Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00526/13.6BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Canelas
Descritores:INCIDENTE DE HABILITAÇÃO – ADQUIRENTE OU CESSIONÁRIO
Sumário:I – Da conjugação dos artigos 356º e 263º do CPC resulta que, ao contrário do que sucede no caso de transmissão mortis causa, a habilitação fundada em transmissão por ato inter vivos da coisa ou direito litigioso reveste natureza facultativa, na medida em que não é condição necessária do prosseguimento da causa, e enquanto a respetiva habilitação não ocorrer o transmitente continua a ter legitimidade para a demanda até ao final do pleito, não sustendo, assim, o andamento da causa principal, nem sendo causa da respetiva suspensão da instância.

II – A parte contrária na ação pode opor-se à substituição do transmitente pelo adquirente/cessionário, a ser deduzida na contestação do incidente, sendo que em tal caso o requerente pode responder-lhe e em seguida, e produzidas as provas necessárias, é proferida decisão (cfr. artigo 256º nº 1 alínea b) do CPC novo).

III – Haja ou não oposição dos requeridos, sempre competirá ao juiz aferir, para além dos demais pressupostos de que depende a substituição processual, da validade de transmissão ou cessão.
IV – A circunstância de terem sido suscitadas questões que consubstanciam matéria de índole civil e/ou comercial, cuja competência pertence, por natureza, ao respetivo foro, saindo do âmbito da competência da jurisdição administrativa e fiscal, não obsta a que possam por estes ser apreciadas e decididas, porquanto o sejam, apenas e só, enquanto questões prejudiciais, nos termos do artigo 15º do CPTA.

V - Competente que era o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para conhecer do incidente de habilitação deduzido na ação administrativa comum ali pendente, também o era para aferir da validade dos contratos de cessão de crédito com fundamento nos quais foi requerida a habilitação. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., Lda.
Recorrido 1:MASSA INSOLVENTE DE A., Lda., e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
A., Lda. (devidamente identificada nos autos), inconformada com a decisão datada de 04/12/2015 (fls. 124 SITAF) da então Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que indeferiu o incidente de habilitação que havia por ela sido requerida, a título de cessionária, contra a MASSA INSOLVENTE DE A., Lda., L., Lda. e CÂMARA MUNICIPAL DE (...), (todas identificadas nos autos), dela interpôs o presente recurso de apelação, pugnando pela sua revogação e sua substituição pro decisão que defira a requerida habilitação, ou então que suspenda a instância até que seja decidido o incidente de impugnação da resolução que corre como apenso F do Proc. nº 616/12.2TYVNG da Segunda Secção de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia, Instância Central J2, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
I. A Recorrente deu entrada no processo 526/13.6BEPRT de um incidente de habilitação de cessionário (que foi recebido e autuado com apenso A ao referido processo) e, para tanto, alegou, em suma, ter adquirido a 30 de Junho de 2011, por cessão, os créditos de que a sociedade "A., Lda." era titular contra a aqui demandada CÂMARA MUNICIPAL DE (...).
II. Tendo adquirido os referidos créditos à sociedade "L.,, Lda." que, por sua vez, os havia adquirido, também por cessão, à credora originária "A., Lda.".
III. Contestando o incidente de habilitação, a "MASSA INSOLVENTE DE A., Lda." veio, essencialmente, invocar a resolução pela Exma. Senhora Administradora de Insolvência, do negócio em que se traduziu a referida cessão, nos termos do artigo 120° do CIRE;
IV. Quanto à invocada resolução, a ora Recorrente veio, em sede de resposta, por Requerimento, informar o Digno Tribunal de que iria intentar a devida acção de impugnação da resolução, por apenso ao processo de insolvência da "A.", nos termos do artigo 125° do CIRE.
V. O que veio efectivamente a fazer, por acção judicial que constitui, hoje, o apenso F do processo de insolvência da "A.", processo n° 616/12.2TYVNG que corre os seus termos no 2ª Secção de Comércio de Vila Nova de Gaia - Comarca do Porto - Instância Central, J2.
VI. Atento o descrito enquadramento, veio, não obstante o Tribunal a que a julgar improcedente o incidente de habilitação, nos termos supra transcritos, decisão que a Recorrente, ressalvado o devido e merecido respeito, não aceita e com a qual não pode conformar-se.
VII. Para "fundamentar" a decisão recorrida, o Tribunal a que afirma, resumidamente, que:
o A validade dos negócios jurídicos respeitantes às cessões de créditos é controvertida;
o A sua produção de efeitos encontra-se abalada pela declaração de resolução emitida pela Administradora de Insolvência da "Massa Insolvente de A., Lda.";
o A competência para dissolver tais questões se encontra subtraída do âmbito material da jurisdição administrativa.
IV. Em sede geral, o incidente de habilitação visa, essencialmente, manter na demanda as partes com interesse efectivo em demandar e em contradizer, sendo, em certa medida, uma manifestação do princípio da estabilidade da instância (se não numa dimensão pessoal, pelo menos no que ao efectivo interesse na demanda diz respeito).
V. A habilitação do adquirente ou cessionário, enquanto incidente processual da instância, não tem como finalidade atestar a existência ou não do direito transmitido, a sua finalidade é apenas a de restabelecer a instância, nela mantendo as partes legítimas e com efectivo interesse em demandar e contrapor - legitimidade ad causam.
VI. Pois que, de resto, ocorrendo a cessão e sendo esta válida (como no caso dos autos é), os efeitos que a decisão da causa produza sobre o crédito cedido, independentemente da habilitação em juízo, produzir-se-ão na esfera do cessionário e não na esfera do cedente.
VII. Os contratos de cessão existem e foram outorgados nos termos alegados pela Recorrente;
VIII. O objecto dos referidos contratos foi a cessão de um conjunto de créditos que incluíam, além de outros, os créditos em discussão nos presentes autos, contra a Câmara Municipal de (...), de que eram titulares, num primeiro momento, a "A.", posteriormente a "L.," e, hoje, a Recorrente "A.".
IX. Sucede que o Tribunal a quo, embora tenha feito um adequado enquadramento da questão de facto e das questões de direito que impunham decisão, veio, não obstante, a decretar a sua própria incompetência material, mais decretando, consequentemente, a improcedência da habilitação.
X. Ora, como se disse, a habilitação, enquanto incidente, visa não a demonstração e apreciação da existência dos créditos cedidos, mas tão somente o reconhecimento de que na data da pretendida habilitação (e no caso concreto da habilitação do cessionário) quem tem o interesse processual em demandar é o cessionário e não o cedente.
XI. Por outro lado, no caso sub judice, o Tribunal não chegou sequer a apreciar a validade da cessão, julgando-se materialmente incompetente para esse efeito.
XII. Ora, ressalvado o devido respeito, o facto de o Tribunal Administrativo ter determinados limites à sua competência material, não pode motivar decisões como a decisão recorrida.
XIII. Diga-se, desde já, que a decisão recorrida é manifestação da negação de justiça, acima de tudo, e constitui violação ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, como corolário do estado de direito - princípio com consagração positiva na lei (artigo 2° do CPTA).
XIV. Sendo mesmo a decisão recorrida, em consequência, inconstitucional - por violação do artigo 20° da CRP, em especial os seus números 1 e 4 - inconstitucionalidade que aqui, desde já, se invoca.
XV. É que, o Tribunal ao indeferir a pretensão da Recorrente (e condena-la em multa e custas), embora sem conhecer (por alegadamente tal lhe estar vedado) o mérito da questão decidenda, não só coartou o seu direito de defesa e de obtenção de tutela judicial efectiva do seu direito, como abriu um precedente de absoluto bloqueio à realização da justiça.
XVI. Contribuindo para a formação de uma "verdade processual" dissonante com a verdade material, atentos os factos dos autos.
XVII. Seguindo o raciocínio do Tribunal a quo, bastaria para "bloquear" por completo a possibilidade do cessionário se habilitar num processo judicial que corresse na jurisdição administrativa, que o cedente (ou até a própria demandada!!) invocasse a simulação/nulidade do negócio de cessão.
XVIII. No entender do Tribunal recorrido, em tais casos, a habilitação teria que "falecer" sob a incompetência material do Tribunal para aferir da validade do negócio.
XIX. O artigo 15° do CPTA, que sob a epígrafe Extensão da competência à decisão de questões prejudiciais dita:
"1. Quando o conhecimento do objecto da acção dependa, no todo ou em parte, da decisão de uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
2. A suspensão fica sem efeito se a acção da competência do tribunal pertencente a outra jurisdição não for proposta no prazo de dois meses ou se ao respectivo processo não for dado andamento, por negligência das partes, durante o mesmo prazo.
3. No caso previsto no número anterior, deve prosseguir o processo do contencioso administrativo, sendo a questão prejudicial decidida com efeitos a ele restritos."
XX. Consagra-se assim o princípio da suficiência em matéria de poderes de pronúncia dos Tribunais Administrativos.
XXI. No mesmo sentido vide acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº: 08679/12, datado de 24-05-2012, disponível em www.dgsi.pt:
XXII. No entender da Recorrente, só poderia ter sido esta a solução adoptada pelo Tribunal a quo, e não a de, sem mais, julgar improcedente o pedido de habilitação e condenar em multa e custas a Recorrente, sem conhecer o mérito da questão e sem lhe conceder a oportunidade (mesmo entendendo-se que o Tribunal Administrativo não poderia conhecer do pedido) de obter decisão junto do competente Tribunal Judicial de jurisdição Civil.
XXIII. Na situação dos autos, a questão é tão mais grave, quando a competente acção judicial de impugnação da resolução da cessão, conforme foi já afirmado e consta do processo, se encontra já a correr os seus termos por apenso à acção de insolvência da demandante "A.".
XXIV. É que nessa acção se dilucidarão todas as "dúvidas" que o negócio pudesse suscitar no Tribunal a quo - tanto mais que o Tribunal de comércio é um Tribunal de competência especializada com poderes de cognição alargados (princípio da suficiência na insolvência) e que julga e decide processos que são (na sua natureza e tramitação) processos urgentes.
XXV. Ou seja, a suspensão que se decrete (e devia, de resto, ter-se já decretado) da presente instância, não é passível de produzir quaisquer danos para os interessados/partes no presente litígio.
XXVI. Pois que os "tempos" processuais do processo urgente de insolvência garantem uma celeridade que, de resto, conhecendo-se a morosidade que infelizmente afecta os (assoberbados e subdimensionados) Tribunais administrativos em Portugal, em nada prejudica (prejudicaria) a normal tramitação dos presentes autos.
XXVII. Errou, assim, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, devendo a decisão recorrida ser revogada por este superior Tribunal e substituída por outra que, ainda que não aprecie o mérito da habilitação deduzida pela Recorrente, declare a suspensão da presente instância até à decisão que venha a ser proferida no processo n° 616/12.2TYVNG que corre os seus termos na 2ª Secção de Comércio de Vila Nova de Gaia - Comarca do Porto - Instância Central, J2.
XXVIII. Erro que representa violação da lei, designadamente e em especial, dos artigos 20° da CRP, 92° do CPC, 7° do ETAF e 1°, 2° e 15° do CPTA.

Termina pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que ou decida a habilitação, para efeitos destes autos nos termos expostos, ou suspenda a instância até que seja decidido o incidente de impugnação da resolução que corre como Apenso F do Proc. nº 616/12.2TYVNG da Segunda Secção de Comércio o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia, Instância Central, J2.

A recorrida A., - , lDA contra-alegou (fls. 285 SITAF), pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, terminando formulando o seguinte quadro conclusivo:
I. Funda a recorrente, em suma, o presente recurso na alegada existência de causa prejudicial que determinaria a suspensão dos presentes autos.
II. Salvo melhor opinião, carece de fundamento a invocação elaborada pela recorrente, revelando-se numa manobra dilatória de modo a prejudicar o andamento dos autos e o eventual ressarcimento dos credores da insolvente.
III. Por outro lado, a junção documental ora pretendida operar pela recorrente é processualmente inadmissível, já que tal se lhe encontra vedado, nos termos dos art.°s 523.º e 524.º do CP Civil, ex vi, art.º 7.º do ETAF. É que;
IV. Como tal deverá ser ordenado o desentranhamento dos documentos ora juntos, nos termos do art.º 700.º n.º 1, alínea e) do CP Civil, ex vi, art.º 7.º do ETAF, porquanto tal pretendida junção se configura como processualmente inadmissível, para efeitos do disposto nos art.°s 523.º e 524.º do CP Civil a contrario.
DE RESTO;
V. Bem andou a sentença recorrida ao determinar a improcedência da habilitação. Desde logo;
VI. Ao contrário do que vem alegado na imaginativa realidade construída pela recorrente, nada há de pacífico nos presentes autos, muito menos quanto à existência ou outorga dos contratos de crédito apresentados, já que os mesmos são falsos, simulados e nulos, tudo conforme já suficientemente alegado em sede de oposição à habilitação.
VII. Neste sentido, a recorrida/Massa Insolvente repristina a sua argumentação factual aos factos demonstrados na sua oposição, o que, independentemente da decisão quanto ao objecto do presente recurso, faria sempre improceder esta habilitação.
VIII. Verdade é que, bem andou o Tribunal a quo, na decisão recorrida, por inaplicabilidade legal aos presentes autos dos normativos invocados pela recorrente - art.º 92.º do CP Civil e art.º 15.º do CPTA. Isto porque;
IX. Nos termos do disposto no 126.º n.º 1 do CIRE “A resolução tem efeitos retroactivos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso.”;
X. Remetendo os seus efeitos análogos para o art.º 289.º n.º 1 do C Civil, pelo que carece de legitimidade para a presente habilitação.
XI. Revertendo aos efeitos da resolução e sem curar neste recurso da validade da cessão, os créditos passaram a integrar o património da insolvente e, consequentemente, da Massa Insolvente, em função da declaração receptícia emergente das cartas resolutórias enviadas às sociedades A. - , LDA., L.,, LDA. e à recorrente A., LDA.;
XII. Tanto mais que as sociedades originárias na 1.ª cessão A. - , LDA., L.,, LDA. não impugnaram tal resolução, pelo que a mesma produziu os seus efeitos, inviabilizando as transmissões subsequentes.
XIII. Finalmente, apesar da combatividade processual da requerente/recorrente, a sua actuação demonstrativa da perspectiva inviabilizadora do prosseguimento dos presentes autos, sofreu ainda revês noutros dois outros processos onde a requerente se pretendia habilitar com os mesmos fundamentos;
XIV. Tendo sido determinado nas Acções n.ºs 1317/09.4BEPRT-A e 193/13.7BEPRT-A, ambas da Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que:
“Conforme se pode verificar pelo que foi dado como assente, o devedor foi notificado de uma cessão de créditos realizada pela “A.” à “A., Lda.”, sendo que a “A.” cedeu os seus créditos à “L., Lda.” e não à “A., Lda.”. É caso para perguntar, como é que a “A.” soube da cedência posterior dos seus créditos, e teve acesso aos documentos elaborados por terceiros. Aliás, é caso para estranhar como é que a “A.”, sendo terceira na cedência entre a “L., Lda.” e a “A., Lda.”, procedeu à comunicação de que cedeu os seus créditos à “A., Lda.”, quando efectivamente os cedeu à “L., Lda.”. Até dá a impressão que a “A.” se confunde com a “L., Lda.”.
Ora, estabelece o n.º 1 do artigo 577.º do Código Civil, que o credor pode ceder os seus créditos, independentemente de consentimento do devedor. Ora, a “A.” não cedeu os seus créditos à “A., Lda.”, pelo que a comunicação de cedência de créditos a esta não cumpre o disposto no n.º 1 do artigo 583.º, porque na data da comunicação, já a “A.” não era credora. Assim, a cessão de créditos não pode produzir efeitos, porque não é o credor que comunica a eventual cessão de créditos, mas um ex-credor, nesse caso sendo já um terceiro. E, não cumprindo a comunicação o requisito legal, é ineficaz em relação ao devedor. Desta forma, não se pode considerar operado a cessão de créditos em favor da “A., Lda.”; donde a mesma não detém legitimidade ativa.”
XV. Entendimento que, por devidamente fundamentado e coadunado com os documentos constantes dos presentes autos e do teor da oposição, aqui se reproduz e determinarão, ainda e sempre a improcedência da habilitação.
XVI. Como tal, logo se constata que bem andou o Tribunal a quo ao declarar a improcedência da habilitação, decisão que deverá ser mantida. Assim far-se-á JUSTIÇA!
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Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Norte, e nele notificado o Digno Magistrado do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, não foi emitido Parecer.
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Redistribuídos os autos (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram, com dispensa de vistos, submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso é objeto do presente recurso a decisão datada de 04/12/2015 (fls. 124 SITAF) da então Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que indeferiu o incidente de habilitação que havia sido requerida pela ora recorrente A., Lda., a título de cessionária.
Sendo a questão essencial a decidir a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, com violação dos artigos 20° da CRP, 92° do CPC, 7° do ETAF e 1°, 2° e 15° do CPTA, devendo, em consequência ser revogada e substituída por outra que defira a requerida habilitação, ou então que suspenda a instância até que seja decidido o incidente de impugnação da resolução.

Antes, porém, importa aferir da admissibilidade, ou não, da junção de documentos efetuada pela recorrente com as suas alegações de recurso.
De harmonia com o disposto no artigo 651º nº 1 do CPC (novo), aplicável aos tribunais administrativos ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”.
Ressuma deste normativo que a junção da prova documental deve ocorrer na 1ª instância, já que os documentos se hão-de destinar a demonstrar factos cuja verificação o Tribunal é chamado a aferir no respetivo julgamento.
De modo que apenas será legítimo às partes juntarem documentos com as respetivas alegações de recurso quando a sua apresentação não tenha sido possível em momento oportuno na 1ª instância. Impossibilidade que poderá decorrer quer da superveniência objetiva do documento quer da sua superveniência subjetiva (conhecimento).
Mas também será legítima a apresentação de documentos com as alegações quando a sua apresentação se revele necessária por virtude da decisão proferida. Assim, se não será de admitir a junção de documentos em fase de recurso para prova de factos que já se mostravam controvertidos antes da prolação da sentença recorrida (designadamente em face dos articulados apresentados), já será admissível a junção de documentos nesta fase se a sua necessidade só ocorreu em face da decisão proferida (vide a este respeito, e neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2ª Edição, pág. 189-190).
Na situação presente a recorrente refere no corpo alegatório das suas alegações de recurso que informou o Tribunal no requerimento de resposta no incidente de habilitação que iria intentar a devida ação de impugnação da resolução, por apenso ao processo de insolvência da sociedade “A.”, nos termos do artigo 125° do CIRE, e que veio efetivamente a fazê-lo, por ação judicial que veio a constituir o apenso “F” do processo de insolvência da “A.”, Proc. n° 616/12.2TYVNG que corre os seus termos no 2ª Secção de Comércio de Vila Nova de Gaia - Comarca do Porto - Instância Central, J2. E foi para comprovar essa alegação que juntou com as alegações de recurso um documento (Doc. nº 1).
Ora, primeiro, lido o requerimento de resposta/réplica à contestação (fls. 90 SITAF) dela não consta essa informação, e segundo, nada no documento junto indica o momento em que a indicada ação foi instaurada, ficando também por perceber se o foi antes ou depois da prolação da decisão recorrida. O que conjugadamente impede que se perspetive estarmos perante alguma das situações em que se justifique a admissão da junção de documentos na fase de recurso.
Razão pela qual não se admite a sua junção, devendo ser desentranhado e devolvido à parte.
O que se decide.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Da decisão recorrida
Por despacho datado de 04/12/2015 (fls. 124 SITAF) a Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto indeferiu o incidente de habilitação que havia sido requerida pela ora recorrente A., Lda., a título de cessionária.
Decisão que assentou na seguinte fundamentação assim vertida no despacho recorrido, que se passa a transcrever:
«(…)
Nos termos do disposto no art.º 356º, n.º 1, al.s a) e b) do CPC, importa indagar, em suma, se o título de cessão junto pelo requerente da habilitação se apresenta suficiente e isento de discórdia ou controvérsia, por forma a fundamentar uma decisão segura de habilitação.
Ora, ponderando a posição das partes nos autos, impera concluir pela controvérsia quanto à efectiva existência de cessão dos créditos que a Massa Insolvente discute nos autos principais.
Com efeito, e em primeiro lugar, interessa ressaltar que a requerida Massa Insolvente alega que as cessões de créditos que a requerente invoca para fundamentar a sua pretensão de habilitação constituem negócios simulados. A invocação da simulação constitui uma matéria de natureza exceptiva, que impõe necessariamente o respectivo escrutínio, pois que a sanção para a sua verificação é a da nulidade do negócio, em conformidade com o disposto nos art.°s 240º a 243º do Código Civil.
Sucede que a cessão de créditos em causa traduz um mero negócio jurídico de natureza privada, pelo que, em conformidade com o disposto no art.º 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 4º do ETAF, está em causa relação jurídica de direito privado, cuja sindicância se encontra subtraída à esta jurisdição.
E o mesmo se diga relativamente à operatividade da resolução, por banda da Administradora Judicial da requerida Massa Insolvente, dos negócios jurídicos fundadores da pretensão de habilitação da requerente. É que, a destruição da resolução daquelas cessões de créditos deve ser obtida através de meio processual especial, que é a Acção de Impugnação da resolução, e para o qual é competente a Jurisdição Comum.
Sendo assim, quer porque a validade dos negócios jurídicos respeitantes às cessões de créditos é controvertida, quer porque a actual produção de efeitos jurídicos das citadas cessões de créditos encontra-se, no mínimo, abalada pela declaração de resolução das mesmas, quer, finalmente, porque a competência para dissolver tais questões se encontra subtraída do âmbito material da Jurisdição Administrativa, assoma como cristalina a impossibilidade de considerar provada e demonstrada a cessão de créditos reclamada pela requerente.
Destarte, considerando todo o exposto, indefiro a requerida habilitação de cessionário.”

2. Da análise e apreciação do objeto do recurso
2.1 Sustenta a recorrente que o Tribunal a quo não chegou a apreciar a validade da cessão, julgando-se materialmente incompetente para esse efeito, e que o facto de o Tribunal Administrativo ter determinados limites à sua competência material, não pode motivar decisões como a decisão recorrida, que é manifestação da negação de justiça, acima de tudo, e constitui violação ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, como corolário do estado de direito, princípio com consagração positiva na lei (artigo 2° do CPTA), sendo a decisão recorrida, em consequência, inconstitucional, por violação do artigo 20° da CRP, em especial os seus nºs 1 e 4, por o Tribunal ao indeferir a pretensão da Recorrente embora sem conhecer (por alegadamente tal lhe estar vedado) o mérito da questão decidenda, não só coartou os seu direito de defesa e de obtenção de tutela judicial efectiva do seu direito, como abriu um precedente de absoluto bloqueio à realização da justiça, contribuindo para a formação de uma “verdade processual” dissonante com a verdade material, atentos os factos dos autos; que seguindo o raciocínio do Tribunal a quo, bastaria para “bloquear” por completo a possibilidade do cessionário se habilitar num processo judicial que corresse na jurisdição administrativa, que o cedente (ou até a própria demandada) invocasse a simulação/nulidade do negócio de cessão.
2.2 Na situação dos autos temos que a ora recorrente, A., Lda., deduziu o incidente de habilitação em 12/09/2014 (cfr. fls. 1 SITAF) por apenso à ação administrativa comum pendente no TAF do Porto, sob Proc. nº 526/13.6BEPRT, enquanto cessionária, requerendo a sua admissão para assumir nos autos a posição da autora A. – SOCIEADE DE CONSTRUÇÕES E OBRAS PÚBLICAS, LDA..
Alegou para tanto, em suma, ter aquela sociedade cedido, além de outros créditos, aqueles cujo direito de cobrança faz valer na ação, por contrato de cessão de créditos de 31/12/2010 à sociedade L., LDA. e que por sua vez esta sociedade cedeu à requerente A. esses mesmos créditos, por contrato de cessão de créditos realizado em 30/06/2011, e que tal cessão de créditos foi comunicada à devedora CÂMARA MUNICIPAL DE (...) por carta de 15/11/2012, com vista ao cumprimento do artigo 583º do Código Civil, juntando para prova do alegado três (3) documentos, que consubstanciariam os indicados contratos de cessão de créditos e a indicada carta de comunicação da cessão (vide artigos 1º, 2º e 4º do RI – fls. 1 SITAF).
2.3 Com este incidente de habilitação a requerente visa, assim, assumir a posição da autora na ação, operando uma modificação subjetiva da instância, por substituição da parte.
Como é sabido, vigora nosso ordenamento jurídico o princípio geral da estabilidade da instância no sentido de que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei (cfr. artigo 265º do CPC novo, aprovado pelai Lei nº 41/2013, aplicável à situação dos autos ex vi do artigo 35º nº 1 do CPTA, na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2014, atendendo a que a ação principal, sendo-lhe anterior, segue a forma da ação administrativa comum).
A possibilidade de a instância se modificar quanto às pessoas, operando uma modificação subjetiva da instância, poderá ocorrer em consequência de substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio (cfr. artigo 262º alínea a) do CPC novo).
O incidente de habilitação surge, assim, como um dos meios de modificar subjetivamente, isto é, quanto às pessoas, a instância (a este respeito, vide, entre outros, Eurico Lopes Cardoso, in,Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil”, 1996, pág. 296; Lebre de Freitas, in,Código de Processo Civil Anotado”, 1999, Coimbra Editora, Vol. I. págs. 481 e 645; Salvador da Costa, in, “Os Incidentes da Instância”, Almedina, 7ª edição).
2.4 A substituição subjetiva das partes processa-se, com efeito, através de incidente de habilitação que o CPC novo regula no Capítulo IV do Título III dedicado aos incidentes da instância.
Aí dispondo o artigo 356º do CPC novo, a respeito da habilitação do adquirente ou cessionário, que é o que aqui nos interessa, o seguinte:
Artigo 356.º
Habilitação do adquirente ou cessionário
1 - A habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, faz-se nos termos seguintes:
a) Lavrado no processo o termo da cessão ou junto ao requerimento de habilitação, que é autuado por apenso, o título da aquisição ou da cessão, é notificada a parte contrária para contestar; na contestação pode o notificado impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo;
b) Se houver contestação, o requerente pode responder-lhe e em seguida, produzidas as provas necessárias, é proferida decisão; na falta de contestação, verifica-se se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente ou cessionário.
2 - A habilitação pode ser promovida pelo transmitente ou cedente, pelo adquirente ou cessionário, ou pela parte contrária; neste caso, aplica-se o disposto no número anterior, com as adaptações necessárias.”

Normativo que deverá ser conjugado e harmonizado com o artigo 263º do CPC novo que dispõe o seguinte:
Artigo 263.º
Legitimidade do transmitente – Substituição deste pelo adquirente
1- No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.
2- A substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo e, na falta de acordo, só deve recursar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.
3- A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que esse não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação.”

2.5 Importando acentuar que visando o incidente de habilitação do cessionário a modificação dos sujeitos na lide, os seus efeitos são de natureza meramente processual, atinentes à posição processual das partes no processo, e por isso não comporta a discussão e decisão sobre o direito que constitui o próprio objeto da causa.
Resultando, assim, desde logo, da conjugação dos citados normativos, que ao contrário do que sucede no caso de transmissão mortis causa, a transmissão por ato inter vivos da coisa ou direito litigioso do adquirente ou cessionário reveste natureza facultativa, na medida em que não é condição necessária do prosseguimento da causa, já que, enquanto ela não ocorrer o transmitente continua a ter legitimidade para a demanda até ao final do pleito, não sustendo, assim, o andamento da causa principal, nem sendo causa da respetiva suspensão da instância.
Nesse mesmo sentido, vide, a título ilustrativo o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24/04/2019, Proc. nº 4490/16.1T8GMR-A.G1, in, www.dgsi.pt/jtrg, em que se sumariou designadamente o seguinte: «1- O incidente de habilitação é o mecanismo processual que visa operar uma alteração subjetiva da instância, em caso de falecimento ou extinção de uma das partes ou de transmissão da coisa ou do direito em litígio por ato entre vivos. 2- Trata-se de incidente que produz efeitos exclusivamente processuais, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objeto da ação principal. 3- Enquanto a habilitação incidental com fundamento em morte ou extinção da parte tem natureza obrigatória, uma vez que a morte ou extinção da parte opera a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da sentença que habilite os respetivos sucessores, a habilitação de adquirente ou cessionário tem natureza meramente facultativa, uma vez que a transmissão da coisa ou do direito em litígio não opera a suspensão da instância da ação em curso e o transmitente continua a ter legitimidade para a causa até ao seu termo. (…)»; o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07/11/2019, Proc. nº 898/18.1T8PTM.E1, in, www.dgsi.pt/jtre, em que se sumariou, designadamente, o seguinte: «(…) 2. O incidente de habilitação de adquirente ou cessionário visa a modificação nos sujeitos da lide, apenas produzindo efeitos de natureza meramente processual, ao nível das partes que se defrontam na lide, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objeto da causa, tal como é configurado pelo pedido e pela causa de pedir. 3. O habilitado sucedendo na posição processual do transmitente tem de aceitar a tramitação no estado em que a encontrar, impulsionando apenas para o futuro e dentro destes limites, sem interferir com o objeto da causa.».
2.6 Mas a parte contrária na ação pode opor-se à substituição do transmitente pelo adquirente/cessionário, a ser deduzida na contestação do incidente.
Sendo que em tal caso o requerente pode responder-lhe e em seguida, e produzidas as provas necessárias, é proferida decisão (cfr. artigo 256º nº 1 alínea b) do CPC novo).
2.7 Da conjugação dos artigos 261º, 262º, 263º e 356º do CPC novo retira-se que a admissibilidade da habilitação do adquirente ou cessionário depende da verificação dos seguintes pressupostos: i) da pendência da ação; ii); iii) da existência de uma coisa ou de um direito em litigioso; iv) da transmissão, por ato entre vivos, dessa coisa ou direito em litígio na pendência da ação, ou do seu conhecimento no decurso da mesma.
Sendo que, haja ou não oposição dos requeridos, sempre competirá ao juiz verificar, na habilitação do adquirente ou cessionário, para além dos demais pressupostos de que depende a substituição processual, da validade de transmissão ou cessão. (vide, neste sentido, a título ilustrativo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/09/2012, Proc. nº 4257/08.0TJVNF-B.P1, in, www.dgsi.pt/jtrp, assim sumariado: «No incidente de habilitação de adquirente ou cessionário, haja ou não oposição dos requeridos, compete ao juiz verificar da validade de transmissão ou cessão.»
2.8 Na situação dos autos o requerido MUNICÍPIO DE (...) contestou a deduzida habilitação (cfr. fls. 48 SITAF), dizendo desconhecer em absoluto a existência dos aludidos contratos de cessão de créditos; que não tem registo de ter recebido a carta de notificação da cessão que a requerente juntou sob Doc. nº 3 com o requerimento do incidente; que essa mesma carta não se encontra datada e não foi junto qualquer comprovativo de envio; que desconhece também qual a extensão das alegadas cessões de créditos, nomeadamente se abrangiam só faturas ou também eventuais indemnizações a que a cedente tivesse direito, declarando ainda impugnar, por não corresponder à verdade, os factos descritos no artigo 1º do RI e desconhecer, sem obrigação de conhecer, a veracidade dos factos relatados nos artigos 1º a 3º do RI, dizendo que também esses se devem considerar por impugnados - (vide artigos 1º, 2º, 3º, 6º, 7º e 8º da sua contestação). Com aquela contestação foi arrolada uma (1) testemunha.
Também a requerida MASSA INSOLVENTE DE A., Lda. contestou a deduzida habilitação (cfr. fls. 54 SITAF), dizendo serem globalmente falsos e não corresponderem à verdade os factos alegados nos artigos 1º a 6º do RI, e impugnando nos termos dos artigo 444º e 446º do CPC o teor e conteúdo dos documentos nºs 1 a 3 juntos pela requerente, e bem assim a validade, autenticidade e genuinidade dos documentos nº 1 e nº 2, designadamente por quanto à data neles aposta como sendo a data em que os ditos contratos de cessão de créditos foram assinados, e do documento nº 3 por a mencionada carta além de não datada não se encontrar desacompanhada de qualquer comprovativo do respetivo envio - (vide artigos 4º, 5º, 6º e 7º da sua contestação). E sustentou, ainda, que as alegadas cessões de créditos se mostrarem prejudiciais à requerida Massa Insolvente, por representarem a diminuição do seu acervo patrimonial, tendo sido objeto de resolução no âmbito do processo de insolvência nos termos do disposto nos artigos 120º nºs 1, 2, 3, 4 e 5 alíneas a) e b) e 121º nº 1 alíneas g) e h) do CIRE (para cuja prova juntou os Doc.s nºs 1 a 6 com aquela sua contestação) - (vide, designadamente, artigos 12º e 17º da sua contestação). Invocando, por último, que as aludidas cessões de créditos consubstanciam atos feridos de nulidade, seja por serem fictícios e simulados, destinados a subtrair, atempadamente e aos credores da A. - , Lda., declarada insolvente em 02/11/2012, os seus bens mais valiosos e passível de garantir o cumprimento das obrigações assumidas por esta; seja por quem assinou os aludidos contratos de cessão não tinha, à data que neles consta, poderes para o efeito, também isso conduzindo à sua nulidade - (vide artigos 40º-57º da sua contestação). Com a sua contestação a requerida, para além da prova documental que juntou (Doc.s nºs 1 a 6), requereu o depoimento de parte do representante legal da requerente a todos os factos alegados na contestação, e arrolou cinco (5) testemunhas.
Notificada daquelas contestações, a requerente apresentou articulado de resposta (fls. 90 SITAF), impugnando, entre o demais, a matéria constante da contestação da requerida MASSA INSOLVENTE DE A., Lda., em particular e especificamente, a que ali indica (vide artigos 4º-37º da sua resposta) e muito embora reconhecendo que, de facto lhe foi dirigida comunicação, com data de 22/09/2014, alegando a resolução das cessões de crédito aqui em causa, tal resolução é de nenhum valor, seja por extemporaneidade, seja por inexistir fundamento para tal (vide artigos 38º-46º da sua resposta).
E quanto à contestação do requerido MUNICÍPIO DE (...) a requerente afirmou dar por impugnado o alegado naquela contestação que esteja em contradição com o Requerimento Inicial do incidente, impugnando especificamente nos artigos 1º a 8º daquela contestação (vide artigos 47º-59º da sua resposta). Com o seu articulado de resposta juntou sete (7) documentos e arrolou quatro (4) testemunhas.
Conclusos os autos à Mmª Juíza a quo, esta, sem levar a cabo, previamente, quaisquer diligências de prova, proferiu a decisão recorrida, datada de 04/12/2015 (fls. 124 SITAF), pela qual indeferiu a requerida habilitação (fls. 124 SITAF).
2.9 Na decisão recorrida começou por considerar-se que nos termos do disposto no art.º 356º n.º 1 alíneas a) e b) do CPC novo, importava indagar, em suma, “se o título de cessão junto pelo requerente da habilitação se apresenta suficiente e isento de discórdia ou controvérsia, por forma a fundamentar uma decisão segura de habilitação”. Mas entendeu, ato contínuo, que “ponderando a posição das partes nos autos, impera concluir pela controvérsia quanto à efetiva existência de cessão dos créditos que a Massa Insolvente discute nos autos principais.” Seja em face da invocação da simulação dos contratos de cessão feita pela requerida MASSA INSOLVENTE DE A., Lda., seja perante pela sua resolução operada pela Administradora Judicial da requerida Massa Insolvente.
E nesta conjunção concluiu ser cristalina a impossibilidade de considerar provada e demonstrada a cessão de créditos reclamada pela requerente, quer “porque a validade dos negócios jurídicos respeitantes às cessões de créditos é controvertida”, quer “porque a atual produção de efeitos jurídicos das citadas cessões de créditos encontra-se, no mínimo, abalada pela declaração de resolução das mesmas”, quer, finalmente, “porque a competência para dissolver tais questões se encontra subtraída do âmbito material da Jurisdição Administrativa”.
E foi com tal fundamento que indeferiu a requerida habilitação.
2.10 Ora, como já se viu supra, sempre cumprirá ao juiz aferir da validade de transmissão ou cessão, mesmo que ela não tenha sido posta em causa pelos requeridos. E, no caso, até o foi.
2.11 Sendo que, simultaneamente, e como bem sustenta a recorrente, a circunstância de aquelas questões consubstanciarem matéria civil e/ou comercial, cuja competência pertence, por natureza, ao respetivo foro, saindo do âmbito da competência da jurisdição administrativa e fiscal, não obsta a que possam ser apreciadas e decididas por estes, porquanto o sejam, apenas e só, enquanto questões prejudiciais.
É o que decorre do artigo 15º do CPTA (na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2014, aqui temporalmente aplicável), em que se dispõe o seguinte:
“Artigo 15º
Extensão da competência à decisão de questões prejudiciais
1 - Quando o conhecimento do objeto da ação dependa, no todo ou em parte, da decisão de uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
2 - A suspensão fica sem efeito se a ação da competência do tribunal pertencente a outra jurisdição não for proposta no prazo de dois meses ou se ao respetivo processo não for dado andamento, por negligência das partes, durante o mesmo prazo.
3 - No caso previsto no número anterior, deve prosseguir o processo do contencioso administrativo, sendo a questão prejudicial decidida com efeitos a ele restritos”

2.12 Neste artigo 15º do CPTA (em similitude, aliás, com a disposição correspondente do artigo 92º do CPC, no que tange à jurisdição dos tribunais judiciais) o legislador assume a suficiência (extensão) da competência dos tribunais administrativos quando o conhecimento do objeto da ação (ou seus incidentes), dependa, no todo ou em parte, da decisão de alguma questão da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição. Permitindo, porém, que o juiz possa, em vez de decidir tais questões prejudiciais, naturalmente com efeitos restritos ao processo, sobrestar na decisão, suspendendo a instância até que o tribunal competente se pronuncie. Opção que será livre e discricionária, e que deve ser tomada em função das circunstâncias do caso concreto – (vide a este propósito, e neste sentido, entre outros, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Vol. I., Almedina, 2004, págs. 187; José Carlos Vieira de Andrade, in, “A Justiça Administrativa (Lições)”, 4ª Edição, 2003, Almedina, pág. 415, ou Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, Almedina, pág. 105).
Mas, obviamente, e sempre, sem que o juiz decline a decisão do processo cuja competência lhe cabe, pela mera circunstância de terem sido suscitadas questões prejudiciais cuja competência pertence a distinta jurisdição.
2.14 Assim, competente que era o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para conhecer do incidente de habilitação deduzido na ação administrativa comum ali pendente, também o era, obviamente, para aferir da validade dos contratos de cessão de crédito com fundamento nos quais foi requerida a habilitação.
2.15 Colhe, pois, neste aspeto, razão a recorrente, não podendo ser mantida, pelos fundamentos vertidos supra, a decisão recorrida.
2.16 Mas isso não significa que possa desde já ser substituída por outra que a defira e declare habilitada a requerente, ora recorrente.
Isto porque está ainda por aferir da validade dos contratos de cessão de crédito, incluindo quanto à invocada falsidade ou quanto à apreciação da invocada nulidade, seja por simulação seja por quem assinou os aludidos contratos de cessão não tinha, à data que neles consta, poderes para o efeito.
2.17 Tudo questões que foram invocadas pela requerida MASSA INSOLVENTE DE A., Lda. na contestação do incidente de habilitação e que o Tribunal a quo se absteve de conhecer.
2.18 Sendo que este Tribunal ad quem não dispõe dos elementos necessários para conhecer e decidir em substituição. Isto porque a matéria factual alegada foi contraditada com oferecimento pelas partes, nos respetivos articulados, os meios de prova, em observância do disposto no artigo 293º nº 1 do CPC novo. Mas a decisão recorrida foi proferida sem que tenha tido lugar qualquer diligência probatória e, concomitantemente, sem ter sido formado qualquer julgamento probatório quanto aos factos relevantes para aferir da existência e validade dos contratos de cessão de créditos em que a requerente fundou o incidente de habilitação. O que decorreu dos termos em que o Tribunal a quo enfrentou a questão, mas que, como se viu, não podem ser mantidos.
2.19 Pelo que se impõe a baixa dos autos à 1ª instância (cfr. artigo 665º nº 2 do CPC novo), para que sejam produzidas as provas necessárias, em observação do artigo 356º nº 1 alínea b) do CPC novo, face à matéria de facto alegada pelas partes que com relevância para a decisão do incidente, se mostre controvertida. Decidindo após, e em conformidade, o incidente de habilitação, se a tanto nada, entretanto, obstar.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, e determinando-se a baixa dos autos à primeira instância para os efeitos supra consignados.

Custas nesta instância pela recorrida MASSA INSOLVENTE DE A., Lda., que contra-alegou, atento o decidido provimento do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Porto, 15 de julho de 2020


M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato