Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00008/12.3BCPRT-B
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/28/2022
Tribunal:TCAN
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RECURSO DE REVISÃO; PRESSUPOSTOS;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
INCONSTITUCIONALIDADE DA SUCESSÃO NO TEMPO DE REGIMES JURÍDICOS;
ARTIGO 13.º, N.º2, DO REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS, APROVADO PELA LEI N.º 67/2007 DE 31.12; ALÍNEA A), DO N.º 1 DO CITADO ARTIGO 696º - A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:
1. O legislador previu a responsabilidade por erro judiciário no caso, para o que aqui interessa, de decisões manifestamente inconstitucionais artigo 13.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007 de 31.12. Ou seja, a inconstitucionalidade manifesta que funda o dever de o Estado indemnizar por erro judiciário deve radicar na própria decisão e não nas normas aplicadas ou não aplicadas pelo tribunal; pela simples e evidente razão de que a “responsabilidade” pela inconstitucionalidade das normas é de quem as cria, o legislador, e não do tribunal. Não é por isso de admitir o recurso extraordinário de revisão fundado na inconstitucionalidade da sucessão de normas aplicadas no caso.
2. Ainda que se entendesse existir ilegalidade na invocada omissão de pronúncia sobre esta questão estaria longe de ser manifesta, assim como não se pode falar no caso de erro grosseiro, pelo contrário; isto porque a questão não foi suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão a rever e, como é evidente, o tribunal não se pode pronunciar sobre a inexistência de todas as inconstitucionalidades que teoricamente se poderiam suscitar no caso concreto.
3. Sempre faltaria um outro fundamento, essencial, para que o recurso de revisão fosse admitido: o de que a decisão a rever tenha sido revogada, como se depreende do teor do n.º 2 do artigo 13.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Pública. Este pressuposto se deve verificar aquando da interposição do recurso de revisão pois este pedido sem o pedido de indemnização, a formular obrigatoriamente em momento posterior – artigo 701º, n.º1, alínea e), do Código de Processo Civil -, não tem qualquer sentido útil. A formulação do pedido de indemnização no recurso de revisão fundado em responsabilidade do Estado por erro judiciário não é uma faculdade; é um ónus do Recorrente. Caso contrário, estaríamos a admitir a hipótese de prática de actos inúteis, a revisão de uma decisão e o apuramento da responsabilidade do Estado para efeito nenhum. No caso concreto, o acórdão sujeito ao pedido de revisão não foi revogado, antes confirmado, primeiro por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo e depois por acórdão do Tribunal Constitucional, mesmo quanto à alegada omissão de pronúncia no que respeita à dita questão de inconstitucionalidade, pois ambos estes Tribunais se pronunciaram no sentido de que o recorrente não ter cumpriu o ónus que sobre si impendida, de invocar em tempo oportuno a inconstitucionalidade de qualquer norma concreta que tenha sido aplicada ao caso concreto.
4. O teor das decisões do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional conduz-nos, de resto, ao fundamento final para a não admissão do presente recurso de revisão: a existir vício no acórdão sujeito ao pedido de revisão, do Tribunal Central Administrativo Norte – que não existe -, sempre seria imputável a omissão da própria recorrente, por não ter invocado em tempo oportuno e como exige a lei a questão da inconstitucionalidade que quis ver discutida como fundamento para o pedido de revisão – alínea a), do n.º 1 do artigo 696º - A do Código de de Processo Civil.
Recorrente:D..., S.A
Recorrido 1:APDL – Administração dos Portos do A..., S. A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Recurso Extraordinário de Revisão
Decisão:NÃO ADMITIR O RECURSO DE REVISÃO.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
D..., S.A. veio interpor RECURSO EXCEPCIONAL DE REVISÃO do acórdão deste Tribunal de 23.05.2019 (segundo o esclarecimento prestado na resposta às excepções), que julgou improcedentes que o recurso principal interposto pela ora Recorrente quer o recurso subordinado interposto pela APDL – Administração dos Portos do A..., S. A. da decisão do Tribunal Arbitral, de 07.03.2012, pela qual: a) foi julgada a presente acção em parte procedente e provada e em parte improcedente e não provada e, consequentemente b) foi condenada a entidade demandada D..., S.A. a reconhecer que o contrato administrativo de concessão de uso privativo, que celebrou com a APDL – Administração dos Portos do A..., S. A. e a que se reportam os pontos nºs 1 a 8 do nº 2 da decisão arbitral, que constitui a causa de pedir na acção, se manteve plenamente válido e eficaz na ordem jurídica desde a data da respetiva celebração – 3 de Março de 2000; c) foi condenada a Demandada, D..., S.A., a pagar à Demandante APDL o montante de 3.113.742,21 € a título de acordadas taxas de utilização do domínio público vencidas desde 01.02.2002 até à data da propositura da acção em 23.06. 2009; d) foi absolvida a entidade demandada D..., S.A. do pedido na parte em que a demandante APDL dela reclama o pagamento dos juros moratórios convencionados que (em abstracto) se teriam vencido até à data da notificação da decisão arbitral.
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Invocou para tanto, em síntese, que: os tribunais que apreciaram a questão da sucessão legislativa que determinava a extinção ou não do contrato de concessão existente entre a APDL e a D..., S.A. não apreciaram se esta mesma sucessão seria inconstitucional ou não; a falta de apreciação da questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa inerente ao contrato de concessão viola, de forma gritante, os direitos constitucionalmente protegidos de certeza e segurança jurídica, assim como o princípio basilar da expectativa jurídica formada na esfera jurídica do destinatário; o Estado é responsável por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, uma vez que a questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa aqui em causa nunca foi analisada por qualquer dos tribunais nos quais a mesma foi levantada.
Danos que especifica nas conclusões XLV a LIII e que totalizam 7.985.816€57 (sete milhões, novecentos e oitenta e cinco mil, oitocentos e dezasseis euros e cinquenta e sete cêntimos).
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O Estado Português, devidamente representado pelo Ministério Público, veio contestar o recurso de revisão invocando: a ineptidão da petição inicial por falta de indicação da decisão a rever e do pedido; a incompetência deste Tribunal para apreciar o recurso; a inadmissibilidade do recurso, por impossibilidade legal do seu conhecimento e não verificação dos pressupostos de procedência do mesmo.
Pediu ainda a condenação por litigância de má-fé da Recorrente.
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A APDL – Administração dos Portos do A..., S. A. apresentou resposta em que invocou também a matéria de excepção e de inadmissibilidade do recurso suscitada pelo Estado Português, tal como deduziu pedido de condenação da Recorrente como litigante de má-fé.
A Recorrente veio responder à matéria de excepção pugnando pela respectiva improcedência assim como pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má-fé.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso:
I. Em 15.05.2000, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000 aprovou o Programa Polis, de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades.

II. Na sequência dessa Resolução, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho, que estabeleceu a localização e delimitação das zonas de intervenção da área de intervenção em ..., verificando-se que, entre estas, se contava o espaço que tinha sido dado em concessão pela APDL à D..., S.A..

III. Em 27.01.2001, o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e a Câmara Municipal de Vila Nova de Caia aprovaram o Plano Estratégico de ..., que identifica um conjunto de ações a desenvolver no âmbito do Programa Polis - Programa de Requalificação Urbana e de Valorização Ambiental das Cidades, criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000, de 15 de Maio.

IV. A 27 de Dezembro de 2000 foi publicado o Decreto-Lei n.º 330/2000 que veio determinar a extinção “de todas as concessões de obras públicas, de serviço público e de exploração de bens dominiais, bem como todos os direitos de uso privativo”, que, até à data da sua entrada em vigor, tivessem sido “constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto- Lei n.° 119/2000, de 4 de Julho, e que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico”, e que, por conseguinte, caducariam todos os contratos de concessão que haviam sido celebrados tendo como objeto as zonas que iriam ser sujeitas a intervenção.

V. Assim, no que especificamente diz respeito ao contrato de concessão - na versão decorrente do contrato adicional de 17 de Janeiro de 2001 - que, na data da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 70/2001, de 24 de Fevereiro, vinculava a APDL e a D..., S.A., as consequências que resultaram dos três diplomas legais que acabam de ser mencionados foram, a caducidade do contrato de concessão outorgado com a APDL, por direta determinação da lei, que procedeu à extinção da concessão; a colocação da D..., S.A. em situação de ocupação sine título de um espaço que, por seu turno, foi transferido, por direto efeito da lei, do domínio público do Estado para a esfera de propriedade da G..., S.A.; a extinção do dever de a D..., S.A. pagar rendas à APDL, dever que se lhe impunha no âmbito da relação de concessão, mas que cessou com a caducidade do contrato de concessão e respetivo contrato adicional; a constituição da D..., S.A. e da APDL no direito de serem indemnizadas pela G..., S.A. pelo facto da extinção da concessão.

VI. Em 30.11.2007, foi publicado o Decreto-Lei n.º 388/2007, que veio efetuar uma nova delimitação das zonas objeto de intervenção por parte da G..., S.A. (empresa responsável pela intervenção urbanística na zona de ..., instituída pelo Decreto-Lei n.º 70/2001, de 24 de Fevereiro), sendo que o artigo único do Decreto-Lei n.º 388/2007 não contém, no que diz respeito às áreas abrangidas pelo programa de reabilitação, a área que havia sido objeto do contrato de concessão celebrado entre D..., S.A. e a APDL.

VII. Segundo reza o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 338/2007, de 30 de Novembro, embora a delimitação da área de intervenção no âmbito do Programa Polis na cidade de ... tenha integrado inicialmente a zona da faixa ribeirinha compreendida entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...», o “conhecimento mais rigoroso de toda a área de intervenção” conduziu a que não se contemplassem “quaisquer ações na referida faixa ribeirinha, em virtude da mesma já ter sido objeto de requalificação anterior, mostrando-se assim preenchidos os objetivos de requalificação urbana e valorização ambiental do Programa Polis”.

VIII. Nestas condições, o diploma em referência assume a necessidade de “proceder às devidas correções de forma a subtrair a referida área da zona de intervenção, através da alteração da planta de delimitação da zona reservada à intervenção do Programa Polis na cidade de ..., publicada em anexo ao citado Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho”, para o que determina a substituição da referida planta por outra, que não contempla o espaço a que se reporta a concessão em referência na presente Consulta.

IX. Apreciar do alcance da modificação que o Decreto-Lei n° 388/2007 veio introduzir na planta aprovada pelo Decreto-Lei n° 119/2000 é apurar se, após a entrada em vigor da referida modificação, se deve continuar a entender que se produziram e se mantêm os efeitos que o Decreto-Lei n.º 330/2000 associou ao facto de, na versão primitiva da planta aprovada em 2000, o espaço correspondente à concessão da APDL à D..., S.A. ter sido integrado na área de intervenção do Programa Polis na cidade de ... e, por via disso, transferido para a titularidade da sociedade gestora do Programa Polis, a G..., S.A..

X. Contudo, o Decreto-Lei n° 330/2000, e em concreto o art.º 1.º é um normativo legal que, por razões de ordem pública, determina o sacrifício de situações contratualmente constituídas no âmbito de concessões anteriormente outorgadas, em favor de entidades - as sociedades gestoras do Programa Polis - que investe em situações jurídicas patrimoniais incompatíveis com aquelas situações contratuais.

XI. Na economia do Decreto-Lei n° 330/2000, a caducidade das concessões e dos direitos de uso privativo pré-existentes parece desempenhar uma função instrumental, dirigida a viabilizar a apropriação dos espaços sobre os quais tais situações jurídicas recaíssem pelas sociedades gestoras do Programa Polis.

XII. Em bom rigor, da desafetação do domínio público dos bens imóveis que integram aqueles espaços e sua transferência para a esfera patrimonial das referidas sociedades gestoras sempre teria necessariamente de resultar, como consequência inevitável, a extinção daquelas situações jurídicas, cuja manutenção seria incompatível com a alteração do estatuto dominial dos bens em causa e respetiva transferência de titularidade.

XIII. Na sequência da sucessão legislativa supra referida, e tendo em conta a divergência de entendimentos entre as partes, a APDL instaurou contra a D..., S.A. uma ação arbitral, que culminou no Acórdão datado de 07/03/2012, pelo qual “a) foi julgada a presente ação em parte procedente e provada e em parte improcedente e não provada e, consequentemente b) foi condenada a entidade demandada D..., S.A. a reconhecer que o contrato administrativo de concessão de uso privativo, que celebrou com a APDL – Administração dos Portos do A..., S. A. e a que se reportam os pontos n.ºs 1 a 8 do n.º 2 da decisão arbitral, que constitui a causa de pedir na ação, se manteve plenamente válido e eficaz na ordem jurídica desde a data da respetiva celebração – 3 de Março de 2000; c) foi condenada a Demandada, D..., S.A., a pagar à Demandante APDL o montante de 3.113.742,21 € a título de acordadas taxas de utilização do domínio público vencidas desde 01.02.2002 até à data da propositura da ação em 23.06.2009; d) foi absolvida a entidade demandada D..., S.A. do pedido na parte em que a demandante APDL dela reclama o pagamento dos juros moratórios convencionados que (em abstrato) se teriam vencido até à data da notificação da decisão arbitral.”

XIV. Dessa decisão recorreu a D..., S.A. para o Tribunal Central Administrativo Norte que, em 23/05/2019, proferiu Acórdão que negou provimento ao recurso e manteve a decisão arbitral recorrida.

XV. Desta decisão a D..., S.A. intentou recurso de revisão extraordinária, uma vez que se tratava de questão com relevância social inegável.

XVI. Desse recurso resultou o Acórdão datado de 08/04/2021, que decidiu negou provimento ao recurso.

XVII. Ainda assim, e porque a D..., S.A. considerava encontrar-se perante questões de constitucionalidade de normas e dada a relevância da questão, a mesma intentou recurso para o Tribunal Constitucional.

XVIII. Do mesmo resultou a Decisão Sumária, datada de 16/06/2021, proferida pelo Colendo Conselheiro AA, que decidiu não conhecer do recurso.

XIX. Posteriormente, a D..., S.A. reclamou para a conferência desta decisão singular, da qual resultou o Acórdão datado de 20/01/2022, que manteve a decisão de não conhecer do recurso.

XX. Sucede, no entanto, que nenhuma destas decisões se debruçou sobre a questão da nulidade/inconstitucionalidade da sucessão legislativa aplicada ao caso.

XXI. Ora, no caso em apreço o que se encontra em causa é uma sucessão legislativa relativa à prossecução do Programa Polis - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000, de 15 de Maio.

XXII. Essa sucessão legislativa tem de ser tida em consideração na totalidade e não apenas tendo em conta uma norma constante dos Decretos-Lei em questão.

XXIII. A sucessão legislativa em causa tem de ser vista como um todo e não apenas como uma parte, e por essa razão não foi discriminada uma norma em concreto.

XXIV. Na verdade, a publicação do Decreto-Lei n° 330/2000, de 27 de Dezembro e, em concreto o constante do n.º 1 do artigo 1.º determinou a extinção de obras públicas, de serviço público e de exploração de bens dominiais, bem como todos os direitos de uso privativo, constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho, e que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico.

XXV. A este normativo legal veio suceder o Decreto-Lei nº 388/2007, de 30 de Novembro, que desafetou a zona da faixa ribeirinha compreendida entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...» da área de intervenção no âmbito do Programa Polis na cidade de ....

XXVI. Sucede, no entanto, que o Artigo único do Decreto-Lei nº 388/2007 não diz uma palavra sobre os efeitos que o Decreto-Lei nº 330/2000 associou, de modo automático, à inclusão da referida faixa na planta de delimitação da dita área de intervenção.

XXVII. Ora, como é bom de ver, existiu uma série de produção legislativa que abalou, de modo inegável, a segurança e certeza jurídicas da D..., S.A..

XXVIII. De facto, com a assinatura do contrato de concessão veio a ser criada na esfera jurídica da Reclamante uma expectativa de um contrato com vinte anos de duração e a prorrogação no mesmo prevista; de seguida, com a entrada em vigor do disposto n.º 1 do art.º 1.º do Decreto-Lei n° 330/2000, essa expectativa veio a ser gorada e, portanto, alterada. Mais tarde, com a entrada em vigor do Artigo único do Decreto-Lei nº 388/2007, essa expectativa volta a ser alterada.

XXIX. Nos termos do disposto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”

XXX. A verdade é que esta sucessão legislativa outra coisa não veio fazer senão abalar toda e qualquer certeza e segurança jurídicas que pudessem existir na esfera jurídica da Recorrente quanto a este contrato de concessão.

XXXI. Nessa conformidade, foi ferido o princípio basilar do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.º da CRP, bem como os princípios da segurança e certeza jurídicas, pelo que a aplicação desta sucessão legislativa encontra-se ferida de inconstitucionalidade.

XXXII. Ou seja, com o determinado pelo n.º 1 do Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de Dezembro, criou-se na esfera jurídica da Recorrente, na qualidade de BB, uma convicção de que o contrato de concessão se havia extinguido, expectativa essa que veio a ser gorada com a (muito) posterior determinação constante no Artigo único do Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30 de Novembro.

XXXIII. Assim, torna-se inequívoco que existe uma questão de inconstitucionalidade desta sucessão legislativa, que foi suscitada, nos termos e com o alcance que se pretende sindicar, pela D..., S.A. no âmbito daquele processo arbitral, nomeadamente no recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal Administrativo, sendo certo que tal questão não foi conhecida até ao momento, quer pelo por aquele douto Tribunal Superior, nem, tampouco, pelo Tribunal Constitucional.

XXXIV. De facto, tendo em conta a expectativa jurídica formada na esfera da Autora, a sucessão legislativa supra referida não deveria ter sido aplicada ao caso concreto, por violar direitos constitucionalmente garantidos.

XXXV. Outra expectativa não se poderia ter formado na esfera da Autora senão a de que o contrato havia cessado em 2000.

XXXVI. Violar essa expectativa, de forma grosseira, terá de ser considerado inconstitucional, por violação dos princípios da segurança e certeza jurídicas.

XXXVII. Nos termos da alínea h) do artigo 696.º do CPC “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (…) h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.”

XXXVIII. Por outro lado, nos termos do artigo 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, que estabelece a Responsabilidade Civil do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público: “1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto. 2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”

XXXIX. Ora, no caso aqui em apreço, é patente que os tribunais que apreciaram a questão da sucessão legislativa que determinava a extinção ou não do contrato de concessão existente entre a APDL e a D..., S.A. não apreciaram se esta mesma sucessão seria inconstitucional ou não.

XL. A falta de apreciação da questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa inerente ao contrato de concessão viola, de forma gritante, os direitos constitucionalmente protegidos de certeza e segurança jurídica, assim como o princípio basilar da expectativa jurídica formada na esfera jurídica do destinatário.

XLI. Estes factos, imputáveis ao Estado, são objetivamente determinantes de dano, traduzido na ofensa de um direito fundamental, e esse dano será sempre moral bem como material, pelo que a Recorrente deve ser indemnizada pelo Estado pelos danos causados em virtude de violação das normas do arts. 20.º e 22.º da CRP, 1.ª a 7.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967 e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

XLII. Se o tribunal tivesse atuado com respeito pelo direito da Recorrente à Justiça teria apreciado a questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa.

XLIII. Em consequência da atuação do Recorrido Estado Português (através dos Tribunais), a Recorrente sofreu graves e diversos prejuízos, uma vez que veio, ao longo dos anos, a efetuar diversas obras e melhoramentos na zona objeto da concessão, designadamente, sete edifícios modulares, um parque de estacionamento, uma praça acústica, lagos, jardins e esplanadas, facto que em muito valorizou a zona do Cais de ..., que hoje em dia é considerada uma importante zona turística e comercial, dotada de todas as infraestruturas necessárias ao desenvolvimentos de atividades comerciais e de prestação de serviços, proporcionando ainda às pessoas que frequentam o local todas as comodidades para se deslocarem, nomeadamente através da existência de um parque de estacionamento para veículos automóveis.

XLIV. Assim sendo, a atuação sem respeito pelo direito da Recorrente à Justiça e falta de apreciação da questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa, criou uma situação em que a Recorrente fica sem qualquer garantia ou mecanismo de defesa no em relação aos valores por esta despendidos na realização dos melhoramentos supra especificados.

XLV. Na verdade, o custo com a construção dos edifícios modulares ascendeu a € 5.964.060,68 (cinco milhões, novecentos e sessenta e quatro mil e sessenta euros e sessenta e oito cêntimos), a construção do parque de estacionamento teve custos que ascenderam a € 1.346.870,64 (um milhão, trezentos e quarenta e seis mil, oitocentos e setenta euros e sessenta e quatro cêntimos).

XLVI. A estes valores acrescem ainda as despesas de instalação que ascenderam a € 538.310,65 (quinhentos e trinta e oito euros e trezentos e dez euro e sessenta e cinco cêntimos), o que significa que o custo total das obras realizadas foi de € 7.849.241,97 (sete milhões, oitocentos e quarenta e nove mil, duzentos e quarenta e um euros e noventa e sete cêntimos).

XLVII. Acresce que, nos termos do contrato de concessão, a exploração de atividades no Cais de ... poderia ser desenvolvida por terceiros, sendo que a D..., S.A. deveria exercer por si o direito e o dever de explorar a zona turística e comercial do Cais de ..., com exceção de determinadas áreas, mas incluindo a faculdade de explorar em proveito próprio as áreas comuns nelas integradas, inclusive as de circulação.

XLVIII. Ora, o facto de a Autora deixar de receber as rendas correspondentes a esses contratos de utilização de loja, gera um prejuízo mensal de € 65.306,62 (sessenta e cinco mil, trezentos e seis euros e sessenta e dois cêntimos).

XLIX. Acresce ainda que, caso a Recorrente tenha de rescindir antecipadamente os contratos, os lojistas poderão vir a exigir uma indemnização à Autora em virtude da tomada de posse administrativa, e das suas expectativas se verem goradas, pelo facto da entidade que lhes concedeu a exploração deixar de ser a mesma sem prévio aviso, o que, como certamente se compreende, trará um enorme prejuízo à Autora, por se ver forçada a pagar indemnizações cujo facto que as despoletou não é da sua responsabilidade.

L. A D..., S.A. elaborou estudos técnicos para o planeamento dos ramos de atividade a escolher, de pesquisa de mercado, estudos de viabilidade económica e de projetos com vista à conceção, implantação e implementação da zona turística e comercial do Cais de ..., que importaram em despesas e custos avultados, e que foram suportados pela D..., S.A. tendo em vista a criação da estrutura do Cais de ..., possibilitando a criação de uma estrutura adequada ao funcionamento do Cais de ....

LI. Teve ainda de proceder ao licenciamento administrativo dos edifícios construídos junto da Câmara Municipal, pelo que despendeu do montante de € 51.267,98 (cinquenta e um mil, duzentos e sessenta e sete euros e noventa e oito cêntimos).

LII. Para além destes, foi também necessário solicitar ao arquiteto e projetistas do empreendimento, projetos adicionais para apresentação da G..., E.M., o que ocasionou, igualmente, um acréscimo de custos que se computam em cerca de € 10.000,00 (dez mil euros) de trabalhos a mais.

LIII. A Autora também sofreu danos morais, consubstanciados em angústias e perdas de tempo, por ofensa do direito à proteção da confiança no Estado Democrático (art. 2.º da CRP) e do direito à justiça, considerando justa a indemnização de € 10.000 euros por danos morais.

LIV. As decisões judiciais proferidas pelo Tribunais do Ré Estado sobre a questão da nulidade/inconstitucionalidade da sucessão legislativa aplicada ao caso teve influência direta nos direitos da Autora.

LV. Nestas condições, tem de considerar-se assente:

- que ocorreu um facto ilícito, consubstanciado na omissão da apreciação da questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa aqui em causa e que nunca foi analisada por qualquer dos doutos tribunais nos quais a mesma foi levantada.

- que tal facto é culposo, entendida a culpa como culpa do serviço, pois o Estado tinha o dever de ter analisada pelos Tribunais em causa;

- que ocorreram os danos patrimoniais invocados;

- que a Autora sofreu tristeza, revolta, aborrecimentos e incómodos, que podem consubstanciar danos não patrimoniais.

LVI. Por outro lado, nos termos do artigo 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, que estabelece a Responsabilidade Civil do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público: “1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto. 2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”

LVII. Ora, no caso aqui em apreço, é patente que os tribunais que apreciaram a questão da sucessão legislativa que determinava a extinção ou não do contrato de concessão existente entre a APDL e a D..., S.A. não apreciaram se esta mesma sucessão seria inconstitucional ou não.

LVIII. Ora, a falta de apreciação da questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa inerente ao contrato de concessão viola, de forma gritante, os direitos constitucionalmente protegidos de certeza e segurança jurídica, assim como o princípio basilar da expectativa jurídica formada na esfera jurídica do destinatário.

LIX. Nessa conformidade, é o Estado responsável por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, uma vez que a questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa aqui em causa numa foi analisada por qualquer dos doutos tribunais nos quais a mesma foi levantada.

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II – Actos e decisões relevantes tomadas no processo:

1. A APDL – Administração dos Portos do A..., S. A. demandou, em 23.06.2009, em tribunal arbitral voluntário (a funcionar ad hoc no Centro de Arbitragem Comercial do Porto), D..., S.A., deduzindo os seguintes pedidos (ver relatório da “sentença” arbitral no SITAF):

“- declaração da manutenção em vigor desse contrato de concessão desde 3 de Março de 2000 - não obstante a publicação sucessiva dos Decretos-Leis n.ºs 330/2000, de 27 de Dezembro 70/2001, de 24 de Fevereiro e 388/2007, de 30 de Novembro - «ou, em alternativa, a declaração de manutenção em vigor de «uma relação contratual em todos os seus termos idêntica à desse contrato de concessão» (sic);

- e, como consequência dessa declaração, ser a Ré D..., S.A. condenada a reconhecer a vigência desse contrato de concessão ou (em alternativa) dessa relação contratual, bem como a pagar à A. as respectivas contrapartidas (taxas) e respectivos juros de mora (alegadamente) já vencidos, tudo no montante global de €4.302.221,43 (€3.113.742,21, a título de taxas e €1.188.479,22, a título de juros de mora já vencidos) - montantes estes apurados por reporte à data de 15 de Junho de 2009 -, bem como ainda nos juros de mora vincendos, a partir dessa data, a serem calculados (uns e outros) às taxas comerciais sucessivamente em vigor, desde essa data até efectivo e integral pagamento, dessas quantias já em dívida.

2. Por acórdão de 07.03.2012 do Tribunal Arbitral, foi decidido:

“a)- julgar a acção em parte procedente e provada e em parte improcedente e não provada; e, consequentemente,

b)- condenar a entidade demandada D..., S.A. a reconhecer que o contrato administrativo de concessão de uso privativo, que celebrou com a demandante APDL e a que se reportam as alíneas A), B) e C) da Especificação (pontos n.ºs 1.º a 8.º do n.º 2 supra) , que constitui a causa de pedir na presente acção, se manteve plenamente válido e eficaz na ordem jurídica desde a data da respectiva celebração - 3 de Março de 2000;

c)- condenar a entidade demandada D..., S.A. a pagar à demandante APDL o montante de €3.113.742,21, a título das acordadas taxas de utilização do domínio público vencidas desde 1 de Fevereiro de 2002 até à data da propositura da acção em 23 de Junho de 2009;

d)- absolver a demandada D..., S.A. do pedido na parte em que a demandante APDL dela reclama o pagamento dos juros moratórios convencionados que (em abstracto) se teriam vencido até à data da notificação da presente sentença.

3. Desta decisão foi interposto recurso jurisdicional principal pela D..., S.A. e recurso subordinado pela APDL para o Tribunal Central Administrativo Norte que por acórdão de 23.05.2019 negou provimento a ambos os recursos e do qual se extrai o seguinte (ver SITAF):

“(…)

III - Enquadramento jurídico.

III.I. O recurso principal, da D..., S.A..

1. O objecto da acção e a convenção de arbitragem.

Pretende a Recorrente D..., S.A. que existe uma exorbitância do objecto da acção face à definição que do mesmo foi operada pelas partes na Cláusula 26º do Contrato de Concessão, pois que, nos termos dessa cláusula “o recurso ao Tribunal Arbitral subsume-se a todas as questões emergentes da aplicação, interpretação, execução e rescisão do contrato”, quando o pedido formulado ultrapassa esse objecto (alegações, página 20).

A cláusula compromissória com competência exclusiva estabelecida entre a Demandante e Demandada contempla expressamente que «todas as questões emergentes da aplicação, interpretação, execução e rescisão do contrato» sejam resolvidas por Tribunal Arbitral.

Uma vez que os termos da acção devem ser apreciados tendo em conta a configuração com que a Demandante (ora Recorrida) os trouxe a juízo, resulta claro que a definição jurídica da situação emergente do Contrato de Concessão do Direito de Exploração do Cais de ... comporta, em si (e entre outras) a questão relativa à aplicação e a questão relativa à execução desse Contrato.

O critério determinante da apreciação do objecto da acção é, pois, a relação material controvertida, tal como é configurada pelo Autor – posição de CC aceite definitivamente com a reforma processual civil operada no ano de 1995.

Para a APDL, a relação material controvertida que existe entre si e a Demandada consiste no facto de ter sido celebrado um contrato e de, no decurso da sua vigência, a Recorrente D..., S.A. ter ocupado a área incluída na concessão e levado a cabo as tarefas necessárias à construção e exploração do terrapleno que hoje explora.

E consiste ainda no facto de a concessionária D..., S.A. nunca ter pago nenhuma das rendas devidas pela ocupação do espaço à concedente APDL.

Tratando-se, pois, de questões de aplicação, interpretação e execução do Contrato de Concessão, encontramo-nos perante motivos de per si determinantes para que à então Demandante APDL estivesse vedado o recurso aos tribunais judiciais.

Além disso, definir juridicamente uma situação resultante de um contrato implica determinar e analisar o regime jurídico que lhe é aplicável, o feixe de direitos e obrigações decorrentes para cada uma das partes envolvidas e, bem assim, o comportamento que cada uma tem adoptado.

Partindo depois do comportamento que cada parte tem adoptado, chegar-se-á, numa segunda fase, a uma eventual condenação de uma das partes em obrigação que deva ser cumprida ou em sanção decorrente do regime que se julgue ser o aplicável.

Ora, a Demandante APDL assentou a sua causa de pedir naquela que tem sido a forma como as partes veem o contrato e o vão materializando, terminando por pedir que, uma vez reconhecida a constância do contrato e fixados os direitos e obrigações das partes, fosse a Demandada, em consequência, condenada a pagar determinado montante.

Uma acção de condenação pressupõe que seja reconhecido o direito do peticionante, o que nesta situação – que apesar de longa, é simples – se traduz em reconhecer o modo como o contrato tem vindo a ser aplicado e, por isso, executado nos seus termos.

E seria o Tribunal Arbitral quem teria de se pronunciar sobre a constância do Contrato.

Ou seja: a situação emergente do Contrato de Concessão abrange, naturalmente, as questões da sua vigência e, por conseguinte, da sua aplicabilidade e da sua execução que pressupõe a respectiva interpretação.

E a definição jurídica dessa situação emergente do Contrato de Concessão abrange, seguramente, a questão da sua aplicação e da sua execução, definindo-se se está em vigor e, por isso, se tem aplicação, e definindo-se a situação jurídica do ponto de vista da sua execução: estava ou não a Demandada D..., S.A. a cumprir os termos do Contrato e, se não estivesse, qual o incumprimento em que ocorria?

A definição jurídica do incumprimento deve, necessariamente, abranger a definição da responsabilidade da Demandada – e, por isso, a consequência da condenação no cumprimento, como foi peticionado.

A execução da condenação no cumprimento é que é coisa diversa e não foi peticionada – nem aqui tinha de o ser.

Oportunamente e face à definição jurídica da responsabilidade da Demandada, ora Recorrente, pelo incumprimento, com a respectiva condenação ao cumprimento, a Demandante, ora Recorrida, decidirá da sua execução – sendo esse, naturalmente, outro contexto.

Não podia, pois, proceder a excepção invocada, como bem decidiu o Tribunal Arbitral, com inatacável fundamentação:

Alega a demandada D..., S.A. que o objecto da acção exorbita do âmbito da previsão da cláusula 26.a do contrato de concessão sub-judice (convenção de arbitragem), com a precisão operada através da notificação efectuada pela APDL (ora demandante) ao abrigo do disposto no artigo 11.° da Lei n.º 31/86 (LAV). Precisão essa traduzida na circunscrição do mesmo à «definição da situação jurídica da situação emergente do contrato de concessão do direito de exploração turístico-hoteleira do terrapleno adjacente ao Cais de ...», sendo que a D..., S.A., na respectiva resposta, «declarou não pretender a sua ampliação».

Vejamos:

Nos termos da citada cláusula 26, «todas as questões emergentes da aplicação, interpretação, execução e rescisão do presente contrato serão resolvidos por tribunal arbitral».

Esta Cláusula compromissória manteve-se intocada na sua redacção com o "contrato adicional ao contrato de concessão" celebrado entre a APDL e a D..., S.A. em 17.01.2001, portanto já depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 330/2000 (01.01.2001).

É sabido que o objecto da acção se molda pela causa de pedir e pelo pedido enunciados pelo demandante na petição inicial.

A causa de pedir da presente acção de condenação (facto jurídico de que dimana o pedido) é o contrato administrativo de concessão celebrado em 03.03.2000 entre a APDL e a sociedade J. GOMES SA (esta última depois sucedida por D..., S.A., por escritura pública de 06.03.2000).

O pedido traduz-se, essencialmente, na condenação da D..., S.A. a reconhecer a plena vigência (manutenção em vigor) desse contrato de concessão desde 03.03.2000, «ou, em alternativa, ser declarada em vigor uma relação contratual em todos os seus termos idêntica à desse contrato de concessão», bem como - na sequência da também reclamada declaração da sua subsistência - no pagamento do montante das respectivas contrapartidas (taxas) alegadamente em dívida.

Configura-se, por conseguinte, um litígio que indubitavelmente integra a previsão da sobredita cláusula (compromissória) genérica, já que radica em «questões emergentes da aplicação, interpretação, execução e rescisão» daquele contrato.

Torna-se, aliás, patente, para qualquer destinatário médio, que a «definição jurídica da situação emergente do "contrato de concessão do direito de exploração do Cais de ...» encerra e contém em si (entre outras) todas e quaisquer questões relativas à aplicação e execução (cumprimento e incumprimento) desse contrato e do respectivo programa, mormente em decorrência da publicação sucessiva dos Decretos-Leis n.º 330/2000, de 27.12, e 388/2007, de 30.11.

Conforme salienta a Demandante no artigo 7.º da petição, o que importa é indagar se o contrato de concessão "nos exactos termos em que foi celebrado" «sempre esteve em vigor, se esteve mas deixou de estar ou se tendo estado em vigor e entretanto deixou de estar, mais tarde tornou a vigorar e com que efeitos».

Entre essas questões, pois, também a do apuramento da aventada situação de incumprimento pela APDL imputada à D..., S.A. - da inerente responsabilidade obrigacional, matéria toda essa que se insere na "definição da situação jurídica emergente do contrato de concessão".

Não poderia deixar de improceder, por conseguinte, a suscitada questão prévia.

2. A causa prejudicial.

A Recorrente pretende que uma acção que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra a ora Recorrente e a G..., S.A.- Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis de ..., S.A., constitui causa prejudicial relativamente à acção arbitral a que se referem os presentes autos.

É verdade que a Recorrente D..., S.A. intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto uma acção administrativa especial contra a G..., S.A. na qual pede que esta seja condenada a pagar os danos sofridos e a sofrer como consequência adequada da extinção da concessão aqui em causa.

Tal acção administrativa especial deu entrada em juízo, como a D..., S.A. bem refere (cfr. o artigo 65.º da contestação) no dia 12.11.2007.

Antes, portanto, da publicação do Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30.11, e da sua entrada em vigor – ora esse diploma determinou a correcção da área de intervenção do Programa Polis em ... e dela subtraindo a zona da concessão.

Se, até àquele dia 30.11.2007, atento o ordenamento jurídico aplicável, pudessem existir dúvidas, dissipadas ficaram a partir de então: o contrato de concessão sub judice sempre esteve fora do Programa Polis.

Em segundo lugar, repete-se, a APDL só foi citada para essa acção administrativa especial no dia 2.09.2009, ou seja, muito depois da entrada em juízo da presente acção arbitral.

Quanto à causa de pedir na acção administrativa, e ao contrário do que a D..., S.A. afirma no artigo 54.º da contestação, não é o contrato de concessão, - e nunca o poderia ser, porque a G..., S.A. não é parte nele.

Isto é, não é o conteúdo obrigacional decorrente da sua celebração (essa é, na verdade, a causa de pedir nesta acção arbitral intentada pela APDL numa relação que é sua), mas sim a sucessão legislativa ocorrida até à publicação do Decreto-Lei 388/2007, principalmente a publicação do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27.12, no qual a D..., S.A. alicerça toda a sua pretensão.

Causa prejudicial é aquela que tem por objecto uma pretensão que constitui pressuposto do pedido formulado na segunda acção, como aliás a D..., S.A. refere, para tanto se alicerçando na doutrina.

Ou seja, quando a decisão de uma causa depende do julgamento de outra causa, quando na decisão prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução possa prejudicar a decisão a proferir, estamos diante de uma questão prejudicial que, de harmonia com o artigo 279.º do Código de Processo Civil, pode determinar a suspensão da instância.

Mas “depender do julgamento de outra causa” não significa ter pontos em comum com a outra acção, nem significa a mera possibilidade de “afectar, de forma directa, decisão a proferir”.

E muito menos “vice-versa”, que levaria a concluir que a Demandada levantou a questão da prejudicialidade no processo errado.

Nestes autos, não se pretende ver discutida questão que esteja dependente da eventual procedência do pedido formulado pela D..., S.A. no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, ou questão que tenha a decisão no processo a correr neste Tribunal Administrativo e Fiscal como pressuposto.

A questão que aqui foi colocada ao Tribunal prende-se, pois, com a análise do conteúdo obrigacional decorrente do contrato de concessão e seu (não) cumprimento, e não com o ressarcimento de benfeitorias ou danos sofridos pela D..., S.A..

Ora a decisão sobre as alegadas benfeitorias ou danos sofridos não é essencial para a presente acção, em que a APDL quer apenas ver reconhecido o seu direito, incluindo o recebimento das rendas devidas pela ocupação.

Aquela questão não é pressuposto necessário do que se discute nos presentes autos.

Não ocorre qualquer causa de prejudicialidade, nem sequer a título incidental, pelo que não foi julgada – e bem – procedente esta excepção no despacho saneador.

Julgamento que o Tribunal Arbitral fundamentou, de forma inatacável, nos termos seguintes:

Invoca a demandada ter intentado em 12.11.2007; no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, uma acção administrativa comum sob a forma ordinária (a que foi atribuído o n.º ...7...), na qual se impetra, ao abrigo do nº 2 do art. 1.º do Dec-Lei nº 330/2000, de 27 de Dezembro, a condenação da ré G..., S.A. «a pagar todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela D..., S.A. e que esta venha a sofrer como consequência adequada da extinção da concessão igualmente objecto dos presentes autos».

Na contestação dessa acção, a G..., S.A. «defendeu-se por excepção arguindo a sua ilegitimidade passiva enquanto desacompanhada da APDL», bem como a inaplicabilidade do Decreto-Lei nº 330/2000 «porquanto o comportamento de facto das partes e, mormente, a aprovação do Decreto-Lei n.º 388/2007, constituem facto impeditivo ou extintivo do direito invocado pela D..., S.A.». Deduziu ainda pedido reconvencional, no qual pediu a condenação da D..., S.A. a pagar o valor das rendas respeitantes ao período compreendido entre 01.01.2001 e 30.11.2007 acrescido de juros legais.

Nessa mesma acção, a D..., S.A. requereu a intervenção principal provocada e a citação da APDL ao abrigo do disposto no artigo 325° e seguintes do Código de Processo Civil.

Acção administrativa essa que, na óptica da ora demandada, constituiria causa prejudicial relativamente à presente acção arbitral, sugerindo implicitamente a suspensão da instância da presente causa (aventadamente dependente ou subordinada) até ao julgamento daquela outra pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal (aventadamente principal).

Quid juris?

O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado (artigo 279.°, n.º 1, do Código de Processo Civil). A menos que - e não obstante a pendência de causa prejudicial¬ - haja fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as respectivas vantagens (n.º 2).

O termo verbal «pode» logo sugere tratar-se de um poder não vinculado (portanto essencialmente discricionário), em todo o caso de um poder-dever, ao qual devem subjazer preocupações de economia e celeridade processuais e de eficácia das decisões. Do que resulta a irrecorribilidade dessas decisões nos termos gerais. A lei dá ao juiz a faculdade, mas não lhe impõe a obrigação, de suspender a instância quando, haja pendência de causa prejudicial.

Na esteira de Manuel de Andrade (in Lições, páginas 49, I-492), «verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá (existirão) quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta última por via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira». Assim, será prejudicial (em relação a outra em que se discute a título incidental uma dada questão) a causa em que a mesma questão é discutida a título principal». Isto sem embargo de «a simples perspectiva de vir a ocorrer uma contradição substancial de julgados poder justificar a suspensão da instância».

Não se descortina, porém, no caso sub judice, a verificação dos pressupostos da suspensão da instância com tal fundamento.

Desde logo, a presente acção insere-se no âmbito da responsabilidade contratual, enquanto que a acção administrativa intentada se integra no âmbito da responsabilidade extracontratual por acto lícito, tendo por base um acto administrativo contido em Decreto-Lei.

Não se discute, pois, na sobredita acção administrativa «uma questão que seja essencial para a decisão da acção arbitral». Não se reveste de qualquer essencialidade para o conhecimento do objecto desta última acção (questões bilaterais emergentes da aplicação, interpretação e execução do contrato de concessão, nestas incluídas as suas eficácia e vigência, e a responsabilização pelo seu eventual incumprimento) a resolução da questão, dotada de inteira autonomia, da indemnização compensatória relativa aos danos emergentes ou lucros cessantes para a D..., S.A. alegadamente advenientes de um acto unilateral de autoridade (de natureza extintiva) de autoria governamental.

A eventual procedência do pedido formulado pela D..., S.A. na acção administrativa não contende (de modo decisivo) com as questões de fundo relativas à subsistência (com eficácia ex tunc ou ex nunc) do contrato de concessão que a montante celebrou com a APDL; e dai que não constitua tal decisão "pressuposto" ou "condição" da decisão a proferir na presente acção arbitral.

Ademais, a acção administrativa foi proposta ainda no domínio do Decreto-Lei n.º 330/2000 de 27.12, mais propriamente em 12.11.2007, ainda, pois, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30.11, diploma este último que veio determinar a área de intervenção do "Programa Polis" em ..., dela subtraindo a área objecto de concessão à D..., S.A.. Quadros jurídicos cuja diferenciação se torna evidente.

De resto, a APDL apenas foi citada para essa acção administrativa em 02.09.2009, cerca de dois anos depois do facto gerador da instância (1211.2007). E o acto de proposição (ou de propositura) da acção não produz efeitos (substantivos e adjectivos) em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário» (cfr. o n.º 2 do artigo 267.°), tudo se passando, deste modo, como se a acção administrativa haja sido intentada em momento ulterior ao da instauração da acção arbitral.

Ainda que assim não se entendesse, não se justificaria a suspensão da presente causa por a mesma estar em situação muito avançada.

Tal como decidido, não se justifica a suspensão da instância.

3. A litispendência.

Reconhecendo a fragilidade da arguição de prejudicialidade, nos termos atrás vistos, vem a Recorrente afirmar que, se for considerada a sua inexistência (da prejudicialidade), “sempre será certo que existirá litispendência”.

Mas também aqui não tem razão a Recorrente.

Se não há causa prejudicial, como concluímos, também não se verifica excepção de litispendência, como veremos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 494.º, alínea i), 497.º e 498.º, todos do Código de Processo Civil de 1995.

Nem se compreende como a mesma pode ser invocada.

A excepção de litispendência consiste na alegação de que está pendente causa idêntica àquela que novamente se propôs.

Na base da litispendência está, assim, a repetição de uma causa havendo acção idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

No caso não se confirma a existência desta tripla identidade.

Sendo certo que os sujeitos não têm de ocupar a mesma posição jurídica nas acções em confronto, ainda assim não há identidade de sujeitos, pois a APDL demandou a D..., S.A. por acção interposta em 23.6.2009 e só foi citada para os termos da outra acção intentada pela D..., S.A. contra a G..., S.A. em 2.9.2009 - assistindo-lhe o direito de nada dizer nessa acção que corre termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Não pode, portanto, pretender deduzir-se excepção da litispendência nesta acção arbitral se a APDL, que na acção que corre termos junto o Tribunal Administrativo e Fiscal Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto só agora foi citada, isto é, só foi citada posteriormente.

Ora, se houvesse litispendência – o que não se concede - a mesma teria de ser deduzida na acção que pende no tribunal administrativo (artigo 499.º do Código de Processo Civil).

Além do mais, a G..., S.A. não é, como se sabe, parte na presente acção arbitral.

Acresce também que não existe identidade de pedidos pois, nesta acção arbitral, a ora Recorrida APDL pede que a ora Recorrente D..., S.A. seja condenada a reconhecer a vigência do contrato de concessão (ou, em alternativa, de idêntica relação contratual) e no pagamento das rendas vencidas e não pagas – este é o objecto do seu direito a tutelar.

Naquela outra acção intentada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, quem peticiona o pagamento das rendas e, note-se, só a título subsidiário, como resulta à saciedade da contestação que então apresenta, é a G..., S.A.. Mas este pedido que a G..., S.A. formula só valerá para o seguinte: para a hipótese de, nessa acção, se poder equacionar que o contrato de concessão caducara e que, por conseguinte, a APDL “saíra de cena”, sendo aquela sociedade gestora hoje em liquidação a detentora do direito às rendas até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 388/2007.

Convirá lembrar que: ou o contrato de concessão não caducou ou se considera ter nascido idêntica relação contratual e quem tem direito às rendas é a APDL ou o contrato de concessão caducou e se considera não ter nascido idêntica relação contratual quem as deve receber é a G..., S.A., mas por força da lei e não da concessão outorgada.

O que se acaba de expor é quanto basta para que se conclua que falha também a identidade da causa de pedir: para haver identidade da causa de pedir, a pretensão deduzida tinha de proceder do mesmo acto ou facto jurídico, porquanto tal facto constituiria o fundamento legal do benefício ou do direito, i.é., do objecto do pedido.

Acontece que o facto jurídico de que poderá, em hipótese, proceder a pretensão da G..., S.A. não é o mesmo de que procede a pretensão da APDL, pois importa reter que, por ter sido celebrado um contrato de concessão ao abrigo do qual a D..., S.A. ainda hoje vem ocupando a área concessionada (de jurisdição da APDL), sem pagar o que quer que seja, é que a APDL se considera detentora do direito a receber as correspondentes taxas.

Ou entende a D..., S.A. que nenhum direito tem à ocupação da área em causa?

Por seu turno, a ter a G..., S.A. direito a qualquer renda, nunca esse direito poderia proceder do contrato de concessão celebrado entre a APDL e a D..., S.A., ao contrário do que esta afirma.

Isto porque: I) a G..., S.A. não é parte no Contrato de Concessão; II) não há lei, nem facto que a tenha feito suceder na posição da concedente APDL e III) o seu eventual direito pecuniário resultaria de um conjunto de diplomas legais.

É precisamente na suposta caducidade da concessão operada pelo Decreto-Lei n.º 330/2000 que a G..., S.A. assenta o seu pedido reconvencional feito a título subsidiário – justamente para prevenir a hipótese de não haver fundamento para evitar uma impunidade da posição da D..., S.A.: ocupar desde 2001 um importante espaço público e nada pagar.

Não subsistem dúvidas, portanto, de que não há litispendência, o que determina também a improcedência desta excepção.

Por outro lado a haver litispendência, a mesma teria de ser deduzida na acção pendente no tribunal administrativo, já que se considera proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente (artigo 499°, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1995).

Tanto basta para que improceda a arguida excepção dilatória de litispendência.

4. A omissão de pronúncia.

Pretende a Recorrente ter o Tribunal a quo incorrido em omissão de pronúncia, com a consequência da nulidade da sentença.

Não tem razão.

Diga-se, previamente, que a jurisdição arbitral não se rege rigidamente pelas regras processuais do Código de Processo Civil.

Como está previsto, a jurisdição arbitral pode, em determinadas circunstâncias, julgar segundo a equidade, desprendendo-se até do próprio direito constituído.

Os Tribunais Arbitrais não são réplicas dos Tribunais Judiciais.

Os Tribunais Arbitrais são uma espécie de tribunais, reconhecidos pela ordem jurídica, que devem obedecer, não à estrita tramitação prevista no Código de Processo Civil, mas a quatro grandes princípios da equidade processual (cfr. artigo 16º da LAV):

a) as partes devem ser tratadas com absoluta igualdade;

b) o demandado será citado para se defender;

c) em todas as fases do processo será garantida a estreita observância do princípio do contraditório;

d) ambas as partes devem ser ouvidas, oralmente ou por escrito, antes de ser proferida a decisão final.

Obedecendo a estes quatro grandes princípios, no mais, o processo segue as regras sobre que houver acordo das partes e, não havendo acordo, segue as regras de processo escolhidas pelos árbitros (LAV, artigo 15º).

Não existe, pois, um princípio de estrita ou severa sujeição do processo arbitral às regras do processo civil, como a Recorrente faz ao longo das suas alegações.

A eventual remissão que se faça para o Código de Processo Civil apenas se destina a suprir lacunas dos regulamentos de arbitragem aplicáveis, como refere o n.º 2 do citado artigo 15º.

Vale isto por dizer que os Tribunais Arbitrais não estão sujeitos – o que destruiria justamente o espírito da jurisdição arbitral – às regras do Código de Processo Civil.

Dito isto, admitindo, sem conceder, que estes tivessem de seguir rigorosamente a regulamentação do processo civil, sem qualquer liberdade na condução do processo, mesmo assim, não teria a Recorrente razão.

Vejamos.

A Recorrente entende que o Tribunal não conheceu de “excepções deduzidas pela ora Recorrente”.

Ora, bem ao contrário, acabámos de ver que o Tribunal Arbitral conheceu demoradamente das excepções que a Recorrente levantou.

De que não teria, então, conhecido?

Afirma a Recorrente (pág. 28 das alegações), que o Tribunal, no despacho saneador, se referiu ao apuramento da “aventada situação de incumprimento pela APDL imputada pela D..., S.A. e da inerente responsabilidade obrigacional” e que, na sentença, refere, ainda, que “não subsistem dúvidas que no período temporal decorrido até à propositura da presente acção ocorreram diversas vicissitudes que alteraram, em aspectos relevantes, a área e o estabelecimento da concessão e afectaram a respectiva exploração – algumas delas causadas pela intervenção pública quer da APDL, quer da G..., S.A., quer da própria CÂMARA MUNICIPAL DE ... e outras decorrentes de causas naturais ou objectivas”.

E que pretende a Recorrente? Que a douta sentença não conheceu destas excepções por si deduzidas.

Mas no acórdão arbitral diz-se, justamente (v. pág. 37) é que, não obstante se indiciarem tais situações “nenhum pedido autónomo foi deduzido por via reconvencional pela D..., S.A., designadamente de carácter compensatório/indemnizatório ou modificativo do objecto do contrato por alteração das circunstâncias, formulação que poderia encontrar guarida na previsão do então aplicável artº 437º do CC”.

