Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02081/16.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/13/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RESPONSABILIDADE. FORÇA MAIOR. CULPA IN VIGILANDO. QUEDA DE ÁRVORE
Sumário:I) – «Um caso de força maior é todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora previsível ou até prevenida, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências.» - Ac. do STA, Pleno, de 14-01-2010, proc. n.º 0566/08.

II) – Condições climatéricas até mais alterosas - contemporâneas à queda de árvore - não são necessariamente de elevar a caso de força maior.

III) – Não ilidida a presunção de culpa in vigilando estabelecida no art.º 493º, n.º 1, do CC, e reunidos demais pressupostos de responsabilidade, gera-se obrigação indemnizatória.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Município (...) (R. (…)) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, em acção administrativa intentada por SP... (R. (…)), por si e em representação dos seus filhos DG... e AM..., julgada que foi “procedente a presente ação, condenando-se o Réu no pagamento de 15.000,00€ a cada um dos Autores filhos e 75.000,00€ à Autora mãe, a que acrescem juros de mora, desde a citação até integral pagamento, a título de responsabilidade extracontratual, por danos não patrimoniais, pelo falecimento de JL...”.

Conclui:

1ª Resulta do facto provado 23 que a árvore caída se integrava num parque onde existiam muitas mais árvores, o que é relevante na medida em que, tal como resulta dos factos provados 32 e 33 e do depoimento da testemunha FD... (cfr. minuto 36 e 25 s do depoimento prestado no dia 03.11.2021 com início aos 23m30s), de todas as árvores ali existentes caíram três árvores da mesma espécie (carvalhos) e mais nenhuma.
2ª O facto provado 23 deve ser alterado passando a ter a seguinte redacção: “No parque, onde se deu o acidente, havia tílias, freixos e carvalhos, tendo caído na tarde daquele dia três carvalhos, incluindo o que causou o evento destes autos.”, o que se requer.
3ª A matéria dos factos provados 24, 25 e 26 foi dada por assente com base nos relatórios das visitas realizadas em 08.10.2015 e 28.05.2015, não tendo sido considerados os depoimentos das testemunhas sobre esta matéria.
4ª O relatório de 28.05.2015 baseia-se numa inspecção aos restos das três árvores caídas que se encontravam depositados nas instalações do Município expostos ao ar, vento, chuva e sol desde o dia 04.05.2015, ou seja, não é possível com base nesse relatório assegurar que as condições e o estado da árvore caída em 04.05 (especialmente quando se refere de modo genérico às três árvores caídas no mesmo dia) se mantinham iguais à data da inspecção dado que a deterioração e o perecimento daqueles restos é inevitável.
5ª Aquele relatório não só não analisa árvore a árvore como também não analisou as raízes que se encontravam no subsolo onde antes estava implantada a árvore, ou seja, o relatório é pouco preciso e fundamentado.
6ª O segundo relatório de 08.10.2015 enferma dos mesmos problemas do anterior com a agravante dos restos da árvore terem sido analisados cinco meses após o evento e de não concretizar o que foi observado, pois refere apenas que “parecem existir indícios de podridão” (ponto 2.1.7), isto é, nem sequer afirma que há indícios.
7ª Esse segundo relatório confirma que só com uma observação mais detalhada é que se poderia obter mais informação, o que implicava a recolha de amostras ao solo, raiz e tronco para análise laboratorial e tal não foi feito (ponto 3.6).
8ª Os factos 24, 25 e 26 não poderiam ter sido dados por provados apenas com recurso aos relatórios atenta a fragilidade dos mesmos, os quais deveriam ter sido ponderados com os depoimentos das testemunhas FD... (cfr. 31m10s; 32m,37s; 37m44s; 52m00s; 52m15s do depoimento prestado em 03.11.2021 com inicio aos 23m30s), AA... (cfr. 57m09s; 57m39s; 58m05s; 01h13m00s; 01h14m00ss do depoimento prestado em 03.11.2021 com inicio aos 54m45s) e AJ... (cfr. 01h21m14s do depoimento prestado em 03.11.2021 com inicio à 01h15m38s).
9ª Aqueles factos são contraditórios com os depoimentos das testemunhas e tais depoimentos foram valorados pelo Tribunal noutras questões por não ter sido questionada a sua isenção e credibilidade e é por esse motivo que o Tribunal deveria ter feito uma maior apreciação crítica dos diversos meios de prova ao dispor (conjugando os relatórios com os depoimentos).
10ª As duas testemunhas que estiveram no local no dia do evento e observaram a árvore atestaram o seu bom estado, com ausência de fungos, cogumelos ou outros indiciadores que pudessem apontar para um problema e a testemunha que um ano depois analisou as raízes foi peremptória em confirmar que as mesmas estavam saudáveis.
11ª As passagens transcritas dos depoimentos das testemunhas em causa rebatem os relatórios e acabam por se afigurar mais credíveis por respeitarem ao dia do evento, pelo que ponderados os relatórios e os depoimentos a conclusão é de que devem os factos 24, 25 e 26 serem dados por não provados, o que se requer.
12ª Quanto ao facto não provado 5 prestaram depoimento no dia 03.11.2021 as testemunhas FD... (cfr. 43m30s) e AJ... (cfr. 01h26m28s), pelo que se entende e requer que o mesmo seja dado por provado com a seguinte redacção: “No dia do sinistro, para além das quedas das referidas árvores, caíram outras em diversas localidades do país.”
13ª Alterada a matéria de facto no sentido requerido é imperioso concluir que face aos factos provados 17 a 23 e 27 a 36 a queda da árvore se deveu a causa de força maior, concretamente o intenso temporal de vento e chuva que se fez sentir no dia 04.05.2015, especialmente durante a tarde.
14ª Como se refere no facto provado 30 a árvore apresentava-se “saudável, robusta, sólida e bem implantada, sem sinais de fragilidade ou doenças que pudesse afectar a sua sustentabilidade” e o Município faz uma avaliação regular ao seu património arbóreo (factualidade provada 17 a 20), ou seja, o Recorrente cumpre com o seu dever de vigilância, tendo a presunção de culpa que recai sobre o Município sido afastada.
15ª Decorre da factualidade provada 23 e 32 a 35 que no dia do evento se verificaram excepcionais e gravosas condições climatéricas, absolutamente invulgares e violentas, que levaram à queda de três árvores naquele local e em muitas outras localidades, ou seja, a queda da árvore deveu-se aos tremendos ventos verificados, os quais foram causa directa do sucedido e tal é confirmado pela ciência quando nos diz que ventos na ordem dos 80/90 km/h são excepcionalmente fortes e capazes de derrubar uma árvore por mais saudável que esteja e não há nada que o Homem possa fazer para evitar esta acção da Natureza.
16ª Conforme decorre do depoimento da testemunha FD... (cfr. 31m10s), naquela tarde do dia 04.05.2015 abateu-se sobre Braga um temporal essencialmente de vento que nenhuma acção humana conseguiria deter.
17ª Considera-se que a acção deve ser julgada improcedente por não se mostrarem preenchidos dois dos requisitos da obrigação de indemnizar (ilicitude e culpa), pois por maior que fosse a vigilância a árvore em questão iria sempre cair por efeito exclusivo do vento e nada poderia o Recorrente ter feito para o evitar.
18ª A título subsidiário e para o caso de não ser alterada a matéria de facto, continua a colocar-se a necessidade de apreciar se os mesmos requisitos da ilicitude e da culpa se mostram preenchidos, como o considerou a sentença recorrida.
19ª Aqueles dois requisitos, apesar de serem autónomos, andam associados à presunção de culpa leve que recai sobre o Recorrente, por força do disposto no artigo 10º/nº 3 da Lei nº 67/2007, de 31.12, motivo pelo qual a primeira questão a abordar prende-se com o cumprimento ou não por parte do Recorrente do seu dever de vigilância e que a sentença recorrida considera que não foi cumprido (cfr. fls. 16).
20ª Os factos provados 17 a 20 demonstram a existência de manutenção regular ao património arbóreo levada a cabo por cerca de 90 funcionários do Município, com os meios actualmente disponíveis e conhecidos.
21ª Para apreciação dos factos provados 24, 25 e 26 é indispensável que se considere a demais informação constantes dos relatórios e factualidade provada, quanto a esta última tem de se ter especial atenção aos factos provados 27 e 30 (dos quais decorre que a árvore não apresentava qualquer indício de problemas) e do facto provado 28 (não é garantido que se consiga detectar a fragilidade de raízes).
22ª Resulta dos relatórios de 08.10.2015 e 28.05.2015 que não é possível detectar fragilidades nas raízes de uma árvore, pelo que é de concluir que se a árvore não apresentava qualquer sinal exterior de problemas (apesar adas constantes observações – cfr. facto provado 30), nada poderia o Recorrente ter feito para evitar a queda.
23ª Face ao excelente estado da árvore, não era exigível ao Município qualquer actuação tendente a prevenir uma queda, que não se previa nem era de prever, razão pela qual se deve considerar que, não obstante as fragilidades da árvore que a sentença julgou provadas, o dever de vigilância do Recorrente foi cumprido no máximo que hoje a ciência e os conhecimentos técnicos lhe permitiram e por esse motivo a sua actuação não foi ilícita nem culposa.
24ª Ainda que se considerasse que o Recorrente actuou com culpa (no sentido do dever de vigilância não ter sido cumprido), a verdade é que o evento sempre se daria, pois a fragilidade da raiz não era visível nem havia forma de a detectar e as rajadas de vento sentidas naquela tarde eram aptas, por si sós, sem mais nada, para derrubar a árvore em causa.
25ª A factualidade provada na sentença, mesmo sem a alteração requerida, aponta para a total falta de culpa do Recorrente e para a excepcionalidade e raridade dos ventos sentidos em Braga naquela tarde e que eram aptos a derrubar árvores, motivo pelo qual a decidir de modo diverso a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de Direito, concretamente do artigo 10º/nºs. 1 e 3 da Lei nº 67/2007, de 31.12.

Os recorridos SP… contra-alegaram, bem como a recorrida AM…, em ambos os casos estendendo sob conclusões reprodução do alegado a montante, terminando por opinar pela manutenção da decisão recorrida.
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A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitindo parecer.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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Os factos, que o tribunal “a quo” fixou como provados:
1. A Autora SP... contraiu casamento com JL..., em 14.09.1996 – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial;
2. Na constância desse matrimónio, nasceram dois filhos, AM..., em 08.04.2000, e DG..., em 13.03.2008, aqui, também, Autores – cfr. docs. 2 e 3 juntos com a petição inicial;
3. No dia 04.05.2015, pelas 14h40, circulava o falecido JL..., a pé, no passeio, na Rua (…), junto ao Rio Este;
4. Na mesma rua, circulavam outras pessoas, quer a pé, quer de veículo automóvel;
5. O dia estava ventoso e com ameaça de chuva;
6. Sem que nada o fizesse prever, um carvalho de grande porte abateu-se sobre o solo – cfr. docs. 4 e 5 juntos com a petição inicial;
7. A queda foi tão rápida que apanhou JL... desprevenido, abatendo-se sobre o seu corpo;
8. Provocando-lhe múltiplos traumatismos craniano-encefálicos – cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial;
9. JL... não teve qualquer hipótese de fugir, nem de pedir socorro;
10. Foi assistido, no local, pelo INEM, entubado e transportado para o Hospital de Braga – cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial;
11. No hospital, efetuou TAC, sofreu paragem cardio-respiratória, que reverteu, mas não resistiu a uma segunda paragem respiratória, tendo falecido, duas horas após o acidente – cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial;
12. O falecido JL... sofreu dores e sofrimento físico, nos momentos que antecederam a sua morte – cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial;
13. O local, onde a queda de árvore se deu, carateriza-se por ser uma zona arborizada, com árvores de várias espécies e com portes diferentes;
14. A árvore que caiu era um carvalho de grande porte, estava plantada encostada ao passeio, próximo da passadeira;
15. A queda da árvore foi causa direta e necessária da morte do malogrado JL... – cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial;
16. O diretor da Divisão de Ambiente e Espaços Verdes, à data, era o Engenheiro AR...;
17. O Réu tem cerca de 90 funcionários responsáveis pela manutenção dos espaços verdes e património arbóreo do concelho (Divisão de Ambiente e Espaços verdes);
18. As ações de manutenção são levadas a cabo, por um lado, no outono e inverno, e são direcionadas, sobretudo, para as podas e plantações de novas árvores; na primavera e verão, é efetuado o corte de relva, limpeza e execução de novos espaços verdes;
19. A avaliação regular, que é feita, passa por inspeções de carater macroscópico, em que se verifica a presença de cogumelos nos troncos das árvores, sinais de podridão, análise de copas, folhas e ramos;
20. Esta avaliação é feita visualmente;
21. Quanto a árvores centenárias, esporadicamente, é feita análise por via da utilização de um resistógrafo;
22. O parque arbóreo da cidade de Braga é constituído por mais de 25.000 árvores;
23. No parque, onde se deu o acidente, havia tílias, freixos, carvalhos;
24. A árvore, em causa, apresentava ao nível do cerne da extremidade superior do toro da base, a cerca de 3,80 metros de altura, alterações de cor e de configuração que indiciam uma alteração de tecidos, semelhante à provocada por podridões associadas a fungos – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial;
25. A mesma árvore apresentava um sistema radicular bastante degradado e incapaz de assegurar a correta ancoragem das árvores ao solo – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial e doc. 2 junto com a contestação da Interveniente;
26. A fragilidade verificada ao nível das raízes foi agravada pelas condições climáticas de chuva e vento forte que se fez sentir no dia em causa – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial e doc. 2 junto com a contestação da Interveniente;
27. Não foram indicados sinais externos da presença de agentes bióticos nocivos – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial e doc. 2 junto com a contestação da Interveniente;
28. A análise de fragilidades ao nível das raízes é feita pela análise da parte visível da árvore, podendo haver recurso à realização de inventários, mapas de risco, estudos biomecânicos, não sendo, ainda assim, garantido que se detetam as referidas fragilidades – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial e doc. 2 junto com a contestação da Interveniente;
29. A árvore partiu pelo colo – zona que liga o tronco às raízes, junto ao solo, não tendo sido arrancada, nem tendo quebrado pelo tronco – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial;
30. A árvore apresentava-se saudável, robusta, sólida e bem implantada, sem sinais de fragilidade ou doenças que pudesse afetar a sua sustentabilidade;
31. A árvore havia sido podada no início do outono de 2014, não se verificando que tivesse sido efetuada poda abusiva – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial e doc. 2 junto com a contestação da Interveniente;
32. Quando a equipa de trabalho da Divisão de Ambiente e Espaços Verdes da Câmara Municipal (...) estava a proceder à remoção e limpeza, a cerca de quarenta metros, caiu um segundo carvalho, por arrancamento, tombando sobre as margens do rio Este, não provocando, porém, vítimas ou danos materiais.
33. Quando a equipa de trabalho da Divisão de Ambiente e Espaços Verdes da Câmara Municipal (...) efetuava a remoção e limpeza do local em consequência da queda da segunda árvore, ocorreu a queda de uma terceira árvore, por arrancamento, agora na travessa Professor (,,,);
34. Para aquele dia, havia sido emitido alerta amarelo, pelo IPMA, quanto à precipitação (períodos de chuva e aguaceiros por vezes fortes e acompanhados de trovoada) e quanto ao vento (vento forte com rajadas da ordem dos 80km/hora no litoral, podendo atingir 90 km/h nas terras altas), válido desde as 00.00horas de 04.05.2015 às 20.59horas de 04.05.2015) – cfr. doc. 12 junto com a petição inicial;
35. O IPMA emitiu parecer no sentido de que no dia 04.05.2015, em Braga, a quantidade de precipitação foi de 30 a 40 milímetros e a intensidade máxima da mesma tenha atingido 3 a 5 milímetros em 10 minutos – cfr. fls. 129 dos autos em suporte físico;
36. O IPMA emitiu parecer no sentido de que no dia 04.05.2015, em Braga, o vento tenha soprado fraco (<15km/hora) predominante do quadrante sul, tornando-se moderado (15 a 35 km/h) temporariamente forte (36 a 45km/h) a partir do início da manhã; a intensidade máxima do vento tenha atingido valores de 80 a 90 km/h, durante a tarde – cfr. fls. 142 dos autos em suporte físico;
37. A Autora SP... era uma esposa dedicada, alegre e bem-disposta;
38. Com a morte do marido sofreu, emocionalmente, andando triste e sem alegria de viver;
39. Não saindo de casa e com problemas do foro psicológico;
40. Por tal, viu-se com dificuldades em sustentar financeiramente os filhos e apoiá-los na sua educação e formação;
41. Até à data, partilhava com o marido as despesas correntes, em que ambos contribuíam para o sustento da família;
42. Após o falecimento do marido, passou a ter que suportar todas as despesas sozinha;
43. Socorreu-se da ajuda do seu pai, que a ajudou a cuidar dos filhos (também Autores) e a ajudou financeiramente, situação que se mantém atualmente;
44. Os pais da Autora SP... deram todo apoio no pagamento de consultas do foro psiquiátrico e psicológico;
45. A irmã da Autora SP... prestou, igualmente, apoio, principalmente ao nível do acompanhamento dos filhos;
46. O falecido, de 41 anos, era um pai extremoso, que brincava com os filhos e lhes dava amor e carinho;
47. Com o falecimento do pai, os filhos Autores ficaram privados desse amor e carinho;
48. Os Autores filhos ficaram tristes e desolados com a perda do pai, situação que se mantém nos dias de hoje;
49. O Réu celebrou contrato de seguro com a “Companhia de Seguros (...), S.A.”, titulado pela apólice nº 008410039753, o qual cobre a responsabilidade civil contra terceiros por dano porventura causado na prossecução das suas atribuições e competências – cfr. doc. 1 junto com a contestação do Réu;
50. Nos termos da alínea i) da cláusula 4ª da apólice que titula o referido contrato entre a Interveniente e o Réu, estão excluídos os sinistros “decorrentes de motivos de força maior ou de casos fortuitos, nos termos da Lei civil, nomeadamente, mas não só, os associados a tremores de terra, furacões, trombas-d’água, ciclones, inundações e quaisquer outros fenómenos naturais de natureza catastrófica, que, sejam ou não previsíveis, não possam ser evitados” – cfr. doc. 1 junto com a contestação do Réu;
51. A alínea aa) do artigo 3º da Condição Especial 45 do contrato de seguro, prevê que se encontram expressamente excluídos “os danos provocados por violação ou não cumprimento das leis e regulamentos em vigor que regem a actividade do segurado”;
52. A petição inicial, que motiva estes autos, deu entrada neste Tribunal em 07.11.2016 – cfr. fls. 3 dos autos em suporte físico.
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Foi ainda julgado como:
«Factualidade não provada
Não resultou provado que:
1. O falecido JL... era uma pessoa saudável, fisicamente bem constituído e sem qualquer defeito aparente;
2. Alegre, dinâmico, trabalhador e amigo de confraternizar;
3. Os Autores filhos, após o falecimento do pai, passaram a ter fraco aproveitamento escolar;
4. No dia 02 de maio de 2015 (dois dias antes do sinistro), pelas 02:30 horas, ocorreu um sismo com um grau de intensidade três (na escala de Richter), cujo epicentro esteve localizado em Tenões, distanciado do local do sinistro cerca de três quilómetros em linha reta.
5. No dia do sinistro, para além das quedas das referidas árvores, caíram outras em Aveiro, Esposende, Famalicão, Lourosa, Ovar, Porto e Viseu.».
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A apelação:
Ø Sobre a matéria de facto.
O recorrente pretende que «O facto provado 23 deve ser alterado passando a ter a seguinte redacção: “No parque, onde se deu o acidente, havia tílias, freixos e carvalhos, tendo caído na tarde daquele dia três carvalhos, incluindo o que causou o evento destes autos.».
Mas o item não carece de alteração.
Dos factos provados 32. e 33. retira-se que outras duas árvores tombaram; uma delas um carvalho; não se vê necessidade na especificação da espécie da terceira árvore.
O recorrente entende também que os factos 24, 25 e 26 não poderiam ter sido dados por provados.
Alinha em contributo de razão:
- o que expõe sob conclusões 4ª a 7ª a respeito dos “relatórios” e a sua “fragilidade”;
- a falta de valoração dos depoimentos das testemunhas FD..., AA... e AJ..., dando-os como contrários a esses relatórios.
O tribunal “a quo” exarou em motivação:
«(…)
Mereceram destaque os relatórios periciais juntos aos autos, ainda que tenham sido elaborados externamente a este processo. Valoraram-se, principalmente, na parte em que coincidiram, e na parte em que vieram confirmados por depoimentos de testemunhas, que não intervieram na sua elaboração (testemunhas do Réu).
(…)
As testemunhas FO..., AR... e AV… prestaram depoimento relevante, relativamente à matéria de vigilância e conservação do parque arbóreo da cidade de Braga, contribuindo para a formação da convicção, mormente, quanto aos pontos 16 a 20, 22, 23, 27 a 30, 32 e 33. De realçar que, na sua generalidade, estas testemunhas referiram que a vigilância (e acompanhamento) das árvores e do seu estado é feita por mera observação e que vai sendo feita genericamente, sem um plano estruturado. Com uma frequência regular (mas não diária) vão percorrendo os parques da cidade e observando as árvores em busca de sinais externos de podridão, cogumelos, fungos. Referiram, também a observação de copas e folhagens.
Por diversas vezes, estas testemunhas referiram que a árvore que caiu estava em bom estado, que não apresentava sinais exteriores de podridão ou fragilidades, nada havendo, visualmente, que os fizesse supor que havia, ali, um perigo. Todas revelaram que a queda foi inesperada e que vão tendo o controlo do estado das árvores pela mera observação, própria e dos demais operacionais.
Estes depoimentos permitiram criar, no Tribunal, a convicção de que, ainda que regular, não há um plano devidamente organizado de fiscalização e vigilância, que os responsáveis assumem (sem verificar, efetivamente) que os diversos operacionais do Réu, da área dos espaços verdes, vão fazendo observação, aquando do desempenho de funções, e que a análise habitual e maioritária é visual, ao nível externo das árvores. Mais se concluiu que a procura de indícios de fragilidades é feita com base na experiência e não em critérios científicos determinados, ou seja, no seio do Réu acredita-se (e aceita-se) que basta um “olho experimentado” para detetar problemas ao nível das árvores.
De destacar que a testemunha AR... referiu-se, com credibilidade, quanto à queda das outras duas árvores, pela raiz, no mesmo dia, permitindo dar como provada essa circunstância.
(…)
(sendo que, aliás todos os técnicos ouvidos – testemunhas do Réu e Interveniente – apresentaram uma teoria própria quanto ao que motivou a queda, não se podendo valorar tal, porque não assente em qualquer dado científico evidente).
(…).».
Não coteja prova tarifada, antes tudo de move dentro de princípio de liberdade de julgamento.
«A «livre apreciação da prova», aponta para uma decisão de facto emergente de «uma certeza relativa, empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida».
A «prudente convicção do tribunal», aponta para a envolvência de algum convencimento íntimo do julgador, embora sem perder de vista um critério de persuasão racional, mormente no que respeita à prova pessoal, em que relevam as condições que permitiram aferir do rigor da narração dos factos feita por cada uma das testemunhas, sua razão de ciência, e qualidades de isenção e de convicção que cada uma denotou.» - Ac. do STA, de 07-07-2018, proc. n.º 0802/17.
Ora, os referidos relatórios não deixam de dar conforto ao sentido do que se julgou provado, pese o que o recorrente lhes aponta de “fragilidade”, mas que a nosso ver não deixam de ter esteio de racionalidade, e numa possível verdade científica condicionada às circunstâncias de apuramento do sucedido num tempo da sua elaboração “a posteriori”; as contra-alegações são elucidativas no contraponto argumentativo de reflexão ao propósito.
Por outro lado, e ainda que no bloco de elenco factual os factos em questão se vejam com menção que denota que esses relatórios lhes serviram de suporte, na narrativa com que expressou a sua convicção o Mmº Juiz mostra que não só eles tiveram contributo, mas também os depoimentos prestados foram atendidos; “Valoraram-se, principalmente, na parte em que coincidiram, e na parte em que vieram confirmados por depoimentos de testemunhas, que não intervieram na sua elaboração (testemunhas do réu)”; não se retira que esses depoimentos sejam dotados de evidência a um distinto julgamento; o que não é de estranhar quando “todos os técnicos ouvidos – testemunhas do Réu e Interveniente – apresentaram uma teoria própria quanto ao que motivou a queda”.
O julgado como provado conforma-se com uma “certeza relativa, empírica”.
Como claramente apontam os artigos 640.º, n.º 1, b), e 662º, nº 1, do CPC, a reapreciação só determina alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa, o que não é o caso.
O recorrente pretende também reverter o que foi julgado como não provado sob «5. No dia do sinistro, para além das quedas das referidas árvores, caíram outras em Aveiro, Esposende, Famalicão, Lourosa, Ovar, Porto e Viseu.».
Mas de igual modo se entende não se impor alteração do julgado sob livre convicção; aliás, a própria pretensão do recorrente dá sinal de que o juízo de não provado verdadeiramente não lhe merece censura; o que especificamente se questionava era se outras quedas de árvore se verificaram em “Aveiro, Esposende, Famalicão, Lourosa, Ovar, Porto e Viseu”; o que o recorrente pretende é afirmar factualidade diversa (“No dia do sinistro, para além das quedas das referidas árvores, caíram outras em diversas localidades do país.”), o que entra em confronto com os limites de alegação pré-existentes no objecto do processo e do que foi feito submetido ao julgamento (e até de utilidade, quando sem decisivo contributo para afirmação de uma situação de “anormalidade” - supondo que seja esse o interesse - quando desacompanhado de conhecimento sobre condições atmosféricas noutros locais e de condições fitossanitárias desses outros espécimes).
Ø Sobre o direito.
O tribunal “a quo” julgou verificada responsabilidade extracontratual do réu/recorrente, reunidos respectivos pressupostos cumulativos, realçando seu dever de vigilância sobre o equipamento arbóreo e presunção de culpa que recai.
Efectivamente, como se escreve em Ac. deste TCAN, de 13-11-2020, proc. n.º 02834/15.2BEPRT, “em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas é aplicável a presunção de culpa prevista no art. 493º, n.º 1 do CC, o que desde sempre constituiu entendimento reiterado e pacífico ao nível da jurisprudência administrativa.
Ou seja, sempre que seja intentada ação de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos contra o Estado ou demais entidades públicas, em que o demandante pretenda ser ressarcido por danos patrimoniais e/ou morais provocados por coisa móvel ou imóvel em poder do Estado ou daquelas entidades públicas, com o dever de as vigiar, e com fundamento no incumprimento desse dever, sempre se entendeu ser aplicável a presunção de culpa do n.º 1 do art. 493º, presumindo-se a culpa do Estado ou dos entes públicos in vigilando sobre essas coisas quando estas provoquem danos a terceiros Ac. STA. de 09/02/2012, Proc. 035/12; 25/10/2000, Proc. 37510; TCAN de 09/09/2016, Proc. 00507/09.4; 17/11/2017, Proc. 01652/12.4BEBRG, in base de dados da DGSI., o que agora é reafirmado no art. 10º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007, de 31/12, onde inclusivamente se presume que essa culpa é leve.”.
Recordamos este aresto, também reportado a evento com um tronco (o uso da expressão é tão só linguístico) similar e em coincidência ao aqui fatídico dia 4/5/2015.
Também para afastar constatação de caso de força maior.
«Um caso de força maior é todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora previsível ou até prevenida, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências.» - Ac. do STA, Pleno, de 14-01-2010, proc. n.º 0566/08.
O recorrente com a maior assertividade aponta que “ventos na ordem dos 80/90 km/h são excepcionalmente fortes e capazes de derrubar uma árvore por mais saudável que esteja e não há nada que o Homem possa fazer para evitar esta acção da Natureza”.
Não é o que nos diz a experiência; condições climatéricas até mais alterosas não são necessariamente de elevar a caso de força maior; aliás não há notícia de que sendo o parque arbóreo da cidade de Braga constituído por mais de 25.000 árvores irresistivelmente todas tivessem tombado ou sequer apreciável percentagem.
Assim, ... mesmo perante o mau estado do tempo (chuva intensa e persistente) fica de pé a possibilidade de aquela concreta árvore não estar nas condições que lhe assegurassem a devida estabilidade e, por isso, não ter resistido ao mau tempo. Daí que, não existam factos provados suficientes para podermos concluir que ocorreu um caso de calamidade impossível de prever e desse modo evitar o dano (força maior). Ou seja, a matéria de facto dada como assente não permite, de modo algum, considerar provado que “nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua” (Ac. do STA, de 22.06.2010, proc. n.º 0373/10).
Continuando a recordar o supra referido aresto deste TCAN, «dir-se-á que num caso em que o demandante tenha alegado e demonstrado os factos base da presunção de culpa do n.º 1 do art.º 493º do CC, a força maior só excluirá a culpa presumida do demandado caso este alegue e prove que o evento danoso sofrido pelo demandante tem como causa exclusiva um acontecimento natural ou uma ação humana, de natureza anormal, imprevisível, alheia e estranha ao controlo da sua vontade e que, por conseguinte, nenhuma culpa houve da sua parte na ocorrência desse concreto evento ilícito, culposo (presumida) e danoso, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
(…)
na medida que “ventos fortes” não são uma realidade imprevista e anormal, mas antes são fenómenos naturais que ocorrem com alguma frequência, mesmo no mês de maio, data em que ocorreu o acidente, incluindo nos meses de Verão, embora seja certo que com maior frequência durante o Inverno. Logo, trata-se de fenómenos naturais de natureza previsível, que apenas se mostram imprevisíveis quanto ao momento em que efetivamente venham a acontecer.
Acresce que no caso dos autos nem sequer se provou que o desprendimento do ramo da árvore que se abateu sobre o veículo do apelante, tivesse por causa única e exclusiva, o vento forte que na altura se fazia sentir, o que de per se levaria a que jamais se pudesse concluir pelo afastamento daquela presunção de culpa que recai sobre o Réu Município e pela exclusão da garantia conferida pelo contrato de seguro.
Aliás, mesmo que se tivesse apurado que o ramo se desprendeu da árvore por via desse vento forte, dado que este evento natural não se prefigura como um fenómeno natural de natureza anormal e imprevisível, seria suficiente para se concluir pelo afastamento da mencionada presunção de culpa e pela exclusão da garantia conferida pelo contrato de seguro nos termos da mencionada cláusula 5ª, al. l) das condições particulares do contrato de seguro celebrado, que cinge a exclusão da garantia a “danos originados por motivo de força maior”, o que não seria o caso de ventos fortes, que tivessem provado o desprendimento do ramo da árvore, que se afirma como evento natural normal e previsível, embora de ocorrência incerta.
Na verdade, conforme se lê no aresto do STA de 27/05/2009, Proc. 0566/08, publicado na base de dados da DGSI, a prova do registo de queda de chuva, por vezes intensa, e vento moderado e forte, com rajadas é insuficiente para atribuir a queda da árvore a um caso de força maior ou fortuito, em sobreposição dos deveres de fiscalização a que a Administração se encontra adstrita (Ac. STA n.º 11/3, de 15/10/2003). As condições climatéricas registadas de chuva intensa e vento forte são plenamente normais e previsíveis no Inverno, o que exigia por parte da Administração uma atenção redobrada, ou melhor, uma atuação adequada às adversidades previsíveis do tempo invernoso”.».
Foi também neste sentido que decidiu o tribunal “a quo”.
Pronunciando-se sobre os requisitos da responsabilidade, e refutando ocorrência de força maior, ponderou:
«(…)
No que concerne à ocorrência da queda da árvore e à consequência trágica que, dali, adveio (falecimento de JL...), é incontroverso que tal sucedeu; quanto à implicação que tal teve na vida dos Autores, também, se deu como assente que os danos ocorreram; igualmente é incontroverso que a árvore pertence ao património arbóreo do Réu, ele cabendo a sua vigilância.
Destarte, a questão principal a dilucidar prende-se com o saber se o Réu deu cumprimento a esse dever de vigilância ou se o evento teria sucedido, independentemente de qualquer vigilância sua, sendo que o ónus da prova, a si, cabe;
Cabe, então, verificar se, neste domínio, o Réu logrou fazer prova de qualquer uma destas circunstâncias: por um lado, se cumpriu o dever de vigilância, ou, por outro, ainda que não o tivesse cumprido, o evento teria ocorrido de igual modo (relevância negativa da causa virtual).
Analise-se o que resultou provado, em sede da fiscalização e vigilância, do parque arbóreo do Réu. Resultou provado que tal tarefa é levada a cabo por mais de 90 operacionais que exercem funções na Divisão de Ambiente e Espaços Verdes do Réu, que regularmente observam as árvores, em busca de cogumelos, fungos, defeitos nos trocos e folhagens. Neste domínio, foi possível verificar que não se logrou provar (nem veio alegado, aliás) que tal vigilância não obedece a qualquer tipo de escala de serviço, que não é elaborado qualquer tipo de relatório/reporte quanto aos resultados dessa observação (a não ser quando se verifica uma situação que denote perigo), o que não permite um controlo exato, nem da vigilância que foi feita (e se foi feita), nem da frequência da mesma. É que meramente afirmar que se faz tal controlo regularmente, sem que se tenha um elemento objetivo que o demonstre, impede que se possa ter como certo que a verificação ocorreu e em termos eficientes.
Nem o Réu alegou, nem as testemunhas o demonstraram, que a verificação passe por todas as árvores, com uma cadência certa e determinada, ou seja, não se demonstrou que há um eficaz sistema de controlo. Mais ainda, em termos do modo como essa fiscalização é feita, resultou provado que é apenas visual, com recurso à experiência, ao “olho treinado”, não havendo, salvo nas árvores centenárias, recurso a instrumentos (nomeadamente resistógrafo). Note-se que a perícia levada a cabo no processo crime referiu que sempre se pode fazer inventários, mapas de risco, estudos biomecânicos. Ora, da prova produzida, resultou que a análise é, só, à parte externa das árvores e por simples observação.
Afigura-se, assim, ao Tribunal que o assumir que, normalmente, os técnicos verificam as árvores, sem concretizar de que modo, com que frequência o fazem, e que conhecimentos/experiência estes têm neste domínio, é, claramente, insuficiente para evitar a ocorrência de situações como a dos autos. Não se trata de algo impraticável como, por exemplo, ter um operacional para cada árvore da cidade, mas, no mínimo, saber, concreta e precisamente, que toda e qualquer árvore é, num determinado momento, vistoriada com recurso a mais do que a visão do técnico. E, como se viu, há outras formas de o fazer, ainda que se admita que a fragilidade radicular possa ser mais difícil de detetar.
E, neste seguimento, não pode o Tribunal ter como demonstrado o cumprimento do dever de vigilância por parte do Réu. Quanto à inevitabilidade do sucedido, ainda que o Réu tivesse cumprido os seus deveres de vigilância, ou seja, que há uma outra causa que levou à queda da árvore e que o Réu nada podia fazer para a evitar, pode avançar-se, já, que não se entende que tal tenha ficado demonstrado. Senão, atente-se.
Ficou assente que, no dia do fatídico evento, havia um alerta amarelo para chuva forte e vento da ordem dos 80km/h a 90km/h; mais resultou provado que a árvore partiu, caindo, pelo colo (na parte em que o tronco se une às raízes, ao nível do solo); resultou, ainda, pela prova documental junta que a árvore apresentava fragilidade ao nível das raízes.
Desde logo se diga que, no local, não caíram todas as árvores lá existentes, mas apenas três, sendo que, apenas, a que atingiu o falecido JL... partiu pelo colo (as demais caíram pela raiz); havendo muitas mais árvores no local, não se pode concluir que foi o efeito do vento (forte, reconhece-se), que derrubou a árvore, aqui, em análise; por outro lado, ficou assente que a referida árvore apresentava uma fragilidade nas raízes e que, tal, juntamente com o efeito do vento forte, poderia estar na origem da queda. Mais se aventou a possibilidade de ter tido influência na factualidade a ocorrência de um terramoto na cidade de Braga uns dias antes (mas como se deixou acima referido não se deu tal como provado); também se aludiu à possibilidade de a árvore ter caído por um fenómeno de torção, decorrente da força do vento; e, ainda, que a queda terá ocorrido em virtude da estrutura rígida d carvalho que não cedeu ao vento, deixando-o passar, mas que terá quebrado. Todas estas hipóteses foram avançadas pelas testemunhas, que se ouviram em audiência final, não tendo nenhuma por provada, sendo certo que tal equivale a que o Réu não tenha logrado provar que a queda se deveu a uma causa natural inevitável.
É certo que se demonstrou que havia uma fragilidade radicular e que a verificação da mesma é difícil; é certo que as condições climáticas eram adversas; como também é certo que vários podiam ser os fatores a propiciar e determinar a queda. E tal conduz a que não se possa ter como provado que a queda ocorreria independentemente do cumprimento do dever de vigilância pelo Réu (que não se demonstrou).
Em suma, não se pode afastar a presunção de culpa que, sobre o Réu, impende.
Conclusão semelhante foi obtida, nomeadamente, no acórdão do TCA Norte, de 22.10.2015, proferido no processo 00219/08.6BEMDL, que, por se concordar, para aqui, se traz, em parte:
[…]2. Tendo ficado provado que o acidente com o veículo da autora ocorreu com a queda de uma árvore de grande porte adjacente à faixa de rodagem de uma avenida municipal e não se provando que o modo e a periodicidade média do controlo, vigilância e fiscalização dos serviços municipais nessa via e nas árvores adjacentes, para se aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respectivo dever e se era adequada, sistemática e contínua, a circunstância de se terem verificado na altura ventos que atingiram a intensidade máxima instantânea na ordem dos 95 a 105 km/hora, não ilide essa presunção de culpa, a que alude o artigo 493º, nº 1, do Código Civil.
[…]
Os recorridos provaram que o referido réu, através dos seus serviços, controlava, vigiava e fiscalizava o estado de conservação, o estado fito-sanitário das árvores, designadamente nas artérias da localidade de V..., procedendo à sua poda, tratamento de doenças que eventualmente são detectadas, abate dos exemplares decrépitos.
Mas para se considerar ilidida a presunção necessário se tornava alegar e provar o modo e a respectiva periodicidade média desse controlo, vigilância e fiscalização para se aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respectivo dever, bem como para desvalorizar a circunstância de não ter sido detectado pelos serviços qualquer motivo a justificar a sua intervenção (neste sentido se pronuncia o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0566/08, o de 27-05-2009).
Reproduzindo parcialmente o teor deste último Acórdão:
Com efeito integrando-se a árvore caída no Parque Florestal de Monsanto, e sendo este património arbóreo da responsabilidade do Município de Lisboa, sobre este impendia o correspondente dever de vigiar e fiscalizar de forma sistemática, adequada e eficaz as condições de implantação, desenvolvimento e estado fito-sanitário das suas árvores, em particular, as existentes junto das vias, de modo a prevenir a queda das mesmas e consequentes danos aos utentes. Tal prova não foi, porém, produzida, de modo cabal e suficientemente persuasivo, pelo Réu. Não obstante ter alegado, o Réu não logrou provar que a fiscalização, patrulhamento e manutenção do Parque de Monsanto levado a efeito é executado de modo regular, periódico e adequado. A mera execução de tal actividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respectiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento no respectivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detectado pelos Serviços motivo algum a justificar a sua intervenção. Por outro lado, a demonstração feita em julgamento que a análise visual aos cepos de duas acácias caídas na zona do acidente não evidenciou doença ou podridão pouco releva para se concluir pela licitude da conduta do Réu desde logo, porque não se provou que a árvore tombada na viatura fosse uma das acácias visualizadas, e, mesmo que o fosse, a análise visual é marcadamente insuficiente para se poder afirmar se a árvore está ou não de boa saúde, pois, para tanto seria necessário proceder a exames laboratoriais específicos, tal como o reconheceu um dos técnicos responsáveis pela manutenção do Parque ouvido em Tribunal.
Assim sendo, face à matéria fáctica demonstrada, é forçoso concluir pela ilicitude da conduta do Réu por omissão do dever de vigilância e fiscalização sistemática, adequada e eficaz das condições de implantação, desenvolvimento e estado fito-sanitário da árvore caída.
Por outro lado, no que tange à culpa, o Réu não logrou ilidir a presunção legal que sobre ele impende, pois, não provou ter cumprido com eficácia o referido dever de fiscalização da árvore em causa, em obediência às regras técnicas e de prudência comum exigíveis naquela situação concreta, nem que a mencionada queda do elemento arbóreo se ficou a dever em exclusivo a circunstâncias anormais e imprevisíveis, a causa alheia e estranha ao controlo do Réu. Na realidade, a exemplo do já decidido no STA, a prova do registo de período de chuva, por vezes intensa, e vento moderado a forte com rajadas é insuficiente para atribuir a queda da árvore a um caso de força maior ou fortuito, em sobreposição dos deveres de fiscalização a que a Administração está adstrita (cfr Ac. STA 11/03 de 15.10.2003). Aliás, as condições climatéricas registadas de chuva intensa e vento forte são, plenamente, normais e previsíveis no Inverno, o que exigia por parte da Administração uma atenção redobrada, ou melhor, uma actuação adequada às adversidades previsíveis do tempo invernoso, eventualmente, até o corte pontual do trânsito nas artérias de maior densidade florestal do Parque, face ao comunicado do Serviço Nacional de Protecção Civil, que entrou em alerta amarelo a partir das 14 horas (tendo o acidente ocorrido sete horas depois), e o comunicado da previsibilidade de queda de árvores.
Portanto, a actuação do Réu é ilícita e culposa.
Não se vê razão para censurar esta ponderação da sentença recorrida, que a argumentação do Réu, a que acima se fez referência, não é suficiente para pôr em causa.
Efectivamente, por um lado, apesar de ser incluído na base instrutória, um quesito (23º) onde se indagava se no dia 6.12.2000 a queda da árvore teve origem em chuvadas e ventos anómalos que assolaram Lisboa, apenas se provou que, nesse dia, na região de Lisboa, ocorreram períodos de chuva, por vezes forte, e o vento tornou-se moderado e forte com rajadas. (cfr. fls. 123 e resposta ao quesito 23, a que corresponde o item 22 dos factos provados).
Ou seja, não se provou uma relação de causalidade entre as condições climatéricas do dia em que ocorreu o acidente – a que o Recorrente faz apelo na sua argumentação – e a queda da árvore que provocou os danos.
E, assim sendo, o Réu não logrou provar que a aludida queda se verificou devido a caso de força maior.
Por outro lado, embora o Réu, ora Recorrente, tenha alegado que, “através dos seus serviços, e agindo no âmbito das suas legais atribuições procedeu à fiscalização de todo o Parque Florestal de Monsanto incluindo os elementos arbóreos sitos no local referenciado nos autos, por forma regular e periódica, não detectando no decurso das mesmas qualquer motivo atinente aos exemplares existentes, que justificassem a sua intervenção ao nível de prevenção ou tratamento”, e tenha sido incluído, na base instrutória, um quesito (19º) com esse exacto conteúdo, apenas se provou que “os serviços da Ré fiscalizam o Parque Florestal de Monsanto, incluindo os elementos arbóreos existentes, patrulham e procedem à sua manutenção, não tendo detectado no decurso das mesmas qualquer motivo que justificasse a sua intervenção” (resposta ao quesito 19º; 18 dos factos provados).
Não se provou, assim, designadamente, ao invés do invocado na contestação, que a fiscalização do Parque de Monsanto pelos serviços do Réu, fosse efectuada “de forma regular e periódica”.
Como a sentença recorrida considerou e bem, sobre o Réu, em cujo património se integrava a árvore causadora do acidente, “impendia o correspondente dever de vigiar e fiscalizar de forma sistemática, adequada e eficaz as condições de implantação, desenvolvimento e estado fito-sanitário das suas árvores, em particular, as existentes junto das vias, de modo a prevenir a queda das mesmas e consequentes danos aos utentes”.
O Autor tinha, neste caso, a seu favor a presunção legal de culpa a que se refere o artº. 493º, nº 1 do Código Civil, conforme é, a este propósito, jurisprudência generalizada do Supremo Tribunal Administrativo (v. entre muitos outros, acs. do Pleno de 29.4.98, p. 36463; de 3.10.02, p. 45160; de 20.3.2002, p. 45831).
Para ilidir essa presunção, é insuficiente a simples prova em abstracto, de que “Os serviços do Réu fiscalizam o parque florestal de Monsanto, incluindo os elementos arbóreos existentes na zona do acidente, patrulham e procedem à sua manutenção, não tendo detectado no decurso das mesmas qualquer motivo que justificasse a sua intervenção”.
Como a sentença recorrida considerou e bem, “a mera execução de tal actividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respectiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respectivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detectado pelos Serviços motivo algum a justificar a sua intervenção”. Conforme este Supremo Tribunal repetidamente tem afirmado, a alegação e consequente possibilidade de prova da inexistência de “faute de service” tem de ser feita a partir de factos que esclareçam o Tribunal sobre as providências que em concreto foram tomadas pelos serviços do Réu para obviar a eventos danosos como o que ocorreu (v. entre outros acs. do STA de 14.4.05, p. 86/04; de 5.5.04, p. 1203/03; de 12.7.07, p. 321/07), prova que, como a sentença correctamente considerou, não foi feita.”
Reproduzindo parcialmente o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0566/08, datado de 14-01-2010, relatado por Pires Esteves:
“(…) um caso de força maior é todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora, previsível ou até prevenida, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências (Acs. do STJ de 9/1/1970-proc. nº62941, de 10/12/85-proc. nº73169, de 26/5/1988-proc. nº75721, de 27/9/1994-Proc. nº85089, de 10/2/2005-proc. nº4B2192 e de 29/11/2005-proc. nº05B3678).
Na hipótese do caso de força maior fica prejudicado qualquer juízo de culpa sobre o potencial lesante, dado que em nada contribuiu para o evento.”
Os factos 16, 17 e 18 não são suficientes pelas supra aludidas razões para ilidirem a presunção de culpa do art. 493º nº 1 do Cód. Civil.
Com efeito, não se alegou e, como tal, não se provou, quais as providências desencadeadas em relação á árvore que caiu no veículo automóvel dos autores para se poder concluir que os seus controlo, vigilância e fiscalização foram adequados, sistemáticos e continuados, e assim permitir ao Tribunal poder aferir se o Município de C... «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis», exercendo uma adequada, sistemática e contínua fiscalização técnica (no sentido de que só a alegação e prova desses requisitos ilide a presunção de culpa em caso de queda de árvore causadora de danos se pronunciam os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15.10.2009, p. 02090/06.3BEPRT, de 17.12.2003, p. 01499/03, de 15-10-2003, p. 011/03, de 22-10-1998 p. 043616, de 11.01.1994, p. 034034, de 11-01-1994, p. 031468, de 20.02.1990, p. 027844, de 13-02-1997, p. 37290, e de 07.11.1989, p. 027240).
O que tem de comum a situação dos autos com as situações descritas nos acórdãos ora citados, de decisivamente comum, é a circunstância de não ter ficado provado que a entidade demandada procedeu à vigilância e cuidado das árvores no local, de forma sistemática e continuada.
[…]”.
(…)
Retomando o raciocínio, acima, empreendido, dúvidas não há de que ao Réu cabe responder pelos danos sofridos pelos Autores, que, em virtude da queda de árvore, perderam o seu marido e pai, respetivamente.
(…)».
Naturalmente que “o que importa decidir, neste processo e neste recurso, é se a actividade concretamente levada a cabo, neste caso e relativamente àquela árvore que caiu naquelas condições ilide ou não a presunção de culpa do art. 493º, 1, do CC. A decisão naquilo que tem de relevante não se desliga das particularidades do caso (daquela árvore, daquele local e daquelas condições de tempo e da concreta actividade de fiscalização que foi feita pelo Município)” (Ac. do STA, de 20-10-2016, proc. n.º 01073/16).
A fiscalização do parque arbóreo pode passar por uma individualizada atenção a uma particular árvore - v. g. por já ter sido detectada situação que implica reforço de vigilância e diferenciados cuidados - ou do que em geral o réu Município empregue em meios e cadência.
Sobre si recai a referida presunção.
Como ainda recentemente este TCAN decidiu em Ac. de 27-03-2022, proc. n.º 317/12.1BEVIS, “Para ser ilidida tal presunção teria o Recorrente de demonstrar o cumprimento do dever de cuidar (manter, guardar, fiscalizar, sinalizar, etc.,), de forma sistemática e adequada, o património arbóreo à sua guarda.
Haveria de ter invocado e provado (o que não fez) a realização de inspeções regulares, nomeadamente, o modo, profundidade e adequação desse controlo. Para que se pudesse aferir da eficiência no cumprimento do respetivo dever.”, ónus que sobre si recai.
E dentro do que é limite do provado, afigura-se-nos que o tribunal “a quo” não incorreu em erro de julgamento.
No fulcro de análise sobre o cumprimento do dever de vigilância recolhe-se que pesou que “não se logrou provar (nem veio alegado, aliás) que tal vigilância não obedece a qualquer tipo de escala de serviço, que não é elaborado qualquer tipo de relatório/reporte quanto aos resultados dessa observação (a não ser quando se verifica uma situação que denote perigo), o que não permite um controlo exato, nem da vigilância que foi feita (e se foi feita), nem da frequência da mesma. É que meramente afirmar que se faz tal controlo regularmente, sem que se tenha um elemento objetivo que o demonstre, impede que se possa ter como certo que a verificação ocorreu e em termos eficientes.
Nem o Réu alegou, nem as testemunhas o demonstraram, que a verificação passe por todas as árvores, com uma cadência certa e determinada, ou seja, não se demonstrou que há um eficaz sistema de controlo. Mais ainda, em termos do modo como essa fiscalização é feita, resultou provado que é apenas visual, com recurso à experiência, ao “olho treinado”, não havendo, salvo nas árvores centenárias, recurso a instrumentos (nomeadamente resistógrafo). Note-se que a perícia levada a cabo no processo crime referiu que sempre se pode fazer inventários, mapas de risco, estudos biomecânicos. Ora, da prova produzida, resultou que a análise é, só, à parte externa das árvores e por simples observação.
Afigura-se, assim, ao Tribunal que o assumir que, normalmente, os técnicos verificam as árvores, sem concretizar de que modo, com que frequência o fazem, e que conhecimentos/experiência estes têm neste domínio, é, claramente, insuficiente para evitar a ocorrência de situações como a dos autos. Não se trata de algo impraticável como, por exemplo, ter um operacional para cada árvore da cidade, mas, no mínimo, saber, concreta e precisamente, que toda e qualquer árvore é, num determinado momento, vistoriada com recurso a mais do que a visão do técnico. E, como se viu, há outras formas de o fazer, ainda que se admita que a fragilidade radicular possa ser mais difícil de detetar.”.
Com acerto, sem razão para a censura que o recurso dirige.
O recorrente aponta que “é de concluir que se a árvore não apresentava qualquer sinal exterior de problemas (apesar adas constantes observações – cfr. facto provado 30), nada poderia o Recorrente ter feito para evitar a queda”, mas ao fazê-lo afirma em pressuposto o que deixa sem demonstração: as supostas “constantes observações”, e de forma adequada.
O artigo 9.º da Lei 67/2007, de 31/12, estabelece que se consideram ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (n.º 1) e que também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º (n.º 2).
O artigo 10.º, n.º 1 do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, preceitua que a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor; o n.º 2 do mesmo dispositivo institui que sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos; o n.º 3 acrescenta que para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.
Releva ainda a chamada culpa funcional ou culpa de serviço (faut de service) consubstanciada no anormal funcionamento do serviço, por deficiente organização ou falta de controlo, de vigilância ou fiscalização exigíveis em determinadas funções, ou de outras falhas que se reportam ao serviço como um todo (art.ºs. 9.º, n.º 2 e 7.º n.ºs 3 e 4, da referida Lei 67/2007).
Como refere Carlos Alberto Fernandes Cadilha “o n.º 3 do art. 10.º prevê igualmente uma presunção de culpa leve no caso de incumprimento de deveres de vigilância. A admissibilidade da presunção «por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil» parece implicar a remissão para o artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil, significando que a presunção funciona no tocante a danos causados por coisas, animais ou actividades relativamente aos quais uma pessoa colectiva pública tenha o dever de vigilância” (“Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas”, Coimbra Editora, pág.168).
Consagra-se assim, uma presunção de culpa in vigilando nos termos que vinham já sendo admitidos pela jurisprudência.
Neste caso existe a inversão do ónus da prova, isto é, de acordo com os princípios do ónus da prova, a que alude o artigo 342.º e 487.º do Código Civil, é o lesado quem tem de alegar e demonstrar a culpa do autor da lesão, mas beneficiando de alguma presunção legal passa a ser o lesante que tem de provar que agiu sem culpa (artigo 350.º n.º 2 do CC).
Ainda recordando o supra citado Ac. deste TCAN, de 13-11-2020, proc. n.º 02834/15.2BEPRT:
«Em conformidade com o disposto no art. 350º, n.º 2 do CC, a presunção de culpa a que nos vimos referindo é uma presunção iuris tantum e, por isso, em princípio, ilidível mediante contraprova.
No entanto, impõe-se realçar que conforme resulta da parte final do n.º 1 do art.º 493º do CC, para que o Estado ou as demais entidades públicas demandadas possam validamente ilidir essa presunção de culpa e assim possam furtar-se ao dever indemnizatório que o demandante delas reclama, não se basta a lei com uma mera contraprova, mas antes exige que aleguem e provem factos concretos de onde se extraia que nenhuma culpa houve da sua parte no evento ilícito e presuntivamente culposo e danoso ou que os danos sofridos pelo demandante se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse qualquer culpa sua.
Destarte, a elisão da presunção iuris tantum de culpa que se encontra prevista no n.º 1 do art. 493º do CC, só é feita com a prova do contrário, não se bastando, por isso, a lei com a mera contraprova, ou com a prova de que os danos sofridos pelo demandante se teriam na mesma produzido ainda que o demandado não tivesse agido com nenhuma culpa Ac. STA de 09/02/2005, Proc. 1758/03, in base de dados da DGSI..
Neste sentido lê-se que no aresto do STJ. de 09/07/2009, Proc. 01103/08, in base de dados da DGSI que “a inversão desse ónus aplica-se, por exemplo, àqueles que têm o dever de vigiar coisa móvel ou imóvel em seu poder pois que eles responderão pelos danos que essa coisa provocar, salvo se provarem que nenhuma culpa tiveram ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte (art. 493º/1 do CC). (…). O que quer dizer que caberá ao ente público possuidor da coisa demonstrar que empregou todas as providências ao seu alcance para evitar o evento danoso e que este só ocorreu por motivos que lhe escaparam e que não podia controlar – isto é, que o mesmo se deveu a caso fortuito ou de força maior – e, por conseguinte, que ele se teria verificado ainda que não houvesse culpa sua - a este propósito o Ac. STA de 16/03/2004, Proc. 40/04. Nestes casos, ao lesado incumbirá provar apenas a chamada base da presunção entendida como o facto conhecido donde se parte para afirmar o facto desconhecido (arts. 349º e 350ª do CC). Trata-se, porém, de uma presunção que admite prova destinada a contrariar o facto presumido e, consequentemente, que admite a demonstração de que o direito reclamado não existe (presunção iuris tantum – vd. acórdão do STA de 26/03/2009, Proc. 1094/08) (…).».
Como refere Carlos Alberto Fernandes Cadilha, na obra citada (2ª edição, pág. 206), “(…) provada a realidade dos factos que constituem a base da presunção, não basta para a sua elisão a simples alegação de desconhecimento da situação que originou o dano ou a prova de que os serviços dispõem de meios e equipamentos para exercer o dever de vigilância, sendo ainda necessário demonstrar que na situação concreta os serviços agiram de forma eficaz e adequada, de modo a que não se lhes possa imputar a ocorrência do acidente a título de culpa”.

No caso emerge ilicitude e a presunção de culpa não é contrariada; esses os pontos relativos aos pressupostos de responsabilidade versados na censura do recurso, mas sem que esta seja de acolher; reunidos demais pressupostos de responsabilidade, gera-se a obrigação indemnizatória que conduziu à decisão condenatória, que assim é de manter.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas: pelo recorrente.
Porto, 13 de Maio de 2022.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa