Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00829/09.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:ANULAÇÃO VENDA EXECUÇÃO FISCAL; ILICITUDE; RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário:A divulgação da venda dos bens penhorados visa potenciar o melhor preço, em prol da máxima satisfação dos interesses, neste ponto convergentes, do exequente e executado, pelo que se a afixação dos editais não é efectivada pela Autoridade Tributária nos locais determinados na lei, existe uma ilegalidade que afecta relevantemente a posição dos Autores protegida pelas normas violadas e, consequentemente, verifica-se o requisito ilicitude para efeitos de responsabilidade civil extracontratual do Estado. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:CGG e MLDASG
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
CGG e MLDASG vieram interpor recurso da sentença pela qual o TAF de Braga julgou improcedente a presente acção administrativa comum, sob a forma ordinária, que intentaram contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS e o ESTADO PORTUGUÊS (representado pelo Ministério Público), pretendendo a condenação destes no pagamento de indemnização referente a alegados prejuízos, decorrentes da venda de viatura de sua propriedade, em processo de execução fiscal, revertido contra o A. marido, na qualidade de responsável subsidiário.
*

Em alegações os Recorrentes formularam as seguintes conclusões:

DA ILICITUDE:

1) Da violação do art. 56º/1 da LGT, conjugado com o art. 169º/1 do CPPT:

A) Resulta do Facto Provado 10 que, após ter sido citado para a Execução, o aqui Autor marido deduziu atempadamente reclamação graciosa contra a mesma, invocando, nomeadamente, a prescrição das dívidas em causa, excepção essa que era, aliás, do conhecimento oficioso, pelo que o Serviço de Finanças de Felgueiras tinha a obrigação de se pronunciar sobre a mesma.

B) Ora, na sequência do processo executivo, o Autor viu o seu veículo penhorado pela Administração Fiscal no âmbito do mesmo processo. A dívida exequenda ficou então garantida por penhora de bem de valor muito superior, atendendo ao facto de, conforme resulta do respectivo auto de penhora de 20/03/2006, a própria Administração Fiscal ter atribuído ao veículo em causa “… um valor presumível de dez mil euros (EUR 10.000,00).” (cfr. Facto Provado 11 e auto de penhora junto aos autos pelo Serviço de Finanças de Felgueiras por requerimento de 27/09/2012, a fls. … dos mesmos), enquanto a dívida revertida ascendia aos EUR 2.434,44 (doc.5 em anexo à p.i.).

C) A Administração Fiscal não se pronunciou sobre a reclamação graciosa apresentada pelo Autor marido. (cfr. Facto Provado 12)

D) Em virtude de ter uma reclamação graciosa pendente e, mediante a penhora do veículo, ter sido prestada garantia suficiente, o Autor ficou justificadamente convencido que a referida execução se encontrava suspensa. (cfr. Facto Provado 12)

E) A isso obrigava, como vimos supra, o art. 56º/1 da LGT, conjugado com o art. 169º/1 do CPPT. Tendo em conta esses preceitos legais, a venda do veículo em causa nunca se poderia realizar, sem que primeiro a Administração Fiscal se pronunciasse sobre a reclamação graciosa deduzida pelo Autor marido.

F) No entanto, ocorreu precisamente o contrário. O Serviço de Finanças de Felgueiras procedeu à venda do veículo em causa, sem, primeiro, se dignar apreciar os argumentos deduzidos pelo Autor marido na sua Reclamação Graciosa.

G) Essas normas (art. 56º/1 LGT e art. 169º/1 do CPPT) existem assim para protecção dos sujeitos passivos, assegurando o direito a uma defesa efectiva dos seus interesses e direitos, garantindo que os seus argumentos sejam apreciados pela Administração Fiscal.

H) No entanto, de modo, no mínimo, negligente, o Serviço de Finanças de Felgueiras não só não suspendeu como era sua obrigação o processo executivo, como procedeu, em 31/07/2007, à venda do veículo penhorado sem previamente proferir decisão sobre a reclamação graciosa deduzida pelo Autor. Ao actuar dessa forma o Serviço de Finanças de Felgueiras violou com negligência grave o disposto nos supra referidos arts. 56º/1 da LGT e 169º/1 do CPPT, normas que visam assegurar o direito ao contraditório e a uma defesa efectiva dos contribuintes.

I) Face ao exposto, atenta a flagrante violação dessas normas que visam proteger direitos e interesses fundamentais/relevantes dos sujeitos passivos, como era o caso do A. marido, consideramos encontrar-se preenchido o requisito da ilicitude, imprescindível para que haja a obrigação de indemnizar por parte do Estado.

2) Da violação dos arts. 886º-A, n.º 1 e n.º 4 do CPC, aplicável ex. vi art. 2º do CPPT, e 193º/n.º4 do CPPT;

J) Por outro lado, nos termos dos arts. 886º-A, n.º 1 e 4 do CPC (aplicável ex. vi art. 2º do CPPT) e 193º/n.º4 do CPPT, a decisão sobre a venda dos bens penhorados é tomada após audição prévia do executado, devendo este ser ainda posteriormente notificado sobre a sua modalidade, valor base, data, hora e local em que a mesma se realizará, etc..

K) Estas normas visam também elas proteger o próprio executado, pois asseguram que o seu património não possa ser vendido sem que primeiro tal lhe seja comunicado. Para o efeito, deve ser identificado qual o bem concreto que vai ser vendido, o seu valor base, a modalidade da respectiva venda, bem como a data e hora em que a mesma se realizará. Deste modo, assegura-se, nomeadamente, que o executado possa evitar a venda coerciva, pagando a dívida exequenda até à concretização da mesma.

L) Tal é muito relevante nos casos, como o presente, em que o valor do bem penhorado é muito superior ao valor da dívida exequenda. Com efeito, não é de todo verosímil que os Autores, se tivessem tomado conhecimento prévio e atempado da decisão que ordenou a venda do seu veículo (como era, aliás, seu direito), tivessem deixado que a mesma se concretizasse.

M) No entanto, resulta dos Factos Provado 13 e 14, juntamente com o doc.7 em anexo à p.i., a fls. ... dos autos e o depoimento da testemunha FRM, funcionário do Serviço de Finanças de Felgueiras, cujo depoimento foi registado na Ata de Audiência e Discussão e Julgamento de 17/05/2013, em suporte digital (disco rígido do computador na sala de audiências, de 1:33:54 minutos a 1:53:30 minutos, mais concretamente na passagem 1:49:30 a 1:51:30, que tal nunca aconteceu.

N) Como é bom de ver, na única notificação efectuada pelo Serviço de Finanças de Felgueiras ao Autor apenas se faz referência à venda dos bens penhorados à firma A... Combustíveis e Lubrificantes Lda. e não ao A. marido, tendo-lhe assim sido prestada informação falsa, susceptível de o levar ao engano.

O) Como se isso não fosse suficiente, essa notificação omitiu ainda informação essencial obrigatória que, a ser prestada, poderia evitar esse mesmo engano, como seja: - A identificação concreta do(s) bem(ns) a vender (nomeadamente se era o veículo em causa nos autos); - se este pertencia ao executado, aqui A. marido; - o valor base da venda; - bem como a data, hora e local em que a venda se realizaria.

P) Deste modo, parece-nos evidente que, ao actuar dessa forma, o Serviço de Finanças de Felgueiras violou com negligência grave o disposto nos supra referidos arts. 886º-A, n.º 1 e n.º 4 do CPC, aplicável ex. vi art. 2º do CPPT, e 193º/n.º4 do CPPT, na redacção então em vigor.

Q) E, em consequência directa e necessária dessa conduta, o A. marido não teve qualquer hipótese de saber antecipadamente que o referido Serviço iria proceder à venda do seu próprio veículo automóvel, pelo que ficou impedido de, em último caso, pagar a dívida em questão (de pequeno montante) e evitar a concretização da dita venda.

R) Assim, atenta a flagrante violação dessas normas que visam proteger direitos e interesses fundamentais/relevantes dos sujeitos passivos, como era o caso do A. marido, encontra-se preenchido o requisito da ilicitude, imprescindível para que haja a obrigação de indemnizar.

3) Da violação dos arts. 220º e 239º/1 do CPPT:

S) Sendo a Autora esposa proprietária, em comunhão, do veículo em causa, os arts. 220º e 239º/1 do CPPT impunham ao Serviço de Finanças de Felgueiras que procedesse à sua citação pessoal, dando-lhe assim a conhecer a penhora desse bem comum do casal.

T) Apesar dessa obrigação legal, o certo é que o referido Serviço de Finanças nunca procedeu à citação da Autora esposa e muito menos a informou que iria proceder à venda coerciva do seu veículo automóvel, prosseguindo a execução como se nada fosse. Em consequência directa e necessária da conduta do referido Serviço de Finanças, a Autora esposa não podia conhecer a existência do referido processo executivo, tendo ficado impedida de nele intervir como era seu direito, nomeadamente para requerer a separação judicial de bens ou mesmo de pagar a divida em questão de pequeno montante.

U) Ao actuar dessa forma o Serviço de Finanças de Felgueiras violou com negligência grave o disposto nos arts. 220º e 239º/1 do CPPT, na redacção então em vigor, normas essas cuja função visa assegurar a participação no processo executivo dos cônjuges dos executados nos casos em que, como este, são penhorados bens comuns do casal.

V) Face ao exposto, ao violar esses preceitos legais, o Serviço de Finanças de Felgueiras impediu ilegalmente a Autora mulher de tomar conhecimento, participar, apresentar defesa e/ou pagar no âmbito do processo executivo em referência e assim evitar a sua venda coerciva. Pelo contrário, o mesmo serviço prosseguiu ilegalmente a execução, tendo procedido à venda do veículo quando estava legalmente impedido de o fazer (cfr. última parte do art. 239º/1 do CPPT). Consequentemente, também por isso consideramos devidamente preenchido o requisito da ilicitude, imprescindível para que haja a obrigação de indemnizar por parte do Estado.

4) Da violação do art. 249º/2 do CPPT:

W) Desde logo, a não publicação dos editais em Viana do Castelo, acrescida da omissão do nome do Executado (A. marido) nos mesmos editais e anúncios, impediram desde logo que a Autora esposa, enquanto proprietária do veículo em causa, pudesse tomar conhecimento da dita venda, intervir no respectivo processo executivo, requerer a separação de bens ou até exercer o direito de remição previsto no artigo 912ºdo CPC. Não nos podemos esquecer que, exercendo esse direito de remição, os Autores não seriam desapossados do seu veículo, como foram.