Ou seja: é o próprio Tribunal que se refere à existência de circunstâncias que, se a Demandada, ora Recorrente, o tivesse pretendido, poderiam alegadamente fundamentar um pedido reconvencional – não o fez, no entanto, e só de si se pode queixar.

Na verdade, o Tribunal não deixou de apreciar nenhuma questão levantada pela Demandada, aqui Recorrente.

Bem pelo contrário, veio dizer que a Demandada poderia ter levantado essa questão, que não levantou.

Insiste-se: a Demandada não formulou qualquer pedido autónomo, por via reconvencional, pelo que não pode, agora, pretender que não foi apreciada uma questão que não levantou.

Por isso, as referências que faz não são mais do que argumentos – não são questões, que não quis, ou não pôde levantar.

E bem se sabe que uma eventual nulidade de uma sentença só existe se o Tribunal não se pronunciar sobre questões postas pelas partes e não se deixar de apreciar algum argumento – como muito bem, aliás, a Recorrente reconhece, com cópia abundante de citações (cfr. págs. 27/28 das suas alegações).

Diga-se, ainda, que nenhum sentido faz a invocação de um trecho do Professor João Calvão da Silva, sobre a matéria da exceptio non adimpleti contractus: foi matéria que a Demandada não levantou nos autos.

Não como excepção ou, sequer, mesmo indevidamente, como pedido autónomo reconvencional – basta, para tanto, seguir o texto da contestação e ver quais as excepções levantadas e verificar a ausência de pedido reconvencional.

Verifica-se, assim, que o Tribunal Arbitral teve plena consciência da lacuna em que a Demandada incorreu – e que é tarde para reparar.

E, por isso, não colhem as observações que, a propósito da forma de invocação das excepções vem, agora, fazer: a Demandada não quis efectivamente fazer valer no processo qualquer pedido autónomo formulado por via reconvencional, e isso mesmo foi mencionado pelo Tribunal Arbitral.

Não se verifica pois omissão de pronúncia, que, a proceder, conduziria a nulidade do acórdão arbitral.

5. A manutenção do contrato de concessão.

Resume-se a tese da Recorrente à defesa da tese da caducidade do Contrato de Concessão.

Sem razão.

Vejamos.

A sucessão legislativa.

Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000, de 15.05, o Governo aprovou o chamado “Programa Polis - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades", em ordem a "valorizar as cidades portuguesas e melhorar a qualidade do ambiente urbano”.

Na sequência dessa aprovação, o Decreto-Lei n.º 119/2000, de 04.07, entrado em vigor no dia 5 do mesmo mês (art.º 8.°), veio delimitar o âmbito territorial das “respectivas zonas de intervenção” com vista a “criar as condições necessárias para o arranque dos trabalhos”, estabelecendo, no seu art.º 1.°, que “as zonas” reservadas às intervenções previstas pelo “Programa Polis” correspondem às que se encontram delimitadas nas plantas em anexo ao presente diploma e que dele fazem parte integrante”.

As iniciativas previstas concretizar de imediato abrangiam, entre outros, o território municipal do concelho ..., de harmonia com a planta topográfica inserta a página 2896 do Diário da República, 1 Série-A, n.º 152, daquela data.

O diploma em causa, “para além de aprovar a localização e delimitação das diferentes áreas de intervenção”, procedeu ainda, em conformidade com os artigos 7.° e 8.° do Decreto-Lei n.º 794/76, de 05.11”, «à definição de medidas preventivas de utilização do solo urbano a afectar à realização das intervenções» .

Seguiu-se àquele diploma o Decreto-Lei n.º 314/2000, de 02.12, entrado em vigor em 07.12.2000, o qual veio “adoptar um conjunto de medidas excepcionais e delimitadas no tempo, quando consideradas imprescindíveis ao êxito da realização do programa de qualificação urbana” (cfr. respectivo preâmbulo). Diploma este que, depois de consagrar, no seu artigo 2.°, relevante interesse público nacional da realização das intervenções aprovadas ao abrigo do Programa Polis, “como instrumentos de reordenamento urbano, valorização urbanística e ambiental de espaços urbanos”, veio instituir os chamados “instrumentos de gestão territorial” ao dispor, no n.º 1 do respectivo artigo 3.°, o seguinte: «Os planos de pormenor e os planos de urbanização de cada uma das zonas de intervenção legalmente definidas no âmbito do “Programa Polis” serão sujeitos a aprovação pela assembleia municipal, no prazo de 30 dias após a conclusão da fase de discussão pública dos mesmos e, quando a lei o determine, a ratificação governamental, no prazo de 30 dias após a aprovação pela assembleia municipal”.

O Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27.12, entrado em vigor em 01.01.2001, partindo do princípio de que "a prossecução do “Programa Polis” visava “a recuperação urbanística e ambiental de uma extensa área, a qual respeitaria a terrenos integrados no domínio público do Estado, sob jurisdição de diversas pessoas colectivas públicas”, veio reconhecer que “para se poder levar a cabo as intervenções programadas, haveria que proceder à desafectação das áreas atrás referidas, sem prejuízo de anteriormente se proceder à extinção de todas as concessões de bens dominiais e de todos os direitos de uso privativo sobre eles constituídos” (cfr. preâmbulo respectivo), prevendo mesmo que “as indemnizações a que houver lugar pela extinção de direitos de uso constituirão encargo das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis, às quais também caberá compensar as diversas pessoas colectivas públicas pelos prejuízos sofridos com a desafectação”.

Assim, no seu artigo 1.º, subordinado à epígrafe “Extinção de concessões e dos direitos de uso privativo de bens dominais”, veio estatuir:

“1- São extintas todas as concessões de obras públicas, de serviço público e de exploração de bens dominiais, bem como todos os direitos de uso privativo, constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho, e que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico.

2- São da responsabilidade das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis as indemnizações que, nos termos dos contratos de concessão referidos no número anterior, forem devidas em consequência da extinção das mencionadas concessões, bem como as indemnizações que, nos termos do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, forem devidas pela extinção das concessões de uso privativo.

3- As obras realizadas pelos titulares de licenças ou concessões de uso privativo que tenham a natureza de instalações desmontáveis são removidas pelos respectivos proprietários no prazo que lhes for estabelecido pela respectiva sociedade gestora da intervenção do Programa Polis.

4- As obras realizadas pelos titulares de uso privativo, que tenham a natureza de instalações fixas ou de benfeitorias em instalações públicas, tornam-se propriedade do Estado, em caso de concessão, e são demolidas pelo respectivo titular no prazo que lhe for estabelecido pela respectiva sociedade gestora da intervenção do Programa Polis, em caso de licença, excepto notificação em contrário efectuada pela referida sociedade, sem direito a qualquer indemnização ao titular.

5- Sendo os demais contratos de concessão referidos no n.º 1 omissos relativamente ao destino dos bens afectos ou integrados na concessão, estes revertem, em consequência da extinção da concessão, para o Estado.”

E, no seu artigo 2.º, subordinado à epígrafe “Desafectação do domínio público”, veio estatuir:

“São desafectados do domínio público do Estado os bens imóveis referidos no n.º 1 do art.º 1.º do presente diploma, os quais continuam sob jurisdição da pessoa colectiva pública a cujo domínio estavam sujeitos.”

Por seu turno, e no artigo 3.°, sob a epígrafe “Transmissão da propriedade”:

“1- Os bens imóveis referidos no artigo anterior são transmitidos para a propriedade das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis, para o que o presente diploma constitui título bastante, com dispensa de quaisquer outras formalidades, e destinam-se à rea¬lização do objecto social da mesma sociedade.

2- O presente diploma constitui, juntamente com a declaração das sociedades gestoras do Programa Polis em que se identifiquem os bens em causa, título bastante para a realização de quaisquer registos, a favor do Estado, na respectiva conservatória do registo predial, dos imóveis identificados nos artigos anteriores, bem como para efeitos de registo predial e de inscrição na respectiva matriz predial a favor das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis, os quais são feitos sem pagamento de quaisquer taxas ou emolumentos.”

Ainda, no seu art.º 4.º, subordinado à epígrafe “Compensação”:

1- Cada uma das sociedades gestoras da intervenção do Programa Polis compensará as diversas pessoas colectivas públicas pelos prejuízos efectivos sofridos com a extinção das concessões e dos direitos de uso privativo previstos no artigo 1.º.

2- O valor da compensação será determinado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças, do Ambiente e do Ordenamento do Território e da tutela da pessoa colectiva pública que sofreu o prejuízo, tendo em atenção, nomeadamente, o valor das taxas que vêm sendo cobradas por aquela entidade pelos usos privativos ou concessões a que se refere o n.º 1 do artigo 1.º, determinado após dedução dos encargos correspondentes às receitas auferidas e ponderando a duração prevista de tais usos, sua precariedade e das concessões de exploração.”

Finalmente, no seu artigo 5. °, subordinado à epígrafe “Reversão e afectação definitiva”:

“1- Realizado o objecto social da sociedade gestora do Programa Polis ou extinta a mesma, os bens imóveis que tenham sido desafectados por via do presente diploma serão afectados ao domínio público do Estado, sem encargos ou responsabilidades.

2- A afectação referida no número anterior dispensa quaisquer formalidades, constituindo o presente diploma título bastante.

3- Os imóveis com possibilidade de utilização portuária poderão ver a mesma reconhecida por despacho conjunto do Ministro do Equipamento Social e do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, com o que reverterão para o domínio público do Estado, sob jurisdição da respectiva administração portuária.”

Nessa sequência legislativa, e em execução do Decreto-Lei n.º 330/2000, o Decreto-Lei n.º 70/2001, datado de 24.02, entrado em vigor em 01.03.2001, veio instituir a sociedade G..., S.A. do “Programa Polis” em ..., «tendo por objecto a gestão e desenvolvimento a realizar na zona de intervenção de ... daquele Programa e tendo como prerrogativa o direito a utilizar, fruir e administrar os bens do domínio público e do domínio privado que estivessem ou viessem a estar afectos ao exercício da sua actividade».

Passaria a G..., S.A. em ..., S. A., a partir daquela data de 01.03. 2001, «a gerir e a coordenar o investimento a realizar na zona de intervenção de ..., onde se insere a área concessionada» pela APDL à D..., S.A.. Sociedade essa que assumiria a natureza de uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (art.º 1.º , n.º 1) regida “pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado (Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro), pelo presente diploma e pelos seus estatutos” (n.º 2), tendo por objecto “a gestão e coordenação do investimento a realizar na zona de intervenção de ..., no quadro do Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades, Programa Polis, promovido pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, bem como o desenvolvimento de acções estruturantes em matéria de valorização e requalificação ambiental e urbana, dinamização de actividades turísticas, culturais e desportivas e outras intervenções que contribuam para o desenvolvimento económico e social da respectiva área de intervenção” (n.º 3).

Em anexo ao diploma foram publicados os “Estatutos” da G..., S.A., sendo que no respectivo capital social participariam o Estado e o município ... na proporção de 60% e de 40% respectivamente (cfr. o artigo 5.º dos Estatutos).

Abra-se aqui um parêntesis, para a “exposição de motivos” do Decreto-Lei n.º 70/2001:

A instituição da G..., S.A. foi declaradamente inspirada na “experiência bem sucedida que constituiu a iniciativa da Exposição Mundial de Lisboa, Expo 98, no âmbito da qual se procedeu a uma requalificação e reordenação urbana de grande significado na cidade de Lisboa, para a qual muito contribuíram os esforços coordenados da administração central e dos municípios de Lisboa e de Loures e a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos constituída para a gestão e reorganização do espaço urbano” (cfr. o preâmbulo do diploma). Em ordem ao cumprimento de tais objectivos, considerava o diploma «como relevante a possibilidade de contar com a colaboração de entidades com experiência e conhecimento relevantes no âmbito de intervenções de requalificação e reordenamento de espaço urbano, designadamente na elaboração ou concepção dos planos de urbanização e de pormenor subjacentes à intervenção a realizar, ou na designação e coordenação das entidades encarregadas da elaboração dos mesmos, bem como na coordenação de procedimentos e concursos destinados à execução de trabalhos e obras ou prestação de serviços, sem prejuízo da autonomia contratual de que se encontra dotada a sociedade constituída pelo presente diploma” (cfr. o preâmbulo do diploma).

No artigo 2.° do citado Decreto-Lei 70/2001, subordinado à epígrafe “Procedimento”, consignou-se ex-professo que “as intervenções a realizar pela G..., S.A., no âmbito das actividades definidas pelo artigo anterior, estão subordinadas à elaboração de um plano estratégico, a realizar pelo município ... e pela P..., S. A., sob proposta do G..., S.A. e aprovação pelos accionistas” (n.º 1). Tal plano estratégico, definiria “a sequência de actos e especifica as áreas e a natureza das intervenções a realizar ao nível local” (n.º 2). E, no art.º 6.º, sob o título “Deveres especiais de informação”, cominava-se mesmo ao conselho de administração da sociedade ou quem esta designasse, o dever de “enviar trimestralmente ao Ministro das Finanças e ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e ao Presidente da Câmara Municipal de ... um relatório sumário contendo a descrição da evolução da actividade face ao programado, os eventuais desvios e os controlos efectuados para sua correcção ou diminuição” (n.º 2).

Assim se manteve o quadro legislativo relativo ao “Programa Polis” até à publicação do Decreto-Lei n.º 389/2007, de 30.11, entrado em vigor a 05.12 desse mesmo ano, cujos considerandos foram os seguintes:

«O Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho, aprovou a localização e delimitação de diferentes áreas de intervenção do Programa Polis - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000, de 15 de Maio.

A delimitação da área de intervenção no âmbito do Programa Polis em ... integrou inicialmente a zona da faixa ribeirinha entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...».

«Actualmente, com um conhecimento mais rigoroso de toda a área de intervenção, não se contemplam quaisquer acções na referida faixa ribeirinha, em virtude da mesma já ter sido objecto de requalificação anterior, mostrando¬-se assim preenchidos os objectivos de requalificação urbana e valorização ambiental do Programa Polis. Nestas condições, toma-se necessário proceder às devidas correcções de forma a subtrair a referida área da zona de intervenção, através da alteração da planta de delimitação da zona reservada à intervenção do Programa Polis em ..., publicada em anexo ao citado Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho» .

Assim, e em conformidade, passou esse diploma a estatuir em artigo único:

“1- No anexo do Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos¬-Leis n.ºs 319/2000, de 14 de Dezembro, 203-B/2001, de 24 de Julho, 251/2001, de 21 de Setembro, 318/2001, de 10 de Dezembro, 103/2002, de 12 de Abril, 212/2002, de 17 de Outubro, 314/2002, de 23 de Dezembro, 161/2004, de 2 de Julho, 149/2005, de 30 de Agosto e 232/2006, de 29 de Novembro, é substituída a planta relativa à zona de intervenção em ....

2- A planta referida no número anterior é publicada em anexo ao presente decreto-lei que dele faz parte integrante".

De realçar que o legislador, ao decretar, no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27.12, a “desafectação” do domínio público do Estado dos bens imóveis referidos no n.º 1 do seu artigo 1.º, teve o cuidado de salientar que tais imóveis continuariam (durante a execução do Programa Polis) «sob jurisdição da pessoa colectiva pública a cujo domínio estavam sujeitos» - no caso que ora nos interessa, da APDL. Do mesmo modo que, no artigo 5.º do mesmo diploma, deixou bem expresso que, uma vez «realizado o objecto social da sociedade gestora do “Programa Polis”, ou extinta a mesma, os bens imóveis que tenham sido desafectados, por via do presente diploma, serão afectados ao domínio público do Estado, sem encargos ou responsabilidades». Reconhece ainda, no n.º 3 desse mesmo artigo 5.º, que «os imóveis com possibilidade de utilização portuária poderão ver a mesma reconhecida por despacho conjunto do Ministro do Equipamento Social e do Ambiente e do Ordenamento do Território, com o que reverterão para o domínio público do Estado, sob jurisdição da respectiva administração portuária».

A posição do acórdão arbitral é também a posição deste Tribunal, pelo rigor interpretativo e equidade na solução encontrada para a questão colocada nos autos.

Interpretando o direito aplicável, perante a sucessão legislativa com que nos confrontamos no caso sub judice, consideramos, como o faz o acórdão arbitral, que o Decreto-Lei n.º 230/2000, de 27.12, “contendo embora no seu artigo 1.º uma estatuição normativa de carácter genérico e abstracto de "extinção" de "todas as concessões de "exploração de bens dominiais" e de "todos os direitos de uso privativo", "constituídos sobre os imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei nº 119/2000, de 04.07, não chegou a concretizar, nem a identificar, cada um dos contratos administrativos de concessão celebrados ao abrigo desse regime jurídico, nem as concretas áreas de intervenção com discriminação topográfica no terreno”.

Esse preceito, bem como os subsequentes artigos 2.° e 3.°, têm “a natureza jurídica de uma norma habilitante, que não poderia dispensar um qualquer "acto de autoridade" (de carácter legislativo, regulamentar ou administrativo), que subsequentemente viesse complementar ou concretizar, de forma individualizada, cada um dos contratos de concessão uti singuli , em ordem a um correcto acatamento do comando legal que tal norma encerra”.

Pelo que “só assim seria possível aferir da legalidade das respectivas (e individualizadas) declarações de extinção quanto aos pressupostos de facto e de direito, designadamente para efeitos de eventual impugnação contenciosa, declarações essas que, de resto, teriam de ser determinadas por imperativo de interesse público, o qual sempre teria de ser "devidamente fundamentado", por imposição da al. c) do art.º 180.° do CPA 91”.

“O Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho, (ele próprio concretizador das áreas de intervenção do "Programa Polis" aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000, de 15 de Maio) e, ao consagrar as medidas preventivas e sua duração (artigos 2.° e 7.°) e também medidas expropriativas (artigo 5.°), funcionaria como um conjunto normativo que, na esteira de uma certa doutrina nacional, poderíamos qualificar como normas de valoração (de regulamentação ou primárias)", relativamente aos Dec.-Leis n.os 330/2000, de 27 de Dezembro e 70/2001, de 24 de Fevereiro (instituidor da G..., S.A.), os quais encerrariam em si um conjunto de normas de organização, também chamadas de normas instrumentais ou secundárias (cfr., quanto a esta distinção, Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Coimbra, Almedina, 1968, p. 311). E especificamente os artigos 1.º a 3.º do Dec-Lei n.º 330/2000, ora chamados à colação, como aquilo a que a doutrina alemã rotula de "normas facilitadoras" ou "simplificadoras" (Vereinfachungszwecknormen) - normas facilitadoras do alcance de um determinado desígnio legal -, já que visavam tornar possível a intervenção prevista de requalificação urbana e de valorização ambiental, no pressuposto da necessidade de tal extinção e de tal desafectação”.

“Deste modo, se bem que as aludidas "zonas de intervenção" se encontrassem genericamente identificadas pela aludida "habilitação (legal)", o certo é que só pela via de um concreto acto administrativo que ao abrigo dessa habilitação viesse a ser emitido - sempre passível de impugnação, na medida da respectiva lesividade - poderiam ser eficazmente assegurados e protegidos, quer o interesse público (a prosseguir pela entidade concedente), quer, e sobretudo, os direitos dos concessionários a título individual. Tratar-se-ia, porém, e sempre, com efeito, de uma declaração de extinção por iniciativa (unilateral) da Administração e por esta autoritariamente imposta, facto esse gerador da correspondente indemnização compensatória, em paralelismo com qualquer "rescisão" ou "resgate" operados pela Administração por conveniência do interesse público; e isto, por considerar que a actividade a desenvolver no terreno passaria a ter como entidade gestora uma terceira entidade de natureza público-empresarial”.

“Continha, assim, o citado Dec.-Lei n.º 330/2000 um mero quadro geral a ser casuisticamente integrado por cada contrato (de per si) individualmente considerado, não surtindo esse diploma eficácia extintiva automática ou ope legis. Isto pela razão de que - reitera-se - não era de dispensar a emissão por parte da autoridade pública materialmente competente de um «juízo de existência das situações, necessário para que se desencadeiem certos efeitos legais», acto-juízo esse algo similar àqueles que a doutrina italiana apelida de "accertamento constitutivo" (por contraponto a um mero atto di certezza), na medida em que a previsão abstracta da norma não dispensa um juízo concreto de subsunção (um acto voluntário) de verificação a emitir pela Administração em função dos fins da norma, acto esse em si mesmo produtor de efeitos jurídicos externos (cfr. acerca deste tipo de actos, M. S. Gianini, Diritto Amministrativo, volume 2.°, 2.a ed., Giuffré, pp. 970 e ss). Actos «que traduzem verificações de factos ou de direitos, quando tais verificações sejam pressuposto necessário de situações jurídicas posteriores» (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 1.a ed., 1984, pp. 456-457)”.

Por outro lado, como retira o acórdão recorrido da necessidade de definição de um plano estratégico para a área de intervenção da G..., S.A. estoutra argumentação, que também sufragamos, a de que não se concebe que pudesse ser outra a leitura do Decreto-Lei nº 70/2001, de 24.02:

“Volvendo ao Dec.-Lei n.º 70/2001, de 24 de Fevereiro de 2001, entrado em vigor em 1 de Março de 2001, instituidor da G..., S.A., há que voltar a salientar, quanto ao "procedimento" a ser observado por essa sociedade, para a prossecução do respectivo escopo, que o respectivo art.º 2.° subordinava as respectivas intervenções, no âmbito das actividades definidas pelo art. 1.°, à elaboração de um plano estratégico, a realizar pelo município ... e pela P..., S. A., sob proposta do G..., S.A. e aprovação pelos accionístas" (art.º 2.°, n.º 1).

Plano estratégico esse que definiria "a sequência de actos e especificaria as áreas e a natureza das intervenções a realizar ao nível local” - (artigo 2.°, nº 1) e ao qual se seguiriam os Planos de Pormenor que se mostrassem necessários e oportunos, naturalmente com a colaboração do município ....

A elaboração desse plano tornava-se, pois, obrigatória (vinculativa) para a G..., S.A., pois que era esse o documento (acto-pressuposto) que viria a concretizar a extinção das concessões e licenças na área intervencionada, valendo como acto administrativo de declaração de extinção (caducidade determinada em geral pela lei) dessas concessões e autorizações.

Caducidade, todavia, circunscrita à estrita medida do que fosse considerado necessário para a realização das intervenções especificamente planeadas - necessidade que haveria de valer, como a doutrina vem assinalando, nas suas dimensões territorial, modal e temporal.

O que, de resto, se comprova pela consideração do momento em que opera a desafectação do domínio público e a transferência da propriedade dos bens para as sociedades gestoras do "Programa Polis": a data da declaração de desafectação e de transmissão a emitir pela G..., S.A. "em que se identifiquem os bens em causa", em concretização da referida determinação legal (cfr. o n.º 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei nº 330/2000, de 14.02).

Ora, um tal plano estratégico - conditio sine qua non da prossecução do escopo da G..., S.A. - contemplando a área em causa nunca chegou a ser elaborado; tão pouco os respectivos planos operacionais que detalhariam a sequência das actuações materiais concretas. Tudo em harmonia com os "instrumentos de gestão territorial" (planos de pormenor e planos de urbanização relativos a cada uma das zonas de intervenção legalmente definidas no âmbito do "Programa Polis) a que já se reportava o n.º 1 do artigo 3.° Decreto-Lei n.º 314/2000, de 02.12, os quais deveriam ser sujeitos a aprovação pela assembleia municipal.

Nem seria possível proceder aos registos a que se reporta o n.º 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 330/2000 sem a correcta e completa identificação e especificação dos bens imóveis sujeitos a intervenção e integrados na concessão constarem de um acto concretizador específico.

Normas essas (dos artigos 1.º a 3.° do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 2712) que - se interpretadas em conformidade com os princípios constitucionais da proporcionalidade (necessidade) e da segurança jurídica (protecção da confiança), na medida em que está em causa a restrição de direitos subjectivos patrimoniais dos concessionários (ou titulares de licenças), enquanto posições jurídicas preexistentes e juridicamente consolidadas -, não poderiam operar automaticamente (ope legis) a extinção das concessões e dos direitos dos particulares, a não ser na medida do que se mostrasse estritamente necessário para a realização de uma finalidade pública específica (vertentes da justa medida e da proibição do excesso).

Situação com algum paralelismo com a da expropriação de bens privados necessária à realização das intervenções na área intervencionada: o art.º 6.°, nos seus n.ºs 1 e 2, do citado Decreto-Lei n.º 314/2000, de 02.12, reconhece a «utilidade pública de tal expropriação, mas esta tem de ser declarada posteriormente relativamente aos bens identificados, na medida em que se revele necessária à realização das intervenções específicas aprovadas ou a aprovar».

É esta a configuração correcta e é também este o procedimento adequado num Estado de Direito, que se encontra hoje definido no regime de expropriação de prédios no quadro das operações de "reabilitação urbana sistemática": a declaração de utilidade pública afirmada em geral, num primeiro momento, com a delimitação da área de reabilitação, tem de ser depois, num segundo momento, substantivada através de um acto administrativo concreto, "que individualize os bens a expropriar" em função da necessidade de realização de uma finalidade determinada, como resulta claramente dos preceitos do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23.10, cujos artigos 32.° e 61.° passam a transcrever-se:

- Artigo 32.°:

«Quando se opte pela realização de uma operação de reabilitação urbana sistemática, a delimitação de uma área de reabilitação urbana tem como efeito directo e imediato a declaração de utilidade pública da expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes, bem como da constituição sobre os mesmos das servidões, necessárias à execução da operação de reabilitação urbana».

- Artigo 61.°:

«Na estrita medida em que tal seja necessário, adequado e proporcional, atendendo aos interesses públicos e privados em presença, os terrenos, os edifícios e as fracções que sejam necessários à execução da operação de reabilitação urbana podem ser expropriados, devendo a declaração de utilidade pública prevista no artigo 32.° ser concretizada em acto administrativo que individualize os bens a expropriar» .

A sobredita interpretação ou qualificação das citadas normas do Decreto-Lei n.º 230/2000, de 27.12, como normas facilitadoras necessitadas de concretização, em conformidade com os princípios jurídicos fundamentais da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança, é reforçada pelo elemento sistemático, em consideração do conjunto das normas jurídicas legais que estabelecem regimes de reabilitação ou requalificação urbana.

No caso sub judice, vem, de resto, provado que não constava de qualquer plano estratégico ou plano operacional da G..., S.A. qualquer intervenção no "Cais de ..." que implicasse a extinção da concessão. Constatação esta que claramente resulta do próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30.11, o qual, depois de reconhecer "torna[ndo]-se necessário proceder às devidas correcções", subtraiu aquela área da zona de intervenção do "Programa Polis" - diploma que deve, portanto, ser interpretado como rectificativo dos diplomas iniciais, com naturais efeitos retroactivos (a lei rectificativa - tal como a lei interpretativa - integra-se na lei rectificada, ex vi do n.° 1 do artigo 13.º do Código Civil (cfr., quanto a este ponto, Baptista Machado, Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, página 186.).

E, concluindo, entende-se, como entendeu o acórdão arbitral ser “esta a interpretação das normas legais referidas que melhor se coaduna com os princípios constitucionais e com o espírito do sistema e que, nessa conformidade, leva a concluir que o contrato de concessão nunca chegou a extinguir-se no plano jurídico, apesar de não ter sido esse (em diversos momentos) o entendimento dos vários intervenientes, os quais, todavia, e na prática, justamente porque tal não se revelou necessário, não alteraram a realidade e nunca puseram em causa, no essencial, a subsistência da situação de facto correspondente à concessão”.

Tudo isto, reconhecendo o acórdão “as compreensíveis dificuldades de tal entendimento no seio da Administração Pública que, tradicionalmente, se considera vinculada a uma estrita legalidade formal. E torna-se mister não olvidar os cânones da hermenêutica jurídica genericamente plasmados nos n.ºs 1 a 3 do art.º 9.0 do Código Civil (CC): o intérprete «não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos legais, o pensamento legislativo (a mens legislatoris), sempre no pressuposto de que "o legislador consagrou as soluções mais acertadas", tendo-se sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1). Na realidade, justifica-se uma interpretação que tenha em atenção a razão de ser da norma e proceda a uma "redução teleológica" do alcance da restrição (cfr. F. J. Bronze, Lições de Introdução ao Direito, 2.a ed., Coimbra, Almedina, 2006, p. 920 e ss): extinguem-se as concessões e os direitos nos casos e na medida em que tal seja necessário para a requalificação urbana da zona delimitada. Isto sendo certo que a interpretação adoptada possui na letra dos preceitos de lei especificamente convocados "um mínimo de correspondência verbal" (n.º 2).

E finaliza, chamando à colação, como adiante se verá, as soluções trazidas aos autos pela Demandante, ora Recorrida, na petição inicial: “A solução jurídica exposta sempre equivaleria, afinal, em resultado prático, aqueloutra que, partindo da caducidade ex-lege da concessão (alegadamente operada pelo Dec.-Lei n.º 330/2000), mas apoiando-se "na continuada "gestão de facto" da área concedida por banda da concessionária, consideraria como subsistente entre as partes uma espécie de relação contratual (inominada) com os mesmos contornos do contrato típico a montante celebrado, com base na circunstância de nenhuma delas ter posto em crise tal relação, bem como os termos da respectiva regulação. Contrato típico esse que teria sido repristinado (com eficácia ex-tunc) por efeito da publicação do Dec-Lei n.º 388/2007, de 30 de Novembro supra-citado”.

Quanto às actuações da concedente e da concessionária no plano dos factos, salienta-se, como o faz o acórdão arbitral, que, “sem embargo da sucessão legislativa supra descrita, jamais o contrato administrativo em apreço (causa de pedir no presente pleito) foi objecto de qualquer declaração rescisória ou resolutória por qualquer das (presentes) partes processuais” - antes, pelo contrário:” não obstante um certo "limbo" jurídico, melhor dizendo, uma certa indefíníção do regime jurídico aplicável ao contrato de concessão em causa), propiciada primeiro pelo Dec.-Lei n.º 330/2000 e, depois, pelo Dec.-Lei 70/2001 (instituição da G..., S.A.), sempre o comportamento dos contraentes (público e privado) se pautou, na prática e "no terreno", pela subsistência da relação jurídico-administrativa gerada pela relação contratual estabelecida em 3 de Março de 2000, e depois objecto do "contrato adicional”, outorgado entre a APDL e a D..., S.A. em 17 de Janeiro de 2001, o qual diferiu para 1 de Fevereiro de 2002 o início da obrigação do pagamento das taxas pela D..., S.A., na qualidade de concessionária”.

E reforça-se que “esse contrato adicional datado de 17 de Janeiro de 2001 foi celebrado em data posterior à do início de vigência do Dec.-Lei n.º 330/2000, de 27 de Dezembro, entrado em vigor, como acima se deixou dito, em 1 de Janeiro de 2001; não podem, pois, as partes contraentes invocar o desconhecimento das eventuais implicações (mais ou menos drásticas) que a entrada em vigor desse diploma poderia representar para a execução e desenvolvimento do programa do contrato”.

Afasta-se, como o faz o acórdão recorrido a interpretação de que “com o início de vigência do Dec.-Lei n.º 70/2001, de 24 de Fevereiro, como que se teria operado uma substituição da entidade originariamente concedente (a APDL) pela G..., S.A., mediante a qual esta teria sucedido àquela nos respectivos direitos e obrigações (mesmo as de natureza contratual) e nos poderes públicos integrados na esfera de atribuições e na própria jurisdição da APDL, dado que não foi proferido o despacho previsto no art. 5.° do Dec.-Lei n.º 314/2000, de 12 de Dezembro. Estas mesmas dúvidas parecem ter "assaltado", em dados momentos, não só a D..., S.A., como também a G..., S.A. e mesmo a própria APDL (cfr., v. g .os pontos 13.°, 15.°, 33.º e 35.º do elenco da matéria de facto”).

E faz notar o acórdão que se é certo que “a própria APDL - à semelhança do que já havia feito a D..., S.A. - chegou mesmo a exercitar (desencadeando) o mecanismo/procedimento compensatório previsto no art. 4.° do citado Dec.-Lei n,º 330/2000 contra a G..., S.A., mecanismo esse precisamente destinado «a compensar as diversas pessoas colectivas públicas pelos prejuízos sofridos com a extinção das concessões e dos direitos de uso privativo previstos no art.º 1.º» - cfr. o ponto 29.° da matéria de facto” pode dizer-se que “o accionamento de tal mecanismo pelas entidades pública e privada em causa terá sido feito por mera cautela (premonição), para evitar a preclusão (prescrição) do eventual direito à indemnização; mas o que se torna evidente é que uma das plausíveis interpretações dos sobreditos preceitos legais legitimava - até certo ponto - e à míngua da clarificação que se impunha por banda das entidades públicas e para-públicas envolvidas, uma atitude omissiva ou pelo menos contemplativa por banda da D..., S.A. na solvência das suas obrigações contratuais”.

Entretanto, entra em vigor o Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30 de Novembro, o qual, como refere o acórdão recorrido “veio legalmente reconhecer (com eficácia ex-tunc) a inutilidade originária da execução do "Programa Polis" na área concessionada, pela simples razão de que tal zona (ou espaço territorial) já se encontrava requalificada; reconhecimento esse implicitamente abrangendo a subsistência de uma entidade com o escopo da G..., S.A.”.

Acrescentando o acórdão que “a concessionária D..., S.A., por certo para garantia do investimento entretanto realizado, manteve-se na concessão, embora nunca tenha chegado a efectuar o pagamento das correspondentes rendas periódicas (taxas de utilização), não obstante as tentativas que empreendeu no sentido de obter a revisão das condições contratuais, entretanto perturbadas. Fosse como fosse, era e sempre foi esse (a relação contratual de direito público que estabeleceu com a APDL) o único título que legitimava a ocupação e exploração do espaço objecto do contrato a montante celebrado por banda da D..., S.A., que não um qualquer acto de mera tolerância por banda da entidade concedente ou da própria G..., S.A. (cuja existência se revelou, afinal, efémera)”.

O que é confirmado, como o refere o Tribunal Arbitral, quando escreve “que nenhuma das entidades envolvidas sustentou que a extinção da concessão se revelava (à partida) necessária para a realização do PROGRAMA POLIS; do que sempre todas curaram foi de diligenciar por encontrar uma solução que desse cobertura jurídica à subsistência de facto da concessão, através da celebração de um novo contrato ou de novos termos contratuais - cfr. v. g. os pontos n.os 13.° a 25.° da matéria de facto”.

Porque “a G..., S.A., por seu turno, nunca almejou ser titular da concessão, aparentemente em razão da sua transitoriedade existencial e das suas limitadas atribuições. De resto, todas as entidades públicas intervenientes, apesar da confusão instalada, sempre entenderam que era devida uma contrapartida (renda) pela exploração de facto, pelos operadores privados, do espaço concessionado, e que tal "renda" deveria ser paga à APDL (e até certo momento foi esse também o entendimento da concessionária D..., S.A.) - cfr., v. g., os pontos 45.° a 48.°, 62.° e 64.°, da matéria de facto”.

Vem, a este respeito, assente em sede factual, como acentua o acórdão recorrido, que «desde o início da sua constituição (pelo Dec.-Lei n.º 70/2001) que a G..., S.A. assumiu que a área concessionada não devia estar sob a sua alçada, por se tratar de uma área objecto de requalificação urbanística e ambiental anterior e que cumpria as funções e objectivos a que se propunha o "Programa Polis”» - cfr. o ponto 45.º da matéria de facto. A G..., S.A. mostrou-se cooperante com a APDL e a D..., S.A., não evidenciando alguma vez a sua vontade de considerar finda a relação de concessão estabelecida entre estas duas últimas entidades - cfr. o ponto 46.º da matéria de facto.

Toda a actuação da G..., S.A. foi no sentido de considerar que a relação de concessão se mantinha de facto e de encarar a APDL como a contraparte com direito a receber as receitas resultantes da exploração, ou seja, como contraparte do direito de utilização (uso e exploração) que vinha (e vem) sendo exercido pela D..., S.A., esta última como titular dos direitos à ocupação e exploração que o "Contrato de Concessão" lhe atribuía - ponto 47.º da matéria de facto. A G..., S.A. sempre afirmou que a APDL deveria continuar a ser a entidade concedente do espaço do Cais de ..., uma vez que a área em causa não carecia de qualquer intervenção urbanística - cfr. o ponto 48.0 da matéria de facto”.

Conclui-se, assim, como o faz o acórdão recorrido, pela subsistência do “Contrato de Concessão” e, em consequência, reconhece-se que a concessionária D..., S.A. tem, pois, o direito à manutenção do contrato de concessão, em idêntica similitude com a APDL enquanto concedente, não podendo esta declarar extinto o contrato, nem estando obrigada à celebração de novo contrato, nem à inerente abertura de um procedimento concursal para o efeito.

Isto porque, e é a conclusão final, “subsiste, nesta data, plenamente válido e eficaz ”o contrato administrativo de concessão” celebrado entre a APDL (como concedente) e a D..., S.A. (como concessionária), com data de 3 de Março de 2000, depois modificado pelo “contrato adicional” outorgado entre as mesmas partes em 17 de Janeiro de 2001”.

Esta fundamentação expressa com clareza, rigor, acerto e sentido de justiça no acórdão arbitral é por nós inteiramente sufragada porque não se cinge à interpretação literal que a Recorrente faz dos preceitos legais aqui em causa, interpretação que, embora apoiada em doutos pareceres, não observa na íntegra o disposto no artigo 9º nºs 1 e 3 do Código Civil, ou seja, não atende aos elementos histórico, sistemático e teleológico, impostos pelas referidas normas legais.

III. II. – O recurso subordinado, da APDL.

A APDL nega a mora da credora, mas o que alega não afasta a correcção da argumentação do acórdão arbitral sobre esta matéria, que, mais uma vez pelo seu rigor e completude hermenêuticos, é aquela a que se adere e que aqui se reproduz:

“As taxas (anuais) de utilização pelo uso privativo do domínio público a cargo da concessionária D..., S.A., foram contratualmente divididas em duodécimos, a liquidar (mensalmente) até ao dia 8 do mês anterior a que respeitassem, e fixadas nos valores de PTE 60.000.000, 72.000.000 e 84.000.000, respectivamente no segundo, terceiro e quarto anos, sendo, no quinto ano e seguintes, actualizadas anualmente, com referência a 1 de Janeiro de cada ano, por aplicação do coeficiente de actualização das rendas não habitacionais previsto no art.º 32.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90 de 15 de Outubro (cláusulas 17.1.e 17.2.do “Contrato Adicional”).

Nenhuma prestação foi efectuada desde 1 de Fevereiro de 2002, data a partir da qual se iniciariam os pagamentos pré-acordados, pelo que se encontram já em dívida todas as prestações desde aquela data já vencidas até 23 de Junho de 2009 - data da propositura da acção - no montante global de €3.113.742,21). A este montante seria ainda de acrescer, conforme o pedido, a quantia de €1.188.479,22, a título de juros de mora (às taxas comerciais) já vencidos até 15 de Junho de 2009.

A prova do pagamento das prestações vindicadas pela APDL (excepção peremptória extintiva) incumbia, de resto, à D..., S.A., por força do n.º 2 do art.º 342.º do CC.

Movemo-nos no domínio da responsabilidade contratual, pelo que há que aplicar, nesta sede, a título supletivo, as regras da lei geral (civilísticas) relativas à falta de cumprimento e à mora do devedor e do credor (art.ºs 798.º e ss e 813.º e 814.º do CC), e designadamente o disposto no art.º 799.º desse corpo normativo. Consagra, este último preceito, no seu n.º 1, uma presunção legal de culpa, já que faz recair sobre o devedor o ónus de provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua.

Ora, é ao credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento; o que não necessita é de provar a culpa do inadimplente , face a essa presunção legal que dimana do art.º 799.º do CC. Isto sendo certo que a culpa do devedor deve ser apreciada em abstracto, ou seja, como postula o n.º 2 desse mesmo preceito «nos termos aplicáveis à responsabilidade civil», o que é o mesmo que dizer, pelo critério da «diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso» plasmado no n.º 2 do art.º 487.º, ainda do CC. E não restam dúvidas de que a D..., S.A. incorreu no facto ilícito do não cumprimento, já que faltou ao cumprimento da obrigação (pagamento das taxas de utilização pelo uso privativo de bens do domínio público, taxas essas que se foram vencendo segundo e em execução do programa do contrato, e de que era credora a entidade concedente APDL), sendo que «a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante» (art.º 769.º do CC).

Mas será que o retardamento no cumprimento da prestação se deve imputar à concessionária D..., S.A.? Ou deverá a referida presunção legal de culpa ter-se por ilidida?

Claro que seria difícil à D..., S.A., para adregar a exoneração da sua responsabilidade (a título de culpa), limitar-se a alegar a (sua) ignorância sobre qual a entidade realmente credora das “taxas” que entretanto se foram vencendo: se a APDL se a G..., S.A.. Isto porque a dúvida sobre a real entidade credora poderia ser suprida através do expediente da consignação em depósito» a que reporta o art.º 841.º, n.º 1, al. a), in fine, do CC. Consignação essa, todavia, saliente-se, de carácter facultativo (art.º 841.º, n.º 2, do CC), a qual teria sempre como base a alegação pela D..., S.A. de que «sem culpa sua, não podia efectuar a prestação ou não poderia fazê-lo em segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor» (art.º 841.º, n.º 1, al. a) do CC) e a qual deveria ser operada através do meio processual específico regulado no art.º 1024.º e ss do CPC. Isto sem olvidar que qualquer obrigado médio, que é o suposto ser querido pela ordem jurídica, saberia (teria que saber) que a utilização de bens do domínio público como fonte de receitas próprias, teria que ter uma contrapartida a título de taxas de utilização da parcela dominial concedida, fosse qual fosse a entidade (pública ou parapública) realmente credora.

Da matéria de facto dada como assente emerge, contudo, claramente que, sem embargo de a D..., S.A., apesar de, partir de certo momento, invocar a caducidade do contrato celebrado com a APDL, ter continuado a desenvolver com normalidade o seu giro comercial no espaço concedido e apenas ter pretendido renegociar as condições da concessão, sempre continuou a pairar sobre o futuro do contrato a previsão da norma legal que cominava a extinção geral dos contratos congéneres (cfr. o sobredito art.º 1.º do Dec.-Lei n.º 330/2000). Seria, por isso, sempre legítima a dúvida à D..., S.A. sobre se, pagando mal, não teria, a final, que pagar duas vezes!... E não era seguramente à D..., S.A. que competia desfazer o “imbróglio jurídico” acima referido. Cabia, prima facie, à APDL, - tal como acima se concluiu – diligenciar junto das competentes autoridades públicas, pela obtenção do acto administrativo clarificador que se impunha; o que não chegou a ser feito!

O “imbróglio” jurídico em torno da definição da relação contratual foi causado pelo Estado, enquanto legislador, e pelas actuações e comportamentos erráticos das entidades públicas administrativas envolvidas, sem embargo de algumas diligências esparsas no sentido de alcançar uma solução para o problema.

Ademais, o contrato de concessão celebrado entre a APDL e a D..., S.A. nunca chegou a ser objecto de qualquer declaração expressa (específica) de caducidade, por via legal ou convencional, ou de qualquer declaração rescisória ou resolutiva, de carácter unilateral ou bilateral .

O tribunal, porém, procedendo ao que (em seu entendimento) considera ser a correcta exegese do textos legais, concluiu (ex-post);

- que se impunha às entidades públicas envolvidas que houvessem providenciado, em tempo oportuno, pela prolação (por quem de direito) de um complementar acto de autoridade (acto clarificador) da necessidade da extinção da relação contratual em apreço, o que não foi feito pelas entidades administrativas com competência decisória na matéria;

- que dessa inércia resultou a situação de indefinição ou “limbo jurídico” a que vimos fazendo alusão;

- que o contrato se mantém plenamente válido e eficaz desde a data da sua celebração.

E quanto à mora no cumprimento das obrigações contratuais?

Encontrando-se em causa obrigações pecuniárias, nunca há incumprimento definitivo mas sim simples mora ou retardamento. Há mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo (art.º 805.º, n.º 2, al. a), do CC) o que sucede com as prestações períodicas fixadas no contrato sob apreciação. O devedor só se consideraria constituído em mora quando, por causa que lhe fosse imputável, a prestação, ainda possível, não fosse efectuada no tempo devido» (art.º 804.º, n.º 2). Se a impossibilidade de cumprimento de uma obrigação pecuniária for temporária (mora não imputável) o devedor não responde pela mora no cumprimento (art.º 792.º, n.º 1). A impossibilidade só se considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor (art.º 791.º, n.º 2).

Deste modo, só se a causa da demora no cumprimento fosse devida a culpa da D..., S.A., é que esta responderia pelos danos que a mora trouxe à APDL; não lhe sendo imputável, não responderá por tais danos da mora; mas não ficará exonerado da obrigação principal visto ser (ter sido) transitório o obstáculo ao cumprimento» (art.º 792.º do CC). O efeito da impossibilidade temporária será, portanto, o de exonerar o devedor dos danos moratórios, mas só enquanto a impossibilidade perdurar» - (cfr. Antunes Varela, ob. cit., pp. 79-80).

Tudo sem perder de vista que não é aplicável à responsabilidade contratual o disposto no art.º 494.º do CC, ou seja, «limitação da indemnização no caso de mera culpa» - grau de culpabilidade»- fixação por equidade em montante inferior aos danos causados (Cfr. Antunes Varela, ob cit., p. 99).

É certo que a D..., S.A., não alegou ex-professo a impossibilidade temporária ou transitória da obrigação de pagamento das taxas de utilização, mas toda a defesa que apresentou, no seu conjunto, por via de impugnação, aponta para uma tal conclusão.

Há, todavia, que reconhecer que uma interpretação literal dos textos legais em equação era susceptível de inculcar nos respectivos destinatários a ideia de que os contratos de concessão que directa ou indirectamente contendessem com o espaço geográfico dominial subjacente às aludidas normas caducariam de modo automático com a data da sua entrada em vigor. Seguem, inclusivamente, neste sentido, os doutos Pareceres Jurídicos juntos pela D..., S.A. já acima referenciados.

Não, era, assim, exigível à D..., S.A. enveredar (a montante) por uma tal interpretação, já que a interpretação literalista que perfilhou acerca da estatuição vertida no citado n.º 1 do art.º 1.º do Dec.-Lei n.º 330/200 era uma das interpretações possíveis ou plausíveis desse comando normativo. Daí que o tribunal deva concluir - como realmente conclui - que a culpa pelo retardamento no cumprimento da prestação (ou das prestações) em dívida, lhe não possa (a ela D..., S.A.) ser assacada, antes à entidade (credora) concedente APDL.

No caso sub-specie, a culpa pela mora (retardamento no pagamento das prestações em falta) deve, pois, ser atribuída ao credor, neste caso à concedente APDL, sendo que «o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, «não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação (art.º 813.º) e sendo que «durante a mora do credor, a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionais» (art.º 814.º, n.º 2). Não há culpa do devedor sempre que o não cumprimento seja imputável ao facto do credor ou de terceiro (Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, p. 99).

Não são, assim, de exigir à demandada D..., S.A. quaisquer quantias a título de juros de mora vencidos até à data da notificação da presente decisão, já que - face à consideração supra de incumprimento transitório ou temporário não imputável - a data da notificação da sentença valerá como dies a quo relevante para a exigibilidade dos juros de mora vincendos correspondentes às prestações (rendas) mensais já vencidas (em singelo) até à data da instauração da presente acção arbitral (23 de Junho de 2009).”.

O atraso no pagamento não resultou, em suma, de culpa da devedora, mas da situação de dúvida, compreensível, sobre a existência e os exactos contornos da dívida, criada pelo próprio Estado legislador, nos termos supra expostos.

Não merecem, pois, provimento os recursos, principal interposto pela D..., S.A. e subordinado, interposto pela APDL, pelo que se impõe manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSO JURISDICIONAIS, pelo que mantêm a decisão recorrida.

(…)”

4. Deste acórdão foi interposto recurso de revista pela D..., S.A., admitido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 12.11.2019, assim como recurso subordinado da APDL (ver SITAF).

5. Do recurso de revista apresentado pela D..., S.A. extrai-se o seguinte:

“(...)

DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

1. O presente recurso difere dos restantes pelo facto da sua admissibilidade assentar não no critério quantitativo (sucumbência), mas sim no critério qualitativo, ou seja, o recurso é admitido desde que esteja em causa a apreciação de uma questão que tenha relevância jurídica ou social e tenha importância fundamental, ou para a melhor apreciação do Direito.

2. Ora, no caso em apreço, facilmente se depreende que a matéria que se encontra em discussão tem uma repercussão enorme na cidade de ..., uma vez que o terrapleno do Cais de ... constitui um importantíssimo centro de negócios e de turismo para aquela cidade, pelo que, nessa conformidade, dúvidas não podem restar de que se encontra em causa a apreciação de uma questão com relevância social inegável.

3. Por outro lado, as questões colocadas no recurso objecto dos autos tem relevância jurídica ou social, revestindo-se de importância fundamental sendo a sua admissão igualmente necessária para uma melhor aplicação do Direito.

4. A primeira das questões prende-se com a possibilidade, ou não, do diferendo que divide as partes poder ser apreciada e decidida por um tribunal arbitral constituído nos termos do compromisso arbitral outorgado entre APDL e D..., S.A. ou, ao invés, se tem de ser apreciada e decidida no âmbito de um processo, a correr termos nos tribunais do Estado, que possa abranger a G..., S.A. pela autoridade do respectivo caso julgado material.

5. Por outro lado, em causa está igualmente os efeitos do Decreto-Lei nº 330/2000, de 27.12 e, nomeadamente, se ocorre a caducidade das concessões e dos direitos de uso privativo pré-existentes e o enquadramento dessa situação jurídica.

6. Acresce, ainda, que para uma melhor aplicação do Direito, importará, com toda a certeza, saber se o legislador de 2007 pode proceder à rectificação de um diploma legal de 2000 ou, eventualmente, se o Decreto-Lei nº 388/2007 se assume ou deve ser qualificado como um acto formal de rectificação, em sentido técnico, do Decreto-Lei nº 119/2000.

7. Intrinsecamente conexionado com o entendimento a dar a esta questão está um dos princípios basilares do no direito, previsto no artigo 12º do Código Civil, o qual estabelece, como critério geral de interpretação, que as leis só dispõem para o futuro.

8. Ou seja, estas questões trazidas ao crivo deste STA revelam uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito.

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA SUCESSÃO LEGISLATIVA 9. Nos presentes autos encontra-se em causa a caducidade ou não de um contrato de concessão, decorrente da publicação do Decreto-Lei n° 330/2000, de 27 de Dezembro, que determinou a extinção da correspondente concessão, a que veio suceder o Decreto-Lei nº 388/2007, de 30 de Novembro, que desafetou a zona da faixa ribeirinha compreendida entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...» da área de intervenção no âmbito do Programa Polis na cidade de ....

10. Sucede, no entanto, que o Decreto-Lei nº 388/2007 não diz uma palavra sobre os efeitos que o Decreto-Lei nº 330/2000 associou, de modo automático, à inclusão da referida faixa na planta de delimitação da dita área de intervenção.

11. Com a assinatura do contrato de concessão veio a ser criada na esfera jurídica da Recorrente uma expectativa de um contrato com 20 anos de duração; de seguida, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n° 330/2000, essa expectativa veio a ser gorada e, portanto, alterada. Mais tarde, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 388/2007, essa expectativa volta a ser alterada.

12. A verdade é que esta sucessão legislativa outra coisa não veio fazer senão abalar toda e qualquer certeza e segurança jurídicas que pudessem existir na esfera jurídica da Recorrente quanto a este contrato de concessão.

13. Nessa conformidade, foi ferido o princípio basilar do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.º da CRP, bem como os princípios da segurança e certeza jurídicas, pelo que a aplicação desta sucessão legislativa encontra-se ferida de inconstitucionalidade.

PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - DECISÕES-SURPRESA

14. No art.º 3º n.º 3, do CPC de 2013, ex vi art. 1º do CPTA consagra-se o princípio do contraditório, o qual é um princípio estruturante do processo com ressonância constitucional e que hoje – após a reforma operada pelo DL 329-A/95, de 12/12, e pelo DL 180/96, de 25/9, com a introdução do n.º 3 e do n.º 4 no art.º 3º, do CPC - ultrapassou a concepção clássica, que o associava ao direito de resposta, para se assumir como uma garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o processo, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se liguem ao objecto da causa.

15. O princípio do contraditório implica que o juiz não deve decidir qualquer questão, de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciar, destinando-se a evitar decisões-surpresa.

16. A decisão do Tribunal Arbitral no que tange à “Interpretação do direito aplicável” considera que o Dec.-Lei n.° 230/2000, de 27 de Dezembro “contendo embora no seu art.° 1.º uma estatuição normativa de carácter genérico e abstracto de “extinção” de “todas as concessões de “exploração de bens dominiais” e de “todos os direitos de uso privativo”, “constituídos sobre os imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Dec.-Lei n.° 119/2000, de 4 de Julho, não chegou a concretizar, nem a identificar, cada um dos contratos administrativos de concessão celebrados ao abrigo desse regime jurídico, nem as concretas áreas de intervenção com discriminação topográfica no terreno. Encerra esse preceito (bem como os subsequentes art.ºs 2.° e 3°) a natureza jurídica de urna norma habilitante, que não poderia dispensar um qualquer “acto de autoridade” (de carácter legislativo, regulamentar ou administrativo), que subsequentemente viesse complementar ou concretizar, de forma individualizada, cada um dos contratos de concessão uti singuli, em ordem a uma correcto acatamento do comando legal que tal norma encerra”.

17. Esta interpretação mostra-se inesperada, pois, surge à revelia das posições jurídicas de cada uma das partes, em especial da Recorrente, dado que tal interpretação jurídica, até à prolação do acórdão arbitral recorrido, não tinha sido suscitada ou debatida nos autos, pelo que previamente à decisão e à assunção dessa interpretação, tinha de ser dado o contraditório, o que não foi feito.

18. Esta omissão, e de forma manifesta, influi no exame e na decisão da causa, pelo que constitui uma nulidade processual secundária (cfr. art.º 195º nº 1), o que, nos termos do art.º 195º n.º 2, do CPC, implica a anulação de todo o processado a partir do momento em que se verificou tal omissão, ou seja, imediatamente antes da decisão recorrida, o que tem como efeito a anulação desta.

DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL

19. O Decreto-Lei n° 330/2000 é um diploma legal que, por razões de ordem pública, determina o sacrifício de situações contratualmente constituídas no âmbito de concessões anteriormente outorgadas, em favor de entidades - as sociedades gestoras do Programa Polis - que investe em situações jurídicas patrimoniais incompatíveis com aquelas situações contratuais.

20. Trata-se, portanto, de um diploma que, em primeira linha, se dirige a dotar as sociedades gestoras do Programa Polis dos meios necessários à prossecução das respetivas missões, prevendo a adequada indemnização das entidades públicas e privadas cujas situações jurídicas tenham de ser sacrificadas para o efeito.

21. Assim se compreende que o Decreto-Lei n° 330/2000, muito mais do que implicar a extinção da concessão a que se reporta a Consulta, tenha tido, no caso em presença, o propósito de desafetar do domínio público os bens imóveis sobre os quais incidia a concessão e de os transferir para a propriedade da G..., S.A., para o que expressamente assumiu constituir ¯título bastante, com dispensa de quaisquer outras formalidades.

22. Pode, assim, dizer-se que, na economia do Decreto-Lei n° 330/2000, a caducidade das concessões e dos direitos de uso privativo pré-existentes parece desempenhar uma função instrumental, dirigida a viabilizar a apropriação dos espaços sobre os quais tais situações jurídicas recaíssem pelas sociedades gestoras do Programa Polis. Em bom rigor, da desafetação do domínio público dos bens imóveis que integram aqueles espaços e sua transferência para a esfera patrimonial das referidas sociedades gestoras sempre teria necessariamente de resultar, como consequência inevitável, a extinção daquelas situações jurídicas, cuja manutenção seria incompatível com a alteração do estatuto dominial dos bens em causa e respetiva transferência de titularidade.

23. Por conseguinte, apreciar, no caso em presença, do alcance da modificação decorrente do Decreto-Lei n° 388/2007 é apurar se os bens imóveis que integram o espaço a que essa modificação se reporta se encontram, hoje, desafetados do domínio público e na titularidade da G..., S.A. ou se, pelo contrário, voltaram a estar afetados ao domínio público, sob jurisdição da APDL, e se, por conseguinte, subsistem ou não, hoje, as relações jurídicas entre G..., S.A., D..., S.A. e APDL que decorreram do regime instituído pelo Decreto-Lei n° 330/2000 — ou se tais relações subsistiram, pelo menos, até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 388/2007.

24. A questão da caducidade do contrato de concessão é, assim, incindível da questão de saber se os bens imóveis a que a concessão se reportava se encontram desafetados do domínio público e na titularidade da G..., S.A.: na verdade, o eventual entendimento de que o Decreto-Lei n° 388/2007 teve o alcance de repristinar, ainda que com eficácia ex nunc, o contrato de concessão existente entre APDL e D..., S.A. é indissociável do entendimento de que o mesmo Decreto-Lei teve o alcance de extinguir o direito de propriedade da G..., S.A. sobre o espaço a que a concessão dizia respeito e é, por isso, incompatível com o entendimento contrário, de que a G..., S.A. continua titular do referido direito de propriedade.

25. Trata-se, assim, de questão que envolve uma entidade, a G..., S.A., que não foi parte no contrato celebrado entre APDL e D..., S.A., nem, por conseguinte, no correspondente compromisso arbitral.

26. Essa questão não pode ser, por isso, apreciada e decidida por um tribunal arbitral constituído nos termos do compromisso arbitral outorgado entre APDL e D..., S.A., mas tem necessariamente de ser apreciada e decidida no âmbito de um processo, a correr termos nos tribunais do Estado, que possa abranger a G..., S.A. pela autoridade do respetivo caso julgado material.

OBJECTO DA AÇÃO vs CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM

27. Existe uma exorbitância do objecto da acção vis a vis a definição que do mesmo foi operada pelas partes na cláusula n.° 26.ª do contrato de concessão.

28. Da cláusula 26ª do contrato de concessão consta a possibilidade das partes recorrerem ao instituto da arbitragem, nomeadamente, no que concerne à resolução de todas as questões emergentes da aplicação, interpretação, execução e rescisão do contrato.

29. Em relação à questão do objeto da arbitragem dever-se-á ter presente que o mesmo, nos termos do artigo 11.º da Lei n.º 31/86, ficou definido pela notificação efetuada pela APDL - Administração dos Portos do A..., S. A., a saber, ¯definição jurídica da situação emergente do Contrato de Concessão do Direito de Exploração Turístico-Hoteleira do Terrapleno Adjacente ao Cais de ....

30. A D..., S.A. na resposta à referida notificação declarou não pretender a sua ampliação.

31. Da petição apresentada pela APDL junto do Tribunal Arbitral, e designadamente, da formulação do respetivo pedido, é manifesto que a realidade em discussão ultrapassa o objeto constante da cláusula 26.ª do contrato.

DA EXISTÊNCIA DE CAUSA PREJUDICIAL

32. A aqui demandada e ora recorrente intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto uma Ação Administrativa Comum sob a forma ordinária em que é Ré a G..., S.A., onde pede seja esta sociedade, por força do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 330/2000 de 27.12, condenada a pagar todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela D..., S.A. e que esta venha a sofrer como consequência adequada da extinção da concessão igualmente objeto dos presentes autos.

33. Nos termos do artigo 316.º e ss do CPC foi requerido e deferido, que fosse admitida a intervenção principal provocada e citação da A..., S. A., tendo esta aceite a intervenção e produziu articulado nos autos.

34. Os direitos discutidos no âmbito dos autos de processo com o n.º 2364/07.... procedem do mesmo facto jurídico que consubstanciam a casa de pedir alegada pela demandante APDL nos presentes autos: o contrato de concessão da exploração turístico-hoteleira do terrapleno adjacente ao Cais de ... celebrado em 3 de Março de 2000.

35. A causa é prejudicial em relação a outra quando aí se esteja a apreciar uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão do outro pleito.

36. O processo com o n.º 2364/07.... do TAF do Porto deu entrada em juízo em 12.11.2007, ou seja, muito antes de ter sido requerida a constituição do presente Tribunal Arbitral (17.03.2008) bem como de constituído o presente Tribunal (Abril de 2009).

37. Existe, por isso, uma manifesta causa prejudicial - artigo 272.º do CPC.

DA LITISPENDÊNCIA

38. Caso se considere inexistir causa prejudicial – o que se não concede e por mera hipótese se coloca - sempre será certo que existirá litispendência, a qual, nos termos da alínea i) do artigo 577.º do CPC constitui exceção dilatória e, nos termos do artigo 576.º, n.º 2 do CPC, deveria, in casu, ter obstado a que o Tribunal conhecesse o mérito da causa e desse lugar à absolvição da instância da ora Ré.

39. Em sede de contestação da ação que corre termos com o n.º 2364/07.... no TAF do Porto, a ali Ré, a G..., S.A., defende-se do pedido da ora Recorrente, ali Autora deduzindo, ainda, pedido reconvencional no qual pede que seja a D..., S.A. condenada a pagar o valor rendas devidas respeitantes ao período entre 1 de Fevereiro de 2001 e 30 de Novembro de 2007, acrescido dos juros legais.

40. No âmbito desses autos foi, nos termos do artigo 316.º e ss do CPC, requerida a intervenção principal provocada e citação da APDL, tendo esta aceite a intervenção e apresentado articulado próprio.

41. Constitui a causa de pedir do processo n.º 2364/07.... no TAF do Porto o mesmo e exato contrato referido nos presentes autos: o contrato de concessão da exploração turístico-hoteleira do terrapleno adjacente ao Cais de ... assinado em 3 de Março de 2000.

42. É evidente a identidade de sujeitos em ambos os processos (artigo 581°, n° 2, do CPC), sendo que o que conta para a avaliação da existência, ou não, do requisito relativo à identidade de sujeitos é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial, o serem portadoras do mesmo interesse substancial; tal identidade não fica comprometida ou destruída pelo facto de ocuparem as partes posições opostas em cada um dos processos, acontecer diversidade de forma de processo empregada nas duas ações ou serem de natureza díspar - uma declarativa, outra executiva - as ações em causa - vide Acórdão do STJ, proc. n.º 06B3027, de 02.11.2006, disponível in www.dgsi.pt.

43. Há, igualmente, identidade do pedido deduzido pelas partes nas duas ações em analise, já que se visa obter o mesmo efeito jurídico, já anteriormente peticionado – nomeadamente em sede de reconvenção.

DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA

44. Existe nulidade da sentença, nos termos da aplicação conjugada do disposto nos artigos 608.º e 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C. porquanto o acórdão arbitral não conheceu das exceções deduzidas pela ora recorrente e que se prendem com a questão do apuramento da aventada situação de incumprimento pela APDL imputada pela D..., S.A. e da inerente responsabilidade obrigacional.

45. No acórdão proferido a fls. (cfr. na pág. 38) é aceite que não subsistem dúvidas, face à matéria provada, que «no período temporal decorrido até à data da propositura da presente ação ocorreram diversas vicissitudes que alteraram, em aspetos relevantes, a área e o estabelecimento da concessão e afetaram a respetiva exploração.

46. A nulidade prevista na 1.ª parte da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º, CPC, está diretamente relacionada com o comando fixado no nº 2 do artigo 608.º, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

47. As questões das vicissitudes que alteraram, em aspetos relevantes, a área e o estabelecimento da concessão e afetaram a respetiva exploração” não só não ficaram resolvidas ou prejudicadas pela solução dada na decisão final proferida, como se não tratavam de meros «argumentos» ou «razões», mas sim de «questões» cuja falta de apreciação não pode deixar de determinar a nulidade da sentença – al. d), n.º 1 do artigo 615.º, CPC.

48. Impunha-se que o Tribunal Arbitral analisasse as vicissitudes que alteraram, em aspetos relevantes, a área e o estabelecimento da concessão e afetaram a respetiva exploração e, designadamente, as consequências desses factos em termos de direitos invocados pela concedente e pela concessionária.

49. Baseando-se o pedido da autora que a Ré D..., S.A. seja condenada a reconhecer a vigência do contrato de concessão bem como a pagar à APDL as respetivas contrapartidas (taxas) e respetivos juros de mora (alegadamente) já vencidos as questões das ¯vicissitudes que alteraram, em aspetos relevantes, a área e o estabelecimento da concessão e afetaram a respetiva exploração” têm absoluta relevância para a decisão, enquanto factos impeditivos ou pelo menos modificativos da pretensão da autora.

50. A única consequência do desrespeito pela imposição da discriminação separada das exceções será a inoperância do disposto no artigo 587.º (admissão dos factos alegados pelo réu em sede de exceção quando não seja apresentada réplica ou nela não tenha sido considerada a exceção deduzida).Existe nulidade da sentença arbitral, nos termos da aplicação conjugada do disposto nos artigos 608.º e 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C.

DA CADUDIDADE DO CONTRATO

51. O Decreto-Lei nº 330/2000, de 27.12, veio determinar a extinção de todas as concessões de obras públicas, de serviço público e de exploração de bens dominiais, bem como todos os direitos de uso privativo, que, até à data da sua entrada em vigor, tivessem sido constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei nº 119/2000, de 04.07, e que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico.

52. No que diz respeito à área de intervenção do Programa Polis na ... e, portanto, ao espaço a que se reportava o contrato de concessão à data existente entre APDL e D..., S.A., os efeitos determinados pelo Decreto-Lei nº 330/2000 operaram com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 70/2001, de 24.02, que instituiu a G..., S.A. como a sociedade gestora da intervenção do Programa Polis na cidade de ....

53. O Decreto-Lei n.° 330/2000 é um diploma legal que, por razões de ordem pública, determina o sacrifício de situações contratualmente constituídas no âmbito de concessões anteriormente outorgadas, em favor de entidades - as sociedades gestoras do Programa Polis - que investe em situações jurídicas patrimoniais incompatíveis com aquelas situações contratuais.

54. Na economia do Decreto-Lei n.° 330/2000, a caducidade das concessões e dos direitos de uso privativo pré-existentes parece desempenhar uma função instrumental, dirigida a viabilizar a apropriação dos espaços sobre os quais tais situações jurídicas recaíssem pelas sociedades gestoras do Programa Polis.

55. Assim, no que especificamente diz respeito ao contrato de concessão que, na data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 70/2001, de 24 de Fevereiro, vinculava a APDL e a D..., S.A., as consequências que resultaram dos três diplomas legais que acabam de ser mencionados foram, pois, as seguintes: a) Automática caducidade do contrato de concessão outorgado com a APDL, por direta determinação da lei, que procedeu à extinção da concessão; b) Automática colocação da D..., S.A. em situação de ocupação sine título de um espaço que, por seu turno, foi transferido, por direto efeito da lei, do domínio público do Estado para a esfera de propriedade da G..., S.A.; c) Extinção do dever de a D..., S.A. pagar rendas à APDL ou à entidade que lhe sucedeu, dever que se lhe impunha no âmbito da relação de concessão, mas que cessou com a caducidade do contrato de concessão e respetivo contrato adicional. d) Automática constituição da D..., S.A. e da APDL no direito de serem indemnizadas pela G..., S.A. pelo facto da extinção da concessão.

56. O Decreto-Lei n.° 330/2000, de 27.12, ao determinar a extinção da correspondente concessão, implicou a automática caducidade do contrato de concessão de que a D..., S.A. era titular.

57. O mesmo diploma legal teve, assim, o efeito de colocar automaticamente a D..., S.A. em situação de ocupação sine título do espaço a que correspondia a concessão espaço que, por seu turno, foi transmitido, por direto efeito da lei, da propriedade do Estado, para a propriedade da G..., S.A..

58. O mesmo diploma teve ainda o efeito de constituir a D..., S.A. no direito de ser indemnizada pela G..., S.A. pela caducidade do contrato, com a extinção da concessão de que era titular.

59. A circunstância de a D..., S.A. se ter conservado na exploração do espaço que lhe tinha sido atribuída em concessão não passa de uma situação meramente contingente, que apenas se foi prolongando no plano dos factos, sem ter o alcance de inibir os efeitos que, nos termos inequívocos que foram determinados pelo Decreto-Lei n.º 330/2000.

60. Na verdade, não é pela circunstância de, no plano dos factos, a D..., S.A. ter conservado na exploração do espaço, que, no plano jurídico, se deve deixar de reconhecer que a lei, de modo inequívoco, fez cessar o contrato de concessão, com todas as consequências que daí fez decorrer.

61. Com a caducidade do contrato de concessão, a D..., S.A. deixou de dever as rendas a que, nos termos desse contrato, estava obrigada para com a APDL, ficando, entretanto, a G..., S.A., nos termos da lei, constituída no dever de indemnizar a APDL pela cessação do direito à perceção dessas rendas - artigo 4.º do DL n.° 330/2000, de 27.12.

O DECRETO-LEI Nº 388/2007, DE 30 DE NOVEMBRO

62. Ao excluir a zona da faixa ribeirinha compreendida entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...» da área de intervenção no âmbito do Programa Polis na cidade de ..., o Decreto-Lei n.º 388/2007 não diz uma palavra sobre os efeitos que o Decreto-Lei n.º 330/2000 associou, de modo automático, à inclusão da referida faixa na planta de delimitação da dita área de intervenção, na versão primitiva que resultou do Decreto-Lei n.º 119/2000.

63. O Decreto-Lei n.º 388/2007 não contém qualquer determinação no sentido e o alcance de fazer renascer retroativamente o Decreto-Lei n.º 330/2000, com todos os vínculos que dele decorriam para cada uma das partes, como se nada se tivesse passado. Por outro lado, ele também não contém qualquer disposição que formalmente lhe confira eficácia retroativa.

64. O legislador de 2007 não pode proceder à retificação de um diploma legal de 2000. Nem, de resto, o Decreto-Lei n.º 388/2007 se assume ou deve ser qualificado como um ato formal de retificação, em sentido técnico, do Decreto-Lei n.º 119/2000.

65. O único alcance que, com segurança, se afigura possível imputar ao Decreto-Lei n.º 388/2007 é o reconhecimento de que não se justifica a apropriação efetiva pela G..., S.A. da faixa ribeirinha compreendida entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...» e o consequente propósito de alterar a planta de delimitação da área de intervenção do Programa Polis.

66. O artigo 12.º do Código Civil estabelece, como critério geral de interpretação, que as leis só dispõem para o futuro, pelo que, ainda que lhes seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que elas se destinam a regular, sendo que em caso de dúvida, as leis devem ser interpretadas no sentido de não pretenderem produzir efeitos retroativos.

67. Não existindo dados objetivos nem razões ponderosas que apontem em sentido contrário, é, portanto, de harmonia com o princípio da não retroatividade que, de um modo geral, as leis, na dúvida, devem ser interpretadas. O que acaba de ser dito é aplicável em sede de interpretação do Decreto-Lei nº 388/2007, aqui em análise.

68. A exclusão do espaço a que dizia respeito a concessão outorgada à D..., S.A. da área de intervenção do Programa Polis há-de ter por consequência a extinção da propriedade da G..., S.A. e consequente repristinação da afetação do referido espaço ao domínio público do Estado, sob a jurisdição da APDL.

69. Não se vê, porém, que tal fenómeno possa ou deva ter um efeito retroativo. E muito menos que a esse fenómeno tenha de estar ligada a repristinação do contrato de concessão que ligava a APDL à D..., S.A. e, mais do que isso, a sua repristinação retroativa.

70. Se o legislador de 2007 optou por excluir da área de intervenção do Programa Polis na cidade de ... a referida faixa ribeirinha, foi porque circunstâncias supervenientes o conduziram à conclusão de que não se justificava a apropriação efetiva do espaço em causa pela G..., S.A., em ordem à respetiva requalificação. O que, explicando a solução, confirma que não se justifica a sua retroatividade.

71. De onde se conclui que, durante o período que precedeu a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 388/2007, é entre D..., S.A. e G..., S.A., por um lado – enquanto entidade que se manteve na exploração e entidade que assumiu a titularidade do espaço em causa –, e entre G..., S.A. e APDL, pelo outro – enquanto entidade que assumiu a titularidade do espaço e entidade que se viu privada dessa titularidade –, que se devem definir os termos do respetivo relacionamento. Isto, naturalmente, sem prejuízo da reversão do espaço para o domínio público, sob a jurisdição da APDL, que decorreu da entrada em vigor daquele diploma e do que, na sequência disso e, portanto, uma vez tendo saído de cena a G..., S.A., venha a ser determinado por quem de direito quanto à respetiva destinação futura.

EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS

72. Nos termos do artigo 428.º, n.º 1, do CC: «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou oferecer o seu cumprimento simultâneo.»

73. Mesmo que esteja o cumprimento das prestações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá sempre ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efetuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro.

74. É entendimento unânime da doutrina que o instituto da exceção do não cumprimento do contrato – artigos 428.º a 437.º do C. Civil – opera também nos casos de incumprimento parcial, de cumprimento defeituoso e de prestação defeituosa e ainda nos casos em que se verifique, simultaneamente, um cumprimento defeituoso e uma prestação defeituosa.

75. In casu: não subsistem dúvidas, face à matéria provada, que «no período temporal decorrido até à data da propositura da presente ação correram diversas vicissitudes que alteraram, em aspetos relevantes, a área e o estabelecimento da concessão e afetaram a respetiva exploração - algumas delas causadas pela intervenção pública, quer da APDL, quer da G..., S.A., quer da própria CÂMARA MUNICIPAL DE ... e outras decorrentes de causas naturais ou objetivas.

76. Tal significa que, nas circunstâncias dos autos, a recusa da ré em pagar o preço reclamado pela Autora deverá ser considerada legítima, tudo sem prejuízo de quando a Autora satisfazer aquilo a que estava obrigado e demandar novamente a ré, nessa situação a exceção non adimpleti contractus já não atuar.

77. A decisão arbitral violou as normas legais citadas pelo que, o Acórdão do TCAN não pode manter-se, pois manteve as contradições existentes naquela primeira decisão.

(…)”.

6. Ambos os recursos foram julgados improcedentes por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.04.2121, do qual se extrai o seguinte:
“(…)

I) DA INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA SUCESSÃO LEGISLATIVA – CONCLUSÕES 9 a 13

Sustenta a recorrente a inconstitucionalidade da aplicação da sucessão legislativa por, no seu entender, a sucessão legislativa ter abalado a certeza e segurança jurídicas que pudessem existir na esfera da recorrente quanto ao contrato de concessão, tendo sido ferido o princípio basilar do Estado de Direito Democrático previsto no artº 2º da CRP.

Ora esta alegação, da forma, como foi apresentada, apenas foi suscitada em sede do presente recurso de revista, pelo que, tratando-se de questão nova, não pode no âmbito da presente revista ser apreciada, sendo certo que, mesmo que o pudesse ser nunca seria procedente dado que o recorrente não aponta em concreto quais as normas dos referidos diplomas legais que a seu ver padecem de inconstitucionalidade.

(II) PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO – DECISÕES SURPRESA – CONCLUSÕES 14 a 18

Neste tocante, alega a recorrente que a interpretação jurídica que foi seguida pelo Tribunal Arbitral e confirmada pelo acórdão recorrido, é ilegal por consubstanciar uma decisão surpresa e, nessa medida, ter a questão sido decidida sem que previamente as partes tenham tido oportunidade de se pronunciarem sobre a questão de direito da causa.

Mais uma vez, estamos perante questão nova que não foi objecto de alegação perante o tribunal de apelação e por isso, não foi analisada e decidida.

Daí que esteja fora de apreciação do objecto do presente recurso de revista.

(III) DA (IN)COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL

CONCLUSÕES 19 a 26

No que respeita a esta excepção, o acórdão recorrido pronunciou-se nos seguintes termos: «Foi proferido despacho saneador que decidiu pela competência do Tribunal Arbitral, o qual foi objecto de recurso, que não foi aceite, tendo a rejeição do recurso sido objecto de reclamação para o Árbitro Presidente, que remeteu a reclamação para este Tribunal e, por decisão do ora Relator, foi indeferida a reclamação e mantido o despacho que não admitiu o recurso, tendo, como tal, transitado em julgado o decidido no despacho saneador quanto à competência do Tribunal Arbitral».

E de facto, assim é.

A competência do Tribunal Arbitral mostra-se definitivamente fixada na ordem jurídica por despacho de 07.12.2012 proferido em sede de reclamação, pelo relator do acórdão recorrido, já não podendo ser objecto de recurso no âmbito da presente revista.

(IV) DO OBJECTO DA ACÇÃO vs CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM

CONCLUSÕES 27 a 31

Neste segmento, que também foi objecto de análise e decisão no acórdão recorrido, é manifesto que não assiste razão à recorrente, bastando para tanto atentar no que no acórdão recorrido se deixou consignado e que subscrevemos:

«Ora, a Demandante APDL assentou a sua causa de pedir naquela que tem sido a forma como as partes vêem o contrato e o vão materializando, terminando por pedir que, uma vez reconhecida a constância do contrato e fixados os direitos e obrigações das partes, fosse a Demandada, em consequência, condenada a pagar determinado montante.

Uma acção de condenação pressupõe que seja reconhecido o direito do peticionante, o que nesta situação – que apesar de longa, é simples – se traduz em reconhecer o modo como o contrato tem vindo a ser aplicado e, por isso, executado nos seus termos.

E seria o Tribunal Arbitral quem teria de se pronunciar sobre a constância do Contrato.

Ou seja: a situação emergente do Contrato de Concessão abrange, naturalmente, as questões da sua vigência e, por conseguinte, da sua aplicabilidade e da sua execução que pressupõe a respectiva interpretação.

E a definição jurídica dessa situação emergente do Contrato de Concessão abrange, seguramente, a questão da sua aplicação e da sua execução, definindo-se se está em vigor e, por isso, se tem aplicação, e definindo-se a situação jurídica do ponto de vista da sua execução: estava ou não a Demandada A……….. a cumprir os termos do Contrato e, se não estivesse, qual o incumprimento em que ocorria?

A definição jurídica do incumprimento deve, necessariamente, abranger a definição da responsabilidade da Demandada – e, por isso, a consequência da condenação no cumprimento, como foi peticionado.

A execução da condenação no cumprimento é que é coisa diversa e não foi peticionada – nem aqui tinha de o ser.

Oportunamente e face à definição jurídica da responsabilidade da Demandada, ora Recorrente, pelo incumprimento, com a respectiva condenação ao cumprimento, a Demandante, ora Recorrida, decidirá da sua execução – sendo esse, naturalmente, outro contexto.

Não podia, pois, proceder a excepção invocada, como bem decidiu o Tribunal Arbitral, com inatacável fundamentação.

Alega a demandada A…….….. que o objecto da acção exorbita do âmbito da previsão da cláusula 26.ª do contrato de concessão sub-judice (convenção de arbitragem), com a precisão operada através da notificação efectuada pela APDL (ora demandante) ao abrigo do disposto no artigo 11º da Lei nº 31/86 (LAV). Precisão essa, traduzida na circunscrição do mesmo à «definição da situação jurídica da situação emergente do contrato de concessão do direito de exploração turístico-hoteleira do terrapleno adjacente ao Cais de ...», sendo que a A…….….., na respectiva resposta, «declarou não pretender a sua ampliação».

Vejamos:

Nos termos da citada cláusula 26, «todas as questões emergentes da aplicação, interpretação, execução e rescisão do presente contrato serão resolvidos por tribunal arbitral».

Esta Cláusula compromissória manteve-se intocada na sua redacção com o "contrato adicional ao contrato de concessão" celebrado entre a APDL e a A…….….. em 17.01.2001, portanto já depois da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 330/2000 (01.01.2001).

É sabido que o objecto da acção se molda pela causa de pedir e pelo pedido enunciados pelo demandante na petição inicial.

A causa de pedir da presente acção de condenação (facto jurídico de que dimana o pedido) é o contrato administrativo de concessão celebrado em 03.03.2000 entre a APDL e a sociedade B…….., SA (esta última depois sucedida por A…….….., por escritura pública de 06.03.2000).

O pedido traduz-se, essencialmente, na condenação da A…….….. a reconhecer a plena vigência (manutenção em vigor) desse contrato de concessão desde 03.03.2000, «ou, em alternativa, ser declarada em vigor uma relação contratual em todos os seus termos idêntica à desse contrato de concessão», bem como - na sequência da também reclamada declaração da sua subsistência - no pagamento do montante das respectivas contrapartidas (taxas) alegadamente em dívida.

Configura-se, por conseguinte, um litígio que indubitavelmente integra a previsão da sobredita cláusula (compromissória) genérica, já que radica em «questões emergentes da aplicação, interpretação, execução e rescisão» daquele contrato.

Torna-se, aliás, patente, para qualquer destinatário médio, que a «definição jurídica da situação emergente do "contrato de concessão do direito de exploração do Cais de ...» encerra e contém em si (entre outras) todas e quaisquer questões relativas à aplicação e execução (cumprimento e incumprimento) desse contrato e do respectivo programa, mormente em decorrência da publicação sucessiva dos Decretos-Leis nº 330/2000, de 27.12, e 388/2007, de 30.11.

Conforme salienta a Demandante no artigo 7º da petição, o que importa é indagar se o contrato de concessão "nos exactos termos em que foi celebrado" «sempre esteve em vigor, se esteve mas deixou de estar ou se tendo estado em vigor e entretanto deixou de estar, mais tarde tornou a vigorar e com que efeitos».

Entre essas questões, pois, também a do apuramento da aventada situação de incumprimento pela APDL imputada à A…….…..- da inerente responsabilidade obrigacional, matéria, toda essa, que se insere na "definição da situação jurídica emergente do contrato de concessão".

Não poderia deixar de improceder, por conseguinte, a suscitada questão prévia.

Face ao exposto, e nada mais havendo a acrescentar, improcede esta excepção.

(V) DA INEXISTÊNCIA DE CAUSA PREJUDICIAL

CONCLUSÕES 32 a 37

Pretende a recorrente que uma acção que instaurou no TAF do Porto contra a ora recorrida e a G..., S.A., constitui causa prejudicial relativamente à presente acção arbitral, alegando, para o efeito, que naquela acção peticiona a condenação da G..., S.A. a pagar-lhe os danos sofridos e a sofrer como consequência adequada da extinção da concessão aqui em causa.

Tal acção administrativa especial deu entrada em juízo, como refere a A……… (cfr. o artigo 65º da contestação) no dia 12.11.2007, ou seja, antes da publicação do Decreto-Lei nº 388/2007, de 30.11, e da sua entrada em vigor – ora esse diploma determinou a correcção da área de intervenção do Programa Polis em ... e dela subtraiu a zona da concessão.

Se, até àquele dia 30.11.2007, atento o ordenamento jurídico aplicável, pudessem existir dúvidas, dissipadas ficaram a partir de então: o contrato de concessão sub judice sempre esteve fora do Programa Polis.

Em segundo lugar, a APDL só foi citada para essa acção administrativa especial no dia 2.09.2009, ou seja, muito depois da entrada em juízo da presente acção arbitral.

Por outro lado a causa de pedir na acção administrativa, e ao contrário do que a A…….….. afirma no artigo 54º da contestação, não é o contrato de concessão, - e nunca o poderia ser, porque a G..., S.A. não é parte nele.

Ou seja, não é o conteúdo obrigacional decorrente da sua celebração (essa é, na verdade, a causa de pedir nesta acção arbitral intentada pela APDL numa relação que é sua), mas sim a sucessão legislativa ocorrida até à publicação do Decreto-Lei 388/2007, principalmente a publicação do Decreto-Lei nº 330/2000, de 27.12, no qual a A…….….. alicerça toda a sua pretensão.

E causa prejudicial é aquela que tem por objecto uma pretensão que constitui pressuposto do pedido formulado na segunda acção; ou seja, quando a decisão de uma causa depende do julgamento de outra causa, quando na decisão prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução possa prejudicar a decisão a proferir, estamos diante de uma questão prejudicial que, de harmonia com o artigo 279º do Código de Processo Civil, pode determinar a suspensão da instância.

Ora, a questão colocada nos presentes autos respeita à análise do conteúdo obrigacional decorrente do contrato de concessão e o seu alegado incumprimento e já não com o ressarcimento de benfeitorias ou danos sofridos pela A……...

Ou seja, e como se refere e bem no acórdão recorrido, a presente acção insere-se no âmbito da responsabilidade contratual, enquanto que, a acção intentada no TAF do Porto se insere no âmbito da responsabilidade civil extra contratual por facto lícito, tendo por base um acto administrativo previsto em Decreto Lei.

Daí que se tenha consignado no acórdão recorrido: «Não se discute, pois, na sobredita acção administrativa «uma questão que seja essencial para a decisão da acção arbitral». Não se reveste de qualquer essencialidade para o conhecimento do objecto desta última acção (questões bilaterais emergentes da aplicação, interpretação e execução do contrato de concessão, nestas incluídas as suas eficácia e vigência, e a responsabilização pelo seu eventual incumprimento) a resolução da questão, dotada de inteira autonomia, da indemnização compensatória relativa aos danos emergentes ou lucros cessantes para a A…….. alegadamente advenientes de um acto unilateral de autoridade (de natureza extintiva) de autoria governamental.

A eventual procedência do pedido formulado pela A…….…..na acção administrativa não contende (de modo decisivo) com as questões de fundo relativas à subsistência (com eficácia ex tunc ou ex nunc) do contrato de concessão que a montante celebrou com a APDL; e daí que não constitua tal decisão "pressuposto" ou "condição" da decisão a proferir na presente acção arbitral.

Ademais, a acção administrativa foi proposta ainda no domínio do Decreto-Lei n.º 330/2000 de 27.12, mais propriamente em 12.11.2007, ainda, pois, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30.11, diploma este último que veio determinar a área de intervenção do "Programa Polis" em ..., dela subtraindo a área objecto de concessão à A…….…... Quadros jurídicos cuja diferenciação se torna evidente.

De resto, a APDL apenas foi citada para essa acção administrativa em 02.09.2009, cerca de dois anos depois do facto gerador da instância (1211.2007). E o acto de proposição (ou de propositura) da acção não produz efeitos (substantivos e adjectivos) em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário» (cfr. o n.º 2 do artigo 267.°), tudo se passando, deste modo, como se a acção administrativa haja sido intentada em momento ulterior ao da instauração da acção arbitral.

Ainda que assim não se entendesse, não se justificaria a suspensão da presente causa por a mesma estar em situação muito avançada.

Tal como decidido, não se justifica a suspensão da instância.

Tal decisão é para manter, pois, face aos fundamentos supra transcritos, que aqui se acolhem, não se mostram preenchidos os requisitos que justifiquem a suspensão da instância por verificação de qualquer causa prejudicial (cfr. artº 279º do CPC), independentemente do que foi decidido na acção que corre termos no TAF do Porto.

(VI) DA LITISPENDÊNCIA

CONCLUSÕES 38 a 43

Defende ainda a recorrente que a não haver prejudicialidade da causa, haverá litispendência nos termos do disposto nos artºs 494º, al. a), 497º e 498º do CPC.

A litispendência verifica-se sempre se verifique a repetição de uma causa, havendo acção idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

Ora, no caso de que nos ocupamos e tendo por referência a acção intentada no TAF do Porto, verifica-se que, não só não existe identidade de sujeitos, pois a G..., S.A. não é parte na presente acção, nem há identidade de pedidos, dado que nesta acção arbitral a APDL pede que a A……… seja condenada a reconhecer a vigência do contrato de concessão (ou de idêntica relação contratual) e no pagamento da rendas vencidas e não pagas, enquanto que, na acção que corre no TAF do Porto, quem peticiona o pagamento das rendas (a título subsidiário) é a G..., S.A..

É quanto basta, para além dos argumentos aduzidos no acórdão recorrido, para se concluir que não se verifica a excepção da litispendência, assim improcedendo este segmento recursivo.

(VII) DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA

CONCLUSÕES 44 a 50

Reitera a recorrente na presente revista que o acórdão recorrido não conheceu das excepções por si deduzidas e que se prendem com a questão do apuramento da aventada situação de incumprimento pela APDL imputada pela A…….….. e da inerente responsabilidade obrigacional.

Porém, não lhe assiste razão nesta arguição de nulidade, uma vez que o acórdão recorrido, socorrendo-se do afirmado no acórdão arbitral, foi explícito na confirmação da inexistência da nulidade por omissão de pronúncia, tendo deixado ficar bem claro que a demandada não formulou qualquer pedido autónomo, por via reconvencional, pelo que, não pode agora pretender que não foram apreciadas questões que não suscitou; e desta forma, pode existir erro de julgamento, mas não existe a assacada nulidade.

(VIII) DA CADUCIDADE DO CONTRATO

CONCLUSÕES 51 a 61

(IX) A APLICAÇÃO DO DL Nº 388/2007 DE 30 DE NOVEMBRO

CONCLUSÕES 62 a 71

(X) DA EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS

CONCLUSÕES 72 A 77

Estas questões, porque se referem ao mérito da causa, serão analisadas no seu conjunto, sendo que o acórdão recorrido seguindo a posição veiculada no acórdão arbitral decidiu pela subsistência do “Contrato de Concessão” e, em consequência, reconheceu que a concessionária A………. tem o direito à manutenção do contrato de concessão, em idêntica similitude com a APDL enquanto concedente, não podendo esta declarar extinto o contrato, nem estando obrigada à celebração de novo contrato, nem à inerente abertura de um procedimento concursal para o efeito; e conclui que “subsiste, nesta data, plenamente válido e eficaz o contrato administrativo de concessão, celebrado entre a APDL (como concedente) e a A…….. (como concessionária), com data de 3 de Março de 2000, depois modificado pelo contrato adicional outorgado entre as mesmas partes em 17.01.2001”.

Vejamos se assim é.

*

2. 2. O DIREITO

A causa de pedir da presente acção de condenação (facto jurídico de que dimana o pedido) é o contrato administrativo de concessão celebrado em 03.03.2000 entre a APDL e a sociedade B………., SA (esta última depois sucedida por A…….….., por escritura pública de 06.03.2000).

O pedido traduz-se, essencialmente, na condenação da A…….….. a reconhecer a plena vigência (manutenção em vigor) desse contrato de concessão desde 03.03.2000, «ou, em alternativa, ser declarada em vigor uma relação contratual em todos os seus termos idêntica à desse contrato de concessão», bem como - na sequência da também reclamada declaração da sua subsistência - no pagamento do montante das respectivas contrapartidas (taxas) alegadamente em dívida.

Em termos legislativos, importa ter em consideração o seguinte quadro normativo:

Através da Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2000, de 15.05, o Governo aprovou o chamado “Programa Polis - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades", em ordem a "valorizar as cidades portuguesas e melhorar a qualidade do ambiente urbano”.

Na sequência dessa aprovação, o DL nº 119/2000, de 04.07, entrado em vigor no dia 5 do mesmo mês (artº 8°), veio delimitar o âmbito territorial das “respectivas zonas de intervenção” com vista a “criar as condições necessárias para o arranque dos trabalhos”, estabelecendo, no seu artº 1º que “as zonas” reservadas às intervenções previstas pelo “Programa Polis”, correspondem às que se encontram delimitadas nas plantas em anexo ao presente diploma e que dele fazem parte integrante”.

As iniciativas previstas concretizar de imediato abrangiam, entre outros, o território municipal do concelho ..., de acordo com a planta topográfica a pág. 2896 do Diário da República, 1 Série-A, nº 152, daquela data.

O diploma em causa, “para além de aprovar a localização e delimitação das diferentes áreas de intervenção”, procedeu ainda, em conformidade com os artigos 7° e 8° do DL nº 794/76, de 05.11”, «à definição de medidas preventivas de utilização do solo urbano a afectar à realização das intervenções».

Seguiu-se àquele diploma, o DL nº 314/2000, de 02.12, entrado em vigor em 07.12.2000, o qual veio “adoptar um conjunto de medidas excepcionais e delimitadas no tempo, quando consideradas imprescindíveis ao êxito da realização do programa de qualificação urbana” (cfr. respectivo preâmbulo). Diploma este que, depois de consagrar, no seu artigo 2°, relevante interesse público nacional da realização das intervenções aprovadas ao abrigo do Programa Polis, “como instrumentos de reordenamento urbano, valorização urbanística e ambiental de espaços urbanos”, veio instituir os chamados “instrumentos de gestão territorial” ao dispor, no nº 1 do respectivo artigo 3°, o seguinte: «Os planos de pormenor e os planos de urbanização de cada uma das zonas de intervenção legalmente definidas no âmbito do “Programa Polis” serão sujeitos a aprovação pela assembleia municipal, no prazo de 30 dias após a conclusão da fase de discussão pública dos mesmos e, quando a lei o determine, a ratificação governamental, no prazo de 30 dias após a aprovação pela assembleia municipal”.

O DL nº 330/2000, de 27.12, entrado em vigor em 01.01.2001, refere expressamente que o “Programa Polis” visava “a recuperação urbanística e ambiental de uma extensa área, a qual respeitaria a terrenos integrados no domínio público do Estado, sob jurisdição de diversas pessoas colectivas públicas”, vindo a reconhecer que, “para se poder levar a cabo as intervenções programadas, haveria que proceder à desafectação das áreas atrás referidas, sem prejuízo de anteriormente se proceder à extinção de todas as concessões de bens dominiais e de todos os direitos de uso privativo sobre eles constituídos” (cfr. preâmbulo respectivo), prevendo ainda que, “as indemnizações a que houver lugar pela extinção de direitos de uso constituirão encargo das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis, às quais também caberá compensar as diversas pessoas colectivas públicas pelos prejuízos sofridos com a desafectação”.

Assim, no seu artº 1º, sob a epígrafe “Extinção de concessões e dos direitos de uso privativo de bens dominais”, dispõe:

“1- São extintas todas as concessões de obras públicas, de serviço público e de exploração de bens dominiais, bem como todos os direitos de uso privativo, constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei nº 119/2000, de 4 de Julho, e que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico.

2- São da responsabilidade das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis as indemnizações que, nos termos dos contratos de concessão referidos no número anterior, forem devidas em consequência da extinção das mencionadas concessões, bem como as indemnizações que, nos termos do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro, forem devidas pela extinção das concessões de uso privativo.

3- As obras realizadas pelos titulares de licenças ou concessões de uso privativo que tenham a natureza de instalações desmontáveis são removidas pelos respectivos proprietários no prazo que lhes for estabelecido pela respectiva sociedade gestora da intervenção do Programa Polis.

4- As obras realizadas pelos titulares de uso privativo, que tenham a natureza de instalações fixas ou de benfeitorias em instalações públicas, tornam-se propriedade do Estado, em caso de concessão, e são demolidas pelo respectivo titular no prazo que lhe for estabelecido pela respectiva sociedade gestora da intervenção do Programa Polis, em caso de licença, excepto notificação em contrário efectuada pela referida sociedade, sem direito a qualquer indemnização ao titular.

5- Sendo os demais contratos de concessão referidos no nº 1 omissos relativamente ao destino dos bens afectos ou integrados na concessão, estes revertem, em consequência da extinção da concessão, para o Estado.”

E, no seu artº 2º, sob a epígrafe “Desafectação do domínio público”, veio estatuir:

“São desafectados do domínio público do Estado os bens imóveis referidos no n.º 1 do art.º 1.º do presente diploma, os quais continuam sob jurisdição da pessoa colectiva pública a cujo domínio estavam sujeitos.”

Por seu turno, e no artº 3°, sob a epígrafe “Transmissão da propriedade”:

“1- Os bens imóveis referidos no artigo anterior são transmitidos para a propriedade das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis, para o que o presente diploma constitui título bastante, com dispensa de quaisquer outras formalidades, e destinam-se à realização do objecto social da mesma sociedade.

2- O presente diploma constitui, juntamente com a declaração das sociedades gestoras do Programa Polis em que se identifiquem os bens em causa, título bastante para a realização de quaisquer registos, a favor do Estado, na respectiva conservatória do registo predial, dos imóveis identificados nos artigos anteriores, bem como para efeitos de registo predial e de inscrição na respectiva matriz predial a favor das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis, os quais são feitos sem pagamento de quaisquer taxas ou emolumentos.”

Ainda, no seu artº 4º, subordinado à epígrafe “Compensação”:

“1- Cada uma das sociedades gestoras da intervenção do Programa Polis compensará as diversas pessoas colectivas públicas pelos prejuízos efectivos sofridos com a extinção das concessões e dos direitos de uso privativo previstos no artigo 1.º.

2- O valor da compensação será determinado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças, do Ambiente e do Ordenamento do Território e da tutela da pessoa colectiva pública que sofreu o prejuízo, tendo em atenção, nomeadamente, o valor das taxas que vêm sendo cobradas por aquela entidade pelos usos privativos ou concessões a que se refere o nº 1 do artigo 1º, determinado após dedução dos encargos correspondentes às receitas auferidas e ponderando a duração prevista de tais usos, sua precariedade e das concessões de exploração.”

Finalmente, no seu artº 5°, subordinado à epígrafe “Reversão e afectação definitiva”:

“1- Realizado o objecto social da sociedade gestora do Programa Polis ou extinta a mesma, os bens imóveis que tenham sido desafectados por via do presente diploma serão afectados ao domínio público do Estado, sem encargos ou responsabilidades.

2- A afectação referida no número anterior dispensa quaisquer formalidades, constituindo o presente diploma título bastante.

3- Os imóveis com possibilidade de utilização portuária poderão ver a mesma reconhecida por despacho conjunto do Ministro do Equipamento Social e do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, com o que reverterão para o domínio público do Estado, sob jurisdição da respectiva administração portuária.”

Neste enquadramento e sequência legislativa, e em execução do DL nº 330/2000, o DL nº 70/2001, datado de 24.02, entrado em vigor em 01.03.2001, foi instituída a sociedade G..., S.A. do “Programa Polis” em ..., «tendo por objecto a gestão e desenvolvimento a realizar na zona de intervenção de ... daquele Programa e tendo como prerrogativa o direito a utilizar, fruir e administrar os bens do domínio público e do domínio privado que estivessem ou viessem a estar afectos ao exercício da sua actividade».

Passaria a G..., S.A., a partir daquela data de 01.03. 2001, «a gerir e a coordenar o investimento a realizar na zona de intervenção de ..., onde se insere a área concessionada» pela APDL à A…….…... Sociedade essa que assumiria a natureza de uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (artº 1º, nº 1), regida “pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado (DL nº 558/99, de 17 de Dezembro), pelo presente diploma e pelos seus estatutos” (nº 2), tendo por objecto “a gestão e coordenação do investimento a realizar na zona de intervenção de ..., no quadro do Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades, Programa Polis, promovido pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, bem como, o desenvolvimento de acções estruturantes em matéria de valorização e requalificação ambiental e urbana, dinamização de actividades turísticas, culturais e desportivas e outras intervenções que contribuam para o desenvolvimento económico e social da respectiva área de intervenção” (nº 3).

Em anexo ao diploma foram publicados os “Estatutos” da G..., S.A., sendo que, no respectivo capital social participariam o Estado e o município ... na proporção de 60% e de 40% respectivamente (cfr. artº 5º dos Estatutos).

Por seu turno, em sede de “exposição de motivos” do DL nº 70/2001, de 24.02, fez-se constar:

A instituição da G..., S.A. foi declaradamente inspirada na “experiência bem sucedida que constituiu a iniciativa da Exposição Mundial de Lisboa, Expo 98, no âmbito da qual se procedeu a uma requalificação e reordenação urbana de grande significado na cidade de Lisboa, para a qual muito contribuíram os esforços coordenados da administração central e dos municípios de Lisboa e de Loures e a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos constituída para a gestão e reorganização do espaço urbano” (cfr. preâmbulo do diploma). Com vista ao cumprimento de tais objectivos, considerava o diploma «como relevante a possibilidade de contar com a colaboração de entidades com experiência e conhecimento relevantes no âmbito de intervenções de requalificação e reordenamento de espaço urbano, designadamente na elaboração ou concepção dos planos de urbanização e de pormenor subjacentes à intervenção a realizar, ou na designação e coordenação das entidades encarregadas da elaboração dos mesmos, bem como na coordenação de procedimentos e concursos destinados à execução de trabalhos e obras ou prestação de serviços, sem prejuízo da autonomia contratual de que se encontra dotada a sociedade constituída pelo presente diploma” (cfr. preâmbulo do diploma).

No artº 2° do citado DL nº 70/2001, subordinado à epígrafe “Procedimento”, consignou-se que “as intervenções a realizar pela G..., S.A., no âmbito das actividades definidas pelo artigo anterior, estão subordinadas à elaboração de um plano estratégico, a realizar pelo município ... e pela P..., S. A., sob proposta do G..., S.A. e aprovação pelos accionistas” (nº 1). Tal plano estratégico, definiria “a sequência de actos e especifica as áreas e a natureza das intervenções a realizar ao nível local” (nº 2).

E, no artº 6º, sob o título “Deveres especiais de informação”, cominava-se mesmo ao conselho de administração da sociedade ou quem esta designasse, o dever de “enviar trimestralmente ao Ministro das Finanças e ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e ao Presidente da ... um relatório sumário contendo a descrição da evolução da actividade face ao programado, os eventuais desvios e os controlos efectuados para sua correcção ou diminuição” (nº 2).

Assim se manteve o quadro legislativo relativo ao “Programa Polis” até à publicação do DL nº 389/2007, de 30.11, entrado em vigor a 05.12 desse mesmo ano, cujos considerandos foram os seguintes:

«O Decreto-Lei nº 119/2000, de 4 de Julho, aprovou a localização e delimitação de diferentes áreas de intervenção do Programa Polis - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2000, de 15 de Maio.

A delimitação da área de intervenção no âmbito do Programa Polis em ... integrou inicialmente a zona da faixa ribeirinha entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...».

«Actualmente, com um conhecimento mais rigoroso de toda a área de intervenção, não se contemplam quaisquer acções na referida faixa ribeirinha, em virtude da mesma já ter sido objecto de requalificação anterior, mostrando-se assim preenchidos os objectivos de requalificação urbana e valorização ambiental do Programa Polis. Nestas condições, toma-se necessário proceder às devidas correcções de forma a subtrair a referida área da zona de intervenção, através da alteração da planta de delimitação da zona reservada à intervenção do Programa Polis em ..., publicada em anexo ao citado Decreto-Lei nº 119/2000, de 4 de Julho».

Assim, e em conformidade, passou esse diploma a estatuir em artigo único:

“1- No anexo do Decreto-Lei nº 119/2000, de 4 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Leis nºs 319/2000, de 14 de Dezembro, 203-B/2001, de 24 de Julho, 251/2001, de 21 de Setembro, 318/2001, de 10 de Dezembro, 103/2002, de 12 de Abril, 212/2002, de 17 de Outubro, 314/2002, de 23 de Dezembro, 161/2004, de 2 de Julho, 149/2005, de 30 de Agosto e 232/2006, de 29 de Novembro, é substituída a planta relativa à zona de intervenção em ....

2- A planta referida no número anterior é publicada em anexo ao presente decreto-lei que dele faz parte integrante".

De realçar que o legislador, ao decretar, no artigo 2º do Decreto-Lei nº 330/2000, de 27.12, a “desafectação” do domínio público do Estado dos bens imóveis referidos no nº 1 do seu artigo 1º, teve o cuidado de salientar que tais imóveis continuariam (durante a execução do Programa Polis) «sob jurisdição da pessoa colectiva pública a cujo domínio estavam sujeitos» - no caso que ora nos interessa, da APDL.

Do mesmo modo que, no artigo 5º do mesmo diploma, deixou bem expresso que, uma vez «realizado o objecto social da sociedade gestora do “Programa Polis”, ou extinta a mesma, os bens imóveis que tenham sido desafectados, por via do presente diploma, serão afectados ao domínio público do Estado, sem encargos ou responsabilidades». Reconhece ainda, no nº 3 desse mesmo artigo 5º, que «os imóveis com possibilidade de utilização portuária poderão ver a mesma reconhecida por despacho conjunto do Ministro do Equipamento Social e do Ambiente e do Ordenamento do Território, com o que reverterão para o domínio público do Estado, sob jurisdição da respectiva administração portuária».

Vejamos:

O acórdão recorrido segue de perto o decidido no acórdão arbitral, e devemos desde já adiantar que não vemos motivos para discordar do ali decidido.

Com efeito, a redacção do DL nº 330/2000 de 27.12 contém uma estatuição normativa de carácter genérico e abstracto de “extinção” de “todas as concessões de exploração de bens dominiais e de todos os direitos de uso privativo constituídos sobre os imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo DL nº 119/2000 de 04.07, não concretizando, nem identificando, cada um dos contratos administrativos de concessão celebrados ao abrigo desse regime jurídico, nem tão pouco as concretas áreas de intervenção com determinação topográfica no terreno.

Daí que se tenha entendido, no acórdão arbitral e no acórdão recorrido, com o qual se concorda, que os artºs 2º e 3 do DL 330/2000 se apresentam em termos jurídicos como “norma habilitante” que obrigaria à prolação de um qualquer outro acto, legislativo, regulamentar ou administrativo, que viesse complementar ou concretizar de forma individualizada, cada um dos contratos de concessão em causa, de forma a poder-se dar acatamento ao comando legal “geral”.

De facto, só desta forma, seria possível aferir da legalidade das respectivas declarações de extinção quanto aos pressupostos de facto e de direito, máxime, para efeitos de eventual impugnação contenciosa [cfr. artº 180º, al. c) do CPC/91].

Por isso, se concorda e acompanha o que a este respeito se deixou consignado no acórdão arbitral e no acórdão recorrido, quando se refere:

«“O Decreto-Lei nº 119/2000, de 4 de Julho, (ele próprio concretizador das áreas de intervenção do "Programa Polis" aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2000, de 15 de Maio) e, ao consagrar as medidas preventivas e sua duração (artigos 2° e 7°) e também medidas expropriativas (artigo 5.°), funcionaria como um conjunto normativo que, na esteira de uma certa doutrina nacional, poderíamos qualificar como normas de valoração (de regulamentação ou primárias)", relativamente aos Dec-Leis nºs 330/2000, de 27 de Dezembro e 70/2001, de 24 de Fevereiro (instituidor da G..., S.A.), os quais encerrariam em si um conjunto de normas de organização, também chamadas de normas instrumentais ou secundárias (cfr. quanto a esta distinção, Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Coimbra, Almedina, 1968, p. 311). E especificamente os artigos 1.º a 3.º do Dec-Lei nº 330/2000, ora chamados à colação, como aquilo a que a doutrina alemã rotula de "normas facilitadoras" ou "simplificadoras" (Vereinfachungszwecknormen) - normas facilitadoras do alcance de um determinado desígnio legal -, já que visavam tornar possível a intervenção prevista de requalificação urbana e de valorização ambiental, no pressuposto da necessidade de tal extinção e de tal desafectação”.

“Deste modo, se bem que as aludidas "zonas de intervenção" se encontrassem genericamente identificadas pela aludida "habilitação (legal)", o certo é que só pela via de um concreto acto administrativo que ao abrigo dessa habilitação viesse a ser emitido - sempre passível de impugnação, na medida da respectiva lesividade - poderiam ser eficazmente assegurados e protegidos, quer o interesse público (a prosseguir pela entidade concedente), quer, e sobretudo, os direitos dos concessionários a título individual. Tratar-se-ia, porém, e sempre, com efeito, de uma declaração de extinção por iniciativa (unilateral) da Administração e por esta autoritariamente imposta, facto esse gerador da correspondente indemnização compensatória, em paralelismo com qualquer "rescisão" ou "resgate" operados pela Administração por conveniência do interesse público; e isto, por considerar que a actividade a desenvolver no terreno passaria a ter como entidade gestora uma terceira entidade de natureza público-empresarial”.

“Continha, assim, o citado Dec-Lei nº 330/2000 um mero quadro geral a ser casuisticamente integrado por cada contrato (de per si) individualmente considerado, não surtindo esse diploma eficácia extintiva automática ou ope legis. Isto pela razão de que - reitera-se - não era de dispensar a emissão por parte da autoridade pública materialmente competente de um «juízo de existência das situações, necessário para que se desencadeiem certos efeitos legais», acto-juízo esse algo similar àqueles que a doutrina italiana apelida de "accertamento constitutivo" (por contraponto a um mero atto di certezza), na medida em que a previsão abstracta da norma não dispensa um juízo concreto de subsunção (um acto voluntário) de verificação a emitir pela Administração em função dos fins da norma, acto esse em si mesmo produtor de efeitos jurídicos externos (cfr. acerca deste tipo de actos, M. S. Gianini, Diritto Amministrativo, volume 2º, 2ª ed., Giuffré, pp. 970 e ss). Actos «que traduzem verificações de factos ou de direitos, quando tais verificações sejam pressuposto necessário de situações jurídicas posteriores» (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 1.a ed., 1984, pp. 456-457)”.

*

Igualmente quanto à interpretação a fazer do disposto no DL nº 70/2001 de 24.02 que entrou em vigor em 01.03.2001 e que instituiu a G..., S.A., também se acompanha o que ficou consignado no acórdão arbitral e acórdão recorrido, no sentido de que, quanto ao procedimento a ser adoptado pela G..., S.A., para a execução do seu objecto ou escopo social, que o respectivo artº 2º subordinava as diversas intervenções, no âmbito das actividades definidas pelo artº 1º, à elaboração de um plano estratégico, a efectuar pelo município ... e pela P..., S. A., sob proposta do G..., S.A. e respectiva aprovação dos accionistas (cfr. artº 2º, nº 1).

Este plano estratégico definiria a sequência de actos e especificaria as áreas de intervenção e a natureza das mesmas a realizar a nível local (artº 2º, nº 1), ao qual se seguiriam os Planos de Pormenor que se mostrassem necessários, com a colaboração do município ....

A elaboração deste Plano tornava-se obrigatória e vinculativa para a G..., S.A. uma vez que era esse o documento (enquanto acto/pressuposto) que viria a concretizar a extinção das concessões e licenças na área intervencionada, valendo o mesmo como acto administrativo de declaração de extinção das concessões e autorizações em que operaria a desafectação do domínio público e a transferência da propriedade dos bens para as sociedades gestoras do “Programa Polis”: a data da declaração de desafectação e de transmissão a emitir pela G..., S.A., “em que se identifiquem os bens em causa” assim se concretizando o disposto no nº 2 do artº 3º do DL nº 330/2000 de 14.02.

Porém, este plano estratégico, que era uma condição imprescindível para a prossecução do objecto social da G..., S.A. (prevendo a área em causa), nunca foi elaborado; e nem sequer os respectivos planos operacionais que especificariam a sequência das actuações materiais concretas, o que se exigia, em função dos instrumentos de gestão territorial (planos de pormenor e de urbanização, relativos a cada uma das zonas de intervenção legalmente definidas no âmbito do Programa Polis, a que se refere o nº 1 do artº 3º do DL nº 314/2000 de 02.12, planos estes que estariam também sujeitos à aprovação da assembleia municipal).

Igualmente não seria possível proceder aos registos a que se refere o artº 3º, nº 2 do DL nº 330/2000, uma vez que não se sabia quais seriam os bens imóveis sujeitos a intervenção e integrados na concessão, dado não estarem concretizados num acto específico.

Com efeito, os artºs 1º a 3º do DL nº 330/2000 têm de ser interpretados em conformidade com os princípios constitucionais da proporcionalidade, necessidade e segurança jurídica (protecção da confiança) dado estarem em causa restrições de direitos subjectivos patrimoniais dos concessionários (ou titulares de licença) enquanto situações preexistentes e “consolidadas”, não podendo operar automaticamente (ope legis) a extinção das concessões e dos direitos dos particulares, a menos que tal se mostrasse estritamente necessário para a realização de uma finalidade pública específica, o que cremos não ser o caso.

Por outro lado, no caso sub judice mostra-se provado que não constava de qualquer plano estratégico ou plano operacional da G..., S.A., qualquer intervenção no “Cais de ...” que implicasse a extinção da concessão.

Daí que se tenha consignado no acórdão recorrido a este propósito:

«Constatação esta que claramente resulta do próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 388/2007, de 30.11, o qual, depois de reconhecer "torna[ndo]-se necessário proceder às devidas correcções", subtraiu aquela área da zona de intervenção do "Programa Polis" - diploma que deve, portanto, ser interpretado como rectificativo dos diplomas iniciais, com naturais efeitos retroactivos (a lei rectificativa - tal como a lei interpretativa - integra-se na lei rectificada, ex vi do n° 1 do artigo 13º do Código Civil (cfr., quanto a este ponto, Baptista Machado, Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, página 186).

E, concluindo, entende-se, como entendeu o acórdão arbitral ser “esta a interpretação das normas legais referidas que melhor se coaduna com os princípios constitucionais e com o espírito do sistema e que, nessa conformidade, leva a concluir que o contrato de concessão nunca chegou a extinguir-se no plano jurídico, apesar de não ter sido esse (em diversos momentos) o entendimento dos vários intervenientes, os quais, todavia, e na prática, justamente porque tal não se revelou necessário, não alteraram a realidade e nunca puseram em causa, no essencial, a subsistência da situação de facto correspondente à concessão”.

Tudo isto, reconhecendo o acórdão “as compreensíveis dificuldades de tal entendimento no seio da Administração Pública que, tradicionalmente, se considera vinculada a uma estrita legalidade formal. E torna-se mister não olvidar os cânones da hermenêutica jurídica genericamente plasmados nos nºs 1 a 3 do art.º 9º do Código Civil (CC): o intérprete «não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos legais, o pensamento legislativo (a mens legislatoris), sempre no pressuposto de que "o legislador consagrou as soluções mais acertadas", tendo-se sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (nº 1). Na realidade, justifica-se uma interpretação que tenha em atenção a razão de ser da norma e proceda a uma "redução teleológica" do alcance da restrição (cfr. F. J. Bronze, Lições de Introdução ao Direito, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2006, p. 920 e ss): extinguem-se as concessões e os direitos nos casos e na medida em que tal seja necessário para a requalificação urbana da zona delimitada. Isto sendo certo que a interpretação adoptada possui na letra dos preceitos de lei especificamente convocados "um mínimo de correspondência verbal" (nº 2).

E finaliza, chamando à colação, como adiante se verá, as soluções trazidas aos autos pela Demandante, ora Recorrida, na petição inicial: “A solução jurídica exposta sempre equivaleria, afinal, em resultado prático, aqueloutra que, partindo da caducidade ex-lege da concessão (alegadamente operada pelo Dec-Lei nº 330/2000), mas apoiando-se "na continuada "gestão de facto" da área concedida por banda da concessionária, consideraria como subsistente entre as partes uma espécie de relação contratual (inominada) com os mesmos contornos do contrato típico a montante celebrado, com base na circunstância de nenhuma delas ter posto em crise tal relação, bem como os termos da respectiva regulação. Contrato típico esse, que teria sido repristinado (com eficácia ex-tunc) por efeito da publicação do Dec-Lei nº 388/2007, de 30 de Novembro supra-citado».

No que respeita às actuações, no plano dos factos, da concedente e da concessionária, também acompanhamos o acórdão recorrido, que igualmente se socorre do acórdão arbitral ao consignar:

«(…) salienta-se, como o faz o acórdão arbitral, que, “sem embargo da sucessão legislativa supra descrita, jamais o contrato administrativo em apreço (causa de pedir no presente pleito) foi objecto de qualquer declaração rescisória ou resolutória por qualquer das (presentes) partes processuais” - antes, pelo contrário:” não obstante um certo "limbo" jurídico, melhor dizendo, uma certa indefinição do regime jurídico aplicável ao contrato de concessão em causa), propiciada primeiro pelo Dec-Lei nº 330/2000 e, depois, pelo Dec-Lei 70/2001 (instituição da G..., S.A.), sempre o comportamento dos contraentes (público e privado) se pautou, na prática e "no terreno", pela subsistência da relação jurídico-administrativa gerada pela relação contratual estabelecida em 3 de Março de 2000, e depois objecto do "contrato adicional”, outorgado entre a APDL e a A…….….. em 17 de Janeiro de 2001, o qual diferiu para 1 de Fevereiro de 2002 o início da obrigação do pagamento das taxas pela A…….., na qualidade de concessionária”.

E reforça-se que “esse contrato adicional datado de 17 de Janeiro de 2001 foi celebrado em data posterior à do início de vigência do Dec-Lei nº 330/2000, de 27 de Dezembro, entrado em vigor, como acima se deixou dito, em 1 de Janeiro de 2001; não podem, pois, as partes contraentes invocar o desconhecimento das eventuais implicações (mais ou menos drásticas) que a entrada em vigor desse diploma poderia representar para a execução e desenvolvimento do programa do contrato”.

Afasta-se, pois, a interpretação de que «com o início de vigência do Dec-Lei nº 70/2001, de 24 de Fevereiro, como que se teria operado uma substituição da entidade originariamente concedente (a APDL) pela G..., S.A., mediante a qual esta teria sucedido àquela nos respectivos direitos e obrigações (mesmo as de natureza contratual) e nos poderes públicos integrados na esfera de atribuições e na própria jurisdição da APDL, dado que não foi proferido o despacho previsto no art. 5° do Dec-Lei nº 314/2000, de 12 de Dezembro. Estas mesmas dúvidas parecem ter "assaltado", em dados momentos, não só a A…….., como também a G..., S.A. e mesmo a própria APDL (cfr., v. g .os pontos 13º, 15º, 33º e 35º do elenco da matéria de facto”).

E faz notar o acórdão que se é certo que “a própria APDL - à semelhança do que já havia feito a A…….….. - chegou mesmo a exercitar (desencadeando) o mecanismo/procedimento compensatório previsto no art. 4º do citado Dec-Lei nº 330/2000 contra a G..., S.A., mecanismo esse precisamente destinado «a compensar as diversas pessoas colectivas públicas pelos prejuízos sofridos com a extinção das concessões e dos direitos de uso privativo previstos no art.º 1º» - cfr. o ponto 29º da matéria de facto” pode dizer-se que “o accionamento de tal mecanismo pelas entidades pública e privada em causa terá sido feito por mera cautela (premonição), para evitar a preclusão (prescrição) do eventual direito à indemnização; mas o que se torna evidente é que uma das plausíveis interpretações dos sobreditos preceitos legais legitimava - até certo ponto - e à míngua da clarificação que se impunha por banda das entidades públicas e para-públicas envolvidas, uma atitude omissiva ou pelo menos contemplativa por banda da A…….….. na solvência das suas obrigações contratuais».

*

O DL 388/2007 de 30.11 veio reconhecer legalmente (com eficácia ex-tunc a inutilidade originária da execução do “Programa Polis”, na área concessionada, pelo facto de tal espaço/zona já se encontrar requalificada; esse facto, ou seja esse reconhecimento, abrangeu de forma implícita a subsistência da G..., S.A..

Mais uma vez, a este propósito, se refere no acórdão recorrido:

«(…) “a concessionária A…….., por certo para garantia do investimento entretanto realizado, manteve-se na concessão, embora nunca tenha chegado a efectuar o pagamento das correspondentes rendas periódicas (taxas de utilização), não obstante as tentativas que empreendeu no sentido de obter a revisão das condições contratuais, entretanto perturbadas. Fosse como fosse, era e sempre foi esse (a relação contratual de direito público que estabeleceu com a APDL) o único título que legitimava a ocupação e exploração do espaço objecto do contrato a montante celebrado por banda da A…….….., que não um qualquer acto de mera tolerância por banda da entidade concedente ou da própria G..., S.A. (cuja existência se revelou, afinal, efémera)”.

O que é confirmado, como o refere o Tribunal Arbitral, quando escreve “que nenhuma das entidades envolvidas sustentou que a extinção da concessão se revelava (à partida) necessária para a realização do PROGRAMA POLIS; do que sempre todas curaram foi de diligenciar por encontrar uma solução que desse cobertura jurídica à subsistência de facto da concessão, através da celebração de um novo contrato ou de novos termos contratuais - cfr. v.g. os pontos nº 13º a 25º da matéria de facto”.

Porque “a G..., S.A., por seu turno, nunca almejou ser titular da concessão, aparentemente em razão da sua transitoriedade existencial e das suas limitadas atribuições. De resto, todas as entidades públicas intervenientes, apesar da confusão instalada, sempre entenderam que era devida uma contrapartida (renda) pela exploração de facto, pelos operadores privados, do espaço concessionado, e que tal "renda" deveria ser paga à APDL (e até certo momento foi esse também o entendimento da concessionária A………) - cfr., v.g., os pontos 45º a 48º, 62º e 64º, da matéria de facto”.

Vem, a este respeito, assente em sede factual, como acentua o acórdão recorrido, que «desde o início da sua constituição (pelo Dec-Lei nº 70/2001) que a G..., S.A. assumiu que a área concessionada não devia estar sob a sua alçada, por se tratar de uma área objecto de requalificação urbanística e ambiental anterior e que cumpria as funções e objectivos a que se propunha o "Programa Polis”» - cfr. o ponto 45º da matéria de facto. A G..., S.A. mostrou-se cooperante com a APDL e a A…….….., não evidenciando alguma vez a sua vontade de considerar finda a relação de concessão estabelecida entre estas duas últimas entidades - cfr. o ponto 46º da matéria de facto.

Toda a actuação da G..., S.A. foi no sentido de considerar que a relação de concessão se mantinha de facto e de encarar a APDL como a contraparte com direito a receber as receitas resultantes da exploração, ou seja, como contraparte do direito de utilização (uso e exploração) que vinha (e vem) sendo exercido pela A…….….., esta última como titular dos direitos à ocupação e exploração que o "Contrato de Concessão" lhe atribuía - ponto 47º da matéria de facto. A G..., S.A. sempre afirmou que a APDL deveria continuar a ser a entidade concedente do espaço do Cais de ..., uma vez que a área em causa não carecia de qualquer intervenção urbanística - cfr. o ponto 48º da matéria de facto”».

Tendo todos estes pressupostos por assentes, efectivamente, importa concluir pela subsistência do “Contrato de Concessão” e, consequentemente, reconhecer-se que a concessionária A…….….. tem direito à manutenção do contrato e concessão, em idênticos moldes com a APDL enquanto concedente, não podendo esta declarar extinto o contrato; e nem estar obrigada à celebração de novo contrato, nem à inerente abertura de um procedimento concursal para o efeito, dado que subsiste plenamente válido e eficaz o “contrato administrativo de concessão” celebrado entre a cedente APDL e a A……… como concessionária, em 03.03.2000, depois de modificado pelo “contrato adicional” outorgado entre os mesmos intervenientes em 17.01.2001.

E, nestes termos, neste segmento recursivo, importa manter o decidido no acórdão recorrido.

*

RECURSO SUBORDINADO DA APDL

Relativamente à questão subjacente a este recurso, em que a APDL nega a mora da credora, vejamos o que se deixou consignado no acórdão recorrido:

«“As taxas (anuais) de utilização pelo uso privativo do domínio público a cargo da concessionária A…….….., foram contratualmente divididas em duodécimos, a liquidar (mensalmente) até ao dia 8 do mês anterior a que respeitassem, e fixadas nos valores de PTE 60.000.000, 72.000.000 e 84.000.000, respectivamente no segundo, terceiro e quarto anos, sendo, no quinto ano e seguintes, actualizadas anualmente, com referência a 1 de Janeiro de cada ano, por aplicação do coeficiente de actualização das rendas não habitacionais previsto no art.º 32º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro (cláusulas 17.1.e 17.2.do “Contrato Adicional”).

Nenhuma prestação foi efectuada desde 1 de Fevereiro de 2002, data a partir da qual se iniciariam os pagamentos pré-acordados, pelo que se encontram já em dívida todas as prestações desde aquela data já vencidas até 23 de Junho de 2009 - data da propositura da acção - no montante global de €3.113.742,21). A este montante seria ainda de acrescer, conforme o pedido, a quantia de €1.188.479,22, a título de juros de mora (às taxas comerciais) já vencidos até 15 de Junho de 2009.

A prova do pagamento das prestações vindicadas pela APDL (excepção peremptória extintiva) incumbia, de resto, à A…….….., por força do nº 2 do artº 342.º do CC.

Movemo-nos no domínio da responsabilidade contratual, pelo que há que aplicar, nesta sede, a título supletivo, as regras da lei geral (civilísticas) relativas à falta de cumprimento e à mora do devedor e do credor (art.ºs 798º e ss e 813º e 814º do CC), e designadamente o disposto no art.º 799º desse corpo normativo. Consagra, este último preceito, no seu nº 1, uma presunção legal de culpa, já que faz recair sobre o devedor o ónus de provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua.

Ora, é ao credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento; o que não necessita é de provar a culpa do inadimplente, face a essa presunção legal que dimana do art.º 799º do CC. Isto sendo certo que a culpa do devedor deve ser apreciada em abstracto, ou seja, como postula o nº 2 desse mesmo preceito «nos termos aplicáveis à responsabilidade civil», o que é o mesmo que dizer, pelo critério da «diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso» plasmado no nº 2 do art.º 487º, ainda do CC. E não restam dúvidas de que a A…….….. incorreu no facto ilícito do não cumprimento, já que faltou ao cumprimento da obrigação (pagamento das taxas de utilização pelo uso privativo de bens do domínio público, taxas essas que se foram vencendo segundo e em execução do programa do contrato, e de que era credora a entidade concedente APDL), sendo que «a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante» (art.º 769º do CC).

Mas será que o retardamento no cumprimento da prestação se deve imputar à concessionária A………? Ou deverá a referida presunção legal de culpa ter-se por ilidida?

Claro que seria difícil à A…….….., para adregar a exoneração da sua responsabilidade (a título de culpa), limitar-se a alegar a (sua) ignorância sobre qual a entidade realmente credora das “taxas” que entretanto se foram vencendo: se a APDL se a G..., S.A.. Isto porque a dúvida sobre a real entidade credora poderia ser suprida através do expediente da consignação em depósito» a que reporta o art.º 841º, nº 1, al. a), in fine, do CC. Consignação essa, todavia, saliente-se, de carácter facultativo (art.º 841º, nº 2, do CC), a qual teria sempre como base a alegação pela A…….. de que «sem culpa sua, não podia efectuar a prestação ou não poderia fazê-lo em segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor» (art.º 841º, nº 1, al. a) do CC) e a qual deveria ser operada através do meio processual específico regulado no artº 1024º e ss do CPC. Isto sem olvidar que qualquer obrigado médio, que é o suposto ser querido pela ordem jurídica, saberia (teria que saber) que a utilização de bens do domínio público como fonte de receitas próprias, teria que ter uma contrapartida a título de taxas de utilização da parcela dominial concedida, fosse qual fosse a entidade (pública ou parapública) realmente credora.

Da matéria de facto dada como assente emerge, contudo, claramente que, sem embargo de a A…….….., apesar de, partir de certo momento, invocar a caducidade do contrato celebrado com a APDL, ter continuado a desenvolver com normalidade o seu giro comercial no espaço concedido e apenas ter pretendido renegociar as condições da concessão, sempre continuou a pairar sobre o futuro do contrato a previsão da norma legal que cominava a extinção geral dos contratos congéneres (cfr. o sobredito art.º 1º do Dec-Lei nº 330/2000). Seria, por isso, sempre legítima a dúvida à A…….. sobre se, pagando mal, não teria, a final, que pagar duas vezes!... E não era seguramente à A…….….. que competia desfazer o “imbróglio jurídico” acima referido. Cabia, prima facie, à APDL, - tal como acima se concluiu – diligenciar junto das competentes autoridades públicas, pela obtenção do acto administrativo clarificador que se impunha; o que não chegou a ser feito!

O “imbróglio” jurídico em torno da definição da relação contratual foi causado pelo Estado, enquanto legislador, e pelas actuações e comportamentos erráticos das entidades públicas administrativas envolvidas, sem embargo de algumas diligências esparsas no sentido de alcançar uma solução para o problema.

Ademais, o contrato de concessão celebrado entre a APDL e a A…….….. nunca chegou a ser objecto de qualquer declaração expressa (específica) de caducidade, por via legal ou convencional, ou de qualquer declaração rescisória ou resolutiva, de carácter unilateral ou bilateral .

O tribunal, porém, procedendo ao que (em seu entendimento) considera ser a correcta exegese dos textos legais, concluiu (ex-post);

- que se impunha às entidades públicas envolvidas que houvessem providenciado, em tempo oportuno, pela prolação (por quem de direito) de um complementar acto de autoridade (acto clarificador) da necessidade da extinção da relação contratual em apreço, o que não foi feito pelas entidades administrativas com competência decisória na matéria;

- que dessa inércia resultou a situação de indefinição ou “limbo jurídico” a que vimos fazendo alusão;

- que o contrato se mantém plenamente válido e eficaz desde a data da sua celebração.

E quanto à mora no cumprimento das obrigações contratuais?

Encontrando-se em causa obrigações pecuniárias, nunca há incumprimento definitivo mas sim simples mora ou retardamento. Há mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo (art.º 805º, nº 2, al. a), do CC) o que sucede com as prestações periódicas fixadas no contrato sob apreciação. O devedor só se consideraria constituído em mora quando, por causa que lhe fosse imputável, a prestação, ainda possível, não fosse efectuada no tempo devido» (artº 804º, nº 2). Se a impossibilidade de cumprimento de uma obrigação pecuniária for temporária (mora não imputável) o devedor não responde pela mora no cumprimento (artº 792º, nº 1). A impossibilidade só se considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor (artº 791º, nº 2).

Deste modo, só se a causa da demora no cumprimento fosse devida a culpa da A………, é que esta responderia pelos danos que a mora trouxe à APDL; não lhe sendo imputável, não responderá por tais danos da mora; mas não ficará exonerado da obrigação principal visto ser (ter sido) transitório o obstáculo ao cumprimento» (artº 792º do CC). O efeito da impossibilidade temporária será, portanto, o de exonerar o devedor dos danos moratórios, mas só enquanto a impossibilidade perdurar» - (cfr. Antunes Varela, ob. cit., pp. 79-80).

Tudo sem perder de vista que não é aplicável à responsabilidade contratual o disposto no artº 494º do CC, ou seja, «limitação da indemnização no caso de mera culpa» - grau de culpabilidade» - fixação por equidade em montante inferior aos danos causados (Cfr. Antunes Varela, ob. cit., p. 99).

É certo que a A…….….., não alegou ex-professo a impossibilidade temporária ou transitória da obrigação de pagamento das taxas de utilização, mas toda a defesa que apresentou, no seu conjunto, por via de impugnação, aponta para uma tal conclusão.

Há, todavia, que reconhecer que uma interpretação literal dos textos legais em equação era susceptível de inculcar nos respectivos destinatários a ideia de que os contratos de concessão que directa ou indirectamente contendessem com o espaço geográfico dominial subjacente às aludidas normas caducariam de modo automático com a data da sua entrada em vigor. Seguem, inclusivamente, neste sentido, os doutos Pareceres Jurídicos juntos pela A…….….. já acima referenciados.

Não, era, assim, exigível à A…….….. enveredar (a montante) por uma tal interpretação, já que a interpretação literalista que perfilhou acerca da estatuição vertida no citado nº 1 do art.º 1º do Dec-Lei nº 330/200 era uma das interpretações possíveis ou plausíveis desse comando normativo. Daí que o tribunal deva concluir - como realmente conclui - que a culpa pelo retardamento no cumprimento da prestação (ou das prestações) em dívida, lhe não possa (a ela A…….…..) ser assacada, antes à entidade (credora) concedente APDL.

No caso sub-specie, a culpa pela mora (retardamento no pagamento das prestações em falta) deve, pois, ser atribuída ao credor, neste caso à concedente APDL, sendo que «o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, «não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação (art.º 813.º) e sendo que «durante a mora do credor, a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionais» (art.º 814º, nº 2). Não há culpa do devedor sempre que o não cumprimento seja imputável ao facto do credor ou de terceiro (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., Coimbra, Almedina, p. 99).

Não são, assim, de exigir à demandada A…….….. quaisquer quantias a título de juros de mora vencidos até à data da notificação da presente decisão, já que - face à consideração supra de incumprimento transitório ou temporário não imputável - a data da notificação da sentença valerá como dies a quo relevante para a exigibilidade dos juros de mora vincendos correspondentes às prestações (rendas) mensais já vencidas (em singelo) até à data da instauração da presente acção arbitral (23 de Junho de 2009)”».

Concordando com o assim decidido e porque a recorrente em sede de alegações, nada inova em relação ao já alegado nos autos, importa concluir que o atraso no pagamento resultou, na sua essência, da situação legislativa de dúvida, aceitável e compreensível, sobre a existência e os exactos contornos da dívida, situação esta imputável em primeiro grau à falta de clareza na legislação aplicável, como supra se deixou enunciado.

Atento o exposto, nega-se provimento a ambos os recursos (principal e subordinado), mantendo-se na ordem jurídica o acórdão recorrido.

*

3. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento aos recursos interpostos (principal e subordinado).

Custas a cargo das recorrentes, em cada um dos recursos.

(…)”.

7. Deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo foi interposto pela D..., S.A. recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15.11 (Lei do Tribunal Constitucional), do qual se extrai o seguinte (ver SITAF):


«(…) A questão cuja inconstitucionalidade foi suscitada é a aplicação da sucessão legislativa relativa aos denominados Programas POLIS ao caso aqui em apreço, uma vez que se encontra em causa a caducidade ou não de um contrato de concessão, decorrente da publicação do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, que determinou a extinção da correspondente concessão, a que veio suceder o Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30 de novembro, que desafetou a zona da faixa ribeirinha compreendida entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...» da área de intervenção no âmbito do Programa Polis na cidade de ....

Ora, como é bom de ver, existiu uma série de produção legislativa que abalou, de modo inegável, a segurança e certeza jurídicas da Recorrente, no sentido de que tal sucessão legislativa viola os princípios da certeza e segurança jurídicas, previstos no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

Ou seja, com a publicação do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, criou-se na esfera jurídica da Recorrente, na qualidade de BB, uma convicção de que o contrato de concessão se havia extinguido, expectativa essa que veio a ser gorada com a (muito) posterior publicação do Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30 de novembro.

Assim, torna-se inequívoco que existe uma questão de inconstitucionalidade desta sucessão legislativa, que foi suscitada, nos termos e com o alcance que se pretende sindicar, pela Recorrente nas alegações de recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal Administrativo, sendo certo que tal questão não foi conhecida por aquele douto Tribunal.

Nos termos do disposto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa."

A verdade é que esta sucessão legislativa outra coisa não veio fazer senão abalar toda e qualquer certeza e segurança jurídicas que pudessem existir na esfera jurídica da Recorrente quanto a este contrato de concessão.

Nessa conformidade, foi ferido o princípio basilar do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.º da CRP, bem como os princípios da segurança e certeza jurídicas, pelo que a aplicação desta sucessão legislativa encontra-se ferida de inconstitucionalidade.

(…).»

8. Pela Decisão Sumária n.º 404/2021, de 16.06.2021, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer o objecto desse recurso, com base na seguinte fundamentação:

«(…)

4. Analisado o requerimento de interposição de recurso, rapidamente se verifica que em momento algum vem enunciada, com rigor, uma norma ou interpretação normativa que possa constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade. Pelo contrário, a recorrente limita-se a mencionar os Decretos-Leis n.º 330/2000, de 27 de dezembro e n.º 388/2007, de 30 de novembro, invocando a «inconstitucionalidade desta sucessão legislativa».

Acresce que nas alegações de recurso apresentadas ao tribunal recorrido – peça em que a recorrente alega ter suscitado a questão de inconstitucionalidade –, a questão foi formulada em termos igualmente imprecisos (cf., em especial, as conclusões 9-13 das alegações de recurso). Tanto assim é, que o tribunal a quo, apesar de ter decidido não conhecer a questão, afirmou no acórdão recorrido que a alegada inconstitucionalidade «nunca seria procedente dado que o recorrente não aponta em concreto quais as normas dos referidos diplomas legais que a seu ver padecem de inconstitucionalidade».

É, pois, evidente que a recorrente não cumpriu o ónus de identificar com precisão o objeto do recurso, nem de suscitar a questão de inconstitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer», tal como prescrito no n.º 2 do artigo 72.º da LTC. A deficiente identificação do objeto do recurso prejudica, por sua vez, a verificação da necessária coincidência entre as normas objeto do recurso e a ratio decidendi do acórdão recorrido.

Como tal, resta concluir, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, que não pode ser conhecido o objeto do presente recurso.

(…)»

9. A D..., S.A. apresentou então reclamação desta Decisão Sumária para a conferência, nos seguintes termos:

«(…)

1. A Reclamante apresentou requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 8/..., pretendendo a averiguação da constitucionalidade das seguintes questões:

Da interpretação dada à sucessão legislativa relativa aos denominados Programas POLIS ao caso aqui em apreço, uma vez que se encontra em causa a caducidade ou não de um contrato de concessão, decorrente do publicação do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, que determinou a extinção da correspondente concessão, a que veio suceder o Decreto-Lei n,° 388/2007, de 30 de novembro, que desafetou a zona da faixa ribeirinha compreendida entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...» da área de intervenção no âmbito do Programa Polis na cidade de ....

2. Por decisão sumária datada de 16/06/2021, decidiu o Tribunal Constitucional pela não admissão do recurso de constitucionalidade interposto, uma vez que considerou que "...se verifica que em momento algum vem enunciada, com rigor, uma norma ou interpretação normativa que possa constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade. Pelo contrário, a recorrente limita-se a mencionar os Decretos-Leis n.º 330/2000, de 27 de dezembro e n.º 388/2007, de 30 de novembro, invocando a «inconstitucionalidade desta sucessão legislativa».''.

3. Em suma, considerou este colendo Tribunal que "É pois, evidente que a recorrente não cumpriu com o ónus de identificar com precisão o objeto do recurso, nem de suscitar a questão de inconstitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer»."

4. A reclamante reconhece a excecionalidade da admissão de Recursos no Tribunal Constitucional,

5. no entanto, não pode conformar-se com a decisão sumária proferida.

6. Com efeito, considerou o Colendo Senhor Juiz Relator que a questão trazida aos autos não identificava, de forma clara e precisa, a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada.

7. Sucede, no entanto, que no caso em apreço o que se encontra em causa é uma sucessão legislativa relativa à prossecução do Programa Polis - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.? 26/2000, de 15 de maio.

8. Essa sucessão legislativa tem de ser tido em consideração na totalidade e não apenas tendo em conta uma norma constante dos Decretos-Lei em questão.

9. A sucessão legislativa em causa tem de ser vista como um todo e não apenas como uma parte, e por essa razão não foi discriminada uma norma em concreto.

10. Na verdade, a publicação do Decreto-Lei n° 330/2000, de 27 de dezembro determinou a extinção de obras públicas, de serviço público e de exploração de bens dominiais, bem como todos os direitos de uso privativo, constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de julho, e que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico.

11. A este Decreto-Lei veio suceder o Decreto-Lei n° 388/2007, de 30 de novembro, que desafetou a zona da faixa ribeirinha compreendida entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...» da área de intervenção no âmbito do Programa Polis na cidade de ....

12. Sucede, no entanto, que o Decreto-Lei n° 388/2007 não diz uma palavra sobre os efeitos que o Decreto-Lei n° 330/2000 associou, de modo automático, à inclusão da referida faixa na planta de delimitação da dita área de intervenção.

13. Ora, como é bom de ver, existiu uma série de produção legislativa que abalou, de modo inegável, a segurança e certeza jurídicas da Recorrente.

14. De facto, com a assinatura do contrato de concessão veio a ser criada na esfera jurídica da Reclamante uma expectativa de um contrato com 20 anos de duração;

15. de seguida, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n° 330/2000, essa expectativa veio a ser gorada e, portanto, alterada. Mais tarde, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n° 388/2007, essa expectativa volta a ser alterada.

16. Nos termos do disposto no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa, "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa."

17. A verdade é que esta sucessão legislativa outra coisa não veio fazer senão abalar toda e qualquer certeza e segurança jurídicas que pudessem existir na esfera jurídica da Recorrente quanto a este contrato de concessão.

18. Nessa conformidade, foi ferido o princípio basilar do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.° da CRP, bem como os princípios da segurança e certeza jurídicas,

19. Pelo que a aplicação desta sucessão legislativa encontra-se ferida de inconstitucionalidade.

20. Como é bom de ver, existiu uma série de produção legislativa que abalou, de modo inegável, a segurança e certeza jurídicas da Recorrente, no sentido de que tal sucessão legislativa viola os princípios da certeza e segurança jurídicas, previstos no artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa.

21. Ou seja, com a publicação do Decreto-Lei n.° 330/2000, de 27 de dezembro, criou-se na esfera jurídica da Recorrente, na qualidade de BB, uma convicção de que o contrato de concessão se havia extinguido, expectativa essa que veio a ser gorada com a (muito) posterior publicação do Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30 de novembro.

22. Assim, torna-se inequívoco que existe uma questão de inconstitucionalidade desta sucessão legislativa, que foi suscitada, nos termos e com o alcance que se pretende sindicar, pela Recorrente nas alegações de recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal Administrativo, sendo certo que tal questão não foi conhecida por aquele douto Tribunal.

23. Pelo exposto, conclui-se que o Tribunal a quo aplicou a interpretação da sucessão legislativa cuja inconstitucionalidade foi pela Reclamante devidamente invocada e que coincide com o objeto do recurso interposto.

(…)”

10. O Tribunal Constitucional proferiu o acórdão n. 71/2022, de 20.01.2022, proferido no processo 483/21, da 3ª Secção, do qual se extrai o seguinte (ver SITAF):

“(…)
6. A recorrente vem reclamar para a conferência da Decisão Sumária n.º 404/2021, onde se decidiu não conhecer o objeto do recurso de constitucionalidade pela mesma interposto, por se ter considerado que não fora em momento algum enunciada, com o mínimo grau de rigor exigível, uma norma ou interpretação normativa suscetível de constituir objeto idóneo de um recurso como o presente, tendo-se limitado antes a recorrente a mencionar os Decretos-Leis n.º 330/2000, de 27 de dezembro, e n.º 388/2007, de 30 de novembro, invocando a «inconstitucionalidade desta sucessão legislativa».

7. A reclamação em apreço não abala o entendimento acolhido. Na verdade, a reclamação insiste na mesma espécie de enunciação da problemática constitucional que já tinha sido feita no requerimento de recurso e que na Decisão Sumária n.º 404/2021 se considerar já inidónea a ser compreendida como uma autêntica questão de constitucionalidade. A reclamante confirma que «apresentou requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 8/..., pretendendo a averiguação da constitucionalidade [da] interpretação dada à sucessão legislativa relativa aos denominados Programas POLIS ao caso aqui em apreço (...), que determinou a extinção da correspondente concessão, a que veio suceder o Decreto-Lei n,° 388/2007, de 30 de novembro, que desafetou a zona da faixa ribeirinha compreendida entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...» da área de intervenção no âmbito do Programa Polis na cidade de ...»; insiste que «no caso em apreço o que se encontra em causa é uma sucessão legislativa relativa à prossecução do Programa Polis - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.? 26/2000, de 15 de maio» (sublinhados nossos). Tece em seguida um conjunto de considerações interpretativas sobre essa mesma «sucessão legislativa» (cf. supra, o ponto 4), das quais decorre, não a imputação a qualquer enunciado normativo de uma desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, mas a sua discordância quanto à forma como as normas que integram os diplomas legislativos em questão aplicaram o direito infraconstitucional.

Continua a ser rigorosamente impossível discernir na argumentação da recorrente uma norma ou conjunto de normas, gerais e abstratas, minimamente bem delineadas, cuja conformidade com a Constituição este Tribunal Constitucional pudesse apreciar sem desse passo se estar já debruçando sobre o problema da aplicação do direito infraconstitucional.

Entretanto, e conforme se sustentou já na Decisão Sumária ora reclamada, esse tipo de enunciação estava já presente nos momentos processuais anteriores, em que deveria ter sido apresentada ao tribunal recorrido uma questão de constitucionalidade em termos que o obrigassem a pronunciar-se sobre a mesma (cf. em especial e novamente, as conclusões 9 a 13 das alegações de recurso). Não surpreende, portanto – e como também já se notou –, que o tribunal recorrido, apesar de ter decidido não conhecer a questão, tenha afirmado que a pretensa inconstitucionalidade «nunca seria procedente dado que o recorrente não aponta em concreto quais as normas dos referidos diplomas legais que a seu ver padecem de inconstitucionalidade».

Por tudo isto, não pode deixar de manter-se o entendimento de que a recorrente não cumpriu os ónus que sobre si impendiam de identificar com precisão o objeto do recurso e de suscitar a questão de constitucionalidade prévia e adequadamente, conforme se exige no n.º 2 do artigo 72.º da LTC – o que, ademais, prejudicou a eventualidade de a decisão recorrida ter integrado como sua ratio decidendi alguma questão de constitucionalidade que pudesse vir ulteriormente a ser conhecida por este Tribunal Constitucional. Sobre este último aspeto, aliás, a reclamação nem se pronuncia, o que já por si a impediria de proceder.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se não conhecer o objecto do presente recurso.

(…)”

*

III - Enquadramento jurídico.

1. A ineptidão da petição inicial.

A petição é inepta e nulo todo o processado, na hipótese que para aqui interessa, quando falte ou seja ininteligível o pedido.

No caso concreto a Recorrente menciona ao longo das suas alegações os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional sem esclarecer, na parte final do seu articulado de recurso, qual é a decisão que pretende ver revista neste recurso excepcional.

Mas, como o próprio Ministério Público reconhece, a apresentação da petição neste Tribunal Central indicia que é a primeira das decisões a que foi eleita objecto do presente recurso. Assim como o cabeçalho do articulado inicial, aponta nesse sentido: Tribunal Central Administrativo Norte.

E a própria Recorrente acaba por esclarecer, no articulado de resposta à matéria de excepção, que efectivamente é o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.05.2019, “sem prejuízo de a mesma ser articulada com as restantes decisões”.

Em todo o caso, a causa de pedir é sempre a mesma, fosse qual fosse a decisão objecto do recurso: a omissão da apreciação da questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa aqui em causa.

O que sempre permitiria a defesa por parte dos Demandados, como permitiu.

Termos em que se julga não verificada esta excepção.

2. O tribunal competente.

Sendo a decisão a rever neste recurso excepcional de revisão o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.05.2019, este é o Tribunal competente para o recurso – artigo 154º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Termos em que se conclui não se verificar também esta excepção.

O Tribunal é o competente.

3. Os pressupostos de admissão do recurso de revisão.

3.1. A responsabilidade civil do Estado pelos danos resultantes do exercício da função jurisdicional.

Estipula o artigo 696º do Código de Processo Civil, sobre os fundamentos do recurso de revisão, na hipótese que aqui está em causa:

“A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando:

(…)

h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte”.

Por seu turno, dispõe o artigo 696.º-A do mesmo diploma, sob a epígrafe “Responsabilidade civil do Estado”

“1 - A revisão de decisão transitada em julgado no caso previsto na alínea h) do artigo anterior só é admissível se o recorrente:

a) Não tiver contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; e

b) Tiver esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado”.

Finalmente, dispõe o artigo 13.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007 de 31.12, sob a epígrafe “Responsabilidade por erro judiciário”, que:

“1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.”

2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”.

A Recorrente funda o seu pedido de revisão na “a omissão da apreciação da questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa aqui em causa”.

Ora, desde logo, o legislador previu a responsabilidade por erro judiciário no caso, para o que aqui interessa, de decisões manifestamente inconstitucionais.

Ou seja, a inconstitucionalidade manifesta que funda o dever de o Estado indemnizar por erro judiciário deve radicar na própria decisão e não nas normas aplicadas ou não aplicadas pelo tribunal.

Pela simples e evidente razão de que a “responsabilidade” pela inconstitucionalidade das normas é de quem as cria, o legislador, e não do tribunal.

Logo por aqui estava condenado ao fracasso o presente recurso de revisão, por falta de um dos seus pressupostos essenciais: a existência de inconstitucionalidade manifesta da decisão em si.

Ainda que se entendesse que a apontada omissão de pronúncia seria uma ilegalidade (nulidade) da decisão, estaria longe de ser manifesta. Erro grosseiro também estaria longe de o ser.

Antes de mais porque não se tratava de uma questão a conhecer, dado que não foi suscitada perante o Tribunal que proferiu a decisão a rever e, como é evidente, o tribunal não se pode pronunciar sobre a inexistência de todas as inconstitucionalidades que teoricamente se poderiam suscitar no caso concreto.

Falta ainda um outro fundamento, essencial, para que o recurso de revisão seja admitido: o de que a decisão a rever tenha sido revogada, como se depreende do teor do n.º 2 do artigo 13.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Pública.

Entendemos que este pressuposto se deve verificar aquando da interposição do recurso de revisão pois este pedido sem o pedido de indemnização, a formular obrigatoriamente em momento posterior – artigo 701º, n.º1, alínea e), do Código de Processo Civil -, não tem qualquer sentido útil.

A formulação do pedido de indemnização no recurso de revisão fundado em responsabilidade do Estado por erro judiciário não é uma faculdade; é um ónus do Recorrente.

Caso contrário, estaríamos a admitir a hipótese de prática de actos inúteis, a revisão de uma decisão e o apuramento da responsabilidade do Estado para efeito nenhum.

No caso, o acórdão deste Tribunal Central Administrativo não foi revogado, antes confirmado, primeiro por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo e depois por acórdão do Tribunal Constitucional.

Quanto à alegada inconstitucionalidade, disse o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 08.04.2021:


“I) DA INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA SUCESSÃO LEGISLATIVA – CONCLUSÕES 9 a 13.

Sustenta a recorrente a inconstitucionalidade da aplicação da sucessão legislativa por, no seu entender, a sucessão legislativa ter abalado a certeza e segurança jurídicas que pudessem existir na esfera da recorrente quanto ao contrato de concessão, tendo sido ferido o princípio basilar do Estado de Direito Democrático previsto no artº 2º da CRP.

Ora esta alegação, da forma, como foi apresentada, apenas foi suscitada em sede do presente recurso de revista, pelo que, tratando-se de questão nova, não pode no âmbito da presente revista ser apreciada, sendo certo que, mesmo que o pudesse ser nunca seria procedente dado que o recorrente não aponta em concreto quais as normas dos referidos diplomas legais que a seu ver padecem de inconstitucionalidade”.

E foi o próprio Tribunal Constitucional, a quem compete, em última instância, salvaguardar o respeito pelas normas constitucionais nas decisões judiciais, que não deixou dúvidas sobre o acerto na não pronúncia sobre a questão da “inconstitucionalidade” que a Recorrente insiste em querer ver discutida.

Retira-se decisão sumária n.º 404/2021, de 16.06.2021:

“É, pois, evidente que a recorrente não cumpriu o ónus de identificar com precisão o objecto do recurso, nem de suscitar a questão de inconstitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer», tal como prescrito no n.º 2 do artigo 72.º da LTC. A deficiente identificação do objeto do recurso prejudica, por sua vez, a verificação da necessária coincidência entre as normas objeto do recurso e a ratio decidendi do acórdão recorrido”.

E do acórdão n.º 71/2022, de 20.01.2022 que confirmou esta decisão sumária:

“Continua a ser rigorosamente impossível discernir na argumentação da recorrente uma norma ou conjunto de normas, gerais e abstratas, minimamente bem delineadas, cuja conformidade com a Constituição este Tribunal Constitucional pudesse apreciar sem desse passo se estar já debruçando sobre o problema da aplicação do direito infraconstitucional.

Entretanto, e conforme se sustentou já na Decisão Sumária ora reclamada, esse tipo de enunciação estava já presente nos momentos processuais anteriores, em que deveria ter sido apresentada ao tribunal recorrido uma questão de constitucionalidade em termos que o obrigassem a pronunciar-se sobre a mesma (cf. em especial e novamente, as conclusões 9 a 13 das alegações de recurso). Não surpreende, portanto – e como também já se notou –, que o tribunal recorrido, apesar de ter decidido não conhecer a questão, tenha afirmado que a pretensa inconstitucionalidade «nunca seria procedente dado que o recorrente não aponta em concreto quais as normas dos referidos diplomas legais que a seu ver padecem de inconstitucionalidade».

Por tudo isto, não pode deixar de manter-se o entendimento de que a recorrente não cumpriu os ónus que sobre si impendiam de identificar com precisão o objeto do recurso e de suscitar a questão de constitucionalidade prévia e adequadamente, conforme se exige no n.º 2 do artigo 72.º da LTC – o que, ademais, prejudicou a eventualidade de a decisão recorrida ter integrado como sua ratio decidendi alguma questão de constitucionalidade que pudesse vir ulteriormente a ser conhecida por este Tribunal Constitucional. Sobre este último aspeto, aliás, a reclamação nem se pronuncia, o que já por si a impediria de proceder.”

O teor das decisões do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional conduz-nos, de resto, ao fundamento final para a não admissão do presente recurso de revisão.

A existir vício no acórdão deste Tribunal Central Administrativo – que não existe, como vimos -, sempre seria imputável a omissão da própria Recorrente, por não ter invocado em tempo oportuno e como exige a lei a questão da inconstitucionalidade que quer ver discutida como fundamento para o pedido de revisão – alínea a), do n.º 1 do citado artigo 696º - A do Código de Processo Civil.

3.2. Restantes questões suscitadas.

Não sendo de admitir o recurso de revisão pelas razões acima apontadas, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas.

4. Litigância de má-fé.

Nos termos do n.º 2 do artigo 542º do Código de Processo Civil:

“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. “

No caso concreto é manifesta a falta de fundamento do recurso de revisão.

Mas não se pode afirmar com segurança que a Recorrente estivesse convencida da falta de fundamentação do recurso e pretendesse obter um resultado ilegal.

Apenas insiste e persiste no erro e na sua visão parcial do caso.

Termos em que entendemos não se justificar a condenação por litigância de má-fé.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NÃO ADMITIR O RECURSO DE REVISÃO.

Custas pela Recorrente.

*
Porto, 28.10.2022
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre