Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00113/02-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/18/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:José Vital Brito Lopes
Descritores:PRESCRIÇÃO.
CONHECIMENTO OFICIOSO.
MÉTODOS INDIRECTOS.
Sumário:1. O prazo de prescrição da obrigação tributária não se inicia, nem corre, durante o período de suspensão da execução fiscal nos termos do disposto no n.º8 do art.º92.º, da Lei Geral Tributária;
2. Se, fundadamente, a Administração tributária conclui que a declaração e contabilidade não reflectem a totalidade das operações tributáveis do sujeito passivo, manifesto é que não pode determinar a matéria tributável real do imposto com base nesses elementos declarativos e de contabilidade, ou, o que é dizer o mesmo, por via directa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

F…, NIF 1…, veio interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS relativa ao ano de 1997, no valor de 2.745,24€, emitida em Janeiro de 2002.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
A – Não obstante a prescrição da obrigação tributária não constitua, a se, fundamento de impugnação judicial, deve conhecer-se da mesma, oficiosamente, nesse meio processual, conforme estipula o artigo 175º do C.P.P.T., para aferir da eventual inutilidade superveniente da lide, determinante da extinção da instância nos termos do artigo 287º, alínea e) do C.P.C.;
B – Respeitando o acto tributário impugnado a IRS de 1997, por força da paragem do processo de impugnação judicial durante quase três anos, ocorreu a prescrição da obrigação tributária que lhe está subjacente, com a consequente inutilidade da lide impugnatória – artigos 297º, do Código Civil, 48º, nº 1 e 49º, nºs 1 e 2, da L.G.T.;
C – Este facto devia ter sido declarado na sentença recorrida, motivo por que se verifica erro de julgamento;

Sem prescindir,

D – Não estando aprovados os indicadores de base técnico-científica a que se refere o art. 89º da L.G.T., não pode fundamentar-se o recurso à tributação por métodos indirectos com base nos mesmos, por não existirem;
E – Os rácios existentes no sistema informático da Direcção-Geral dos Impostos não têm a natureza de indicadores objectivos de actividade de base técnico-científica, pelo que, não podem servir de suporte para a aplicação do art. 87º, alínea c), da L.G.T., contrariamente ao que a Administração Fiscal fez e a sentença recorrida manteve;
F – Pelo que, não tendo sido invocado qualquer outro fundamento válido que permitisse e justificasse o recurso à tributação por métodos indirectos, não se mostra legítimo o recurso a essa forma de tributação para apuramento da matéria tributável do impugnante, motivo determinante da anulação da liquidação impugnada.
TERMOS EM QUE,
NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS,
DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, ASSIM FAZENDO VOSSAS EXCELÊNCIAS SÃ, SERENA E OBJECTIVA JUSTIÇA»

A recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal é de parecer que o recurso deve improceder.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, importa indagar se ocorre prescrição da obrigação tributária e, se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar estarem reunidos os pressupostos do recurso à avaliação indirecta.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:



a) O impugnante, a coberto da ordem de serviço nº 25524, de 11/01/2001, foi alvo de uma acção inspectiva levada a efeitos pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), que recaiu sobre o IRS e IVA do exercício de 1997 (cf. doc. de fls. 31 a 35 do processo Administrativo, doravante apenas PA). ---
b) Ali se refere que o sujeito passivo encontra-se colectado em IRS, pela actividade de fabrico de candeeiros eléctricos, CAE 31620, com enquadramento em IVA no regime normal de periodicidade trimestral desde 01/07/1989, cujas vendas são dirigidas essencialmente a consumidores finais, dispondo de exposição própria (estabelecimento comercial), contígua à fábrica, na Rua…, Aguas Santas, Maia (cf. doc. de fls. 31 do PA). ---
c) Em sede inspectiva apurou-se que “As vendas registadas não cobrem os custos com o pessoal e matéria-prima consumida, para além de que não são pagas rendas por o prédio onde funciona a fábrica e o estabelecimento comercial pertencer ao sujeito passivo. O sujeito passivo exercendo funções de gerência, não faz qualquer retirada a título de remunerações. Relativamente aos valores dos artigos fabricados em curso constantes no inventário em 1997.12.31, não podem ser objecto de confirmação, por se tratar dum processo de fabrico e não dispor de fichas de cálculo que permitam aferir o custo unitário ali atribuído. Verifica-se também que o stock de produtos fabricados aumentou em 955.800$00 no exercício de 1997, o que não é razoável, face à situação permanente de prejuízos” (cf. doc. de fls. 33 do PA). ---
d) Naquela sede concluiu-se que “Face às vendas declaradas e os custos suportados com o pessoal resulta um rácio de 1.13 (10087290$00:8933883$00), o que se afasta em demasia dos rácios da actividade…Assim e na impossibilidade de comprovação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, procedemos à determinação do lucro tributável para efeitos de IRS – categoria C e apuramento de IVA, do ano de 1997, por recurso a métodos indirectos, dado verificarem-se os pressuposto do art. 89º da lei geral tributária” (cf. doc. de fls. 33 do PA). ---
e) O impugnante pelo ofício nº 317432, de 10/05/2001, foi notificado do projecto de relatório para, ao abrigo do disposto no art. 60º da LGT e art. 60º do RCPIT, exercer o seu direito de audição (cf. doc. de fls. 9 a 13 dos autos). ---
f) Em 17/08/2001 o impugnante requereu a revisão da matéria colectável nos termos do disposto no art. 91º da LGT (cf. doc. de fls. 24 a 26 do PA). ---
g) Na sequência do pedido referido em f) foi elaborada a acta de reunião dos peritos nº 173 onde, por não chegarem a acordo, cada um dos peritos elaborou o seu parecer (cf. doc. de fls. 5 a 20 do PA). ---
h) O pedido de revisão acabou por ser indeferido por despacho do órgão competente para o efeito de 31/10/2001, fixando-se os valores de IRS para o ano de 1997 – rendimento líquido – em 10.053.063$00 (cf. doc. de fls. 21 a 23 do PA). ---
i) Em 29/01/2002 foi emitida a liquidação de IRS nº 2002 5320026001, relativa ao ano de 1997, no montante de €2.745,24, cuja data limite de pagamento terminou em 13/03/2002 (cf. doc. de fls. 39 dos autos). ---
j) Na sequência da decisão proferida a fls. 70/77 dos autos, foi proferido o Acórdão do STA de fls. 105/112 dos autos que aqui se tem por integralmente reproduzido.
k) O impugnante empregava no ano de 1997 cerca de 10 a 12 pessoas com médias de idades avançadas e com muitos anos de serviço na empresa (cf. depoimento das testemunhas). ---
l) Os custos mais significativos eram com pessoal e as vendas não cobriam os custos com o pessoal e com matéria primas (cf. depoimento das testemunhas). ---
m) A empresa do impugnante trabalhava por encomenda e fabricava os produtos de acordo com as indicações dos clientes, além do fabrico também reparava candeeiros (cf. depoimento da testemunhas). ---
n) O impugnante chegou a oferecer a fábrica aos empregados que não a aceitaram (cf. depoimento das testemunhas).---»

E mais se consigna:

«Factos não provados.

Não resultou provado que a fonte de rendimentos do impugnante não seja a fábrica onde se fabricavam os candeeiros, uma vez que tal prova teria que ser feita por documentos e não por testemunhas. ---
Não resultou provado que o impugnante possuísse ou realizasse negócios imobiliários donde retirava os seus rendimentos. ---
Também não ficou provado que o impugnante auferia rendimentos prediais que lhe permitiam subsistir. ---
Não resultou provado que o impugnante tenha tido encomendas no final do ano de 1997 que justificasse a existência dos stocks encontrados de produtos acabados. ---
Por fim, também não resultou provado que o pessoal afecto à fábrica do impugnante passe 50% do tempo sem ter que fazer, inactivo. ---
Não ficou provada a existência de grande concorrência oriunda das grandes superfícies que tenha determinado a descida “vertiginosa” das vendas e da produção.
As demais asserções insertas na petição constituem conclusões de facto e/ou direito. -
O tribunal formou a sua convicção com base nos documentos e nos depoimentos das testemunhas as quais depuseram com conhecimento dos factos».

Ao abrigo do disposto no art.º712º, nº1, al. a), do CPC aplicável, adita-se a seguinte matéria de facto, necessária à apreciação da questão nova da prescrição, provada documentalmente:

o) A presente impugnação judicial foi apresentada em 12/06/2002, conforme carimbo de entrada aposto na petição inicial pelo então Tribunal Tributário de 1ª instância do Porto;
p) Visando a cobrança da liquidação impugnada foi instaurado contra o impugnante, em 06/02/2003, o processo de execução fiscal n.º3506-03/100159.0 (cf. capa do PEF apenso);
q) Foi efectuada citação em 09/10/2003, conforme cota aposta no verso da certidão de dívida que constitui fls.2 do apenso;
r) No seguimento de mandado de penhora, por requerimento dirigido à execução em 22/10/2003, foi pedida a dispensa de prestação de garantia para suspender a execução na pendência da impugnação judicial (cf. fls. 4 do PEF apenso);
s) Sobre o pedido recaiu o despacho de 22/01/2004 do Sr. Chefe de Finanças exarado a fls. s/n do PEF apenso, cujo teor se dá por reproduzido destacando-se a seguinte passagem: «Face à informação supra, nos termos do n.º8 do art.º92.º da LGT suspenda-se o processo, com dispensa de garantia, até decisão do pleito. (…)»;
t) Nenhum acto processual foi praticado no processo de impugnação entre a data de apresentação das alegações do impugnante em 20/08/2003 e o despacho de 19/10/2004, ordenando o prosseguimento do processo com vista ao Ministério Público (cf. fls.57 e 61).

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Em sede recursiva vem o Recorrente invocar a prescrição da obrigação tributária correspondente à liquidação impugnada, questão que sendo nova, dela importa, no entanto, conhecer por ser de conhecimento oficioso, como o vem salientando a jurisprudência do STA – cf. Acórdãos de 16/05/2007, proferido no proc.º071/07; de 07/02/2007, proferido no proc.º0980/06.

Estando em causa dívida relativa ao ano de 1997, os regimes de prescrição potencialmente aplicáveis são os decorrentes do art.º34.º do Código de Processo Tributário e 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária.

Estabelece o art.º34.º, do CPT:
«1 – A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei.
2 – O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
3 – A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação».

Na redacção inicial, estabelecia o n.º1 do art.º48.º da Lei Geral Tributária, com entrada em vigor em 01/01/1999 – cf. art.º6.º, do Decreto-Lei n.º398/98, de 17 de Dezembro:

«As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu».

Na sucessão das leis no tempo, importa ter em conta o que dispõe o n.º1 do art.º5.º do já citado Decreto-Lei n.º398/98, de 17 de Dezembro (que aprova a Lei Geral Tributária), segundo o qual, ao novo prazo de prescrição aplica-se o disposto no artigo 297.º do Código Civil.

Estatui o n.º1 do art.º297.º, do Código Civil: «A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».

Vertendo aos autos, contando-se o prazo de 10 anos da prescrição segundo o CPT, desde 01/01/1998, tal prazo apenas se completaria em 01/01/2008; contando-se o prazo de prescrição de oito anos segundo a LGT, tal prazo completar-se-ia em 01/01/2006, tendo em conta que o início da contagem do prazo se reporta à data da sua entrada em vigor.

É, pois, aplicável o regime de prescrição decorrente da Lei Geral Tributária, porque é segundo este que falta menos tempo para o prazo de prescrição se completar, salientando-se que nenhuma causa interruptiva ou suspensiva prevista na lei antiga (CPT) ocorreu até à data de entrada em vigor da lei nova (LGT).

Na redacção introduzida pela Lei n.º100/99, de 26 de Julho, o art.º49.º, da LGT, dispunha o seguinte:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 – O prazo de prescrição suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso».

Vertendo aos autos, o Recorrente não contesta, antes pelo contrário até sustenta, a aplicação à situação em apreciação do regime da LGT.

Mas entende que a paragem do processo de impugnação por período superior a dois anos – que situa entre a data de apresentação das alegações (20/08/2003) e a de prolação da sentença (04/07/2006) – por causa que não lhe é imputável, fez cessar o efeito interruptivo da instauração do processo de impugnação, nos termos daquele n.º2 do art.º49.º, da LGT.

Embora a factualidade levada ao probatório não valide a paragem do processo de impugnação no período alegado pelo Recorrente, mas apenas entre 20/08/2003 e 19/10/2004 (cf. fl.61), a questão é, a nosso ver, irrelevante como se explicará de seguida.

Na verdade, o Recorrente parece olvidar na apreciação que faz da prescrição da dívida, que o processo executivo se encontrava suspenso, aliás, a seu pedido, nos termos do disposto no n.º8 do art.º92.º, da LGT, disposição relativa ao procedimento de revisão da matéria tributável, segundo a qual, “No caso de o parecer do perito independente ser conforme ao do perito do contribuinte e a administração tributária resolver em sentido diferente, a reclamação graciosa ou impugnação judicial têm efeito suspensivo, independentemente da prestação de garantia quanto à parte da liquidação controvertida em que aqueles peritos estiveram de acordo”.

Como explica Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária…” Áreas Editora, 2008, a págs.59, a propósito da combinação das causas de interrupção com as causas de suspensão da prescrição, “Não é clara a compatibilização do regime de cessação de efeito interruptivo (que se transforma em suspensivo com a paragem do processo por mais de um ano), previsto nos n.ºs 1 e 2 do art.º49.º, com o efeito suspensivo atribuído no n.º3 do mesmo artigo à «reclamação, impugnação judicial ou recurso», dependente da suspensão do processo de execução fiscal.
Parece, no entanto, que a interpretação mais adequada e coerente é a de que esta norma geral sobre causas de suspensão tem precisamente os mesmos efeitos, relativamente aos factos que indica, que tinham as causas de suspensão previstas em diplomas especiais no domínio do CPT, que se referiram no ponto anterior: elas obstarão ao decurso do prazo da prescrição durante o período em que se mantiverem, produzindo os seus efeitos independentemente dos efeitos dos actos interruptivos.
Isto é particularmente evidente em relação ao pagamento em prestações, pois está-se perante uma situação substancialmente idêntica à gerada pelo citado DL n.º124/96 (…). Se, por exemplo, o processo de impugnação judicial parou por mais de um ano, mas, quando se completou esse ano ou posteriormente decorre período de pagamento em prestações, o decurso do prazo de prescrição suspender-se-á durante este período de pagamento em prestações, em que a administração tributária está impedida de cobrar coercivamente a dívida.
Com efeito, compreende-se perfeitamente que, durante o período de pagamento em prestações, estando o credor impossibilitado de cobrar a dívida, não corra o prazo de prescrição, que tem o seu fundamento na negligência do credor em proceder à cobrança.
Mas não tem de ser diferente em relação à reclamação, ao recurso hierárquico e à impugnação judicial.
Na verdade, embora se possa entrever aparente incoerência em se fazer decorrer da paragem desses processos por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte a cessação do efeito do facto interruptivo, inclusivamente, a suspensão do decurso da prescrição (art.º49.º, n.º2) e, no caso de estar suspensa a execução fiscal, assegurar o prolongamento do efeito suspensivo enquanto esta suspensão persistir (n.º3 do mesmo artigo), o certo é que a suspensão da prescrição nesta última situação não deixa de ter uma razão de ser consistente, a mesma que justifica a suspensão durante o período de pagamento em prestações, que é a impossibilidade legal de a administração tributária fazer prosseguir a execução suspensa”.

Transpondo para os autos a doutrina exposta, não obstante a cessação do efeito interruptivo por paragem do processo de impugnação judicial por período superior a um ano por facto não imputável ao contribuinte (comprovadamente, entre 20/08/2003 e 19/10/2004), o decurso do prazo de prescrição manteve-se suspenso após se completar o ano de paragem do processo, porquanto, em 22/01/2004, fora ordenada a suspensão do processo executivo nos termos do disposto no n.º8 do art.º92.º, da LGT, não podendo a execução prosseguir legalmente até ao trânsito em julgado da impugnação judicial, o que ainda não sucedeu.

Por virtude da suspensão, “a prescrição não começa nem corre” – art.º318.º, do Código Civil.

Como assim, é manifesto que não ocorre prescrição da dívida, porquanto, o prazo aplicável de oito anos se manteve suspenso, isto é, não correu, após o ano de paragem do processo de impugnação judicial.

Improcede o recurso por este fundamento.

Insurge-se também o Recorrente contra a sentença recorrida ao concluir que estão verificados os pressupostos do recurso a métodos indirectos.

A seu ver, a Administração tributária apelou aos indicadores de base técnico-científica a que se refere o art.º89.º da LGT na fundamentação do recurso a métodos indirectos quando tais indicadores inexistem por não estarem ainda aprovados, com eles se não podendo confundir os rácios existentes no sistema informático da DGI, os quais não podem servir de suporte para a aplicação do art.º87.º alínea c), da LGT. E, não tendo sido invocado pela Administração tributária qualquer outro fundamento que justifique o recurso à avaliação indirecta, o recurso a tal método de tributação não se mostra legítimo.

Na redacção vigente ao tempo dos factos, dispunha o art.º87.º, da LGT:

«A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:

a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;

b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;

e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco».

Por outro lado, estabelece o art.º89.º da mesma LGT:

«1 - A aplicação de métodos indirectos com fundamentos em a matéria tributável ser significativamente inferior à que resultaria da aplicação de indicadores objectivos de actividade de base técnico-científica só pode efectuar-se, para efeitos da alínea c) do artigo 87.º, em caso de o sujeito passivo não apresentar na declaração em que a liquidação se baseia razões justificativas desse afastamento, desde que tenham decorrido mais de três anos sobre o início da sua actividade.

2 - Os indicadores objectivos de base técnico-científica referidos no número anterior são definidos anualmente, nos termos da lei, pelo Ministro das Finanças, após audição das associações empresariais e profissionais, e podem consistir em margens de lucro ou rentabilidade que, tendo em conta a localização e dimensão da actividade, sejam manifestamente inferiores às normais do exercício da actividade e possam, por isso, constituir factores distorcivos da concorrência».

É certo que os indicadores objectivos de base técnico-científica não se encontravam aprovados pelo competente membro do Governo.

E não estando tais indicadores definidos, não podia a Administração tributária lançar mão dos métodos indirectos com base na alínea c) do art.º87.º, da LGT, por manifesta falta dos pressupostos de que depende a aplicação dessa norma.

Todavia, embora o Recorrente insista neste ponto, alicerçado na circunstância de no número 10) do relatório de inspecção tributária se mencionar que “Assim e na impossibilidade de comprovação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, procedemos à determinação do lucro tributável para efeitos de IRS – categoria C e apuramento do IVA, do ano de 1997, por recurso a métodos indirectos, dado verificarem-se os pressupostos do art.º89.º da Lei Geral Tributária” (cf. fls.33 do apenso instrutor), importará salientar que, em sede de procedimento de revisão, o perito da Administração tributária no respectivo laudo, esclarece o seguinte: “1.º - Os fundamentos para aplicação de métodos indirectos, estão evidenciados no relatório de inspecção tributária, nos pontos 2 a 9, embora no seu n.º10, refira o art.º89.º da LGT, é evidente que, dos pontos anteriores, fica claro que se trata de uma enumeração implicitamente decorrente do art.º88.º, por força da alínea b) do art.º87.º, ambos da LGT; 2.º - Por outro lado, efectivamente os elementos declarados pelo sujeito passivo no ano em causa, afastam-se dos rácios existentes na base de dados da DGCI e que, sendo indicadores de actividade que servem de padrão na análise comparativa entre sujeitos passivos, não são os de base técnico-científica, referidos no art.º89.º” (cf. fls. 26 dos autos), esclarecimento, de resto, depois assumido pelo órgão competente na decisão que proferiu por falta de acordo entre os peritos (cf. fls.38 dos autos).

Sendo a decisão do procedimento de revisão aquela que verdadeiramente importa ter em conta e essa já esclarece cabalmente o Recorrente quanto ao alcance da referência feita, no precedente relatório de inspecção, ao art.º89.º da LGT na justificação do recurso à avaliação indirecta, o que se impõe indagar é se, em vista do que foi esclarecido e precisado – no fundo, que o recurso a métodos indirectos não se sustentou, de direito, na alínea c) do art.º87.º da LGT, mas sim na alínea b) do mesmo preceito – transparecem do relatório factos que permitiam a realização da avaliação indirecta por este fundamento.

Nos termos do n.º1 do art.º75.º, da LGT, “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

Estabelece o n.º2 daquele preceito que a presunção referida no número anterior não se verifica nas situações previstas nas suas alíneas e, nomeadamente, nos termos da alínea a), quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo».

Ocorrendo erros, inexactidões ou omissões na declaração, escrita ou contabilidade do sujeito passivo, ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da sua matéria tributável real, fica a Administração tributária legitimada a corrigir os valores decorrentes da declaração ou contabilidade, recuperando para a tributação realidades a ela sujeitas e que dessa declaração ou contabilidade foram indevidamente subtraídas.

No entanto, só fica legitimada a lançar mão dos métodos indirectos, em vista do seu carácter subsidiário (cf. art.º85.º, n.º1 da LGT), perante a constatação da impossibilidade de determinar a matéria tributável com base na contabilidade ou por outra forma directa.

Pois bem, no capítulo IV do relatório de inspecção tributária relativo aos “motivos e exposições dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos” vem descrita a seguinte factualidade (cf. fls.32 do apenso instrutor):
i. Feita uma análise aos resultados desde 1995, verifica-se sistematicamente o apuramento de prejuízos;
ii. As vendas registadas não cobrem os custos com o pessoal e matéria-prima consumida, para além de que não são pagas rendas por o prédio onde funciona a fábrica e o estabelecimento pertencer ao sujeito passivo;
iii. O sujeito passivo, exercendo as funções de gerência, não faz qualquer retirada a título de remunerações;
iv. Relativamente aos valores dos artigos fabricados em curso constantes do inventário em 1997.12.31, não podem ser objecto de confirmação, por se tratar dum processo de fabrico e não dispor de fichas de cálculo que permitam aferir o custo unitário ali atribuído;
v. Verifica-se também que o stock de produtos fabricados aumentou em 955.800$00 no exercício de 1997, o que não é razoável, face à situação permanente de prejuízos;
vi. Face às vendas declaradas e os custos suportados com o pessoal resulta um rácio de 1.13 (…), o que se afasta em demasia dos rácios da actividade pela unidade orgânica constante do sistema informático da Direcção-Geral dos Impostos, na vertente “R-18 – Rendimento Pessoal” para 1997, em que a média no distrito do Porto é 7,56, 1º quartil 2,64; mediana 3,72; 3.º quartil 7,02; média do exercício 6,59; e mediana a nível nacional de 4,44.

Os factos descritos constituem, no seu conjunto, indícios fundados de que os elementos de contabilidade e escrita não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo.

Na verdade, a circunstância de se registarem prejuízos consecutivos desde 1995 mantendo-se a empresa a laborar nos mesmos moldes – isto é, com a mesma estrutura de custos -, aliada ao facto de o gerente não auferir remuneração por essas funções, bem como o aumento do stock de produtos fabricados em 1997, que só pode razoavelmente explicar-se na previsão do seu escoamento, como também a ausência de elementos para quantificação do custo dos produtos fabricados em curso constantes do inventário à data de 31/12/1997, como ainda o desvio acentuado face aos rácios sectoriais da actividade constantes da base de dados da DGCI, são todos indícios que coerentemente evidenciam a existência de fluxos à margem da contabilidade ou de operações não declaradas.

E se a declaração e contabilidade não reflectem a totalidade das operações tributáveis, manifesto é que a Administração tributária não pode determinar a matéria tributável real do imposto com base nos elementos declarativos e de contabilidade, ou, o que é dizer o mesmo, por via directa.

Está, pois, preenchido o requisito da alínea b) do art.º87.º, da LGT, na decisão do recurso à avaliação indirecta, ou seja, a impossibilidade de determinar a matéria tributável do imposto com base na contabilidade do sujeito passivo, relativamente à qual, é bom lembrar, já não opera a presunção de veracidade decorrente do art.º75.º, n.º1, da LGT.

E a factualidade integrativa dos pressupostos da decisão de recurso à avaliação indirecta na determinação da matéria tributável não foi, com sucesso, posta em causa pelo contribuinte, porquanto nada resulta de concreto e relevante da estabilizada matéria de facto salientando-se, a propósito, que o Recorrente não invoca, em sede recursiva, erro ou excesso de quantificação que era o único caminho que lhe restava trilhar caso pretendesse demonstrar a falta de aderência à sua realidade empresarial do resultado a que se chegou no apuramento da matéria tributável por métodos indirectos.

Concluímos, pois, que a Administração tributária logrou fazer prova da verificação dos requisitos legais que lhe permitiam o recurso a métodos indirectos no apuramento da matéria tributável do contribuinte, ora Recorrente, improcedendo o recurso também por este fundamento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 18 de Setembro de 2014
Ass. Vital Lopes
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Ana Patrocínio