Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02026/11.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO; EFEITO RECURSO; INTEMPESTIVIDADE
Sumário:I. Os embargos de terceiro vêm dirigidos contra a ordem de entrega do prédio sob cominação de uso de força pública, ato que, a consumar-se, é suscetível de violar o direito a que se arrogam os embargantes (arrendatários) caso se comprove a existência desse direito em data anterior à penhora, e se julgue que esse direito é oponível ao adquirente do prédio e que a diligência de entrega é passível de perturbar o direito de uso e fruição do imóvel que decorre do contrato de arrendamento na medida em que impediria os Embargantes de ali continuar a habitar (julgamento que implica a necessidade de apreciar diversas questões, como a do direito invocado é incompatível com realização da ordenada diligência ou se o invocado direito de arrendamento está subtraído à regra de extinção provocada pela venda executiva) .

II - Em síntese, sendo controverso que aos embargos de função preventiva seja aplicável o prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 237.º do CPC para embargos de função repressiva, onde se estipula o prazo de 30 dias “contados desde o dia em que foi praticado o ato ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa” e que os embargos nunca podem ser deduzidos “depois de os respetivos bens terem sido vendidos”, não podia a embargos serem rejeitados com fundamento na sua extemporaneidade por ter sido apresentados em momento posterior à venda do prédio.

III. Do tudo exposto e transpondo a jurisprudência do supra citado acórdão, tendo os presentes embargos de terceiro, natureza preventiva, e tendo sido interpostos entre a data do despacho que ordenou a entrega do prédio e a data que estava previsto a realização da diligência, teremos que concluir que foram tempestivamente interpostos. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J. e M.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira e Outros
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
Os Recorrentes, J. e M., respetivamente Contribuinte Fiscal nº (…) e nº (…), interpuseram recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nos embargos de terceiro reagindo contra a entrega do prédio urbano sito na Praceta (…), (…), em (...), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 6910º, fração “AC”, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 3435/20090119-AC, imóvel penhorado e vendido no Processo de Execução Fiscal nº 320420070101015770 e apensos, instaurados contra J., CF nº (...), para cobrança de créditos de IMI, IVA e coimas.

Os Recorrentes interpuseram recurso jurisdicional da sentença que rejeitou os embargos de terceiro, pelo que formularam nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…)
1 - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nestes autos e que rejeita os embargos de terceiro.

2 - O presente recurso foi recebido e ao mesmo atribuído efeito meramente devolutivo.

3- No requerimento de interposição de recurso os embargantes requereram a atribuição de efeito suspensivo nos termos do n° 2 in fine do art° 286º do CPPT; Para o efeito, alegaram os recorrentes que o atribuição de outro efeito afectaria necessariamente o efeito útil do presente recurso.

4 - Pelo que, pelas razões supra aduzidas, nomeadamente por a execução imediata da sentença prejudicar necessária e irremediavelmente o efeito útil do recurso interposto, deve ao recurso ser atribuído efeito suspensivo

5 - A atribuição do efeito devolutivo ao recurso viola o disposto no n° 3 al. b) do art° 692° e n° 3 do art° 678º do CPC, aplicável ex vi nos termos do disposto no art° 2° do CPPT.

6 - Deve assim ser alterado o efeito atribuído ao presente recurso, revogando-se nesta parte O despacho que admite o recurso, substituindo-o por outro que lhe atribua efeito suspensivo.

7 - Os recorrentes decoram diversa factualidade para fundamentar a sua pretensão nos presentes embargos de terceiro, mas tal factualidade não foi, como devia, apreciada pelo Tribunal recorrido.

8 - Face aos fundamentos apresentados pelos recorrentes, deveria ter sido apreciada a validade do contrato de arrendamento;

9 - Não tendo sido feita qualquer apreciação ao contrato de arrendamento, nem produzido alguma prova, não pode produzir qualquer efeito, por ser nulo, o raciocínio conclusivo de que o contrato de arrendamento foi simulado.

10 - Contrariamente ao entendimento que consta da sentença recorrida, os recorrentes não podiam reagir processualmente antes data anterior àquela em que estes viram o seu direito ameaçado.

11 - Não era previsível que o serviço de Finanças e /ou a adquirente da fracção autónoma em execução fiscal promovessem o despejo dos recorrentes sem título para o efeito.

12 - Como está demonstrado nos autos, as recorrentes não foram intervenientes na execução, por isso são terceiros;

13 - Não existe um título executivo que permita a acção coactiva contra os recorrentes;

14 - Como tal, não se pode fazer cessar o contrato de arrendamento que legitima a detenção do locado, por força da execução a que os recorrentes se opuseram.

15 - Também não se pode proceder ao despejo dos recorrentes sem que seja proferida sentença nesse sentido.

16 - A venda em execução fiscal não pode por si só determinar a cessação de um contrato de arrendamento.

17 - Sendo certo que, os recorrentes pagaram a renda ao anterior proprietário e estão a fazê-lo desde que tomaram conhecimento da venda, à actual proprietária.

18 - Os embargos de terceiro são o meio processual adequado á protecção dos legitimes direitos dos recorrentes, pelo que, devem ser recebidos e considerados tempestivos.

Termos em que, nos melhores de Direito que V.Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e consequentemente revogada a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue os presentes embargos tempestivos e procedentes, como é de inteiro JUSTIÇA! (..).:

As Recorridas não contra alegaram

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e manter-se a sentença na ordem jurídica.

Atenta à existência do processo em suporte informático e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se de vistos, nos termos do art.º 657.º, n. º4, do Código de Processo Civil, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em saber se ao recurso deveria ser atribuido efeito suspensivo e se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar os embargos de terceiro intempestivos.
3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, no Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
1.No Processo de Execução Fiscal nº 320420070101015770 e apensos, instaurados contra J., CF nº (...), para cobrança de créditos de IMI, IVA e coimas, foi penhorado, em 27/3/2009, o prédio urbano sito na Praceta (...), (...), em (...), inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 6910º, fracção “AC”, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 3435/20090119-AC.
2. A penhora aludida em 1 encontra-se registada na 1ª Conservatória do Registo Predial de (...) pela Ap. 4507 de 2009/03/27.
3. O imóvel identificado em 1 foi adjudicado a “A., Lda.”, em 14/12/2009, encontrando-se presente, na diligência de adjudicação, o executado J..
3. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 55 dos autos que consubstancia uma comunicação da adquirente o imóvel ao Chefe do Serviço de Finanças de (...) da qual consta que o executado “não está informado que deve entregar o andar” e “precisa de algum tempo para arranjar outra casa”.
4.Dá-se por reproduzido o documento de fls. 56 dos autos que consubstancia uma notificação do Serviço de Finanças de (...) dirigida ao executado, datada de 18/1/2010, a fim deste entregar o imóvel vendido, dirigida para “PCT (..), (...)”.
5. Em 29/1/2010, o executado apresentou no Serviço de Finanças de (...) um requerimento a dar conta da impossibilidade de entrega do imóvel vendido nos autos por se encontrar arrendado desde 2/1/2008, conforme documento que consta a fls. 59/61 que se dá por reproduzido.
6. Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 63/64 que consubstancia a sentença proferida no Processo nº 767/10.8BEPRT, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 6/5/2011, que ordenou a entrega do imóvel identificado em 1 à adquirente “A., Lda.”.
7. O executado, J., foi notificado, em 3/6/2011, que se encontrava designado o dia 8/6/2011 para cumprimento do determinado na sentença aludida em 7.
8. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 11/13 dos autos que consubstancia o contrato alegadamente outorgado entre o executado J. e o embargante marido, que ostenta a data de 2/1/2008.
9. Dão-se por reproduzidos os documentos que constam a fls. 15/18 relativos ao fornecimento de energia eléctrica do imóvel objecto destes embargos, referentes ao período de 28/7/2010 a 26/8/2010, que ostentam o nome do embargante marido.
10. Dão-se por reproduzidos os documentos que constam a fls. 19/21 relativos ao fornecimento de água ao imóvel objecto destes embargos, referentes a 14/8/2010, que ostentam o nome do embargante marido.
10.Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 22 que consubstancia uma comunicação do embargante marido à adquirente do imóvel objecto destes embargos, datada de 10/2/2010, que dá conta do depósito da renda na sequência da recusa do seu recebimento.
11. Dão-se por reproduzidos os documentos que constam a fls. 23/39 relativos aos depósitos efectuados a título de rendas do imóvel objecto destes embargos.
12.Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 193 que consubstancia uma comunicação do embargante marido à adquirente do imóvel objecto destes embargos, datada de 1/2/2010, a oferecer um montante a título de renda do imóvel objecto destes embargos.
13.Os presentes embargos foram apresentados em 7/6/2011.

FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem outros factos com interesse para a decisão da causa... (…)”
4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Antes de mais importa apreciar, como questão prévia, se ao presente recurso deve ser fixado efeito suspensivo.
Os Recorrentes alegam que requereram no requerimento de interposição de recurso atribuição de efeitos supensivo, nos termos do n.º 2 in fine do art.º 286.º do CPPT. E que a atribuição do efeito devolutivo ao recurso viola o disposto no n.º 3 al. b) do art° 692° e n° 3 do art° 678º do CPC, aplicável ex vi nos termos do disposto no art° 2° do CPPT.
A fls. 279 dos autos o Mmo. Juiz do tribunal a quo fixou a efeito meramente devolutivo, “(…) uma vez que os Recorrente não prestaram garantia e não se vislumbra que o efeito devolutivo afete o efeito útil do recurso, nem os mesmos alegaram factualidade para tal (…)”
Resulta de fls. 287 a 289 que os Recorrentes vieram reclamar do despacho.
Em 12.07.2013 o MM Juiz proferiu despacho manteve a decisão relativa ao efeito do recurso.
O n.º 2 do art.º 286.º do CPPT preceitua que os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do Código ou o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos.
O n.º 2 do art.º 286.º do CPPT estabelece a regra geral do efeito meramente devolutivo, permitindo a execução imediata da decisão.
Resulta da conjugação do n.º 2 do art.º 286.º do CPPT e art.º 169.º do CPPT que não tendo sido prestada garantia, no processo de execução fiscal, e não ficando a execução suspensa até à decisão do pleito, o recurso da decisão de impugnação judicial tem efeito suspensivo.
Prevê a alínea b) do n.º 3 do art.º 692.º CPC (atual art.º 647.º) que tem efeito suspensivo da decisão a apelação da decisão que ponha termo ao processo nas ações referidas em n.º 3 do art.º 678 e nas que respeitem à posse da casa de habitação.
O art.º 678.º do CPC prevê que independentemente do valor da causa e da sucumbência é sempre admissível recurso para a Relação nas ações que se aprecie a validade de contrato de arrendamento com exceção dos arrendamentos para habitação não permanente e para fins não especiais transitórios.
Nesta conformidade, e nos termos do n.º 2 do art.º 286.º do CPP conjugado com o n° 3 al. b) do artigo° 692° e n° 3 do art° 678º do CPC, aplicável ex vi nos termos do disposto no artigo° 2° do CPPT, poder-se-ia atribuir ao presente recurso efeito suspensivo.
No entanto, face à instauração dos embargos de terceiro a data para a realização da diligência foi dada sem efeito, aguardando a indicação de nova data, pelo que a declaração do efeito suspensivo do recurso, mostra-se um ato inútil e não permitido por lei.

4.2. A questão fundamental dos autos é a de saber se os embargos terceiros são tempestivos.
Face à matéria de facto haverá que determinar se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto incorreu em erro de julgamento facto e de direito ao considerar que os Embargantes, alegadamente arrendatários da fração, deduziram os embargos de terceiro tempestivamente.
Os Recorrentes deduziram embargos de terceiros tendo como pressuposto que em 03.06.2011 tiveram conhecimento da data designada para a entrega efetiva do imóvel penhorado (08.06.2011 pelas 10.30 horas) ato que no seu entender é ofensivo dos seus direitos, uma vez, que são arrendatários da referida fração desde 02.01.2008, titulado por contrato de arrendamento celebrado com o executado J..
Os Embargos de terceiro foram interpostos em 07.06.2011.
Vejamos.
Os embargos de terceiro são um dos incidentes da execução fiscal previstos na norma do artigo 166º, nº 1, alínea a) do CPPT, constituindo um meio específico de reação contra a penhora ou outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, por parte de quem não é parte na execução.
Estabelece o n.º 1 do artigo 237.º do CPPT que “Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro”.
Resulta da interpretação do n.º 1 do artigo 237.º do CPPT que os embargos de terceiro são o meio processual adequado para fazer a defesa dos direitos de quem for ofendido – na sua posse ou em qualquer direito cuja manutenção seja incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial – por um ato de arresto, penhora ou outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens.
Nesta conformidade os atos lesivos da posse ou do direito de que o terceiro seja titular são, o arresto, a penhora ou qualquer outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou de entrega de bens, permitindo que o titular, dos direitos atingidos por esses atos possam ser invocados pelo lesado através de embargos, em vez de recorrer à propositura de ações possessórias.
No caso sub judice, os embargos de terceiro vêm dirigidos contra a ordem de entrega do prédio sob cominação de uso de força pública, ato que, a consumar-se, é suscetível de violar o direito a que se arrogam os Embargantes (arrendatários) caso se comprove a existência desse direito em data anterior à penhora, e se julgue que esse direito é oponível ao adquirente do prédio e que a diligência de entrega é passível de perturbar o direito de uso e fruição do imóvel que decorre do contrato de arrendamento na medida em que impediria os Embargantes de ali continuar a habitar (julgamento que implica a necessidade de apreciar diversas questões, como a do direito invocado é incompatível com realização da ordenada diligência ou se o invocado direito de arrendamento está subtraído à regra de extinção provocada pela venda executiva) .
Os presentes embargos têm função preventiva, uma vez que pretendem prevenir a consumação de um ato lesivo.
Embora o CPPT não preveja este tipo de embargos, mostram-se regulados no artigo 359.º do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo judicial tributário por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Prevê o citado normativo que:” 1- Os embargos de terceiro podem ser deduzidos, a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada, a diligência a que se refere o artigo 351.º, observando-se o disposto nos artigos anteriores, com as necessárias adaptações.
2- A diligência não será efetuada antes de proferida decisão na fase introdutória dos embargos e, sendo estes recebidos, continuará suspensa até à decisão final (...)».
Tratando-se dos embargos de terceiro tendentes a evitar uma diligência suscetível de afetar o direito invocado pelos Embargantes/Recorrentes, é sabido que o n.º 1 do artigo 930.º do CPC dispõe que “A efetivação da entrega da coisa são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora, procedendo-se às buscas e outras diligências necessárias, se o executado não fizer voluntariamente a entrega (...)»,
Aqui chegado importa verificar se o raciocínio expendido pela sentença recorrida se mostra correto.
Menciona a sentença recorrida que “(…) Assim sendo, é manifesto que o alegado contrato de arrendamento foi simulado para obviar à entrega do imóvel, e do circunstancialismo acima enunciado resulta claramente que os embargantes tiveram conhecimento da penhora e subsequente venda logo que esta ocorreu, e seguramente desde 3/3/2010, data em que por carta comunicaram à embargada que pretendiam efectuar o pagamento da renda e ver reconhecida a sua qualidade de possuidores do imóvel enquanto arrendatários.(…)”
A sentença incorreu em erro de julgamento, uma vez, que o ato lesivo é o ato de entrega do bem, marcada para dia 08.06.2011, que os Embargantes/Recorrentes dizem ter tido conhecimento em 03.06.2011 e não o ato de penhora.
A sentença recorrida entendeu ainda que “(…) De todo o modo, os embargos de terceiro nunca podem ser deduzidos depois da venda do imóvel, nos termos do normativo citado supra. De resto, se o alegado contrato de arrendamento tivesse sido celebrado em Janeiro de 2008, e os embargantes aí residissem desde essa data, certamente teriam tido conhecimento da execução, e logo poderiam obstar à venda em sede de execução e/ou fazer valer os seus direitos, na qualidade de arrendatários, com base no alegado contrato.
Assim sendo, face como estatuído no artigo 237º, nº 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, os presentes embargos são manifestamente intempestivos pois foram apresentados em 7/6/2011, muito depois da venda do imóvel. .(…)”
Como se disse tendo aos embargos de terceiro natureza preventiva, nos termos do artigo 359.º do CPC, logo terá de se questionar se o prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 237.º do CPC lhe é aplicável.
De harmonia com o referido preceito o prazo previsto para dedução de embargos de terceiro é de 30 dias contados desde o dia em que foi praticado o ato ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido vendidos.
Como refere o acórdão do STA n.º 0995/11 de 19.09.2012, cuja jurisprudência vimos seguindo “(…) Tratando-se dos embargos de terceiro tendentes a evitar uma diligência susceptível de afectar o direito invocado pela embargante, e sabido que o n.º 1 do artigo 930.º do CPC dispõe que «a efectivação da entrega da coisa são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora, procedendo-se às buscas e outras diligências necessárias, se o executado não fizer voluntariamente a entrega (...)», é controverso que aos embargos de função preventiva seja aplicável o prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 237.º do CPC não só quando estipula o prazo de 30 dias «contados desde o dia em que foi praticado o acto ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa», como, ainda, quando estipula que os embargos nunca podem ser deduzidos «depois de os respectivos bens terem sido vendidos».
Aliás, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a sufragar o entendimento de que o referido prazo de caducidade – previsto no artigo 353.º, nº 2, do CPC para os embargos de natureza preventiva – pressupõe a efectiva realização da diligência ofensiva da posse ou de outro direito incompatível com essa realização ou com o seu âmbito, ou seja, que é seu pressuposto tratar-se de embargos de terceiro de função repressiva, não existindo prazo para a dedução de embargos de terceiro de função preventiva, os quais podem ser sempre deduzidos entre a data do despacho que ordena a diligência e a sua efectiva realização – cfr. acórdão proferido em 9/02/2006, no proc. n.º 06B014, a que se seguiram vários acórdãos das Relações no mesmo sentido.
Não sendo clara e evidente a aplicabilidade do referido prazo de caducidade aos embargos de função preventiva deduzidos contra a ordem de entrega do prédio, não podiam os mesmos ter sido liminarmente rejeitados com tal fundamento. (…)”
Em síntese, sendo controverso que aos embargos de função preventiva seja aplicável o prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 237.º do CPC para embargos de função repressiva, onde se estipula o prazo de 30 dias “contados desde o dia em que foi praticado o ato ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa” e que os embargos nunca podem ser deduzidos “depois de os respetivos bens terem sido vendidos”, não podia a embargos serem rejeitados com fundamento na sua extemporaneidade por ter sido apresentados em momento posterior à venda do prédio.
Do tudo exposto e transpondo a jurisprudência do supra citado acórdão, tendo os presentes embargos de terceiro, natureza preventiva, e tendo sido interpostos entre a data do despacho que ordenou a entrega do prédio e a data que estava previsto a realização da diligência, teremos que concluir que foram tempestivamente interpostos.
Ao decidir em contrário, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento o que implica a sua revogação com as naturais consequências.

4.3. Face ao disposto no art.º 665º do CPC cabe a este tribunal conhecer do mérito dessa parte, em substituição, se os autos fornecerem os necessários elementos.
Com efeito o n.º 2 art.º 665.º do CPC prevê a hipótese de o TCA se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha de elementos necessários.
E é jurisprudência deste tribunal espelhada nos acórdãos n.º 00104/03-Porto de 12.06.2014, 0820/06.2 BEVIS de 12.01.2012 e 0363/08.0 BEPNL de 13.11.2014 disponível em www.dgsi.pt., à exceção deste último que o TCAN conhecerá do mérito, em substituição, se os autos fornecerem os necessários elementos.
Consta do acórdão n.º 00104/03-Porto de 12.06.2014 com o qual se concorda sem reservas, que “(…) Porém, como se decidiu no Acórdão do S.T.A. de 17-10-2001, Proc. nº 26.193, tal conhecimento em substituição, apenas pode ter lugar quando o tribunal recorrido tenha conhecido e fixado o competente quadro probatório atinente à matéria do fundo da causa, já que o Tribunal superior pode alterar a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida mas não se pode substituir por completo, àquele, no julgamento de tal matéria - cfr. nº 1 do art. 712º do C. Proc. Civil (actual art. 662º) - pelo que no caso, não tendo a M. Juiz do tribunal “a quo” fixado na sentença recorrida, qualquer matéria relativa às demais questões suscitadas quanto ao mérito da presente impugnação judicial, apenas tendo apreciada a aludida questão de inconstitucionalidade (e mesmo aqui sem considerar toda a dimensão da questão nos termos propostos pela impugnante) e considerada a matéria de facto relativa ao conhecimento da citada questão e na dimensão descrita, tal conhecimento em substituição logra inviabilizado, pelo que os autos terão de baixar à 1.ª Instância para tal matéria de facto ser julgada e ser proferida nova decisão em conformidade, se outro fundamento, diverso do ora decidido, a tal não obstar.(…)”
No caso sub judice, o tribunal à quo na sentença recorrida limitou-se a julgar a matéria de facto somente direcionada para a verificação da questão da tempestividade dos embargos, não julgando a restante matéria de facto segundo as várias soluções plausíveis de direito ficando este Tribunal de recurso impedido de conhecer em substituição.
O tribunal à quo não julgou a matéria de facto não se pronunciou sobre a mesma, quer em termos de factos provados quer como factos não provados.
Pela Autoridade Tributária bem com pelos demais intervenientes foram equacionadas outras exceções que o tribunal recorrido não apreciou e que se tornam essenciais, bem como a decisão de mérito relativamente à validade e efeitos do contrato de arrendamento que alegadamente os Embargantes/Recorrentes dizem possuir, o que passa pela valoração da prova documental produzida e da realização da inquirição de testemunhas arroladas. E consequentemente, face a este enquadramento, a apreciação da verificação dos pressupostos da litigância de Má Fé.
Nesta conformidade, este tribunal não dispõe dos elementos necessários para decidir em substituição, pelo que se impõe a baixa dos autos à 1ª instância para que seja proferida nova decisão, em conformidade com o estatuído no art.º 124º do CPPT, salvo se outro fundamento, diverso do ora decidido, a tal não obstar.

4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário:

I. Os embargos de terceiro vêm dirigidos contra a ordem de entrega do prédio sob cominação de uso de força pública, ato que, a consumar-se, é suscetível de violar o direito a que se arrogam os embargantes (arrendatários) caso se comprove a existência desse direito em data anterior à penhora, e se julgue que esse direito é oponível ao adquirente do prédio e que a diligência de entrega é passível de perturbar o direito de uso e fruição do imóvel que decorre do contrato de arrendamento na medida em que impediria os Embargantes de ali continuar a habitar (julgamento que implica a necessidade de apreciar diversas questões, como a do direito invocado é incompatível com realização da ordenada diligência ou se o invocado direito de arrendamento está subtraído à regra de extinção provocada pela venda executiva) .
II - Em síntese, sendo controverso que aos embargos de função preventiva seja aplicável o prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 237.º do CPC para embargos de função repressiva, onde se estipula o prazo de 30 dias “contados desde o dia em que foi praticado o ato ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa” e que os embargos nunca podem ser deduzidos “depois de os respetivos bens terem sido vendidos”, não podia a embargos serem rejeitados com fundamento na sua extemporaneidade por ter sido apresentados em momento posterior à venda do prédio.
III. Do tudo exposto e transpondo a jurisprudência do supra citado acórdão, tendo os presentes embargos de terceiro, natureza preventiva, e tendo sido interpostos entre a data do despacho que ordenou a entrega do prédio e a data que estava previsto a realização da diligência, teremos que concluir que foram tempestivamente interpostos.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos Recorrentes, revogando-se a decisão judicial recorrida, ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal recorrida para apreciação das demais questões equacionadas, se a tal nada obstar.

Custas pelas Recorridas, nos termos do art.º 527.º do CPC, dispensando-se a taxa de justiça uma vez que não contra-alegaram.
Porto, 10 de setembro de 2020

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Cláudia Almeida
Paulo Moura