X) Por outro lado, consideramos ainda que, quer as publicações dos editais e anúncios em Viana, quer a inserção da identificação do executado nos mesmos, eram ainda essenciais para que o próprio pudesse tomar conhecimento da mesma venda. A publicidade não existe apenas para que terceiros possam tomar conhecimento da mesma, mas também pode aproveitar ao próprio Executado e seus familiares. Ora, neste especial contexto (em que não lhe foi comunicada a decisão de vender o seu veículo), era muito importante que pelo menos os editais e os anúncios fossem publicados em Viana do Castelo e que deles constasse a identificação do Executado, pois só assim poderia ser possível aos Autores tomar conhecimento que a execução afinal não se encontrava suspensa e que estava prevista a venda do veículo.

Y) Assim, consideramos que, ao violar esses preceitos legais relativos à publicidade da venda, o Serviço de Finanças de Felgueiras impediu ilegalmente os Autores (Executado e sua mulher) de tomar conhecimento, participar, e/ou apresentar defesa no processo executivo em referência, bem como que os mesmos pudessem atempadamente pagar a dívida, exercer o direito de remição, o que, a acontecer, teria evitado a perda (venda) do veículo em causa. Consequentemente, também através desta ilegalidade, consideramos preenchido o requisito da ilicitude, imprescindível para que haja a obrigação de indemnizar por parte do Estado

5) Da conjugação das ilegalidades referidas e suas consequências:

Z) Se qualquer uma das ilegalidades supra referidas, individualmente consideradas, é suficiente para preencher o referido requisito de ilicitude, a sua análise conjunta permite perceber que foi a sucessão das mesmas que permitiram que o veículo dos Autores fosse vendido coercivamente sem que estes tivessem sequer a hipótese de se aperceber de tal possibilidade.

AA) Com a sua actuação, o Serviço de Finanças de Felgueiras impediu: - Que o Executado, aqui A. marido, visse apreciada a defesa (reclamação graciosa) por si apresentada, nomeadamente a invocada prescrição das dívidas revertidas, a qual era até do conhecimento oficioso, o que a suceder evitaria a venda do veículo; - Que o Executado, aqui A. marido, pudesse pagar a dívida de reduzido valor em questão e assim evitar a venda do veículo; - Que a Autora esposa pudesse intervir na execução como era seu direito, invocando as excepções que entendesse, como por exemplo a prescrição da dívida, o que a suceder evitaria a venda do veículo; - Que a Autora esposa pudesse requerer a separação de bens como era seu direito e subsequente adjudicação do veículo para si, o que a suceder evitaria a sua venda; - Que a Autora esposa pudesse exercer o direito de remição e evitar a perda do veículo como era seu direito; Que o Autora esposa pudesse pagar a dívida de reduzido valor em questão e assim evitar a venda do veículo;

BB) Face ao exposto, ao contrário do que refere o Tribunal “a quo”, foram alegadas e provadas outras ilicitudes que não apenas a falta de publicação de editais no local correcto. Ilicitudes essas que, quer individualmente consideradas, quer principalmente analisadas no seu conjunto, lesaram de modo grave e substancial os direitos e interesses legalmente protegidos dos aqui Autores, fora dos limites consentidos pelo ordenamento jurídico. Consequentemente deve ser considerado cumprido o requisito da ilicitude.

DA CULPA:

CC) Como vimos supra, a Administração Fiscal, mais concretamente o Serviço de Finanças de Felgueiras, tinha a obrigação legal de: - Pronunciar-se sobre a reclamação graciosa deduzida pelo A. marido (art. 56º/1 da LGT); - Suspender o processo executivo até à decisão sobre a reclamação graciosa, atenta a penhora efectuada (art. 169º/1 do CPPT); - Citar a Autora esposa para que esta pudesse requerer a separação de bens (art. 220º e 239º/1 do CPPT); - Não prosseguir com a execução até à separação de bens ou ter decorrido o prazo para a requerer (art. 239º/1, parte final, do CPPT); - Notificar o A. marido, na qualidade de executado, sobre a identificação concreta do(s) bem(ns) a vender (nomeadamente se era o veículo em causa nos autos), o seu valor base, bem como a data, hora e local em que a venda se realizaria. (arts. 886º-A, n.º 1 e n.º 4 do CPC, aplicável ex. vi art. 2º do CPPT, e 193º/n.º4 do CPPT) - De identificar correctamente o executado, aqui A. marido, nos anúncios e editais, bem como publicá-los em Viana do Castelo, local onde se encontrava o bem e residia o executado. (art. 249º/2 CPPT);

DD) No entanto, o referido Serviço de Finanças não cumpriu com nenhuma dessas suas obrigações legais, como lhe era exigível, tendo actuado com grave e grosseira negligência dos seus deveres legais e com total desrespeito pelos direitos e interesses dos Autores, sendo incompreensível que o Tribunal “a quo” tenha concluído que os funcionários do Serviço de Finanças de Felgueiras tenham dado “... cumprimento aos deveres que lhes assistiam, tendo em conta as particularidades do presente caso e os condicionalismos ao mesmo inerentes. (....)”

EE) Ao longo de todo o referido processo executivo, o referido Serviço de Finanças incumpriu de modo grave e injustificável os seus deveres, tendo a obrigação legal de ter actuado de outro modo. Quanto a nós, o requisito da culpa também se encontra totalmente preenchido no presente caso.

DO NEXO CAUSAL;

FF) Se, como refere a sentença recorrida, “(…) é possível concluir que existem danos (patrimoniais e não patrimoniais – ver, acima, os factos considerados provados) e estabelecer um nexo causal entre a apreensão/venda do veículo dos AA. e os mesmos (…)”, bem como que essa mesma venda efectuada pela Administração Fiscal é ilícita atendendo ao referido supra, tal acarretará, silogisticamente, que se conclua pela verificação deste pressuposto.

GG) Atento o supra exposto, parece-nos que estão reunidos todos os pressupostos exigidos pelo regime da responsabilidade civil do Estado e das demais entidades públicas para que os RR. sejam condenados a pagar os prejuízos que a sua conduta ilícita provocou.

D) DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FATO:

1) Dos Fatos Provados 71 (última parte) e 74 (última parte)

HH) Por cautela, os Autores impugnam ainda os Fatos Provados 71 (última parte) e 74 (última parte) constantes na douta sentença, correspondentes às respostas aos quesitos 64 e 67 da base instrutória, mais concretamente na parte em que se referem à apreensão dos documentos do veículo, devendo a mesma ser retirada. Com efeito, esses itens foram incorrectamente julgados, pois, da prova constante dos autos (nomeadamente dos documentos existentes nos autos ou dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente do referido FRM), não pode resultar que se considere provado que os documentos da viatura penhorada tenham alguma vez ficado apreendidos, muito pelo contrário.

II) Os concretos meios de prova que impõem essa alteração da matéria de facto são os seguintes:

a. Auto de apreensão de documentos: No item 71 dos Factos Provados refere-se que o Autor marido assinou um “auto de apreensão de documentos.” No entanto, não consta dos presentes autos (nem em qualquer outro lado) qualquer “auto de apreensão de documentos”, pelo que tal referência deve ser eliminada do item 71 dos Factos Provados, por não provada.

b. Depoimento da testemunha FRM, funcionário do Serviço de Finanças de Felgueiras, cujo depoimento foi registado na Ata de Audiência e Discussão e Julgamento de 17/05/2013, em suporte digital (disco rígido do computador na sala de audiências, de 1:33:54 minutos a 1:53:30 minutos, mais concretamente na passagem 1:45:30 a 1:49:30 pela qual a testemunha reconheceu expressamente que nunca viu nos autos os documentos originais do veículo, que apenas constava dos autos uma fotocópia dos mesmos. Refere ainda que, relativamente a este caso concreto, não sabe se os documentos originais alguma vez foram apreendidos pela Administração Fiscal, embora refira que o mais normal é terem sido…

c. Depoimento da testemunha ACB, economista, cujo depoimento foi registado na Ata de Audiência e Discussão e Julgamento de 17/05/2013, em suporte digital (disco rígido do computador na sala de audiências, de 1:19:24 minutos a 1:33:54 minutos, mais concretamente na seguinte passagem 1:33:30 a 1:35:00 pela qual a testemunha refere que o Autor sempre andou com os documentos, não estando os mesmos apreendidos. Mais afirmou que chegou a ver os mesmos.

d. Depoimento da testemunha JDAP, presidente da Junta de Freguesia de D..., cujo depoimento foi registado na Ata de Audiência e Discussão e Julgamento de 17/05/2013, em suporte digital (disco rígido do computador na sala de audiências, de 46:33 minutos a 1:00:14 minutos, mais concretamente na passagem 56:40 a 1:00:30 pela qual a testemunha refere que ao longo de todo este tempo e até à venda do mesmo, o Autor continuou a circular normalmente com a viatura. O carro não estava apreendido, tendo conhecimento que o mesmo andava com os documentos do veículo. Relatou que uma vez presenciou que a polícia mandou parar o Autor e lhe pediu os documentos, tendo este os exibido.

e. Doc. 1: o original do certificado de matrícula n.º002679817, de 29/12/2005, referente ao veículo automóvel em causa nos autos, comprovando assim que o mesmo sempre esteve e continua a estar na posse do Autor marido.

f. Doc. 2: carta remetida pelo comprador do veículo, O..., Lda, ao A. marido em 27/02/2008 (posteriormente à venda), exigindo a entrega dos originais dos documentos do veículo em causa nos autos. Tal comprova que o comprador bem sabia que os documentos originais se encontravam na posse do A. marido e não apreendidos.

JJ) A junção dos referidos documentos (Docs. 1 e 2) faz-se ao abrigo do art. 651º/1 do CPC, em virtude de a mesma só se ter tornado necessária face à referida argumentação utilizada pelo Tribunal “a quo” na douta sentença recorrida.

KK) Face ao exposto, resulta dos elementos de prova enunciados supra que não existem nos autos quaisquer indícios de que os documentos da viatura alguma vez tivessem sido apreendidos pela Administração Fiscal. Por isso entendem que a redacção dos referidos fatos provados deve passar a ter o seguinte teor: Facto provado 71) (resposta ao quesito 64): “O A. foi citado pessoalmente em 20/03/2006, assinando a respectiva certidão de citação, bem como a sua nomeação como fiel depositário.” Eliminando assim a parte “o respectivo auto de apreensão de documentos”, o qual deve ser considerado não provado. Facto provado 74) (resposta ao quesito 67): “Quando foram efectuadas as despesas que se reportam à data de 31/07/2007 a 3/8/2007, o veículo em causa estava penhorado.” Eliminando assim a parte “e os documentos apreendidos”, o qual deve ser considerado não provado.

2) Do aditamento do facto alegado no art. 18º da p.i. aos Factos Provados;

LL) Como vimos supra, este facto (falta de citação do cônjuge do executado) foi expressamente alegado pelos Autores no art. 18º da sua p.i., apesar de não constar nem da Matéria Assente, nem da Base Instrutória. No entanto, como se trata de um facto essencial para a boa decisão da causa, o mesmo deve ser tido em conta na presente acção, nos termos dos arts. 662º/1 e 2/al. c), a contrario, e art. 607º/2 e 3 (ex vi art. 663º/2) do CPC, aplicáveis por remição do art. 1ºdo CPTA.

MM) Tal facto encontra-se devidamente comprovado nos autos pelos seguintes elementos de prova:

a. na sentença que anulou a venda (doc. 4, fls. 1 e 12, em anexo à p.i., a fls. … dos autos): onde é expressamente reconhecida a existência dessa mesma nulidade/irregularidade (falta de citação do cônjuge) no âmbito do processo executivo, apesar de considerar que a mesma não constituía fundamento para anulação da venda;

b. No Depoimento da testemunha FRM, funcionário do Serviço de Finanças de Felgueiras, cujo depoimento foi registado na Ata de Audiência e Discussão e Julgamento de 17/05/2013, em suporte digital (disco rígido do computador na sala de audiências, de 1:33:54 minutos a 1:53:30 minutos, mais concretamente na passagem 1:49:30 a 1:52:00, na qual a testemunha reconhece que nunca citou ou notificou a Autora mulher no âmbito da execução, defendendo que não o tinha de fazer atendendo ao facto de o Serviço de Finanças não ser o Registo Civil…

NN) Consequentemente, deve tal facto (art. 18º da p.i.) passar a constar dos Factos Provados ou, se assim não se entender, da Base Instrutória, pois, não só foi atempadamente alegado pelos Autores na p.i., como tem grande relevância para a boa decisão da causa.

TERMOS em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-o por outra que, julgando a presente acção procedente, decida condenar os Réus nos pedidos formulados pelos Autores na petição inicial, tudo com as consequências legais, assim se fazendo a devida JUSTIÇA.

MAIS se requer a V.ªs Ex.ªs se dignem admitir, nos termos e para os efeito previstos no art. art. 651º/1 do CPC, a junção dos documentos n.º 1 e 2 em anexo em virtude de a mesma só se ter tornado necessária face à referida argumentação utilizada pelo Tribunal “a quo” na sentença recorrida.

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O Recorrido contra alegou conforme folhas 531 e seguintes, sem formular conclusões.
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QUESTÕES A DECIDIR
Os erros de julgamento de facto e de direito imputados à sentença, nos limites racionais das conclusões formuladas pelos Recorrentes.
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FACTOS
Consta da sentença:
1. Os Autores são donos e legítimos proprietários de um veículo automóvel de marca SEAT Toledo 1.9 TDI Sport (Diesel), cor cinza, com a matrícula **-**-SB, o qual, por ter sido adquirido na constância do matrimónio, constitui bem comum do casal.

2. A aquisição do direito de propriedade sobre o veículo aqui em causa encontra-se definitivamente registada na Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa em nome e a favor dos Autores.

3. O Autor foi gerente da sociedade comercial «A... – Combustíveis e Lubrificantes, Ld.ª» desde 03/01/1996 até 07/07/1998, data em que renunciou à gerência.

4. Em 25 de Março de 1998, no Serviço de Finanças de Felgueiras, foi instaurada execução fiscal com o n.º 98/100679.7 contra a sociedade comercial «A... – Combustíveis e Lubrificantes, Lda», para cobrança coerciva de dívidas respeitantes a coimas.

5. Em 21 de Novembro de 2000 foi instaurada contra a mesma sociedade, no Serviço de Finanças de Felgueiras, a execução fiscal n.º 00/101863.9, por dívidas de coimas e custas.

6. Em 19/03/2001, foi instaurada contra a mesma sociedade, a execução fiscal n.º 01/100620.7, para cobrança coerciva de dívidas relativas a IVA do ano de 1995.

7. Em 05/03/2001, foi instaurada a execução fiscal contra a mesma sociedade, para cobrança de dívidas relativas a IVA do ano de 1998.

8. Por despacho de 15 de Outubro de 2002 foi ordenada a reversão da execução contra o Autor, o qual foi citado em 15 de Abril de 2005.

9. Por essa citação, foi ainda o Executado informado que “... nos termos do n.º 4 do art. 22º da Lei Geral Tributária a contar da data da citação, poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos constantes no art. 99º e prazos estabelecidos nos artigos 70º e 102º do CPPT.”

10. Em 22 de Abril de 2005, o Autor apresentou no Serviço de Finanças de Felgueiras, um requerimento que dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de Felgueiras e a que chamou reclamação graciosa, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

11. Em 20 de Março de 2006, foi ordenada a penhora do veículo automóvel mencionado em B., tendo o Autor ficado fiel depositário do mesmo.

12. Em virtude de ter uma reclamação graciosa pendente (sobre a qual não foi ainda proferida decisão pela Administração Fiscal) e, mediante a penhora do veículo, ter sido prestada garantia suficiente, o Autor ficou convencido que a referida execução se encontrava suspensa.

13. Em 24 de Maio de 2007, o Sr. Chefe de Finanças de Felgueiras proferiu despacho a ordenar a venda dos bens penhorados à “A... Combustíveis e Lubrificantes Ld.ª”, mediante propostas em carta fechada para o dia 31/07/2007.

14. Com efeito, em 07/06/2008, o Autor apenas foi notificado do seguinte Fica V.ª Ex.ª notificado, na qualidade de fiel depositário, que se vai proceder à venda judicial por proposta em carta fechada dos bens penhorados à firma A... Combustíveis e Lubrificantes Lda.”

15. A Administração Fiscal ordenou a afixação de editais publicitando a venda no Serviço de Finanças de Felgueiras e na Junta de Freguesia de Varziela, Felgueiras.

16. Em 31 de Julho de 2007, a Administração Fiscal aceitou a única proposta apresentada, no valor de 5.700,00 euros, apresentada por O..., Lda.

17. Em 11/08/2007, foi elaborado o auto junto à p.i. como doc.8, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

18. Logo em 16 de Agosto de 2007, o Autor apresentou no Serviço de Finanças de Felgueiras e dirigido ao TAF de Braga, pedido de anulação da referida venda do veículo com fundamento nas ilegalidades atrás mencionadas.

19. Pedido de anulação esse que correu termos pela Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga sob o Processo n.º 1023/07.4BEBRG, cuja apensação se requererá a final e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

20. Em 07/11/2008, no âmbito desse processo, foi proferida decisão judicial com o seguinte teor:
“(…) No caso concreto, um dos editais não foi publicado no local que a lei determina, ou seja, a sede da junta de freguesia de D..., concelho de Viana do Castelo.
Houve assim, preterição de uma formalidade essencial para se realizar a venda judicial dos bens penhorados, sendo certo que tal omissão influiu na venda, na medida em que não permitiu uma concorrência de pessoas que se soubessem da sua existência não deixariam de nela participar.
Conclui-se, assim, existir nulidade da venda adveniente da preterição de uma formalidade legal essencial relativa à sua publicidade.
Por outro lado, também se omitiu o nome do Executado nos editais e anúncios e também essa omissão nos parece colocar em causa a completa publicidade da venda, uma vez que pode revestir interesse na formação da decisão de concorrer à venda, saber quem é o executado, até mesmo para permitir o exercício do direito de remição previsto no art. 912º do CPC.
Também esta preterição de formalidade legal porque tem influência na venda, prejudicando, negativamente a publicidade desta, gera a respectiva nulidade.
De resto, teremos de convir que, tendo o Executado o seu domicílio em Viana do Castelo e aí se encontrando o bem penhorado, não fará grande sentido organizar toda a venda em Felgueiras, dar publicidade através de anúncios publicados em jornal dessa cidade (ainda que legalmente) e afixar os editais exclusivamente em Felgueiras (aqui ilegalmente).
Nesta conformidade e para concluir, deverá a venda ser anulada, nos termos do disposto no art. 257º n.º 1 al. c) do CPPT e nos arts. 201º, n.º 1 e 909º/ n.º1 al. c) do CPC.
3. Decisão:
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar o presente incidente procedente e, em consequência, anular a venda realizada na execução fiscal supra identificada.”

21. Decisão essa que transitou em julgado em 04/12/2008.

22. Logo em 15/12/2008, o Autor solicitou junto do Serviço de Finanças de Felgueiras que desse cumprimento à referida decisão judicial e procedesse à imediata restituição do veículo.

23. A Administração Fiscal não notificou os Autores da concretização da venda do veículo, da obrigação de entregar o veículo ao referido comprador ou sequer a identidade deste.

24. Na manhã do dia 11/08/2007 (sábado), o representante legal da firma compradora do veículo deslocou-se à residência dos Autores sem qualquer aviso prévio e exigiu a entrega do veículo referido em B.

25. Só nesse momento, os Autores tomaram conhecimento da venda do seu veículo.

26. Os Autores, então, recusaram-se a entregar o veículo até que a situação fosse esclarecida junto do Serviço de Finanças de Felgueiras 2, na 2ª feira seguinte.

27. Nessa sequência, o representante da firma compradora solicitou o apoio policial para tomar posse do veículo.

28. A PSP de Viana do Castelo enviou para a residência dos Autores um carro patrulha e 2 agentes fardados e armados para forçar os Autores a entregar o veículo à O..., Lda.

29. Os agentes da PSP comunicaram aos AA. que, caso estes não entregassem voluntariamente o veículo, iriam chamar o reboque e levá-lo coercivamente.

30. Os Autores aceitaram conduzir o veículo para as instalações do Comando da PSP de Viana do Castelo com a condição de que este ficaria à guarda da PSP até posterior resolução judicial.

31. Os Autores ficaram impedidos de utilizar o seu veículo desde esse dia 11/08/2007.

32. Em 14/09/2007, a PSP de Viana do Castelo procedeu à entrega do veículo ao gerente da O..., lda, passando esta a dispor do mesmo de acordo com a sua vontade.

33. Só em 21/01/2009, a firma O... procedeu à restituição do veículo em causa aos Autores, possuindo o mesmo registada uma kilometragem de 220.141km.

34. Em 11/08/2007, o veículo dos Autores tinha uma kilometragem não superior a 185.000 km.

35. No dia 06/08/2007, 5 dias antes, os Autores procederam a uma reparação ao mesmo na firma L... Comércio de Automóveis, S.A., concessionária da marca Seat em Viana do Castelo, tendo sido constatado que o mesmo possuía 184.636 km.

36. O Autor, no exercício da sua actividade, necessidade de fazer constantes deslocações.

37. Para o efeito o Autor tinha necessidade de utilizar o veículo em causa.

38. O veículo era ainda utilizado pelo agregado familiar dos Autores no seu dia a dia, nomeadamente para fazer compras, visitar a família, passear, ir de férias.

39. Por conta do sucedido, os Autores ficaram impedidos de usufruir e utilizar o seu veículo nas suas deslocações, como era sua intenção e vontade, durante o período que decorreu entre 11/08/2007 e 21/01/2009 (durante 529 dias).

40. Os Autores estão ambos reformados, pelo que utilizavam o veículo aqui em causa para seu recreio, nomeadamente para passear quer por Portugal, quer por Espanha.

41. Em 02/01/2008, os Autores celebraram com o Banco Santander Consumer Portugal SA, o contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor, do veículo utilitário Marca …, matrícula ...-ET-....

42. Durante o período entre 02/01/2008 e 21/01/2009, os Autores, no âmbito desse contrato de aluguer, despenderam o montante global de EUR 5.806,39.

43. Por conta do sucedido, os Autores viram-se obrigados a contratar advogado e interpor a respectiva acção/incidente de anulação da venda do seu veículo junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

44. No âmbito desse processo judicial, os Autores despenderam EUR 360,00 (trezentos e sessenta euros) em taxas de justiça.

45. Para obter a efectiva entrega/devolução do veículo, foram ainda necessários inúmeros requerimentos dos seus advogados para o Serviço de Finanças de Felgueiras.

46. Os AA. necessitaram de contratar advogado e pagar honorários tendo em vista a proposição da presente acção.

47. Por isso, os Autores viram-se obrigados a suportar honorários com advogado, no montante de EUR 2.500,00 + IVA = EUR 3.000,00 (três mil euros).

48. Para preparar e instruir a respectiva acção/incidente de anulação, os Autores viram-se obrigados a solicitar a emissão de certidão do processo de execução fiscal junto do Serviço de Finanças de Felgueiras, para o que tiveram de despender o montante de EUR 39,84 (trinta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos).
49. Em 17/08/2007, para se precaverem contra o facto de a firma compradora poder vender o veículo a um terceiro, os Autores viram-se obrigados a registar a acção/incidente de anulação da venda do mesmo junto da Conservatória do Registo Automóvel, para o que tiveram de despender o montante de EUR 63,00 (sessenta e três euros).

50. Para obter a restituição do seu veículo, os Autores viram-se obrigados a solicitar a emissão de certidão da decisão de anulação de venda de 07/11/2008 para apresentar no Serviço de Finanças de Felgueiras, para o que tiveram de despender o montante de EUR 30,72 (trinta euros e setenta e dois cêntimos).

51. Nos dias 31/07/2007, 03/08/2007 e 06/08/2007, os Autores efectuaram a revisão dos 180.000 km, bem como as reparações melhor descritas nas facturas juntas com a p.i. como docs. 16 a 19, para o que despenderam o montante total de EUR 777,20 (setecentos e setenta e sete euros e vinte cêntimos.

52. Em 25/07/2007, os Autores já haviam adquirido e montado 4 pneus novos no seu veículo para o que despenderam o montante de EUR 319,29 (trezentos e dezanove euros e vinte e nove cêntimos).

53. Em 21/07/2007, os Autores já haviam pago EUR 32,38 (trinta e dois euros e trinta e oito cêntimos) a título de Imposto Municipal sobre Veículos e aquisição do respectivo dístico, essencial para o veículo poder circular.

54. Depois de o veículo lhes ter sido devolvido, mais concretamente em 22/01/2009, os Autores ordenaram à firma At..., lda (Bosch Service) que procedesse a uma vistoria ao veículo em causa, tendo sido detectado que:
a. Era necessário reparar/substituir diversas peças danificadas.
b. O controlo do Ar Condicionado climatronic (AC) se encontrava avariado.
c. Os 2 pneus traseiros se encontravam em mau estado.
d. O alarme não funcionava.

55. Os Autores tiveram de fazer as reparações e afinamentos melhores descritos nos docs. 22 a 24, juntos com a p.i. para o que despenderam o montante global de EUR 1.013,75 (mil e treze euros e setenta e cinco cêntimos).

56. Os Autores optaram por não proceder à reparação do controlo do Ar Condicionado Climatronic (AC), pelo que este continua avariado.

57. Sendo necessário o montante de EUR 546,36 (quinhentos e quarenta e seis euros e trinta e seis cêntimos) para proceder à reparação do mesmo.

58. Os Autores são pessoas sérias, honestas e muito bem considerados no meio em que vivem.

59. O Autor candidatou-se nas eleições autárquicas de 2004, tendo sido eleito membro da Assembleia de Freguesia por votação dos fregueses/eleitores de D..., Viana do Castelo e Presidente da mesma por votação dos restantes membros desse órgão.

60. O Autor foi professor em Viana do Castelo, tendo nomeadamente exercido por vários anos o cargo de Presidente do Conselho Directivo da Escola Secundária SMM (Liceu de Viana do Castelo).

61. A Autora foi também professora, tendo exercido diversos cargos públicos, nomeadamente na coordenação de projectos de toxicodependência, no projecto Vida/IPDT e na formação de professores quer ao nível do concelho, quer ao nível do distrito de Viana do Castelo.

62. Os Autores são pessoas conhecidas e consideradas na cidade de Viana do Castelo e especialmente na Freguesia de D..., onde residem.

63. Na sequência do descrito em 6. a 8., o Comandante do Comando Distrital da PSP de Viana do Castelo apresentou desculpas formais pela falta de sensibilidade dos agentes em resolver a situação.

64. Os Autores sentiram necessidade de se justificar e explicar o sucedido.

65. Sentindo-se angustiados com o facto de poder existir alguém que não acredite nas suas justificações, dado o carácter extraordinário da situação.

66. O Autor recebeu o email referido infra.
67. No dia 21/09/2007, o Autor recebeu o email junto à p.i. como doc. 50, onde alguém, de forma jocosa, tenta marcar um exame presencial ao seu veículo.

68. Os Autores eram pessoas sociáveis.

69. A Autora toma medicamentos antidepressivos para controlar a ansiedade/depressão como Ciralex 10 mg, Alprazolam Generis 0,5 mg e Inderal 10 mg.

70. O facto de terem ficado impedidos de usufruir do seu veículo e de ver um terceiro (o comprador) a utilizá-lo contra a sua vontade, provocou nos Autores uma sensação de frustração e injustiça.
71. O A foi citado pessoalmente em 20/03/2006, assinando a respectiva certidão de citação, bem como o respectivo auto de apreensão de documentos e a sua nomeação como fiel depositário.

72. O despacho que ordenou a venda por proposta em carta fechada de 5/06/2007, foi notificado ao ora A por carta registada com A/R, em 8/6/2007, tendo sido publicitado em dois números seguidos dos dias 6 e 13 de Julho de 2007 do jornal “Semanário de Felgueiras”.

73. A Venda Judicial foi efectuada em 31//2007 e o A, na qualidade de revertido, foi à execução em 13/8/2007 informar que iria impugnar a referida venda.

74. Quando foram efectuadas as despesas que se reportam à data de 31/7/2007 a 3/8/2007, o veículo em causa estava penhorado e os documentos apreendidos.

*
DIREITO
Apesar de a impugnação da matéria de direito preceder na alegação dos Recorrentes a impugnação de facto, logicamente a ordem de conhecimento deve ser invertida, pois qualquer alteração da matéria de facto pode influenciar o conhecimento de direito, não sendo a recíproca verdadeira.

Impugnação da matéria de facto

Embora não sejam visíveis as consequências da alteração da matéria de facto proposta pelos Recorrentes nas conclusões HH) a KK) na decisão da causa, o certo é que se trata de factos resultantes da Base Instrutória e levados aos factos assentes na sentença, daí a pertinência da sua indagação.

Quanto aos incisos constantes dos factos 71 e 74 no sentido de que os documentos da viatura penhorada foram apreendidos, cuja veracidade os Recorrentes repudiam, decorre da motivação das respostas aos quesitos que o TAF não indica qualquer documento comprovativo, limitando-se a dizer genericamente que “A resposta dada aos quesitos 64 a 67 resulta, fundamentalmente, do exame dos documentos juntos quer aos presentes autos quer ao PA apenso”, mas deixando entrever que afinal a resposta não assenta exatamente aí, antes numa presunção deduzida da “impossibilidade de o A. ter na sua posse os documentos da viatura, até porque esta se encontrava penhorada e, por isso, necessariamente, os documentos estariam apreendidos” – cfr. folhas 413 destes autos.

Ora, como frequentemente sucede e nestes mesmos autos se confirma (vejam-se os fundamentos de anulação da venda da viatura penhorada no Proc. 1023/07.4BEBRG) nem sempre as formalidades legais são rigorosamente cumpridas e, portanto aquela presunção judicial não assenta em terreno firme. Donde se conclui que assiste razão aos Recorrentes nesta questão.

Passando ao alegado pelos Recorrentes nas conclusões LL) a NN), sobre a omissão do facto alegado em 18º da PI (falta de citação da Autora, cônjuge do Executado na execução fiscal, enquanto comproprietária do veículo penhorado), trata-se de matéria que foi apreciada na sentença que anulou a venda, aí se referindo (cfr. fls. 48 destes autos):

«No caso vertente, uma vez que foi penhorado um bem móvel sujeito a registo, era obrigatória a citação do cônjuge do executado – cfr. art. 239º nº1 do CPPT.

Tal citação foi omitida e, como tal, ocorre a apontada nulidade – cfr. art. 165º nº1 al a) do CPPT e art. 195º do CPC.»

Ora, embora não tivesse residido na omissão dessa formalidade o fundamento anulatório da venda, o certo é que a pretensão indemnizatória não é necessariamente restrita e vinculada àquele fundamento anulatório, nada impedindo que eventualmente se reúnam os fundamentos geradores da responsabilidade civil pela omissão de uma formalidade devida que, não obstante, em nome da protecção de outros interesses, nomeadamente dos terceiros adquirentes de boa fé, não conduza só por si à anulação da venda.

Este último aspecto é considerado na sentença do TAF de Braga, quando nela se escreve que “a nulidade da citação do cônjuge não constituirá fundamento de anulação da venda da qual o exequente não haja sido o único beneficiário – art. 864º nº10 do CPC aplicável ex vi art. 2º al. e) do CPPT” (ainda fls. 48 destes autos).

Assim, embora de 19 e 20 da matéria de facto pareça resultar uma remissão geral para todo o Proc. 1023/07.4BEBRG e decisão judicial aí proferida, entende-se ser útil e conveniente aditar à matéria provada aquele facto.

*
MODIFICAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
*
Sendo assim, ao abrigo do artigo 712º do CPC aplicável altera-se em conformidade a redacção dos factos 71 e 74 e adita-se um nº75, como segue:
*
71. O A. foi citado pessoalmente em 20/03/2006, assinando a respectiva certidão de citação, bem como a sua nomeação como fiel depositário.

74. Quando foram efectuadas as despesas que se reportam à data de 31/07/2007 a 03/08/2007, o veículo em causa estava penhorado.

75. Conforme consta da sentença do TAF de Braga certificada a fls. 38 e seguintes destes autos, que anulou a venda em execução fiscal do veículo penhorado com a matrícula **-**-SB, penhorado, foi omitida nessa execução a citação do cônjuge do executado, co-Autora e Recorrente nestes autos.

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DE DIREITO

Atenta a fundamentação da sentença, a improcedência da acção radica em primeira linha na inexistência dos requisitos “ilicitude” e “culpa”, no contexto factual apurado, arrastando essa constatação necessariamente a irrelevância dos demais requisitos potencialmente geradores da responsabilidade civil assacada ao Réu. Nas palavras do TAF:

*
«Aqui, no entanto, se é possível concluir que existem danos (patrimoniais e não patrimoniais - ver, acima, os factos considerados provados) e estabelecer um nexo causal entre a apreensão/venda do veículo dos AA. e os mesmos, uma vez que não podemos reputar a actuação dos envolvidos como ilícita, nos termos em que acima se concluiu, tal acarretará, silogisticamente, que não se conclua pela verificação, também, deste pressuposto.»
*
Porém, como se vê das conclusões transcritas, os Recorrentes não se conformam com tal apreciação e assim cumpre reponderar.

= ILICITUDE =

Citando em prol da sua ideia o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.10.02, proferido no recurso 1690/02, onde se desenvolve o tema de que “...a Administração não incorre automaticamente em responsabilidade civil cada vez que pratica um acto administrativo ilegal”, concluiu o TAF:

*
«Do exposto decorre, sem margem para dúvidas, que um qualquer vício de forma, embora preenchendo a noção ampla de ilicitude, só gerará direito de indemnização se esse motivo anulatório tiver inquestionavelmente determinado o conteúdo resolutório do acto ilegal, isto é, se ele atingir o interessado num direito ou posição jurídica substantiva tutelada de natureza, de tal modo que se o acto tivesse respeitado os deveres fundamentação haveria de ter satisfeito o direito ou interesse substantivo.

Ora, no caso em apreço, o Autor não demonstra que a subsequente eliminação do vício de forma seria capaz de, na renovação do acto, satisfazer a sua pretensão substantiva.

Portanto:

Do que se deu como provado (e, em especial, do que se deu por não provado) resulta que os serviços competentes observaram os procedimentos impostos. Apenas terão “claudicado” pontualmente, conforme acima se deu como provado, mas tal não reveste, de per se, uma qualquer ilicitude nos moldes que ora nos cumpre analisar.»

*
O TAF baseia assim louvavelmente os pressupostos teóricos do seu pensamento em jurisprudência do STA, mas perde energia ao entrar no plano casuístico da questão, remetendo-se aí a uma apreciação escassa e lacunar, que importa suprir.

O “motivo anulatório” da anulação judicial da venda da viatura dos Autores em processo de execução fiscal encontra-se na decisão anulatória referida em 20 da matéria de facto, transitada em julgado conforme certidão do TAF de Braga, a folhas 38 e seguintes dos presentes autos.

Aí se vê que a anulação da venda radicou na preterição de formalidades legais destinadas a dar publicidade ao acto da venda.

Leia-se:

«Ora, no caso dos autos, verifica-se que não foi afixado edital na porta da sede da junta de freguesia em que os bens se encontram, uma vez que um edital foi afixado no Serviço de Finanças e outro na sede da junta de freguesia de Varziela, quando é certo que o bem foi penhorado e encontrava-se em D..., Viana do Castelo. Ocorreu portanto violação do disposto no art. 249º nº2 do CPPT.»

E mais adiante:

«Por outro lado, também se omitiu o nome do Executado nos editais e anúncios…»

Sem que o TAF o explicite, a omissão desta última formalidade (relembre-se que a execução havia revertido contra o aqui Autor) viola claramente o nº5 b) do mesmo artigo 249º/2 CPPT.

Perante a preterição de tais formalidades legais a pergunta a fazer é se existia “conexão de ilicitude” entre as normas violadas e a posição jurídica dos Autores, por outras palavras, se as normas cuja violação configurou os vícios conducentes à anulação do acto (venda judicial), na expressão do ac. do STA citado “tinham por fim a protecção, não meramente reflexa mas intencional, dos direitos ou interesses do particular”?

Embora em sede de anulação do acto de venda do veículo em causa não se colocasse o problema da responsabilidade civil (por ser pertinente à parcela administrativa da nossa jurisdição), o certo é que a sentença anulatória, ao desvendar o sentido e vocação de tais normas, acaba por carrear argumentação suficiente e decisiva para fundar uma resposta afirmativa àquela questão.

Designadamente quando refere:

«O sentido da exigência da afixação de um dos editais na sede da junta de freguesia do local onde se encontra o bem não suscita dúvidas, na medida em que, por um lado, sabe-se que o seu objectivo foi o de dar o mais amplo esclarecimento às pessoas do local onde se situam os bens – por serem estas que estão mais motivadas para adquirir esses bens – neste sentido acórdão STJ 4 Jul. 95, Processo 087359.

Daí que se deva considerar que a publicidade da venda fica frustrada se a afixação dos editais não é efectivada nos locais determinados na lei – assim, acórdão STJ 28 Out. 99, Processo 99B648.»

E, prosseguindo no desenvolvimento destas ideias externou a fundamentação reproduzida em 20 da matéria de facto.

Note-se que, no caso, os efeitos do erro não são minimizáveis, atenta a considerável distância entre o local onde foi afixado o edital que anunciou a venda (Varziela, Felgueiras) e o local onde deveria ter sido afixado, por aí se encontrar o veículo penhorado (D..., Viana do Castelo).

De destacar ainda, em conformidade com a sentença anulatória, que a omissão de identificação do Executado pode, não só “colocar em causa a completa publicidade da venda”, como ainda dificultar o exercício do direito de remição previsto no artigo 912º e seguintes do CPC.

Ora, sabendo-se que a boa divulgação da venda visa potenciar o melhor preço, em prol da máxima satisfação dos interesses, neste ponto convergentes, do exequente e executado, não restam dúvidas de que a frustração da correcta publicidade da venda afecta relevantemente a posição dos Autores protegida pelas normas em causa.

E, portanto, no caso, o facto ilícito alegado pelos Recorrentes ocorre e não pode ser despromovido à categoria irrelevante, para onde a decisão recorrida o remetia, das “meras vicissitudes inerentes a um processo executivo”.

Mas há mais.

Os Autores invocaram ainda como fonte da responsabilidade civil assacada ao Réu o facto de a Administração Fiscal nunca ter procedido à citação da Autora, enquanto proprietária em comunhão com o Autor do veículo em causa.

Factualidade que está assente em 1, 2 e 75 da matéria de facto, tendo sido este último aditado nesta sede recursiva.

Ora, este fundamento da causa de pedir não pode ser descartado como na sentença recorrida se faz, a pretexto de que «Nada haveria a apontar/reclamar não fora a ulterior anulação da venda, por força da decisão deste Tribunal Administrativo e Fiscal, reconhecendo ter sido preterida formalidade no processo que culminou na mesma».

Falhou neste ponto uma leitura atenta da referida sentença anulatória, onde se esclarece que a nulidade da citação do cônjuge do executado só não constituiu fundamento da anulação da venda por força do disposto no artigo 864º/10 do CPC ex vi artigo 2º/e) CPPT, considerando que «No caso, o exequente não foi o único beneficiário da venda uma vez que o bem penhorado foi vendido a um terceiro - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume II, 2007, pág. 494.» E concluindo seguidamente que «Assim, a falta da citação do cônjuge do executado ainda que se verifique é insusceptível de gerar a anulação da venda».

Resumindo, da insuscetibilidade da preterição da citação do cônjuge para gerar a anulação da venda, por força daquela norma especificamente devotada à protecção dos terceiros adquirentes de boa-fé, não é lícito extrapolar a insuscetibilidade dessa omissão para gerar a responsabilidade civil do infractor, nos termos gerais de direito.

Veja-se o Acórdão de 14-05-2015, Proc. 0380/15, 2ª Secção do STA, donde se extrai o seguinte (sublinhado nosso):

«Decorre das normas citadas que na situação dos autos era legalmente admissível a penhora do bem comum, ou seja da fracção em causa, sendo no entanto obrigatória a citação do cônjuge do executado, sem o que a execução não poderia prosseguir.

O indevido prosseguimento da execução sem ser efectuada essa citação tem, como esclarece Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e Comentado, 6.ª edição, vol iv, p. 32, «os efeitos previstos no art. 864°, n.º 11, do CPC (a que corresponde ao nº6, do art. 786º do CPC, na actual redacção), conjugado como art. 165°, n.º 1, alínea a), do CPPT, de que resulta que aquela falta tem os mesmos efeitos que a falta de citação do executado, mas não importa a anulação das vendas, adjudicações, remissões ou pagamentos já efectuados, dos quais o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário, sem prejuízo do direito da pessoa que devia ter sido citada ser indemnizada pelo exequente ou outro credor pago em vez dela, segundo as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo ainda da responsabilidade civil, nos termos gerais, que possa recair sobre a pessoa a quem seja imputável a falta de citação».

Em suma, também esta omissão ilícita concorre para a determinação da responsabilidade civil no caso e a sentença recorrida errou ao decidir em contrário.

= CULPA =

Em tese geral refere acertadamente o TAF, na sentença recorrida:

«Ora, no que tange à culpa, o artigo 4.º do D.L. n.º 48051, dispõe que mesma é apreciada nos termos do artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil, isto é, pela diligência de um bom pai de família, face às circunstâncias do caso. Transpondo esta noção para a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, a culpa será aferida pela diligência exigível a um funcionário ou agente típico, ou seja, um funcionário ou agente zeloso que actua com respeito pela lei.»

Como se refere no Acórdão do STA de 04-04-2006, Rec. 01116/05:

«E, por força do disposto no art. 4º do DL nº 48 051, a culpa é apreciada nos termos do art. 487º, nº 2 do C. Civil, isto é, “na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.

Este paradigma da conduta diligente implica, no âmbito da responsabilidade extracontratual dos entes públicos, a comparação do concreto comportamento apurado, com o que seria de exigir a um funcionário ou agente zeloso e cumpridor (vide acórdão deste STA de 1999.03.25 – rec. nº 41 297) e, quando transposto para a falta do serviço, sem imputação do comportamento censurável a um certo e determinado funcionário ou agente, a comparação com os standards de actuação que se devem esperar daquele serviço a funcionar normalmente, isto é, com o nível médio de funcionamento que, com razoabilidade, se pode reclamar dele (vide, Jean Rivero, “Direito Administrativo”, pp. 320/321 e Margarida Cortez, “Responsabilidade Civil da Administração Por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado”, p. 96).»

Ora, afigura-se inquestionável que cumprir as formalidades legais taxativamente previstas na lei faz parte do standard de actuação exigível aos serviços tributários, sendo lícito presumir que o Estado dota esses serviços com os meios humanos e técnicos necessários para o cumprimento dessas tarefas.

Tarefas, para mais, relativamente simples e no caso particularmente relevantes, pois como se refere expressivamente na sentença anulatória da venda “teremos de convir que, tendo o Executado o seu domicílio em Viana do Castelo e aí se encontrando o bem penhorado, não fará grande sentido organizar toda a venda em Felgueiras, dar publicidade através de anúncios publicados em jornal dessa cidade (ainda que legalmente) e afixar os editais exclusivamente em Felgueiras (aqui ilegalmente)”.

Assim, considerando que os serviços tinham obrigação e possibilidade de agir em conformidade com a lei, conclui-se, em contradição com o estabelecido na sentença recorrida, que se está perante uma actuação ilícita censurável que preenche, sem dificuldades de maior, o requisito “culpa” gerador da responsabilidade civil do Réu.

Posto isto, há que indagar sobre a existência de danos situados numa relação de nexo de causalidade relativamente à actuação ilícita, questão que em 1ª instância se considerou prejudicada em face da solução dada às questões antecedentes.

= DANOS e NEXO DE CAUSALIDADE =

Em razão da venda ilícita do seu veículo os Autores ficaram impedidos de o utilizar no período de 11-08-2007 a 21-01-2009, ou seja durante 529 dias (cfr. 31, 33 e 39 da matéria de facto), não suscitando qualquer dúvida que existe um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos patrimoniais e não patrimoniais indemnizáveis inerentes àquela privação do uso do veículo.

Porque o TAF não realizou essa tarefa, importa agora em primeira via, nos termos do artigo 149º/3 do CPTA, determinar e quantificar esses prejuízos.

Danos Patrimoniais

A este título os Autores/Recorrentes invocam e pretendem:

1) € 13 624.79 por “desgaste do veículo em consequência da utilização abusiva”:

2) € 7 966.38 pela “privação de uso”:

3) € 3 070.56, somatório das “despesas e encargos judiciais e honorários com advogados” que discriminam;

4) € 2 688.98, somatório das “despesas e encargos diversos” que discriminam.

Sobre o tema do dano por privação, mais complexo do ponto de vista teórico, têm-se debatido na jurisprudência teses divergentes e disso dá devida nota o acórdão do STJ de 09-07-2015, rec. 13804/12.2T2SNT.L1.S1, donde se extrai o seguinte:

*
«As posições divergentes das Instâncias sobre esta concreta questão reflectem as duas teses que se formaram na jurisprudência, seguindo o Tribunal da Relação a mais restritiva, que defende só haver lugar a indemnização pela privação de uso de um bem, neste caso um veículo automóvel, se tiver sido alegada e demonstrada a existência de um dano específico, ou seja, que a imobilização do veículo resultante dos estragos sofridos com o acidente de viação foi causa directa e necessária de prejuízos concretos, por exemplo, custos com a utilização de um meio alternativo de transporte, doutrina dos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2008, proferidos nos processos nº 08B2662 e nº 07B2131, acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.

Por sua vez, a 1ª instância seguiu a tese maioritária neste Supremo Tribunal, segundo a qual a privação do uso de um veículo automóvel em resultado de danos sofridos na sequência de um acidente de viação constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem com tal fundamento, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 (proc. nº 07B1849), de 12 de Janeiro de 2010 (proc. nº 314/06.6TBCSC.S1), de 16 de Março de 2011 (proc. 3922/07.2TBVCT.G1.S1) e de 10 de Janeiro de 2012 (proc. nº 189/04.0TBMAI.P1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.

Entendemos ser esta última posição a que melhor tutela a lesão dos interesses do proprietário de um bem, que se vê privado de extrair dele todas as vantagens e utilidades que o seu uso lhe proporciona, devido à actuação culposa de terceiro que o danifica num acidente de viação. Não pode deixar de reconhecer-se como lesiva do património do proprietário de um veículo automóvel a perda, em si mesma, da possibilidade de continuar a usufruí-lo, por facto ilícito de um terceiro, durante o período de tempo em que tal se verificar.

Do património faz também parte “o direito de utilização das coisas próprias”, constituindo a privação do uso do veículo um dano patrimonial, como tal indemnizável (cfr. citado Acórdão de 5 de Julho de 2007). Daí que, demonstrados que estejam os requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito enunciados no artigo 483º nº 1 do Código Civil e, bem assim, que o lesado fazia da sua viatura utilização corrente e pretende ou necessita de continuar a utilizá-la, dela retirando as utilidades que advêm do seu uso – caso contrário seria indiferente ter ou não ter a sua disponibilidade –, existe um dano patrimonial.

Só assim não será se houver lugar à reconstituição natural, mediante, por exemplo, a colocação à disposição do lesado de um veículo de substituição durante o período de tempo necessário, ou provando-se que a perda da possibilidade de utilizar a viatura sinistrada é imputável ao próprio lesado, designadamente, por inércia ilegítima na sua reparação por parte deste.

Não se operando a reconstituição natural ou não sendo esta possível, a compensação do lesado há-de efectuar-se através do equivalente pecuniário, correspondendo o seu valor ao prejuízo concretamente sofrido. Não se apurando este valor, será o quantum indemnizatório fixado com recurso à equidade, em consonância com o que estabelecem os artigos 566º n.ºs 2 e 3 do Código Civil.»

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Nessa corrente (ou torrente!) jurisprudencial cite-se também o ac. TRC de 02-12-2014, proc. 324/10.9TBCVL.C1:

«Afigura-se hoje maioritário o entendimento de que a privação do uso de um veículo em consequência de danos causados por acidente de viação importa para o seu proprietário a perda de uma utilidade, nomeadamente a de nele se deslocar quando e para onde entender, e que, em si mesma considerada, tem valor pecuniário. Constituindo assim o uso uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária é meramente consequente a conclusão de que a sua privação constitui um dano patrimonial indemnizável.»

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Em contraponto, patrocinando a tese reputada de minoritária, se orientaram diversos acórdãos, entre os quais o do STJ de 06-11-2008, rec. 08B3402, de cujo sumário se extrai:

«4. Os juízos de equidade relevam em matéria de cálculo indemnizatório, mas não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável envolvente.

5. Como a indemnização em dinheiro é medida pela diferença entre uma datada situação patrimonial do lesado e a que ele então teria se não tivesse ocorrido o dano, não dispensa a lei o apuramento de factos que revelem a existência de dano específico na esfera da pessoa afectada.

6. A mera privação do uso de um veículo automóvel, sem factos reveladores de dano específico emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.»

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Ponderando globalmente não se afigura que as duas teses sejam radicalmente inconciliáveis. Na verdade, as utilidades potenciais do uso de um veículo são demasiado variadas e difusas para serem exaustivamente inventariadas e, assim, os danos decorrentes da sua indisponibilidade nem sempre serão rigorosamente determináveis. Sobretudo quando a indisponibilidade de uso é muito prolongada, como no caso nestes autos.

E, além disto, há inúmeras situações variáveis. Por exemplo, o lesado pode ter à sua disposição um veículo alternativo que, pelas suas características, em certas tarefas não possa suprir satisfatoriamente a indisponibilidade do seu veículo paralisado. Só há fungibilidade até certo ponto.

Daí que, numa cautelosa reserva de apreciação casuística, se considere serem aceitáveis, dependendo dos contextos, ambas as teses. Não se trata de refúgio no conforto do hibridismo para evitar dificuldades teóricas, pelo contrário, da fuga ao conforto duma tese inflexível em busca do critério adequado ao caso.

Reconhece-se assim que, à partida, pode existir um dano patrimonial inerente à compressão do direito à utilização do bem, independentemente da determinação e quantificação exacta dos prejuízos advenientes mas, por outro lado que, em tese geral, de acordo com a teoria da diferença patrimonial, deve ser privilegiada a inventariação dos específicos prejuízos ocorridos.

De resto, esta flexibilidade teórica tem sido levada à prática, por exemplo, no acórdão do TR de Coimbra de 10-09-2013, proc. 438/11.8TBTND.C1, cujo interesse advém ainda de focar um caso com algumas semelhanças importantes relativamente ao presente. Transcreve-se o respectivo sumário, no pertinente:

«1. Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações:

- uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo;

- uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos.

2. Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação.

3. Já na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias.»

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No caso vertente, pelo que ressuma dos factos 36 a 40, os Autores faziam uma utilização muito diversificada da viatura e, de resto, intensa, a avaliar pelos 185.000 Km em 6 anos, como se vê dos factos 34 e certificado de matrícula, a fls. 509, com data de 13-07-2001.

E era imprevisível a duração do período de carência de utilização do veículo cuja venda em execução fiscal se encontrava sob litígio em Tribunal.

Portanto, admite-se como justificada a opção dos Autores pelo aluguer de um veículo no período de 02-01-2008 a 21-01-2009, como referido em 41 e 42 da matéria de facto, no que despenderam € 5.806.39.

Operou-se assim uma via de reconstituição natural naquele período em que os Autores dispuseram da viatura de aluguer.

Mas essa reconstituição natural não abrange o período de 11-08-2007 a 01-01-2008 (144 dias), abrindo-se assim a via da equidade para estabelecimento de uma compensação pecuniária visando a privação do direito de uso, na sua nudez, digamos, daquele bem no período considerado, reclamando os Autores a este título € 15 diários.

Nas palavras do já citado acórdão do TRC de 10-09-2013, com as quais se concorda, «a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado utilizar o seu veículo nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias.»

Passando à quantificação propriamente dita ponderou-se ainda no mesmo ac. TRC:

«Recorrendo aos critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser seguidos em casos como o dos autos em que a indemnização devida ao lesado pela paralisação diária de um veículo deverá ser ponderada à luz de critérios de equidade - de que constituem exemplos o Ac. do STJ de 09.03.2010, em que o valor considerado foi de €10,00 euros diários; o Ac. da Rel. do Porto de 07.09.2010 em que se considerou também o valor de €10,00 euros por dia de paralisação, o acórdão da Relação de Coimbra, de 02.03.2010 no qual foi fixada a quantia de € 8,00 por dia de privação, e, ainda, o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012 no qual foi considerada também a quantia de €10,00 por dia, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt - entendemos que peca, por excesso, a indemnização a esse respeito fixada na sentença (€ 7.481,29), por corresponder a uma quantia diária que rondará a de € 20,49/dia, muito superior aos parâmetros jurisprudenciais que vem sendo seguidos para situações similiares.

Indemnização essa que, por isso, se entende dever ser reduzida para o montante diário de € 10,00 …»

Recenseando a jurisprudência em casos semelhantes verifica-se que não existe um critério indemnizatório standard, o que é natural atenta a extrema diversidade das circunstâncias de cada caso, mas em termos de frequência estatística predomina o valor de € 10 diários, que no entanto pode subir aos €20 e até €30/dia fixados, por exemplo, no ac. do TRC de 12-02-2008, proc. 6005/05.8TBLRA.C1 ou, no outro extremo, baixar aos € 5 diários, conforme TRL de 27-02-2014, proc. 889/11.8 TBSSB.L1-6.

Seja como for, o critério do valor locativo (“a quantia necessária para o aluguer de um bem de características semelhantes” segundo a doutrina citada no artigo 59º da petição inicial) será de afastar pelas razões apontadas no acórdão do TRC, de 06-03-2012, proc. 86/10.0T2SVV.C1.

Aí, depois de se reconhecer que «Esta questão é de difícil solução na medida em que a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil) que serve de critério para encontrar o quantum da indemnização não é operacional nestes casos», refuta-se especificamente o critério segundo o qual o valor de uso do veículo corresponderia ao valor médio do aluguer de um veículo semelhante em empresas do ramo, com estas palavras, que nos merecem concordância:

«Porém, este critério não é exacto, pois o prejuízo resultante da privação de uso de um veículo próprio não é igual ao valor do aluguer de um veículo semelhante que uma empresa comercial disponibiliza a quem o queira alugar.

Se pretendermos calcular o valor de uso do veículo para o próprio, podemos aproximar-nos desse valor se somarmos o preço de aquisição e as despesas de manutenção médias ao longo do período previsível da sua utilização (revisões, reparações e seguros), dividindo a soma pelo número de dias de vida média calculada para o veículo.

Conseguir-se-ia, assim, encontrar um valor diário representativo do preço que o proprietário, na veste do bonus pater familias, considerou ser adequado despender para ter ao seu serviço diário, durante todo o período, a vantagem proporcionada por aquele bem, independentemente do uso mais ou menos intensivo dado ao veículo.

Ora, este valor difere do preço de aluguer de um veículo, pois neste caso, além do preço do automóvel e despesas de manutenção entram outros valores em jogo, como o lucro do empresário e os custos gerais da empresa (impostos, salários e custos com trabalhadores, seguros, etc.).

O valor do aluguer tem se ser, por conseguinte, superior ao valor de uso digamos, doméstico e dai que não se mostre adequado, salvo se corrigido.»

Enfim, no caso vertente, atentas as características do veículo, digamos medianas, em termos de valor de mercado, antiguidade e quilometragem (o custo de aquisição é desconhecido), assim como o padrão diversificado de utilização que lhe era dado pelos Autores, afigura-se adequado o valor de € 10 diários, ou seja € 1.440,00 no total dos 144 dias.

Pelo que a indemnização devida aos Autores a título de privação do uso do veículo ascende aos € 7.246.38 (5.806.38 + 1.440.00).

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É alegado no art. 50º da petição inicial que “em consequência da conduta da Administração Fiscal, o veículo dos Autores sofreu desgaste, deteriorações e desvalorização decorrentes do seu uso ilegal durante, pelo menos, 529 dias em que percorreu 35.141 Km, dano esse que os Autores querem ver ressarcido”.

Noutro passo, ss Autores salientam que “este dano (privação de uso) é diferente e autónomo do anterior” [“desgaste do veículo em consequência da utilização abusiva”] “pois uma coisa é estar impedido de utilizar um veículo e outra é a deterioração/desgaste sofrida pelo veículo em virtude da sua utilização ao serviço de outrem contra a vontade do seu proprietário”.

Lê-se no art. 51º da petição inicial lê-se “Para cálculo desse dano, deve-se recorrer às tabelas de ajudas de custo e subsídio de transporte previstas pelo DL 106/98 de 20/04…”, concretizando-se os cálculos nos artigos 52º, 53º e 54º, num total de € 13.624,79.

É claro que se trata de um critério completamente desajustado, inaceitável, porque aqueles valores englobam tendencialmente todos os custos de aquisição, manutenção e utilização do veículo, que duplicariam os já estimados no cálculo da compensação pela privação de uso do veículo. Enquanto no caso em apreço nos confrontamos apenas com a desvalorização corrente do valor venal do veículo em função do decurso do tempo e da quilometragem percorrida, numa utilização normal.

É igualmente claro que todos os veículos (excepto os clássicos, de colecção) se desvalorizam progressivamente pelo decurso do tempo e quilometragem percorrida, e essa desvalorização, segundo parâmetros usados no comércio para cálculo das cotações de usados, ou pelas seguradoras em seguro de danos próprios, segundo padrões que são de conhecimento geral para pessoas atentas, ronda entre 10% e 15% anuais, ou seja, a desvalorização do valor comercial será obtida pela aplicação anual dum factor entre 0.85 e 0.9 ao valor do ano anterior, sendo que assim o montante absoluto de cada desvalorização anual vai progressivamente decrescendo, porque o mesmo factor de desvalorização é aplicado a um capital cada vez menor, mas que nunca chega a zero.

Deste modo, atribuindo por hipótese ao veículo o valor venal de € 10.000 em 11-08-2007, pela aplicação do factor de desvalorização 0.9, esse valor seria de € 8.500 um ano e meio depois (10.000 X 0.85), ou seja, a desvalorização indemnizável ascenderia aos € 1.500.

De resto, o exagero do critério seguido pelos Autores neste capítulo é de tal modo patente que a ser seguido, por absurdo, significaria que a desvalorização do veículo em ano e meio de utilização ultrapassaria o seu valor venal presumível, ou seja, a indemnização seria superior à hipótese de perda total do veículo!

Quanto ao valor do veículo existe um único dado concreto apurado, constante de 16 da matéria de facto, correspondente aos € 5.700.00 pelos quais foi vendido pela Administração Fiscal, aliás, aceitando a única proposta que foi apresentada. Pesava sobre os Autores o ónus de alegar e demonstrar que isso não espelhava o valor de mercado.

Seja como for, aqueles factores de depreciação do valor do veículo iriam manter-se se ele tivesse continuado na disponibilidade dos Autores, não estando demonstrado que o património, considerado o momento da recuperação do veículo, tivesse ficado diminuído pelo facto da sua indisponibilidade temporária.

O factor tempo é obviamente universal e neutro em qualquer hipótese e, quanto ao ritmo de utilização, diminuiu nas mãos do terceiro, resultando dos elementos disponíveis – factos 33, 34 e certificado de matrícula a fls. 509 – que o mesmo percorreu uma quilometragem média de cerca de 30.000 Km/ano nas mãos dos Autores e 20.000 Km/ano nas mãos do terceiro.

Acrescente-se que a utilização por este terceiro foi titulada e de boa-fé, pelo que obviamente não pode ser reputada de “abusiva”, mas apenas reflexamente afectada pela ilegalidade cometida pela Administração Fiscal.

Em suma, não se demonstra que exista a este título – “desgaste do veículo em consequência de utilização abusiva” – qualquer dano indemnizável que não tivesse sido contemplado em sede de “privação de uso”.

Outra coisa é algum dano específico resultante da utilização por terceiros, que transcendesse o desgaste normal da viatura, em função do tempo e utilização corrente.

Entra-se então no âmbito das “despesas e encargos diversos”.

Sucede que o quesito 35 (“Fruto do sucedido, os Autores não puderam beneficiar das manutenções, reparações e melhoramentos por si efectuados?”) mereceu a resposta Não Provado - cfr. fls. 315 e 409 – sendo certo ainda que as despesas inerentes à manutenção e circulação normal do veículo, como revisões, pneus e IMV, não podem ser consideradas indemnizáveis, visto que foram efectuadas oportunamente, no momento em que o veículo estava na disponibilidade dos Autores, como outras terão sido feitas a seu tempo pelo terceiro, não possuindo assim autonomia indemnizatória aquelas que perfazem € 1.128.87 invocadas no art. 81º da petição inicial, nem as demais referidas em 55 da matéria de facto, por remissão para os documentos de fls. 22 a 24 juntos com a p.i. que, na generalidade se referem à manutenção corrente de um veículo.

Apenas quanto à avaria do ar condicionado (Climatronic), referida no doc. de fls. 90 e factos 56 e 57, por não ser, tanto quanto se pensa, peça de desgaste normal, se justifica a indemnização no valor de € 546.36.

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Quanto às “despesas e encargos judiciais e honorários com advogados”, estabeleceu-se e firmou-se jurisprudência no sentido no sentido de que constituem um dano indemnizável. Escreve-se a este propósito no Ac. do STA n.º 266/11, de 20.06.2012 (in www.dgsi.pt) o seguinte:
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«A jurisprudência deste Supremo Tribunal, na sua maioria tirada em sede de processos de execução de julgados, tem-se vindo a pronunciar no sentido de que no domínio do contencioso administrativo em que o mandato judicial é obrigatório, as despesas de justiça e designadamente os honorários do advogado, constituem um dano indemnizável (Cf. acs, Pleno de 14.03.2001, rec. 24779-A e de 06.06.2002, rec. 24779 A e os acórdãos da Secção de 09.06.99, rec. 43994, de 13.12.2000, rec. 44761, de 08.03.2005, rec. 39934-A e de 04.03.2009, rec. 754/08).

As razões apontadas são, essencialmente, as seguintes:

«(…) As custas compreendem a taxa de justiça e os encargos em que se inclui o reembolso à parte vencedora, a título de custas de parte e procuradoria (…).

A função tradicional desta é de indemnização à parte vencedora pelas despesas com o patrocínio judicial (…).

(…) Sem deixar de reconhecer que a procuradoria também cumpre a indicada função, não é forçoso tirar daí a conclusão de que o vencedor não possa peticionar o montante despendido com o patrocínio judicial quando este é superior, desde que tenha de recorrer a tribunal para obter o que lhe é devido ou erradicar os efeitos lesivos da sua esfera jurídica provocados por acção ou omissão do vencido.

A possibilidade de recebimento pelo vencedor de uma quantia a título de procuradoria, em vez de excludente por raciocínio a contrario, deve antes ser considerada como uma indemnização a forfait com a qual o interessado poderá, ou não contentar-se nos casos em que, por comodismo ou por outra razão qualquer, não peticiona o montante das despesas efectivas superiores.

Na verdade, o princípio geral é que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado e evento que obriga à reparação do art. 562º do C.Civil (…).

Por outro lado, é um facto do conhecimento geral que o montante da procuradoria que é atribuído ao vencedor é uma parte ínfima das despesas com o patrocínio judiciário. Quer pela modéstia do seu montante bruto, quer pelos diversos destinos pelos quais esse montante se reparte (…) só muito residualmente a procuradoria cumpre a tradicional finalidade. Dizer que aquilo que é atribuído ao vencedor a este título é o ressarcimento das despesas com o advogado no processo respectivo é, na generalidade dos casos, negar a própria evidência (…).

Estando as autoridades administrativas isentas de custas (…) a consideração de que o pagamento das despesas de justiça não pode ser objecto de pedido indemnizatório autónomo conduziria a que uma parte das consequências lesivas da actuação administrativa ilícita ficasse sistematicamente excluída de indemnização (…).

Uma tal solução, deslocando irremediavelmente e definitivamente para a esfera do lesado uma consequência que, segundo os princípios gerais da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, deve ser suportada pelo lesante, seria contrária ao disposto no art. 22º da Constituição que garante, como direito fundamental, a responsabilidade da Administração por factos ilícitos culposos que causem prejuízo a outrem (…).

Nenhuma razão se vislumbra para que as despesas de justiça (…), desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica o acto administrativo lesivo, não sejam ressarcidas como os demais prejuízos causados pelo acto.

Igualmente milita no sentido proposto o princípio do direito processual civil segundo o qual a necessidade de recorrer a juízo não deve ocasionar dano à parte que tem razão (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 390).Segundo CHIOVENDA, citado por ANDRADE (op. cit., pág. 393), “a administração da justiça faltaria à sua missão e a própria seriedade desta função estadual estaria comprometida se o mecanismo instituído para actuar a lei devesse agir com prejuízo de quem tem razão” (…)».

Assim, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar, as despesas judiciais e os honorários do advogado são danos indemnizáveis, podendo o seu quantum ser relegado para execução de sentença, atento o disposto nos artº659º do CC e artº661º do CPC.»

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Isto posto, verifica-se do ponto 47 da matéria de facto que os Autores se viram obrigados a suportar honorários com advogado no montante de € 3.000.00 (IVA incluído).

E dos pontos 48, 49 e 50 que realizaram outras despesa necessárias ao êxito da sua pretensão indemnizatória em juízo.

Segundo o circunstancialismo apurado é de concluir que todas estas despesas, no montante de € 3.133.12 (3.000+39.84+63+30.72) se mostravam necessárias para eliminação da ordem jurídica do acto ilícito impugnado e como tal devem ser ressarcidas pelo lesante.

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Danos morais
A este título pedem os Autores uma indemnização não inferior a € 17.000.00, sendo € 7.000.00 para o Autor e € 10.000.00 para a Autora, pelos incómodos, humilhação, angústia, afronta à sua dignidade, tristeza, desgosto, perturbações do sono, perda da alegria de viver (diga-se sem pretensão de ser exaustivo) que alegadamente sofreram prolongadamente, durante 529 dias, desde o desapossamento do seu veículo até á sua devolução/entrega efectiva.

A razão da diferença está em que alegadamente, conforme art. 108º da p.i., “esta situação foi especialmente gravosa para a Autora, pois em consequência do sucedido sofreu forte abalo e depressão que a obrigou a ser seguida em consulta de psiquiatria”.

Sucede que estas consequências de natureza patológica, relativamente à Autora, foram julgadas não provadas, em conformidade com as respostas negativas aos quesitos 61 e 62, ficando apenas provado no ponto 69 da matéria de facto que a Autora toma medicamentos antidepressivos, mas sem estabelecimento de um nexo causal com os factos ilícitos imputados ao Réu. Deste modo colocam-se os Autores, marido e mulher, em posição igualitária relativamente àqueles factos.

E muitos outros factos alegados pelos Autores a este título foram julgados não provados ou provados restritivamente, com significativa atenuação do seu grau de gravidade.

Especificando, sem preocupação de ser exaustivo:

Não provado o quesito 8 (“A situação provocou grande alarido e escândalo na zona onde os autores residem…”); Não provado o quesito 20 (“viagens essas que eram muito frequentes e lhes davam grande gozo e prazer”); Não provado o quesito 46 (“Esses factos…foram muito comentados pela vizinhança, amigos e conhecidos dos Autores…”); Não provados os quesitos: 51 “…incomodados sempre que saiam à rua…”; 53 “…sentiram necessidade de reduzir ao mínimo os seus contactos, passando a evitar sair de casa”; 54 “…passaram por indivíduos…incumpridores e falidos.”; 55 “…sentiram-se…incomodados, humilhados, vexados….”; 56 “…sofreram de grande tristeza, desgosto e angústia”; 57 “…insónias…amargurada”; 58 “…sofreram muito…”; 59 “…sofrimento diário…perturbações do sono… constante inquietação”.

Enfim, o que resta exarado nos pontos 58 e seguintes da matéria de facto é a descrição dos incómodos e amargura sofridos pelos Autores perante a situação anómala que lhes foi criada pela Administração Fiscal, perfeitamente compreensíveis e semelhantes à reacção que qualquer cidadão de sensibilidade média teria nas mesmas circunstâncias, sendo paradigmático sobretudo o ponto 70 da matéria de facto, relembre-se: “O facto de terem ficado impedidos de usufruir do seu veículo e de ver um terceiro (o comprador) a utilizá-lo contra a sua vontade, provocou nos Autores uma sensação de frustração e injustiça”.
No entanto, reconheça-se que tanto a nível pessoal como social, os Autores tiveram alguma compensação relevante, destacando-se as desculpas formais que lhes foram apresentadas pelo Comando da PSP de Viana do Castelo (facto 63) e, sobretudo, o êxito que obtiveram na acção intentada com vista à anulação da venda, com a consequente restituição do veículo (factos 18 a 21).

Como dispõe o artigo 496º/1 do C. Civil «Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

Os Tribunais têm feito o seu trabalho na delimitação dessa figura, sendo vasta a jurisprudência na matéria.

Mas há sempre que repensar. Ora, entende este TCAN que o inciso legal - “pela sua gravidade” - aponta para um campo de excepção, no sentido de que na maioria das vezes o direito se basta com a reposição na ordem jurídica do direito violado e com a reintegração da esfera jurídica patrimonial lesada.

Tão intenso é o tráfego jurídico nos dias de hoje e, consequentemente, tão frequentes as violações da lei, que abrir mais essa frente sistemática de litigância seria certamente uma má ideia, arredada do espírito do legislador.

É que, no fundo, qualquer violação importa para o titular do direito violado, se for uma pessoa de sensibilidade mediana, um sentimento de frustração e injustiça, mesmo que esse direito seja de natureza patrimonial, mas daí não se segue que esse desconforto psicológico, volátil e passageiro, seja em regra indemnizável. Na interpretação que se faz da norma, repete-se, em regra não é indemnizável.

A ser de outro modo, isto é, se a indemnização por danos de natureza não patrimonial, em casos onde basicamente está em causa a lesão de direitos de ordem patrimonial (como no caso vertente) fosse regra, aquele inciso estaria claramente a mais, seria redundante, inútil e até inestético.

Não pode imputar-se ao legislador o vício de não saber exprimir o seu pensamento em termos adequados – artigo 9º/3 do C. Civil.

Consequentemente não podem os Tribunais cair no vício de banalização dos danos não patrimoniais.

Por outro lado, com o acórdão do TRC de 28-05-2013, proc. 1721/08.5TBAVR.C1, cujo sumário parcialmente se reproduz, será de dizer:

«V - Os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser seleccionados com extremo rigor, devendo atender-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

VI - Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas.»

Adita-se e releva-se ainda outro critério, tendencial como todos, qual seja, que a gravidade dos danos morais atendível para aquele efeito envolve em princípio a sua perenidade, isto é, uma dor indelével, associada a uma perda permanente, algo que se pode aliviar mas não sarar.

Ora, a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano patrimonial indemnizável, que pode ser reparado em várias modalidades, desde a restauração natural até á indemnização em dinheiro e, com a sua reparação o desgosto desaparecerá, em princípio, sem deixar rasto na psique do lesado.

Entende-se, sem desprimor por opinião diversa, que a presente é uma dessas situações em que os danos não patrimoniais são episódicos e destituídos de “gravidade” merecedora de enquadramento no instituto do artigo 496º do CPC.
Assim, julga-se improcedente o pedido no capítulo dos danos morais.

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DECISÃO

Pelo exposto acordam em:
a) Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença.
b) Julgar, em substituição, a acção parcialmente procedente e condenar o Réu a pagar aos Autores uma indemnização por danos patrimoniais no valor global de € 10.925.86 (dez mil novecentos e vinte e cinco Euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado desta decisão até efectivo pagamento.

c) Julgar a acção improcedente no demais peticionado, absolvendo o Réu nessa medida.

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Custas em partes iguais por Autores e Réu.
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Porto, 8 de Abril de 2016
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro