Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01426/05.9BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS, ÓNUS DA PROVA, IVA
Sumário:
I - No caso de facturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.
II – Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
III - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
IV – Para que a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
V - Basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:HQB, Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
HQB, Lda., contribuinte fiscal n.º 50xxx92, com sede em Rua M…, Santa Maria de Lamas, Santa Maria da Feira, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 11/06/2014, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as seguintes liquidações adicionais de IVA:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“- A Administração Tributária tomou a iniciativa de em procedimento de inspecção tributária alheando-o por completo da realidade que representava a impugnante, da sua organização empresarial, da sua estrutura económico-financeira, da sua representatividade no meio industrial de transformação de produtos de cortiça e,
- Reconduziu a sua actuação àquilo que de errado se passava nos seus fornecedores (ECC e CV), extrapolando para a impugnante os eventuais vícios e irregularidades verificados naqueles…
- No caso em apreço, a impugnante logrou provar a subsistência das transacções,
- Que, face aos elementos probatórios dos autos, o M° Juiz as deveria ter relevado como verdadeiras, julgando a procedência da impugnação in totum,
- Mesmo que assim não o entendesse, em obediência aos princípios orientadores do ordenamento jurídico, o constitucional e, neste caso particular, o tributário, os da igualdade, da legalidade, da imparcialidade, da boa-fé, e, em especial, o consagrado no n°1, do artigo 100º do CPPT, a decisão deveria contemplar a procedência total da pretensão da impugnante.
Termos em que,
Concedendo-se provimento ao recurso,
Deve a decisão em recurso ser revogada, anulando a liquidação do IVA referente aos exercícios de 2001 e 2002, incluindo os juros compensatórios. JUSTIÇA.”
*
A Recorrida não contra-alegou.
*
O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar estarem verificados os pressupostos legais que legitimam a actuação da AT em recusar o direito à dedução de IVA por existência de “facturação falsa”.
*
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
«3. Fundamentação
3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A sociedade impugnante, “HQB, Lda.” foi constituída em 31-1-2000 para o exercício da actividade de “comércio, indústria, importação e exportação de produtos de cortiça” - fls. 317 e 318 do PA;
2. Em 31/5/2004, em Relatório homologado por despacho de 22/6/2004, a AT concluiu que as sociedades “ECC, Lda.” e “CV, Lda.” são simultaneamente utilizadores e emitentes de facturas falsas e que tal informação deve ser tida em conta a fim de documentar processos de eventuais utilizadores – fl. 42 a 51 do PA;
3. Ao abrigo da ordem de serviço nº 36362, de 4 de Junho de 2004, decorreu acção de inspecção entre 28-6-2004 e 8-11-2004, a cargo da Direcção de Finanças de Aveiro, na qual foram efectuadas correcções ao IRC e IVA dos anos de 2001 e 2002, conforme consta do Relatório Final datado de 9-12-2004 – fls. 27 a 424 do PA;
4. A informação referida em 2 supra foi notificada à agora Impugnante juntamente com o Projecto de Relatório – fls. 29 do PA;
5. As correcções efectuadas em sede de IVA foram calculadas com base em métodos de avaliação “meramente aritmética resultante de imposição legal” e as correcções à matéria tributável do IRC foram efectuadas “com recurso a métodos indirectos” de avaliação – quadro de fls. 103- vº do PA;
6. Do ponto III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável do Relatório extracta-se o seguinte:
III.2 SITUAÇÃO DE FACTO
Neste ponto passamos a descrever alguns procedimentos levados a efeito para a obtenção de todos os dados por nós considerados relevantes para o desenvolvimento do processo.
De resto, estabelece o artigo 6° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), o procedimento de inspecção visa "a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo".
Nesse sentido e dando cumprimento ao artigo 44° do RCPIT foi recolhida toda a informação disponível sobre este sujeito passivo objecto de inspecção e outros obrigados tributários com o qual este tenha tido relações económicas.
Daí que, no âmbito do processo de averiguações em curso, à facturação falsa no sector da cortiça, emissão e utilização (processo esse com origem no cruzamento de informações de outros processos de inspecção tributária e na informação solicitada ao núcleo de informática da D.S.E.P.C.P.LT. onde se procedeu ao cruzamento das declarações anuais de diversos sujeitos passivos — Anexos O e P), se tenha previamente:
-Notificado a sociedade "HQB", em 9 de Maio de 2003, na pessoa do seu gerente, Senhor QCB, no sentido desta nos remeter fotocópias das Facturas, Guias de Remessa, Guias de Transporte, Talões de Pesagem, Extractos de Conta Corrente e comprovativo dos meios de pagamento, relativos aos fornecedores identificados nessa mesma notificação.
(…)
Em resultado do trabalho prévio acima aludido, v.g. da análise da resposta à nossa notificação pessoal, datada de 9 de Maio de 2003, constatamos que a sociedade "HQB" nos exercícios de 2001 e 2002, declarou ter realizado transacções com fornecedores constantes da aludida notificação, a saber:
1. ECC, Lda — NIPC: 50xxx15, (Exercícios de 2001 e 2002);
2. CV, Lda — NIPC: 50xxx63, (Exercício de 2002).
Da análise documental efectuada, já no decurso do procedimento de inspecção, à contabilidade do Sujeito Passivo, relativa aos exercícios de 2000, 2001 e 2002, verificamos que este contabilizou as seguintes facturas dos aludidos fornecedores (facturas das quais foram retirados os respectivos duplicados), a saber:
ECC, Lda — NIPC: 50xxx15
Exercício de 2001
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Nota: Estas são as facturas que se encontram efectivamente registadas na contabilidade da empresa "HQB".
No entanto, do relatório de inspecção efectuado à empresa "CV, Lda", verifica-se que terá ficado por registar a factura nº 1-667 datada de 9 de Outubro de 2001, no valor de 19.649.000$00 acrescido de 3.340.330$00 de IVA.
Não deixa de ser um pouco estranho, o facto da empresa "HQB" ter deixado de contabilizar uma factura de valor bem significativo, ter prescindido do direito à dedução de 3.340.330$00 de IVA, para além da consequente omissão à componente "Compras de Mercadorias", quando a empresa emitente, CV, Lda", a registou na sua contabilidade.
Em relação aos fornecedores em questão importa informar:
III.2.1 INDÍCIOS DE OPERAÇÕES FICTÍCIAS — JUNTO DOS EMITENTES
Aquando do envio do Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção, juntou-se informação elaborada na sequência dos procedimentos de inspecção levados a efeito às sociedades CV e ECC, empresas dos mesmos sócios, onde se prova que estas sociedades estão indiciadas no crime de fraude fiscal pela utilização e emissão de "Facturas Falsas", e cujos pontos mais significativos passamos a descrever:
- Prática continuada de crimes fiscais perpetrados pelos gerentes das sociedades acima identificadas;
- As compras registadas pelas sociedades ECC e CV nos anos de 1999 a 2002 são, na sua quase totalidade, suportadas por facturas falsas;
- Confrontado com o facto da quase totalidade das compras registadas estarem suportadas por facturas timbradas em nome de "pseudo-fornecedores", o mesmo respondeu que tem a noção de que foi enganado, o que não acreditamos, pelo facto de todos eles serem já bem conhecidos no meio há bastantes anos;
- Questionado acerca da possibilidade de nos identificar os "fornecedores reais", o mesmo não identificou nenhum fornecedor;
- Todas as compras suportadas por este tipo de facturas eram pagas sempre em dinheiro, apesar dos elevadíssimos montantes envolvidos;
- Após o inicio do procedimento de inspecção a estas empresas, o qual durou quase um ano, não mais se registaram movimentos de entradas e/ou saídas de carros carregados com cortiça ou produtos derivados, o que evidencia bem o tipo de actividade que estas empresas desenvolviam efectivamente.
III.2.2 INDÍCIOS DE OPERAÇÕES FICTÍCIAS — JUNTO DO UTILIZADOR
III.2.2.1 - ANÁLISE QUALITATIVA DAS AQUISIÇÕES EFECTUADAS À ECC E CV
Como atrás já foi referido a "HQB" contabilizou nos exercícios de 2001 e 2002, diversas facturas das sociedades ECC e CV.
A saber:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Analisadas em pormenor as compras efectuadas pela "HQB" às empresas ECC e CV, salientamos que as mesmas são essencialmente rolhas de qualidade Extra/Superior/1° e cortiça de boa qualidade.
Estas aquisições são no mínimo muito estranhas, na medida em que:
- Nas conclusões dos procedimentos de inspecção levados a efeito àquelas sociedades, podemos ler (e segundo declarações de um funcionário com a categoria profissional de Torneiro Mecânico) entre outras coisas que:
"...nestas instalações - da CV e ECC - basicamente entram rolhas das qualidades 5°s e 6°s, trazidas pelos clientes das firmas, destinadas a serem colmatadas nestas instalações. Há mais de 10 anos que não dão entrada nestas instalações nem se, produzem rolhas extras, superiores, 1º, 2° ou 3°. Mais disse, que há muitos anos, que não entram nas instalações destas firmas, fardos de cortiça ou cortiça a granel, excepto para alguns fardos de cortiça que terão entrado por inícios de 2004, mas de qualidade 4ª a 6ª ".
- Por outro lado, e tendo ainda em conta as conclusões do mesmo relatório, não nos podemos esquecer que a quase totalidade dos seus "inputs" são suportados por "papel falso", cujos emitentes eram e são bem conhecidos no meio empresarial de Santa Maria da Feira.
- De resto, e se verificarmos que em duas ou três vezes que a empresa CV adquiriu algumas rolhas a esta empresa "HQB", as qualidades das mesmas sempre foram "5° e 6°", o que vem confirmar de alguma forma, aquilo que o relatório de inspecção já tinha sublinhado, isto é, as Compras de rolhas destas empresas, "CV e ECC", são exclusivamente rolhas de qualidades inferiores, "4ª a 6ª", e nunca de qualidades superiores.
Daí ser no mínimo questionável a venda de algo que não se comprou nem se produziu.
E da mesma forma podemos questionar:
Como é possível comprar-se algo a quem não tem nem produz para poder vender?
III.2.3 — ANÁLISE DOS MEIOS DE PAGAMENTO
Aquando da notificação à sociedade "HQB", em 9 de Maio de 2003, na pessoa do seu gerente, Senhor QCB, no sentido desta nos remeter fotocópias das Facturas, Guias de Remessa, Guias de Transporte, Talões de Pesagem, Extractos de Conta Corrente e comprovativo dos meios de pagamento, relativos aos fornecedores identificados nessa mesma notificação, mais se pedia, que no caso do meio de pagamento utilizado ser o cheque, se solicitasse às Instituições Bancárias em causa, fotocópias frente e verso autenticadas dos mesmos, para além das respectivas fotocópias das cartas a elas remetidas, que comprovassem o pedido das referidas cópias.
Uma vez na posse de tais elementos, verificamos essencialmente os seguintes aspectos:
1. Em nenhuma das variadíssimas situações de pagamento os cheques foram depositados em contas ligadas às sociedades ECC e CV;
2. Os mesmos eram sistematicamente levantados ao balcão das instituições bancárias em causa, por um dos sócios destas empresas, AAC, após endosso da sociedade.
Tudo isto não deixa de ser muito estranho.
III.3 SITUAÇÃO DE DIREITO
A sociedade "HQB", registou no decurso dos anos de 2001 e 2002, facturas por nós consideradas de favor, e já descritas no ponto III.2 deste relatório, nos seguintes montantes (Euros e Escudos):
Exercício de 2001— ECC, Lda
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Fonte: Extracto da conta Compras (3 12 1 1 e 3 161 1) e subcontratos (6212) Extracto da conta IVA Dedutível (2432121; 2432141 e 2432341)
(*) - Esta factura é a única que diz respeito á empresa "ECOO", para o exercício de 2002.
Deduzindo o IVA nelas mencionado, nos exercícios de 2001 e 2002, no montante de 6.994,79 € e de 28.561,73 C. respectivamente, no montante global de 35.556,52 €, (IVA esse que subtraiu ao montante de imposto devido no período, conforme estabelece o artigo 22° do CIVA, na Declaração Periódica de IVA a que se refere a alínea c) do n° 1 do artigo 28° e 40°, ambos do CIVA, remetida ao SIVA, relativa aos períodos de IVA abaixo descritos) contrariando, assim, o disposto no n° 3 do artigo 19° do CIVA.
Exercício de 2001
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
” – pág. 5 a 6-verso do Relatório, de fls. 105 a 110 do PA;
7. No ponto “IX. Direito de audição – Fundamentação” do Relatório consta:
Conforme já exposto no ponto 1II.1 do presente relatório, estamos perante um cenário de facturação falsa, sempre que as partes intervenientes nas transacções sejam elas simuladas, conforme refere o artigo 19º do CIVA, assim como a alínea c) do n° 1 do artigo 103° e n° 2 do artigo 104° do RGIT, que consideram existir fraude, sempre que exista negócio simulado "quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas".
Ora conforme ficou explícito nas informações decorrentes das inspecções realizadas às empresas "CV e ECC", nem uma nem outra poderiam ter sido os verdadeiros fornecedores das mercadorias subjacentes às facturas em apreço, pois que:
Pese embora o facto de possuírem instalações industriais, ficou provado através das investigações levadas a efeito junto destas duas empresas, que as transacções subjacentes às facturas em apreço nunca poderem ter sido efectuadas por estas, pois que a única actividade comprovadamente efectuada por ambas, ser nessa altura a de alguma prestação de serviços e o tratamento e comercialização de rolhas de formatos especiais e de qualidade inferior.” – pág. 22-verso e 23 do Relatório de fls. 113 e 114 do PA;
8. Notificada em 17/12/2004, a agora Impugnante requereu a abertura do procedimento de revisão da matéria colectável de IVA e de IRC em 14/1/2005 – fls. 86 a91 do PA;
9. Em 22/3/2005 reuniram-se os peritos da agora Impugnante e da Fazenda Pública para discutir apenas a matéria tributável do IRC (sem que tivessem chegado a acordo) de cuja acta consta que “3.2 – Aberto o debate – 3.2.1 – Foi informado o perito do contribuinte que a comissão apenas se debruçaria em matéria de IRC, aliás de conformidade com o que lhe tinha sido notificado em matéria de IRC – Métodos indirectos. O Perito não se tinha apercebido e pensava que a comissão de revisão também seria para discutir o IVA. Assim sendo, foi esclarecido dos motivos que impediam a discussão em matéria de IVA” – doc. 12/2005, de fls. 67 a 84;
10. Em 4/6/2005 a AT efectuou as seguintes liquidações, que notificou:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
-fls. 2 a 4 dos autos
11. Em 18/10/2005 a presente Impugnação entrou no Serviço de Finanças de Feira 4 – fls. 6 do PA;
12. O Sujeito passivo impugnou as liquidações do IRC dos anos de 2001 e 2002, tendo o processo sido autuado com o nº 1425/05.0BEVIS, em cuja decisão final, proferida neste Tribunal em 16/5/2013 consta que “Vêm impugnadas as correcções à matéria tributável do IRC, com recurso a métodos indirectos e, particularmente, a decisão de fixação de uma taxa de rentabilidade fiscal sobre as vendas (designada “taxa de RFV”) de 5%, utilizada pela AT como base de cálculo do lucro tributável (fls. 18 do Relatório).
Não obstante a Impugnante revelar discordância quanto à qualificação como “falsas” de alguns documentos de despesas relevados na sua contabilidade e como “fictícias” as respectivas operações subjacentes, a questão a resolver resultante do pedido e arguida substantivamente na causa de pedir resume-se à alegada falta de fundamentação do referido critério de quantificação.(…) a AT decidiu aplicar uma taxa de 5% por “entender que conduzia a uma tributação razoável e aceitável mas sem indicar quais os motivos que a levam a entender dessa maneira, a fundamentação é inexistente ou, pelo menos, insuficiente.
A falta de indicação da justificação de tal entendimento retira transparência interna ao procedimento, impedindo qualquer pessoa de perceber a real intenção do decidente, e obsta a que um destinatário normal colocado em circunstâncias concretas idênticas às da Impugnante compreenda, se defenda eficazmente dos efeitos do acto decisório ou formule um juízo fundado acerca da racionalidade da decisão.
O que equivale à verificação do invocado vício de falta de fundamentação e implica a anulação do acto.
(…)
5. Decisão
Tudo visto e ponderado, o tribunal julga a impugnação procedente, anulando-se as liquidações em causa nos autos com todos os efeitos legais.
Custas pela Fazenda Pública” – conhecimento oficioso;
13. O capital social das sociedades “ECC” e “CV”, bem como da sociedade “WC” é detido, directamente ou conjuntamente com a sua esposa, pelo sócio e gerente PNBC – fls. 44/45 do PA;
14. As sociedades “ECC” e “CV” não têm instalações, máquinas ou equipamentos fabris próprios, usando um escritório arrendado à sociedade “WC” – fls. 45 do PA e última testemunha;
15. Os bens do activo imobilizado são detidos pela “WC” mas são utilizados por esta e pelas sociedades “ECC” e “CV” – fls. 45 verso do PA;
16. A CV tem pessoal no seu quadro, ao contrário da ECC – fls. 45-verso do PA;
17. A CV encontra-se, já desde antes de 1999, com Capitais Próprios negativos (cerca de 1,8 milhões de euros em 2003) – fls. 46 do PA;
18. Nos anos de 1999 a 2003, as sociedades “ECC” e “CV” exerceram actividade e registaram na sua contabilidade compras suportadas em facturas timbradas em nome dos seguintes fornecedores:
-APS;
- ASF;
- ANC, Lda.;
-AL, Unipessoal, Lda.;
-AP, Unipessoal, Lda.;
-AS, Unipessoal, Lda.;
-CAS;
-CF, Lda.;
-LAFM Unipessoal, Lda..
-JOFS;
-MCPSC, Unipessoal, Lda.;
-MASRC;
-MFAS;
-MP, Unipessoal, Lda. – fls. 46 do PA;
19. A AT reuniu fortes indícios de que os sujeitos referidos em 18 supra são emitentes de facturas falsas (estão indiciados como tal noutros processos em que as sociedades “ECC” e “CV” são utilizadores das facturas; o valor global das facturas emitidas por esses sujeitos ronda cinquenta milhões de euros e o gerente destas sociedades, AA, não demonstra conhecer os aludidos fornecedores ou as pessoas que os representaram nos respectivos negócios nem as suas instalações ou a localização destas nem o concreto local onde ocorreram as transacções, não lhe conhece o paradeiro e não possui qualquer contacto e diz que lhes pagava sistematicamente em dinheiro, diferentemente do que fazia em algumas compras de pequeno valor, como material de escritório; os trabalhadores das sociedades “ECC” e “CV” afirmam as empresas prestam serviços de melhoramento da qualidade de rolhas de clientes mas que nas empresas não entra cortiça nem se trabalha em cortiça, pelo que deixaram completamente de fazer/brocar rolhas a partir de altura situada entre 1997 a 2000, que não conhecem os fornecedores, que há mais de dez anos que não trabalham com rolhas de qualidade extra e trabalham quase exclusivamente com rolhas e cortiça de baixa qualidade – 4ª, 5ª e 6ª – demorando cerca de três meses para subir a qualidade de 10.000 rolhas para “superior” ou 1ª ) – fls. 46 e 47 do PA não impugnado;
20. As facturas relativas à aquisição de cortiça de boa qualidade pelas sociedades “ECC” e “CV” foram emitidas por alguns dos sujeitos referidos em 18 supra – pág. 13 da informação referida 3, a fls. 282 do PA não impugnado;
21. Na contabilidade das sociedades “ECC” e “CV” foram encontradas incoerências entre a qualidade da cortiça comprada (de baixa qualidade) relativamente à vendida (alta qualidade) e entre a quantidade e valor das vendas relativamente aos reduzidos meios disponíveis – fls. 48-verso e 49 do PA;
22. As facturas em causa nos autos (pág. 9 a 11 do Relatório) referem-se essencialmente a rolhas de qualidade “extra/Superior/1º” e cortiça de boa qual idade – fls. 107 do PA;
23. Os registos financeiros das sociedades “ECC” e “CV”, nomeadamente os relativos a movimentos bancários, letras e outros meios financeiros usuais na actividade comercial, não correspondem aos montantes das facturas de vendas – fls. 49 do PA;
24. No exercício de 2003 verificou-se uma diminuição abrupta nas vendas, ao ponto da ECC deixar praticamente de facturar e a CV limitar a sua facturação à prestação de serviços e à venda de rolhas de formatos especiais e de qualidades inferiores – fls. 49-verso do PA;
25. Durante algumas semanas seguidas, até final de Maio de 2004, a AT verificou que nos escritórios da ECC/CV não foram recebidos nem efectuados quaisquer telefonemas e que a correspondência dirigidas às sociedades se limitava a facturas de electricidade, água e publicidade e que não viram qualquer movimento de chegada ou saída de carros carregados com cortiça ou seus derivados – fls. 50 do PA;
26. O inspector tributário propôs as correcções descritas no Relatório porque, tendo verificado a contabilização de facturas emitidas em nome das sociedades “ECC” e “CV”, “tinha instruções” para recusar a dedução de custos e do IVA suportados em quaisquer documentos com essa proveniência e limitou-se a verificar como foram pagas as operações facturadas, tendo concluído que os respectivos valores não foram contabilizados nas referidas empresas “ECC” e “CV” – última testemunha;
27. Os cheques da conta de HDGB emitidos a favor de “ECC” e “CV” em 2001, 2002 e 2003, foram endossados no próprio dia da emissão ou pouco depois pelo gerente dessas sociedades e os respectivos valores foram depositados em conta particular deste – anexo 21 do Relatório, de fls. 392 a 424 do PA;
28. Relativamente aos anos 2001 e 2002 a contabilidade da Impugnante estava organizada formalmente de maneira que não merece qualquer crítica – última testemunha;
3.2 – Não há factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.
4. Motivação de facto
A convicção do tribunal quanto aos factos assentes teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados, a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que se dão como integralmente reproduzidos, conforme se indica em cada um dos pontos de 3.1 supra.
O depoimento da primeira testemunha inquirida (HDGB), que é sócio fundador e contabilista e filho do sócio-gerente (QCB) da sociedade impugnante e primo do gerente das sociedades emitentes das facturas reputadas falsas (PNBC), não se mostrou relevante dado o manifesto interesse pessoal subjacente.
Além disso, são dele os cheques referidos nos anexos 19 a 21 do Relatório (fls. 242 a 424 do PA), emitidos às empresas CV e ECC.
De qualquer maneira, o facto, por ele afirmado, de que das instalações da agora Impugnante se via, no estaleiro das sobreditas sociedades emitentes, alguns fardos de cortiça, é infirmado, no sentido de que tal não significa que estas compram e vendam a cortiça de boa qualidade referida nas facturas reputadas como falsas, na medida em que os respectivos trabalhadores admitem que no início de 2004 foi comprada alguma cortiça- cerca de 30 fardos - de fraca qualidade que ainda se encontra, em meados de 2004, no mesmo local onde foi descarregada (fls. 48 do PA).
O depoimento da segunda testemunha, inspector responsável pelo Relatório sob impugnação, aceita-se na parte em que complementa o Relatório quanto às condições em que a inspecção foi efectuada.
Do conjunto da prova produzida resultou a convicção de que as empresas emitentes das facturas em causa nos autos (sociedades “ECC” e “CV”) exerceram, até 2003, e, portanto nos anos em causa nos autos, alguma – embora reduzida - actividade de compra e venda de cortiça e seus derivados.
A própria AT admite que nem toda a actividade das sobreditas empresas, relativas aos anos 2001 e 2002, assentou em facturas falsas (embora suspeite que a maior parte ou “quase totalidade” – fls. 46 verso - das operações activas e passivas relativas a cortiça de alta qualidade não corresponde a actividade real), depreendendo-se que à partida não vem posta em causa a realidade de (pelo menos algumas) transacções, nomeadamente as relativas a cortiça de baixa qualidade.
Ou seja, não obstante a manifesta escassez de meios humanos, materiais e financeiros aceita-se que as sociedades “ECC” e “CV” estiveram em actividade nos anos 2001 e 2002 e que nesse período terão efectuado compras, vendas e transformação de cortiça (embora tal admissão se limite a bens de baixa qualidade e em reduzida quantidade e valor).
Porém, os indícios reunidos pela AT apontam fortemente no sentido de algumas das facturas de compra e de venda emitidas pelas sociedades “ECC” e “CV” serem “falsas”, no sentido de que não existe correspondência directa entre o seu descritivo, quantidades, valores e sujeitos, e a realidade da vida.
O que se prefigura com grande probabilidade.
Este entendimento resulta da cumulação de factos que indicam que as facturas de aquisição feitas pelas referidas sociedades são fictícias, no sentido de que não correspondem à quantidade, qualidade e valor nelas mencionados (facto 19 de 3.1 supra).
De facto, justifica-se que a AT suspeite da falsidade de tais aquisições, já que o gerente das sociedades “ECC” e “CV” parece não conhecer factos concretos relativo aos seus fornecedores e às negociações em que alegadamente terá participado e não prova minimamente a materialidade dessas operações e, por outro lado, os trabalhadores das sociedades “ECC” e “CV” fizeram afirmações incompatíveis com a alegada compra de rolhas e cortiça de alta qualidade (extra, superior e 1ª) – fls. 46 a 48 do PA.
Além disso, cumulam-se factos que indiciam que as sociedades “ECC” e “CV” não possuem meios materiais e humanos para a prática de operações comerciais de volume substancial, na medida em que se encontram praticamente inactivas e tecnicamente falidas, nem possuem existências e porque alguns dos seus alegados fornecedores nem sequer terão capacidade (estão inactivas) ou não têm realidade (são toxicodependentes que servem de “homens de palha” para dar a aparência fictícia de “empresas”).
Acresce que o gerente das sociedades emitentes das facturas em causa nos autos é familiar próximo (sobrinho ou primo) dos representantes da sociedade utilizadora e agora Impugnante.
A Impugnante não contesta a existência de tais indícios de falsidade, mas apenas o seu valor probatório (16º e 17º da p.i.). Tal falta de impugnação equivale ao reconhecimento da existência dos indícios apontados pela AT justificativos da sua pretensão de efectuar correcções ao IVA deduzido (embora a Impugnante discorde da valoração que desses indícios é feita pela AT).
Além disso, a Impugnante não fez qualquer prova positiva da existência de materialidade das operações descritas nas facturas emitidas pelos putativos fornecedores de mercadorias ou matérias-primas às sociedades “ECC” e “CV”.
De onde se conclui que são fictícias as vendas tituladas pelas facturas emitidas pelos sujeitos referidos em 18 de 3.1 supra às sociedades “ECC” e “CV”.
Assim, sendo falsas tais facturas de compra também são falsas, como consequência necessária, as facturas de venda emitidas pelas sociedades “ECC” e “CV”, incluindo as referidas nos presentes autos, utilizadas pela agora Impugnante.
Ou seja, a AT cumpriu adequadamente o ónus a seu cargo de indicar e documentar os factos concretos que justificam a suspeita de que as facturas em causa nos autos, emitidas pelas sociedades “ECC” e “CV”, merecem ser consideradas falsas (não carecendo de fazer prova objectiva e completa, bastando a junção se indícios sérios da inexistência das operações facturadas).
Não obstante a última testemunha (o inspector tributário subscritor do Relatório) ter admitido expressamente que as circunstâncias descritas relativamente às sociedades “ECC” e “CV” não as impediam hipoteticamente de efectuar realmente as transacções descritas nas facturas reputadas como falsas, no pressuposto de que esses bens tivessem sido fornecidos directamente por uma entidade terceira, cumpria à Impugnante alegar e demonstrar a existência desse fornecimento, nomeadamente identificando o concreto fornecedor “terceiro”, já que esses factos não constam das contabilidades da Impugnante nem das sociedades “ECC” e “CV” (a AT verificou que não existe registo de compras a outros fornecedores das sociedades “ECC” e “CV”, para além dos referidos em 18 de 3.1 supra).
É justificada a suspeita de que as facturas em causa nos autos são falsas, atenta a seguinte factualidade:
- as sociedades emitentes, “ECC” e “CV”, não adquiriram nem produziram as rolhas e cortiça de alta qualidade que dizem ter vendido (e facturaram):
PORQUE,
- os seus fornecedores não lhe venderam realmente cortiça e rolhas de alta qualidade (extra, superior ou 1ª), não estando provado que a generalidade deles exerça qualquer actividade corticeira, e aqueles que a exercem apenas fornecem efectivamente materiais de baixa qualidade (4ª, 5ª e 6ª);
- com certos limites físicos, é possível aumentar a qualidade das rolhas mas o trabalho de transformar material de baixa qualidade em rolhas de qualidade superior ou de primeira demora cerca de três meses para cada saco de 10.000 unidades, o que implica a utilização de meios humanos e equipamentos que as sociedades “ECC” e “CV” não têm, já que no caso dos autos as facturas referem-se a cerca de 710.000 rolhas de boa qualidade, alegadamente vendidas apenas no ano 2002, o que, dada a escassez de meios, implicaria o trabalho de 71 meses ou (cerca de) 6 anos;
- os trabalhadores das empresas emitentes (sociedades “ECC” e “CV”) não viram, não produziram nem transformaram, quaisquer rolhas de qualidade “extra”, não obstante parte substancial da facturação reputada falsa se referir a essa qualidade.
Além disso, a Impugnante não demonstrou a existência de factos positivos comprovativos ou indiciadores da existência da materialidade das operações descritas nas facturas em causa, reputadas como falsas.
Não obstante não se saber se houve “retorno” à agora Impugnante dos valores correspondentes aos cheques emitidos a favor das sociedades “ECC” e “CV”, como é característico dos “negócios” suportados em facturas falsas, e quem efectivamente se apropriou desses montantes, não ficou provado que no sentido das sociedades “ECC” e “CV” para a sociedade agora Impugnante houve real fluxo da mercadoria referida nas facturas e que no sentido inverso houve real fluxo de meios financeiros.
De facto, apenas se sabe que o sócio, contabilista, fundador da Impugnante e agora testemunha, HDGB, emitiu cheques de conta pessoal a favor das referidas sociedades emitentes das facturas consideradas falsas, e que idênticos valores foram depositados em conta particular do seu familiar (primo) e sócio gerente dessas sociedades, desconhecendo-se a origem e destino de tais quantias.
Do exposto, resulta a conclusão de que o Tribunal acompanha o entendimento de que as facturas em causa são falsas, na medida em que, por força dos indícios arrolados pela AT, a contabilidade, as declarações e outros elementos do sujeito passivo perdem a presunção legal de verdade e de boa-fé de que gozavam inicialmente.
A essa conclusão não obsta o reconhecimento, pela AT, de que a contabilidade em causa, relativa aos anos de 2001 e 2002, não merece qualquer crítica formal.
Na verdade, a AT não visou pôr em causa a organização formal da contabilidade mas apenas a sua validade material. O que logrou satisfatoriamente.”
*
2. O Direito
A primeira questão objecto do presente recurso consiste em saber se a AT fez a prova que lhe competia na demonstração da falsidade das facturas desconsideradas para efeitos de dedutibilidade do IVA nelas mencionado.
Dispõe o n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, em que se apoiam de direito as correcções em causa (cfr. fls. 108 do processo instrutor apenso – relatório de inspecção tributária - RIT), que «não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente».
Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, processo n.º 01483/02 e do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
Assim sendo, importa analisar se a Administração Tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.
Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/2012 (processo n.º 00964/06.0 BEPRT).
Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (cfr. acórdão do STA, de 27/10/2004, Processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75.º da LGT.
Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.
Nesta tarefa e como é salientado no acórdão deste TCA Norte de 28/02/2013, proferido no processo n.º 00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se até a fiscalização cruzada um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.
Vertendo nos autos os considerandos doutrinais e jurisprudenciais expostos, decorre do RIT que a AT, em acção inspectiva ao sujeito passivo impugnante, concluiu que as facturas por ele contabilizadas no exercício de 2001 e 2002 dos emitentes “ECC, Lda” e “CV, Lda.” não representam reais e efectivas operações económicas.
O tribunal recorrido confirmou esta conclusão, além do mais, com o seguinte discurso fundamentador:
“(…) Ou seja, para que fosse exigível ao sujeito passivo que fizesse prova do direito à dedução era necessário que, antes disso, a AT demonstrasse, ao menos indiciariamente, o seu direito de fazer correcções ao IVA deduzido.
No caso, a AT adquiriu para o concreto procedimento inspectivo os indícios que justificam a suspeita de que as sociedades “ECC” e “CV” são habituais emitentes de facturas falsas, caso em que, a verificar-se no caso dos autos, obstaria à dedução do IVA mencionado nesses documentos, nos termos do nº 3 do artigo 19º e nº 1 do artigo 20º do CIVA.
A AT invocou indícios fundados, cuja existência não vem contestada, de que as facturas de compras emitidas a favor das sociedades “ECC” e “CV” e utilizadas por estas são falsas e a Impugnante não demonstrou positivamente a existência de factos demonstrativo da materialidade dessas operações. Em consequência necessária a AT considerou – crê-se que correctamente – que as facturas emitidas pelas sociedades “ECC” e “CV”, porque não fundadas em aquisições reais ou de realidade verificável, também devem ser qualificadas como falsas.
Ou seja, como se viu em 4 supra, a AT logrou convencer de que essa qualificação é merecida no concreto caso dos autos.
De acordo com o artigo 58º da LGT, 50º do CPPT e 6º do RCPIT, a AT está obrigada a usar no procedimento todas provas a que consiga ter acesso, independentemente da parte que beneficiar com a vantagem patrimonial que dela resultar, devendo para isso adoptar oficiosamente ou a requerimento as iniciativas adequadas à satisfação do interesse público inerente à descoberta da verdade material.
Essa obrigação não implica que a AT deva praticar actos previsivelmente inúteis, nomeadamente repetindo diligências já feitas, levadas ao conhecimento dos interessados e não contestadas por estes.
No caso, a AT procedeu adequadamente, notificando a informação referida em 2 e 3 de 3.1 supra juntamente com o projecto de Relatório, de maneira a permitir acompanhar a qualificação que fez das facturas em causa como falsas.
Por seu lado, a Impugnante nada fez para convencer da existência do seu direito à dedução do IVA em causa nos autos.
Pelo que a sua pretensão tem de improceder. (…)”
Importa verificar se a sentença recorrida fez correta apreciação dos indícios recolhidos pela Administração Tributária vertidos no relatório e se são suficientes para não aceitar as deduções de IVA efectuadas pela Impugnante / Recorrente relativamente aos fornecedores ECC, Lda. e CV, Lda.
Resulta da matéria assente que a Administração desconsiderou as facturas que a impugnante / Recorrente registou na sua contabilidade de aquisição de bens e serviços à ECC, Lda., no ano de 2001, com o número 1-226, com o valor líquido de € 41.1145,83, que acrescido de IVA perfaz a quantia global de € 48.140,63, e no do ano de 2002, com o número 1-437, com o valor líquido de € 5.000,00, que acrescido de IVA perfaz a quantia global de € 5.950,00. E as facturas de aquisição de bens e serviços à CV, Lda., no ano de 2002, com os números 1-842, 1-867, 1-888, 1-909, 1-912, 1-959 e 1-1010, com o valor líquido total de € 149.472,25, que acrescido de IVA perfazem a quantia global de € 177.083,98.
A Administração Tributária apresentou um grupo de indícios relativos aos emitentes das facturas, referindo, nomeadamente, que “(…) na sequência dos procedimentos de inspecção levados a efeito às sociedades CV e ECC, empresas dos mesmos sócios, onde se prova que estas sociedades estão indiciadas no crime de fraude fiscal pela utilização e emissão de “Facturas Falsas”, e cujos pontos mais significativas passamos a descrever:
(…) Prática continuada de crimes fiscais perpetrados pelos gerentes das sociedades acima identificadas;
(…) As compras registadas pelas sociedades ECC e CV nos anos de 1999 a 2002 são, na sua quase totalidade, suportadas por facturas falsas;
(…) Confrontado (o gerente) com o facto da quase totalidade das compras registadas estarem suportadas por facturas timbradas em nome de “pseudo-fornecedores”, o mesmo respondeu que tem a noção de que foi enganado, o que não acreditamos, pelo facto de todos eles serem já bem conhecidos no meio há bastantes anos;
(…) Questionado acerca da possibilidade de nos identificar os “fornecedores reais”, o mesmo não identificou nenhum fornecedor;
(…) Todas as compras suportadas por este tipo de facturas eram pagas sempre em dinheiro, apesar dos elevadíssimos montantes envolvidos;
(…) Após o início do procedimento de inspecção a estas empresas, o qual durou quase um ano, não mais se registaram movimentos de entradas e/ou saídas de carros carregados com cortiça ou produtos derivados, o que evidencia bem o tipo de actividade que estas empresas desenvolviam efectivamente.”
A Administração Tributária também recolheu indícios de operações fictícias junto do utilizador, indicando, em síntese, no relatório, que «(…) as compras efectuadas pela "HQB" às empresas ECC e CV, salientamos que as mesmas são essencialmente rolhas de qualidade Extra/Superior/1° e cortiça de boa qualidade.
Estas aquisições são no mínimo muito estranhas, na medida em que:
- Nas conclusões dos procedimentos de inspecção levados a efeito àquelas sociedades, podemos ler (e segundo declarações de um funcionário com a categoria profissional de Torneiro Mecânico) entre outras coisas que:
"...nestas instalações - da CV e ECC - basicamente entram rolhas das qualidades 5°s e 6°s, trazidas pelos clientes das firmas, destinadas a serem colmatadas nestas instalações. Há mais de 10 anos que não dão entrada nestas instalações nem se produzem rolhas extras, superiores, 1º, 2° ou 3°. Mais disse, que há muitos anos, que não entram nas instalações destas firmas, fardos de cortiça ou cortiça a granel, excepto para alguns fardos de cortiça que terão entrado por inícios de 2004, mas de qualidade 4ª a 6ª ".
- Por outro lado, e tendo ainda em conta as conclusões do mesmo relatório, não nos podemos esquecer que a quase totalidade dos seus "inputs" são suportados por "papel falso", cujos emitentes eram e são bem conhecidos no meio empresarial de Santa Maria da Feira.
- De resto, e se verificarmos que em duas ou três vezes que a empresa CV adquiriu algumas rolhas a esta empresa "HQB", as qualidades das mesmas sempre foram "5° e 6°", o que vem confirmar de alguma forma, aquilo que o relatório de inspecção já tinha sublinhado, isto é, as Compras de rolhas destas empresas, "CV e ECC", são exclusivamente rolhas de qualidades inferiores, "4ª a 6ª", e nunca de qualidades superiores.
Daí ser no mínimo questionável a venda de algo que não se comprou nem se produziu.
E da mesma forma podemos questionar:
Como é possível comprar-se algo a quem não tem nem produz para poder vender? (…)»
Relativamente, aos meios de pagamentos, pese embora os mesmos fossem efectuados em cheque, não foram depositados nas contas da ECC e da CV, eram sistematicamente levantados ao balcão das instituições bancárias, por um dos sócios destas empresas, AAC, após endosso da sociedade.
Nesta conformidade, atendendo à actividade desenvolvida pela Recorrente, a caracterização dos emitentes das facturas, seus fornecedores e dos elementos constantes no relatório de inspecção, conjugado entre si e à luz da experiência, permite concordar com a sentença recorrida, que representam indícios sérios e credíveis, dada a sua objectividade e seriedade, indiciadores de que a escrita da impugnante não merece credibilidade e as facturas emitidas pela ECC, Lda. e pela CV, Lda., nos anos de 2001 e de 2002, eram facturas que não tinham subjacentes fornecimentos de matérias-primas nem prestação de serviços.
Nem a CV, nem a ECC poderiam ter sido os verdadeiros fornecedores das mercadorias subjacentes às facturas em apreço, pois, pese embora o facto de possuírem instalações industriais (apesar de não serem próprias – cfr. pontos 14 e 15 do probatório), ficou provado, através das investigações levadas a efeito, que as transacções subjacentes às facturas em apreço não podiam ter sido efectuadas por estas, dado a única actividade comprovadamente efectuada por ambas ser, nessa altura, a de alguma prestação de serviços e o tratamento e comercialização de rolhas de formatos especiais e de qualidade inferior.
Para formar o seu juízo quanto à falsidade das facturas dos emitentes, e como também decorre do RIT, a AT baseou-se em factos colhidos no âmbito de outros procedimentos inspectivos envolvendo aqueles emitentes, que lhe permitiram constatar, destacadamente, que a actividade da “CV, Lda.” e da ECC, Lda. se resumia à compra e venda de rolhas de fraca qualidade, formatos especiais e à prestação de alguns serviços e os “outputs” são constituídos, na sua grande maioria, por venda de rolhas de qualidade extra superior, 1.ª, 2.ª e 3.ª; que não compraram nem produziram.
Nesta conformidade, improcedem as conclusões da Recorrente, uma vez que, a Administração Fiscal, cumprindo o artigo 74.º da Lei Geral Tributária, prova os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade.
A Recorrente alega que a Administração Tributária tomou a iniciativa de em procedimento de inspecção tributária, alheando-o por completo da realidade que representava a impugnante, da sua organização empresarial, da sua estrutura económico-financeira, da sua representatividade no meio industrial de transformação de produtos de cortiça e reconduziu a sua actuação àquilo que de errado se passava nos seus fornecedores, extrapolando para a impugnante os eventuais vícios e irregularidades verificados naqueles.
Esta abordagem, assim colocada no presente recurso, poderia resumir-se a saber se a Administração Tributária pode bastar-se com factos exclusivamente relativos aos emitentes das facturas indiciadores da falsidade, para obviar à dedução do IVA.
A resposta é afirmativa, como reiteradamente tem decidido o STA, designadamente, no Acórdão do Pleno do STA, de 17/02/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0591/16.
Mas, nem nos parece que seja essa, verdadeiramente, a questão que se ajusta aos presentes autos, na medida em que, repristinando as partes relevantes do RIT, se constata que a AT recolheu indícios não só junto dos emitente das facturas, mas também junto da utilizadora, aqui Recorrente, tendo cruzado todos os factos e informação e, ainda, apreciado pormenorizadamente os meios de pagamento utilizados com referência às facturas em crise.
De acordo com a prova alcançada, os factos indiciadores de falsidade da facturação recolhidos pela AT são os que se mostram transcritos na decisão da matéria de facto e a que já nos referimos, entretanto.
Todo este acervo factual devidamente articulado entre si - e não de uma forma isolada e atomística -, lido à luz das regras da experiência comum, revela um conjunto fortemente indiciador de que as facturas emitidas por estes sujeitos é falsa e não pode corresponder a verdadeiras transacções.
É preciso notar que na designada facturação falsa, na superfície e à primeira vista, tudo se passa de modo regular. Há facturação de mercadoria, há (por vezes) documentos de transporte e até se podem verificar “pagamentos” ou pelo menos emissão de cheques.
Mas, quando se aprofunda um pouco mais cada um destes procedimentos detectam-se as incongruências e vêm à superfície os indícios de falsidade que estavam “mascarados” pela aparente regularidade formal e documental. É este trabalho que se mostra espelhado no RIT.
Se, porventura, a fiscalização verificasse apenas a regularidade formal da contabilidade, é fácil compreender que a maior parte da fraude fiscal decorrente da facturação falsa não seria detectada.
Os indícios devem ser suficientemente fortes para que não subsistam dúvidas quanto à falsidade da operação e à consequente tributação ou não dedução do imposto e não podem deixar de ser lidos com prudência e devidamente contextualizados. O objectivo de perseguição da fraude e evasão fiscal não pode permitir abrandar as exigências de rigor e justiça próprias de um Estado de Direito.
Queremos com isto dizer que estando cada um dos sujeitos onerado com a prova de determinados factos índice, essa prova deverá ser exigente e rigorosa, sob pena de deixar intocada a realidade que pretendia alterar.
Se a AT pretende ilidir a presunção de veracidade das declarações e escrita do contribuinte tem de provar os fundados indícios que a abalam (artigo 75.º LGT) sob pena de sofrer as consequências desfavoráveis de um ónus não satisfeito (artigo 414.º do actual CPC); por seu turno, se o contribuinte pretende demonstrar a veracidade das operações facturadas, tem de intervir com a mesma exigência e rigor probatórios, com a mesma cominação.
Ora, a falsidade indiciária da facturação relativa a estes emitentes está amplamente demonstrada. Foi reconhecida em primeira instância e é nossa convicção não haver que demonstrar que a Recorrente sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender ou a prestar serviços não era a sociedade que figurava nas facturas. Assim, sendo dispensável a prova indiciária deste “conhecimento”, e estabelecida em tudo o mais a indiciação de falsidade da facturação, endereça-se ao contribuinte o ónus de provar a materialidade das operações.
Relembramos, considerando o disposto no artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA, para que a Administração Tributária obste à dedutibilidade do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros - cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende – cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 17/02/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0591/16.
De todo o modo, não é despiciendo o facto de o gerente das sociedades emitentes das facturas em causa nos autos ser familiar próximo (sobrinho ou primo) dos representantes da sociedade utilizadora e agora Recorrente.
A Recorrente alega que logrou provar a subsistência das transacções e que, face aos elementos probatórios dos autos, o Meritíssimo Juiz as deveria ter relevado como verdadeiras, julgando a procedência da impugnação in totum.
Aqui chegados, e considerando que Administração Fiscal satisfez o ónus da prova que sobre si recaia, importa avançar para o outro elemento que se prende com a prova da veracidade das transacções em causa, sendo inequívoco que cabe ao contribuinte a demonstração de tal realidade.
Destarte, recaindo o ónus da prova sobre a Recorrente, competia-lhe demonstrar a materialidade das operações económicas subjacentes às facturas, nomeadamente, que os fornecimentos e aquisições de serviços se haviam efectivado com as sociedades emitentes, e não com qualquer outra entidade, as quantidades de mercadorias em causa, o local, a natureza, os preços praticados em relação aos bens que estariam em causa em cada uma das facturas.
Cabia, pois, à Recorrente demonstrar a existência das operações materiais tituladas pelas facturas desconsideradas, nomeadamente, uma pormenorizada e detalhada descrição da matéria-prima adquirida (natureza, quantidades, locais e datas da realização das operações subjacentes às facturas), eventuais trabalhadores utilizados ou afectos a essa actividade, meios de transporte entre outros elementos. De salientar que tão-pouco a Recorrente alegou que os bens tivessem sido fornecidos directamente por uma entidade terceira. É verdade que as circunstâncias descritas relativamente às sociedades “ECC” e “CV” não as impediam hipoteticamente de efectuar realmente as transacções descritas nas facturas reputadas como falsas. Contudo, no pressuposto de que esses bens tivessem sido fornecidos directamente por uma entidade terceira, cumpria à Impugnante alegar e demonstrar a existência desse fornecimento, nomeadamente identificando o concreto fornecedor “terceiro”, já que esses factos não constam das contabilidades da Impugnante nem das sociedades “ECC” e “CV”. Note-se que a AT verificou que não existe registo de compras a outros fornecedores por parte das sociedades “ECC” e “CV”.
Nesta conformidade, as facturas em crise não conseguem, só por si, comprovar a realidade que se pretende demonstrar, nem mesmo os outros elementos documentais constantes da contabilidade, bem como a prova testemunhal produzida, como entendeu o tribunal recorrido, sendo de salientar que a factualidade apurada nos autos não foi posta em causa pela Recorrente nos termos do artigo 685º-B do Código de Processo Civil.
Analisada a sentença recorrida, o relatório de inspecção, a prova documental e a prova testemunhal, resulta que a Recorrente não logrou demonstrar que comprou as matérias que constam das facturas e que as mesmas foram fornecidas pelos emitentes das mesmas, não tendo feito tal prova a impugnação teria de improceder, pelo que bem decidiu a sentença recorrida.
A Recorrente alega, ainda, que em obediência aos princípios orientadores do ordenamento jurídico, da igualdade, da legalidade, da imparcialidade, da boa-fé, e, em especial, o consagrado no n.º 1, do artigo 100.º do CPPT, a decisão deveria contemplar a procedência total da pretensão da impugnante.
Sobre a prova a cargo do contribuinte é sabido que não lhe basta criar a dúvida sobre a veracidade da facturação. Se se limitar a criar esta dúvida, sem adentrar na prova credível da realidade/materialidade das operações, a dúvida resolver-se-á contra si. (cfr. artigo 561.º do CPC - 414º do actual CPC- e Acórdão do TCA Sul n.º 07141/13 de 26/06/2014, com o seguinte sumário:
«(…) VII. Dispõe o artigo 100º, nº 1 do CPPT que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. Tal mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74º, nº1 da LGT (idêntica à regra prevista no nº 1 do artigo 342º do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
VIII. Aplicando aquela regra respeitante ao ónus da prova, no processo judicial, dever-se-á concluir “que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº 1, justificarem a anulação do acto”.
IX. Compete, pois, ao contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19.º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação).»
Em suma, cabendo, nos termos do artigo 74.º da LGT, à Administração Tributária o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento de exclusão do direito de dedução do imposto, nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, não há lugar à aplicação do disposto no artigo 100.º do CPPT, uma vez que a mesma logrou demonstrar indícios suficientes e credíveis para sustentar a não dedução do IVA.
Donde resulta que a AT demonstrou haver indícios suficientes de facturação falsa, não conseguindo a Recorrente cumprir a sua parte do encargo probatório mediante prova da materialidade das operações facturadas. Por conseguinte, a Recorrente não terá, então, direito à dedução do IVA, pelo que andou bem a AT.
Nesta conformidade, improcedem todas as conclusões das alegações do recurso da Recorrente, impondo-se negar provimento ao mesmo e confirmar a decisão recorrida.
*
Conclusões/Sumário
I - No caso de facturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.
II – Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
III - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
IV – Para que a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
V - Basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 23 de Maio de 2019
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paulo Ferreira de Magalhães