termos de referência devem ser acompanhados do caderno de encargos relativo ao procedimento de ajuste direto.
Artigo 219.º-E (Júri do concurso de conceção)
(…)
3 - As deliberações do júri do concurso de conceção sobre a ordenação dos trabalhos de conceção apresentados ou sobre a exclusão dos mesmos por inobservância da descrição a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo anterior têm caráter vinculativo para a entidade adjudicante, não podendo, em qualquer caso, ser alteradas depois de conhecida a identidade dos concorrentes.
Artigo 219.º-F (Formalidades do concurso público de conceção)
1 - Os documentos que materializam os trabalhos de conceção devem ser elaborados e apresentados de tal forma que fique assegurado o total e absoluto anonimato dos concorrentes, não podendo conter qualquer elemento que permita, de forma direta ou indireta, identificar o seu autor ou autores.
2 - O júri do concurso procede à apreciação dos trabalhos de conceção e elabora um relatório, assinado por todos os seus membros, no qual deve indicar, fundamentadamente:
a) A ordenação dos trabalhos de conceção apresentados, de acordo com o critério de seleção fixado nos termos de referência;
b) A exclusão dos trabalhos de conceção apresentados em violação de quaisquer regras relativas à apresentação dos trabalhos.
3 - O júri do concurso só pode tomar conhecimento da identidade dos concorrentes depois de integralmente cumprido o disposto no número anterior.
4 - Desde que isso tenha ficado previsto nos termos de referência, o júri pode fazer pedidos de esclarecimento aos concorrentes sobre os seus trabalhos ou realizar uma fase de demonstrações ou experiências dos trabalhos de conceção, destinadas a aferir o cumprimento dos termos de referência, a adequação ou exequibilidade das soluções propostas.
5 - Caso sejam realizadas as diligências referidas no número anterior, o júri elabora novo relatório, refletindo o resultado das mesmas e propondo a ordenação final dos concorrentes.
(…)
Artigo 219.º-I (Decisão de seleção e prémios)
1 - O órgão competente da entidade adjudicante seleciona um ou mais trabalhos de conceção, consoante o número fixado nos termos de referência do concurso, de acordo com o teor e as conclusões do relatório final, nomeadamente com as deliberações vinculativas tomadas pelo júri.
2 - Da decisão de seleção deve também constar a atribuição dos prémios de consagração aos concorrentes selecionados, bem como a atribuição dos eventuais prémios de participação.
3 - A decisão de seleção referida nos números anteriores é notificada simultaneamente a todos os concorrentes e, quando a modalidade escolhida for a de concurso limitado por prévia qualificação, também aos concorrentes excluídos.
4 - Os concorrentes sobre cujos trabalhos de conceção recaia a decisão de seleção consideram-se selecionados para efeitos do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 27.º
5 - Quando os termos de referência do concurso de conceção exigirem aos concorrentes a titularidade de habilitações profissionais específicas, os concorrentes selecionados devem apresentar documentos comprovativos das mesmas no prazo de cinco dias a contar da notificação da decisão de seleção.
6 - A decisão de seleção caduca se o concorrente selecionado não apresentar os documentos referidos no número anterior no prazo nele fixado, devendo, nesse caso, selecionar-se o trabalho de conceção ordenado em lugar subsequente.
(…)”.
Sobre esta matéria e a regra de anonimato subjacente a toda a tramitação deste procedimento, o autor PEDRO SÁNCHEZ escreveu que: “(…)
7. Inevitavelmente, o modo de apresentação dos trabalhos e o modo de funcionamento da plataforma electrónica utilizada assegurarão o "total e absoluto anonimato dos concorrentes" (n.° 1 do artigo 219.°-F). O n.° 2 do artigo 219.°-B elege o momento de elaboração do "relatório a que se refere o n.° 1 do artigo 219.°-I como o marco até ao qual aquele anonimato tem de ser mantido. Ora, esse relatório corresponde ao "relatório final" que contém as deliberações vinculativas do júri, que são inalteráveis pelo órgão que praticou a decisão de contratar. Até ao momento em que tal relatório esteja concluído, todos os participantes no procedimento - "a entidade adjudicante, o júri e os concorrentes" - ficam vinculados a adoptar todas as diligências activas e omissivas necessárias para assegurar o anonimato (n.° 3 do artigo 219.°-B).
Depois de o relatório estar concluído e enviado para o órgão que praticou a decisão de contratar, o anonimato não precisa de ser mantido, ainda que a decisão de seleção não tenha sido divulgada: a sua imutabilidade torna já inócuo o conhecimento da identidade dos concorrentes:
8. Essa exigência torna muito problemática a permissão, prevista no n.°4 do artigo 219.°-F, para - "desde que isso tenha ficado previsto nos termos de referência"- o júri "fazer pedidos de esclarecimento aos concorrentes sobre os seus trabalhos ou realizar uma fase de demonstrações ou experiências dos trabalhos de concepção, destinadas a aferir o cumprimento dos termos de referência, a adequação ou exequibilidade das soluções propostas"
Com efeito, a simples leitura isolada da sequência de regras previstas no artigo 219.°-F poderia inculcar a ideia de que i) seria elaborado um primeiro relatório de ordenação e exclusão de trabalhos a que se refere o n.°2 desse artigo 219.°-F; ii) só até então, o anonimato seria mantido, mas o júri poderia, uma vez "integralmente cumprido o disposto" nessa regra, "tomar conhecimento da identidade dos concorrentes (n.°3); iii) e os pedidos de esclarecimento e as demonstrações ou experiências que eventualmente sejam realizadas ao abrigo do n.° 4 não estariam já cobertos pela regra do anonimato,nada impedindo que o "novo relatório" previsto no n.° 5, "reflectindo o resultado" daquelas diligências, fosse elaborado em momento posterior à divulgação da identidade dos concorrentes.
Todavia, esta sequência de regras constantes do artigo 219.°-F tem de ser integrada com a já mencionada proibição prevista no n.° 2 do artigo 219.°-B: o anonimato não pode ser perdido até à elaboração do relatório final que é enviado para o órgão que praticou a decisão de contratar ao abrigo do n.° 1 do artigo 219.°- I. Por isso, qualquer acto ou diligência realizada pelo júri desde o momento em que tome conhecimento da identidade dos concorrentes já não pode dar origem a uma reformulacão das suas deliberações que devem ficar intocáveis Se as demonstrações ou experiências previstas no n.° 4 do artigo 219.°-F puderem ter algum impacto na ordenação (ou eventual exclusão) dos trabalhos, elas têm de preservar o anonimato dos seus autores; se tal não suceder, elas são inúteis porque as deliberações do júri não são modificáveis. Paralelamente, os próprios "pedidos de esclarecimento" previstos nesse n.° 4 têm de ser concretizados em termos tais que o júri não conheça a identidade de quem recebe e responde aos pedidos.
Compreende-se que, não obstante a complexidade introduzida por esta exigência, a possibilidade de reformular uma deliberação mediante o conhecimento da identidade dos concorrentes por ela beneficiados ou prejudicados teria o efeito de inutilizar todos os cuidados mantidos com o anonimato anterior.
(…)
Como se acaba de notar, se porventura forem previstas diligências adicionais relativas à formulação de pedidos de esclarecimentos ou à realização de demonstrações ou experiências (n.° 4 do artigo 219.°-F), elas só podem ter impacto numa reordenação dos trabalhos (n° 5 do artigo 219.°-F) se tiverem respeitado o anonimato dos concorrentes (n.°2 do artigo 219.°-B).
(…)”- vd. «Direito da Contratação Pública», vol. II, AAFDL Lisboa, 2020, p. 767 e ss.
Volvendo ao caso concreto, atento o enquadramento legal exposto é patente que não assiste razão à A. a este respeito.
Com efeito, a tramitação deste específico procedimento concursal obedece à tramitação prevista nestes normativos, da qual ressalta, de modo clarividente, a regra do anonimato das propostas e da vinculatividade das deliberações do júri. E, daí resulta necessariamente a inaplicabilidade a título subsidiário das normas referentes à realização de audiência previa, quer em sede de Código do Procedimento Administrativo, quer no próprio CCP, porquanto as mesmas não são compatíveis com a manutenção do anonimato da proposta exigível no presente procedimento.
Assim sendo, conclui-se pela não verificação da imputada legalidade à deliberação impugnada, por ausência de realização de audiência previa.
(…)».
O texto dos preceitos legais não deixa dúvida: a regra no procedimento sob análise é a do anonimato; sempre até ao relatório de ordenação e/ou exclusão de trabalhos.
Todavia, não é essa a questão controvertida.
O que a autora/recorrente coloca em questão, mesmo não refutando que haja que preservar anonimato, é se deve existir, ou não, lugar a audiência prévia; que, no caso, até tem compatível com o anonimato.
Efectivamente - e as partes nisso não dissentem -, a audiência prévia não se encontra expressamente prevista na disciplina do CCP a propósito do «Concurso de concepção».
Essa ausência só por si não diz, nem dita, solução; e a par se vê que a “esterilidade” do procedimento pela regra do anonimato não é sinónimo de um total impedimento aos contactos; basta observar que o próprio CCP até prevê que “Desde que isso tenha ficado previsto nos termos de referência, o júri pode fazer pedidos de esclarecimento aos concorrentes sobre os seus trabalhos ou realizar uma fase de demonstrações ou experiências dos trabalhos de conceção, destinadas a aferir o cumprimento dos termos de referência, a adequação ou exequibilidade das soluções propostas” (art.º 219º-F, n.º 4, do CCP); todavia, uma tal faculdade (que neste concurso até mereceu consagração – art.º 10º, n.º 4, dos “Termos de referência”) também não habilita a extrair inferência.
Vejamos o que é de primordial afirmação, em que a recorrente sustenta que deveria ocupar passo uma audiência prévia.
Salientando que é num único plano que busca justificação: por aplicação subsidiária do CPA.
Caberá essa aplicação de lei?
A resposta é negativa.
Por técnica remissiva indubitavelmente que não.
Logo por primeira ressalva notar-se-á que o que o art.º 219º-A, n.º 6, do CCP, ordena é que “As formalidades aplicáveis na realização dos procedimentos de concurso público, de concurso limitado por prévia qualificação e concurso de conceção simplificado são as estabelecidas no presente capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as restantes disposições do Código em matéria de formação dos contratos.”.
Também a alegação da autora não consegue corporizar a existência de qualquer lacuna; “não é suficiente concluir que o caso cabe dentro da descrição fundamental da ordem jurídica, sendo ainda necessário determinar se ele deve ser juridicamente regulado, tendo, pois, de se encontrar algum indício normativo que permita concluir que o sistema jurídico requer a consideração e solução daquele caso” (José de Oliveira Ascensão, O Direito - Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 422).
E perante o que se encontra positivado de lei ordinária, não ocorre lacuna.
A doutrina é pacífica no sentido de ver que “a elaboração do relatório final do concurso não é precedida de uma audiência prévia dos concorrentes” (cfr., tb., Jorge Andrade da Silva, in “Código dos Contratos Públicos”, 3ª Ed.ª, em anotação ao antigo art.º 231º), acrescentando que “Na verdade, seria impossível proceder à audição prévia dos participantes sem que viesse a ser revelada ao Júri a autoria dos diversos trabalhos de conceção” (cfr. VASCO MOURA RAMOS, “O Concurso de Conceção: Alguns Apontamentos”, in Revista de Contratos Públicos, n.º 3, 2011, pág. 138).
Mesmo que não tenhamos como inabalável esta última afirmação, também não temos dúvida que olhando o desenho normativo, supra transcrito, tem respaldo que foi intenção legiferante não consagrar a audiência prévia; não há lacuna, ou, no máximo, depara-se uma lacuna imprópria, “uma inexistência planeada, que não representa, enquanto tal, uma deficiência, mas apenas pode motivar críticas no plano da política legislativa.” (Mário Emílio Bigotte Chorão, “Integração de Lacunas”, in Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, n.º 3, Lisboa, Editorial Verbo, pág. 594) [mais favorecendo discussão já fora do estrito contexto das lacunas de lei ou lacunas de regulamentação - único plano reclamado pela recorrente à questão a resolver - para o domínio das lacunas de direito]; de solução pensada, não imune às críticas, respalda o que é o equilíbrio encontrado na equação entre o que mais impele à preservação do anonimato e o que se apresta de perspectiva um exercício de audiência prévia capacitar outra solução numa participação já abonada de iniciativa de contributo (e/mas que até pode ser alargada em caso de hipótese de esclarecimentos, demonstrações ou experiências; dum passo preservando sentido a uma útil participação, doutro, por aí se confinar em temática e relação, menos susceptível de risco à quebra do anonimato).
E, assim, havendo e sendo a solução legal e abstracta, não há que especular se ao caso concreto outro deveria ser o procedimento por valia argumentativa em ver se o concreto modo de contexto se proporcionaria, ou não, a manter anonimato.
A exclusão - pressupostos.
O tribunal “ a quo” memorou “os termos de referência [cfr. ponto B) do probatório]”, as “cláusulas jurídicas do caderno de encargos [cfr. ponto H) do probatório]”, as “cláusulas técnicas do caderno de encargos [cfr. ponto I) do probatório]”, e ainda que “sobre os prazos estipulados, se pronunciou, em 13.05.2021, o júri do procedimento concursal, declarando que o prazo previsto para a execução da obra – de 1100 dias – é relativo à empreitada de execução da obra e, como tal, não inclui os 365 dias de elaboração do projecto [cfr. ponto C) do probatório]”.
Ao que passou a fundamentar:
«Ora tendo presente o quadro normativo aplicável o Tribunal confirma que, de facto, no que toca à elaboração do projecto de execução, na proposta da A. está calendarizado sob o título “Planeamento e Projeto”, que ocorra no período compreendido entre 01.01.2022 (linha 3 – coluna “start”) e 18.01.2024 (linha 3 – coluna “finish” e linha 26 – coluna “finish”), sendo a própria A. que contabiliza o decurso de 510 dias (linha 3 – coluna “duration”).
Assim sendo, uma vez que o período de 510 dias extravasa o limite fixado de 365 dias estipulado no ponto 9.1.5 das cláusulas jurídicas do caderno de encargos anexo aos termos de referência (cfr. artigo 1º n.5 e 8º n.3 dos termos de referência), tal constitui, à luz do disposto no artigo 10º n1 alínea a) do mesmo documento, causa de exclusão da proposta da A.. Todavia, importa notar que a contabilização de dias tal como apresentada na proposta da A. está incorrecta, porque por força do disposto no ponto 9.1.2 das cláusulas jurídicas do caderno de encargos “Todos os prazos referidos nos presentes Caderno de Encargos são contados em dias de calendário.”; desse modo, o período de tempo contabilizável, na proposta da A. para a elaboração do projecto de execução é de 746 dias – o que, confirma, o juízo de incumprimento do prazo estipulado no artigo 9.1.5 das cláusulas jurídicas do caderno de encargos.
No que toca ao período de tempo previsto, na proposta da A., para a execução da obra o Tribunal verifica que o mesmo se encontra calendarizado de 16.08.2024 (linha 40 – coluna “start”) e até 28.05.2027 (linha 40 – coluna “finish”), totalizando, em dias de calendário, 1016 dias.
E, aí, sim deve reconhecer-se razão à alegação da A..
Todavia, analisando conjugadamente as disposições supra citadas dos termos de referência e caderno de encargos, retira-se que, a realização da obra em causa - elaboração do projecto e empreitada de execução da obra - decorreria no período, total, de 1465 dias de calendário.
Ora, a proposta da A. para ambas as tarefas - projecto e execução - prevê uma calendarização, total, de 1762 dias – o que, claramente, excede o período total previsto pela R..
É que, não releva para o efeito que a A. tenha previsto o período de 19.01.2024 a 15.08.2024 para diligências de “Concurso e adjudicação”, pois resulta das cláusulas jurídicas do caderno de encargos, maxime que “9.1.3. A contagem de tempo para efeitos de cumprimento do prazo não sofrerá paragens aquando da entrega de cada uma das partes do Projeto, pelo que o mesmo deverá prosseguir independentemente da aprovação por parte da Metro do Porto, S.A.. |§| 9.1.4. A contagem de tempo não sofrerá interrupção durante as diligências que a Metro do Porto, S.A. realize para tentar ter acesso a estudos ou projetos que tenham sido solicitados pelo adjudicatário.” E, como tal, esse período deve ser contabilizado como fase de execução da obra, logo seguido ao dia previsto na proposta da A. para termo da elaboração do projecto, ou seja, 18.01.2024. Deste modo, o período da execução da empreitada da obra deve ser contabilizado desde essa data (19.01.2024) e até 28.05.2027, o que excede o limite de 1100 dias para a execução da obra, constituindo, pois, causa de exclusão ao abrigo do preceituado no artigo 10º n.1 alínea d) dos termos de referência.
Pelo exposto, improcede o invocado erro os pressupostos de facto.».
Acrescentando:
«Importa salientar que, ainda que o Tribunal considerasse como tempo de execução da empreitada apenas aquele que vem indicado pela A. no seu programa de trabalhos para esse efeito [cfr. ponto D) do probatório] isto é, de 16.08.2024 a 28.05.2027 (linha 40) – assim, ignorando o período de tempo que a A. calendarizou para a fase “concurso e adjudicação” – e, desse modo, julgasse procedente o erro nos pressupostos de facto, tal como suscitado pela A., atenta a fundamentação jurídica na alínea d) do n.1 do artigo 10º dos termos de referência da R. para a exclusão da proposta da A. [cfr. ponto E) do probatório]; a verdade é que, está verificada a existência de causa de exclusão da proposta da A., de modo clarividente, mas ao abrigo do disposto no artigo 10º n.1 alínea a) dos termos de referência – por incumprimento do prazo máximo estipulado para a elaboração do projecto, nos termos do artigo 9.1.5 das cláusulas jurídicas do caderno de encargos, aplicáveis ex vi artigo 1º n.5 e artigo 8º n.3 dos termos de referência – pelo que, na situação concreta, o Tribunal sempre optaria pela aplicação do princípio do aproveitamento do acto em causa, ao abrigo do disposto no artigo 163º n.5 do Código de Procedimento Administrativo.
Enquadrando jurisprudencialmente o princípio do aproveitamento do acto, transcreve-se o afirmado pelo Tribunal Central Administrativo do Norte: “(…) A esse respeito, refere-se entre muitos outros, no Acórdão deste TCAN nº 02171/09.1BEPRT de 05-12-2014 que:
“O princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, princípio que também tem merecido outras formulações e designações (como a de princípio da inoperância dos vícios, a de princípio anti formalista, a de princípio da economia dos atos públicos e a de princípio do aproveitamento do ato administrativo), vem sendo reconhecido quanto à sua existência e valia/relevância pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, admitindo-se o seu operar em certas e determinadas circunstâncias.
Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.
Não está em causa sanar os vícios detetados, mas tão-só tornar inoperante a força invalidante dos mesmos, em resultado da verificada inutilidade da anulação resultante do juízo de evidência quanto à conformidade material do ato com a ordem jurídica, uma vez que a anulação do ato não traduz vantagem real ou alcance prático para o impugnante (cfr. Acórdão do TCAN, de 22/06/2011, proferido no processo n.º 00462/2000-Coimbra).
Como resulta, igualmente, dos acórdãos do Colendo STA nº 0888/06, de 22.11.2006 e nº 249/03 de 12.3.03 «Se, não obstante a verificação de vício anulatório do ato recorrido, se concluir que tal anulação não traria qualquer vantagem para o recorrente, deixando-o na mesma posição …, a existência de tal vício não deve conduzir à anulação, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur».
Mais se refere no acórdão do Pleno do Colendo STA, de 12.11.03, no recurso nº 41291, com relevância para a questão aqui em apreciação, que «... nos casos em que se apura, em concreto, com segurança, atentas as específicas circunstâncias do caso, que não ocorreu uma lesão efetiva dos direitos dos interessados, não se justificará a anulação do ato mesmo que se esteja perante qualquer erro de apreciação da lei» …”.
Estamos pois, como se disse já, em presença da aplicação do princípio sintetizado no brocardo latino “utile per inutile non vitiatur”.
. (…)” – cfr. Acórdão proferido em 08.01.2016, no âmbito do Processo n.º 02366/14.6BEBRG.
Ora, este entendimento unanimemente seguido na jurisprudência, encontra-se plasmado no artigo 163º do Código do Procedimento Administrativo, onde sob a epígrafe “Atos anuláveis e regime da anulabilidade” se estatuiu:
“1- São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.
2 - O ato anulável produz efeitos jurídicos, que podem ser destruídos com eficácia retroativa se o ato vier a ser anulado por decisão proferida pelos tribunais administrativos ou pela própria Administração.
3 - Os atos anuláveis podem ser impugnados perante a própria Administração ou perante o tribunal administrativo competente, dentro dos prazos legalmente estabelecidos.
4 - Os atos anuláveis podem ser anulados pela Administração nos prazos legalmente estabelecidos.
5 - Não se produz o efeito anulatório quando:
a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”
Assim sendo, analisada, de facto, a situação dos autos, conforme expendido supra, é patente que a proposta da A. não cumpre o prazo máximo de 365 dias de calendário para a elaboração do projecto [cfr. ponto D) do probatório, maxime linha 3 – colunas “start” e “finish”]. Logo, ainda que se pudesse considerar existirem dúvidas quanto ao modo de contabilização do prazo afecto pela A. na sua proposta para a execução da empreitada e, como tal, à pertinência da exclusão com base no previsto na alínea d) do n.1 do artigo 10º dos termos de referência, sempre a mesma proposta da A., seria excluída estribada na alínea a) do mesmo artigo.
Destarte, julga o Tribunal que, em face de uma eventual invalidade do acto impugnado por erro nos pressupostos de facto quanto à sua fundamentação de direito, por força da manifesta verificação de causa de exclusão ao abrigo do disposto no artigo 10º n.1 alínea a) dos termos de referência, a mencionada invalidade é aqui inoperante, para aproveitamento do acto administrativo anulável, por motivos de racionalidade e economia de procedimentos, à luz do consagrado no artigo 163º n.5 alínea c) do CPA.».
A recorrente tem toda a razão em relação a este último ponto, relativo ao designado “aproveitamento”; o recorrido procura “desvalorizar”; aponta que se trata de “um juízo adicional, hipotético, subsidiário; será adicional subsidiariamente, mas não simplesmente hipotético; não se trata de conjectura, faz parte da “ratio decidendi”, ainda que nessa ordem de subsidiariedade; mas com erro; ao raciocinar do modo como o fez, o tribunal “a quo” não se limitou a meramente aplicar princípio de aproveitamento; brandindo causa de exclusão que não foi convocada introduz diferente fundamento em violação de separação de poderes; não pode o tribunal, ele próprio, lançando mão do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, analisar os factos fornecidos pelo processo e o direito aplicável e definir a situação jurídica individual a modos de se confundir o seu múnus com o exercício de uma administração activa.
Cfr. Ac. do STA, de 23-04-2020, proc. n.º 0498/18.0BECTB: «Não deve o julgador decidir no sentido da exclusão de uma determinada proposta com base num fundamento de invalidade que não foi convocado pela entidade adjudicante na decisão de exclusão».
E no que foi a prioritária linha de pronúncia, o tribunal “a quo” incorreu em igual erro de alicerce, cabendo o que agora em linha de força se observou quanto ao limite de actuação do tribunal.
As peças do procedimento claramente distinguem o “PRAZO DE ELABORAÇÃO DO PROJECTO” do “PRAZO PREVISTO PARA EXECUÇÃO DA OBRA”.
O motivo de exclusão (no acto impugnado) residiu (apenas) no desrespeito deste último [“Causas de exclusão dos trabalhos de concecão”: “Que o prazo previsto para execução da obra seja superior a 1100 (mil e cem) dia calendário”]
Advém que como o tribunal “a quo” julgou, «No que toca ao período de tempo previsto, na proposta da A., para a execução da obra o Tribunal verifica que o mesmo se encontra calendarizado de 16.08.2024 (linha 40 – coluna “start”) e até 28.05.2027 (linha 40 – coluna “finish”), totalizando, em dias de calendário, 1016 dias.
E, aí, sim deve reconhecer-se razão à alegação da A..».
Portanto, razão reconhecida à alegação da Autora; sobre o que constituiu o único fundamento de exclusão do seu trabalho, o desrespeito do prazo previsto no art.º 10º, n.º 1, d), dos “Termos de referência”.
Não pode ser negada essa sua razão, julgada conforme à lei, por outra silenciada.
A autora pede a revogação da decisão sob recurso; abriria caminho ao peticionado na acção, de anulação do (...) acto impugnado devendo ser determinada a audiência prévia da Autora e, a final, ser admitida a sua proposta “09/24”. (…)”; acontece que nem essa audiência tem de ter lugar, como também fica comprometido que o acto devido seja a admissão da sua proposta, conquanto, apesar de causa para anulação, essa pretensão material não é viável como reposição típica da legalidade; a regra do anonimato opõe-se à renovação do acto, rectius, a um estádio procedimental em que já não é compatível cumprir essa exigência.
Face à impossibilidade jurídica resta a possibilidade de modificação do objecto da acção, nos termos do artigo 45º do CPTA (art.º 102º, n.º 6, do CPTA).
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e determinando a baixa dos autos para que aí seja feito ulterior processamento após convite nos termos do artigo 45º do CPTA.
Custas: pelo recorrido.

Porto, 7 de Dezembro de 2022.
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa