Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00375/05.5BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/29/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
FIXAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
ÓNUS DA PROVA
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
III - No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
IV - O “método presuntivo eleito” mostra-se racional e fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que o n.º 1 do artigo 90.º da LGT indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo.
V - O n.º 4 do artigo 77.º da LGT determina que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos.
VI - Estando definitivamente decidido que, no caso, a Administração Tributária demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados os critérios de que a Administração Tributária se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a impugnante.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:B..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representante da Fazenda Pública e B…, Lda., com sede na Av…, Figueira da Foz, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 08/04/2013, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação do IRC, do exercício de 2001 e respectivos juros compensatórios, excepto no que tange ao pedido indemnizatório.

A RFP terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzemde seguida:
“A) – A presente impugnação vem interposta contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2001;
B) – Na base da liquidação esteve a alteração à matéria tributável processada por via da aplicação de métodos indiretos e diretos, em resultado de ação inspetiva externa levada a cabo à atividade da A., no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e aos exercícios de 2000 e 2001;
C) – No decurso da ação inspetiva, foram detetadas várias irregularidades, que se encontram devidamente espelhadas no relatório de inspeção e que determinaram que fossem efetuadas correções técnicas, bem como a aplicação de métodos indiretos, nos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 87.º n.º 1 al. b) e 88.º da LGT, por remissão do art.º 52º do CIRC, na sua redação ao tempo;
D) – Inconformada com o montante das correções, a A. pediu a revisão da matéria coletável e,
E) – Em sede de Comissão de Revisão – a reclamante não contestou a legalidade do uso da fixação dos rendimentos com recurso a métodos indiretos – não foi alcançado acordo entre os peritos, com referência ao exercício de 2001, pois a reclamante não aceitou a proposta de correções apresentada pelo perito da AT, mas tendo aceitado as correções propostas, com referência ao ano de 2000, das quais resultou a matéria coletável que viria a servir de base à liquidação do IRC deste ano;
F) – Na falta de acordo em sede de Comissão de Revisão, quanto à quantificação da matéria tributável com referência ao ano de 2001, o Diretor de Finanças de Coimbra, fixou a matéria tributável para efeitos de IRC, mantendo o valor inicialmente fixado;
G) – A A. impugna a liquidação, repudiando as correções efetuadas, bem como a decorrente quantificação, pondo em crise o critério utilizado por erro e manifesto excesso da matéria tributável quantificada;
H) – Com o devido respeito, a douta sentença recorrida andou mal, ao considerar a impugnação procedente, anulando, na totalidade, o ato impugnado consubstanciado na liquidação de IRC do ano de 2001,
I) – Existindo absoluta omissão de pronúncia da douta sentença quanto às correções técnicas à matéria coletável, porquanto tais correções são independentes e não são afetadas pela decisão tomada quanto às correções feitas por métodos indiretos,
J) – Com todo o respeito que é devido, o Tribunal a quo, ao não ter apreciado e ao não se ter pronunciado sobre as correções técnicas, incorreu em omissão de pronuncia, incorrendo a douta sentença numa nulidade, pela falta de pronuncia sobre esta questão, de acordo com o art.º 125.º do CPPT e al. d) do n.º1, art.º 668.º do CPC, no entanto, se assim não for entendido superiormente, no mínimo ocorreu erro de julgamento quanto a esta questão da não pronuncia das correções técnicas, e, a verificar-se, tem, também, por consequência, a revogação da decisão recorrida.
K) – O Mm.º Juiz do Tribunal a quo cometeu um erro de apreciação de prova por não ter valorizado a Ata nº 012-A/LGT, de 12-04-2004, resultante do procedimento de revisão, e que se encontra junta ao Processo Administrativo, onde se verifica que os peritos das partes chegaram a acordo quanto à existência dos pressupostos para o recurso à avaliação indireta da matéria tributável,
L) – O que se consubstancia em erro de julgamento de facto e de direito, pois inexiste qualquer contradição na fundamentação para aplicação de métodos indiretos, não sendo suscitada qualquer dúvida ao destinatário quanto à motivação da aplicação dos métodos indiretos.
M) – Quer o relatório de inspeção, quer o despacho de fixação, referem que os pressupostos para o recurso à avaliação indireta são os que se encontram previstos na alínea b) do n.º 1 do art.º 87.º – Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto – e no art.º 88.º da LGT, – que elenca os casos em que pode ser impossível a comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável –, posição que colhe a adesão da impugnante.
N) – Também, quanto aos critérios utilizados com vista à quantificação, verifica-se unanimidade em ambos os atos, pois neles é referido que foram utilizados os critérios constantes do art.º 90.º da LGT;
O) – No relatório de inspeção é referido que reunidos os pressupostos legais para a tributação com recurso a métodos indiretos, designadamente os referidos na al. b) do art.º 87.º e art.º 88.º da LGT e tendo por base alguns dos critérios constantes do art.º 90.º da LGT, procede-se ao cálculo dos presumíveis valores do volume de negócios realizado;
P) – Também no despacho de fixação da matéria tributável se refere que, dado os factos demonstrados e provados no relatório de inspeção que inviabilizam a possibilidade de avaliar direta e exatamente o montante da matéria tributável do contribuinte, preenchendo os pressupostos de facto e de direito previstos na al. b) do art.º 87.º e al. a) do art.º 88.º da LGT, se encontram reunidas as condições para a avaliação indireta, e sendo permitido liberdade na opção de critérios na quantificação da matéria tributável, foi utilizado o critério previsto no art.º 90.º n.º1 al. a), por remissão do art.º 54.º do CIRC (na sua redação ao tempo, sendo o atual art.º 57.º),
Q) – Pelo que, nesta parte, com o devido respeito que nos merece o douto Tribunal, não vislumbramos que ocorra o vício de forma por falta de fundamentação.
Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA.”
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A recorrente B…, Lda., concluiu as suas alegações da seguinte forma:
“1) Vem o presente recurso interposto da parte da douta sentença que negou a pretensão da ora recorrente em ver a Administração Fiscal condenada no pagamento dos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária apresentada para suspensão do processo de execução fiscal.
2) Tendo a recorrente apresentado garantia bancária no processo de execução fiscal para suspensão da mesma e tendo obtido vencimento de causa no processo de impugnação onde se discute a legalidade da dívida exequenda e sendo esta anulada tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da sua prestação, nos termos do art.° 53° da LGT.
3) Obtido vencimento de causa nos presentes autos de impugnação e tendo sido formulado atempadamente o pedido de indemnização, que consiste no pagamento total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação com o limite máximo do montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios, não poderia a douta sentença recorrida indeferir o mesmo.
4) “Estando aqui em causa um princípio muito importante de justiça processual, que foi descoberto por CHIOVENDA e trazido para Portugal pelo Prof. MANUEL DE ANDRADE: a inevitável demora do processo ou a necessidade de a ele recorrer não pode causar dano à parte que tem razão (cfr. Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 388)” - Acórdão do STA de 18/12/2002 tirado no Recurso n..° 0940/02.
5) Ademais, consagra o art° 100º da LGT que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”, representando este preceito um simples postulado do princípio constitucional que dispõe que as decisões dos tribunais transitadas em julgado são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (art. 205.° da Constituição), sendo também um simples corolário do sentido do princípio rector constitucional nos termos do qual o poder jurisdicional foi constitucionalmente conformado enquanto órgão de soberania, imparcial e independente e por via do qual as decisões são obrigatórias ex natura constitucional e não por força de qualquer poder exterior.
6) A administração está assim obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um seu acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, sendo que a reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigatoriedade da restituição do imposto que houver sido pago, do pagamento dos juros indemnizatórios previstos no art.° 43.° da LGT e da indemnização resultante da prestação de garantia bancária ou equivalente a que alude o art. 53.° do mesmo diploma legal.
Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se o correspondente segmento decisório da douta sentença recorrida e, consequentemente, proferindo-se douto acórdão que condene a Administração Fiscal no pagamento dos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária apresentada pela recorrente para suspensão do processo de execução fiscal.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal alertou que a impugnante não apresentou requerimento a manifestar a intenção de recorrer, concluindo que a sua falta importa a inexistência do recurso. Pelo que requereu o desentranhamento das alegações ínsitas nos autos a fls. 409 a 412 do processo físico.
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As partes foram ouvidas acerca da questão suscitada pelo Ministério Público, não tendo emitido pronúncia. Contudo, a impugnante havia apresentado uma peça processual acerca da referida questão em 09/06/2014.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, e se incorre em erro de julgamento, por não se verificar o vício de falta de fundamentação.
A impugnante, B…, Lda., não apresentou requerimento de interposição de recurso, mas juntou alegações aos autos, insurgindo-se contra o segmento da sentença que não lhe reconheceu o direito à indemnização prevista no artigo 53.º da LGT, assacando-lhe erro de julgamento.
Importa, ainda, apreciar as consequências da falta de requerimento de interposição de recurso – cfr. questão suscitada pelo Ministério Público.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com interesse para a decisão da presente questão, dão-se como provados os seguintes factos:
A – Em 22.10.2003 foi determinado pelos serviços da Impugnada a realização de inspecção externa à ora Impugnante (cf. docs. a fls. 1 a 3 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
B – Em 17.02.2004 foi elaborado «Projecto de Relatório de Inspecção Tributária» dele resultando a aplicação de correcções à matéria tributável com recurso a métodos indirectos e correcções de natureza aritmética em sede de IRC e IVA da Impugnante relativos aos anos de 2000 e 2001 (cf. doc. a fls. 9 a 23 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
C – Em 20.02.2004, no relatório referido na alínea anterior foi aposto despacho pelo Sr. Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Coimbra, do qual se retira que: “Concordo com a proposta de tributação por avaliação indirecta no âmbito do IRC com os fundamentos do ponto 4 especificadamente os resumidos na página 14 e com os pressupostos utilizados para a quantificação da matéria colectável. Idem quanto ao IVA.
O sp pode, ainda, no decorrer do exercício do direito de audição regularizar a situação voluntariamente conforme o estabelecido no art. 58 do DL 413/98 de 31/12 (RCPIT) […]” (cf. doc. a fls. 9 a 23 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
D – Por ofício da Impugnada teve a Impugnante conhecimento do teor do documento referido nas duas alíneas anteriores (cf. docs. a fls. 4 a 5 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
E – Em 09.03.2004 foi elaborado «Relatório de Inspecção Tributária», do qual se extrai que:
“[…] 1.2 – DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
No decurso da presente acção inspectiva verificamos a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, pelos motivos descritos no ponto 4 deste projecto de relatório. Por este motivo, propõe-se que o lucro tributável seja determinado com recurso a métodos indirectos nos exercícios de 2000 e 2001, nos termos do artigo 87º, artigo 88º e alínea a) do n.º 1 do artigo 90º, todos da Lei Geral tributária, conjuntamente com as correcções de natureza meramente aritméticas resultantes de imposição legal […]

4 – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
[…]
4.2. Inventários (E. iniciais, E. finais)/Consumos/Compras/Vendas
[…]
Pelo exposto, pode-se concluir que os inventários apresentados pela empresa não merecem credibilidade, e que foram manipulados com o objecto de apresentarem uma realidade diferente da actividade exercida pela empresa. Consequentemente o custo das existências vendidas (CEV) declarado não merece qualquer credibilidade dado não estar correcto. Salientando-se mais uma vez, como anteriormente referido, que o valor dos inventários tem vindo a aumentar de 2000 a 2002.
[…]
4.3. Margens de comercialização declaradas
[…]
As margens declaradas de lucro bruto sobre o custo, nos anos de 2000 e 2001, foram de 23,49% e 31,04%, respectivamente.
[…]
4.4. Cálculo das margens de comercialização
Com o objectivo de efectuar o controlo das margens praticadas pela empresa e tendo em conta as situações anormais descrito no ponto 4.2 deste relatório:
· Artigos com Custos Existências Vendidas (CEV) negativo;
· Artigos vendidos para os quais não existiam compras nem existências iniciais;
· Artigos que constavam nas existências iniciais e/ou tinham sido comprados e não constavam nas vendas e/ou existências finais;
Ø foram as mesmas calculadas tendo em conta apenas o preço de compra (e não o custo existências vendidas, uma vez que o valor das existências iniciais e finais se encontra incorrecto, não merecendo qualquer credibilidade) e o preço de médio de venda (para cada referência, obtivemos o preço de venda praticado ao longo de todo o ano, incluindo assim, vendas na época normal e época de saldos).
Ø foi feita a análise sobre a totalidade dos artigos comprados e vendidos no ano de 2000 e a totalidade dos artigos comprados e vendidos no ano de 2001 (ou seja, artigos vendidos que tenham sido comprados no mesmo ano);
Ø foi feita a ponderação tendo em conta as quantidades vendidas (porque nem todas as quantidades compradas foram vendidas);
[…]
Verificando-se assim, que as margens praticadas pela empresa são superiores às declaradas.
Esta constatação, associada aos indícios antes descritos (pontos 4.1 a 4.3 deste relatório), permitem-nos concluir pela não veracidade dos valores declarados. Ou seja, encontram-se verificados, em nosso entender, alguns pressupostos legais a que aludem os artigos 87.º e 88.º da LGT, conducentes à tributação com recurso a métodos indirectos, designadamente:
- margens de comercialização declaradas demasiadamente baixas se comparadas quer com as margens praticadas em média pelo respectivo sector de actividade, quer com as margens encontradas na amostragem efectuada;
- não é emitido um talão de venda por cada transmissão de bens efectuada, nos termos do artigo 39.º do CIVA;
- os talões de venda não são emitidos sequencialmente ao longo do ano;
- existência no ano de 2000 de 15.810 unidades de artigos vendidos para os quais não existem compras nem existências iniciais;
- existência no ano de 2001 de 15.220 unidades de artigos vendidos paras os quais não existem compras nem existências iniciais;
- existência no ano de 2000 de 18.017 unidades de artigos em existências iniciais e/ou compras que não constam nem das existências finais nem em vendas; presumindo-se que não são declaradas todas as vendas. De referir que neste ano as quantidades declaradas de vendas ascendem a 20.587 unidades;
- existência no ano de 2001 de 15.580 unidades de artigos em existências iniciais e/ou compras que não constam nem das existências finais nem em vendas; presumindo-se que não são declaradas todas as vendas. De referir que neste ano as quantidades declaradas de vendas ascendem a 20.561 unidades;
- valores de existências iniciais e finais sem qualquer credibilidade, uma vez que os preços unitários e as quantidades são incorrectos.

5. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS.
Atendendo aos indícios fundados, expostos no capítulo anterior, de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial da empresa bem como o resultado efectivamente obtido, encontram-se reunidos alguns dos pressupostos legais para a tributação com recurso a métodos indirectos, designadamente os referidos na alínea b) do artigo 87.º e artigo 88.º, ambos da LGT. Para o efeito e tendo por base alguns dos critérios constantes do artigo 90.º da LGT, procederemos de seguida ao cálculo dos presumíveis valores do volume de negócios realizado, resultado obtido e IVA apurado (art.º 84º do CIVA).

5.1. Volume de negócios calculado com recurso a métodos indirectos

5.1.1. IRC
Para cálculo do volume de negócios utilizamos a margem de lucro bruta ponderada sobre as compras.
Assim, partindo das margens de comercialização encontradas no ponto 4.4 infra, e aplicando-as ao valor das compras em cada ano, iremos encontrar o respectivo volume de negócios presumido:

VOLUME DE NEGÓCIOS PRESUMIDO
Anos
Margem
Compras (*)
V. N. Presumido
V. N. Declarado
Diferença
2000
49%
222.930,34
332.166,21
282.156,40
50.009,81
2001
41%
245.775,65
346.543,66
287.492,67
59.050.99

(*) Em 2001, o valor das compras foi corrigido de 250.665,87€ para 245.775,65€, conforme descrito.[…]”
(cf. docs. a fls. 28 a 266 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
F – No relatório referido na alínea anterior, em 16.03.2004, foi aposto despacho pelo Sr. Director de Finanças do seguinte teor “Concordo” (cf. docs. a fls. 28 a 266 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
G – Por ofício da Impugnada datado de 17.03.2004, o Advogado da Impugnante teve conhecimento do despacho e do relatório referido nas duas alíneas anteriores (cf. docs. a fls. 24 a 25 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
H – O Advogado da Impugnante apresentou uma exposição escrita que deu entrada nos serviços da Impugnada em 24.03.2004 que designou por «Reclamação»(cf. doc. a fls. 227 a 241 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
I – Em 20.04.2004, teve lugar reunião de peritos, tendo sido elaborada a Acta n.º 012-B/LGT para cujo conteúdo integral aqui se remete (cf. doc. a fls. 260 a 261 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
J – Em 22.06.2004, o Sr. Director de Finanças de Coimbra, firmou o «Despacho n.º 04/2004», do qual se retira que: “[…] Justificada a determinação da matéria tributária por métodos indirectos, cabe, por sua vez, ao contribuinte, o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, de acordo com o disposto no n.º 3, do art.º 74º da LGT.
Contudo, tal não se apresenta conseguido quanto ao ano de 2001. Pois os factos acima descritos, não foram rebatidos nem justificados, ao longo do procedimento de revisão, tanto pelo contribuinte no pedido de revisão, como pelo seu perito no laudo. O perito não contrapõe elementos novos que possam ser considerados, limitando-se a afirmar em termos vagos que os pressupostos são insuficientes e a considerações num plano genérico e irrelevantes para refutas aqueles factos, tendo concordado com o método utilizado para 2000, contudo para 2001, pretendia que fosse considerada uma percentagem para quebras, no entanto as quebras normais já estão consideradas no rácios aplicado.
Quanto aos factos descritos no relatório, e supra enunciados, que interessava rebater, o contribuinte no pedido de revisão, e o seu perito, no laudo, nada esclareceram ou adiantaram para o exercício de 2001.
Pelo perito da Administração Tributária foi proposto o apuramento do volume de negócios do ano de 2000, aplicando “às compras desse exercício a percentagem correspondente à mediana da rácio R01-MBVM constante da base de dados da DGCI (rácios nacionais –IRC) referente à actividade do contribuinte, CAE: 42422 que é de 41,67%”, tendo o perito do contribuinte concordado com o valor do lucro tributável apurado de 46.639,12 € para IRC, e o IVA em falta de 5.723,73 €. “Quanto ao exercício de 2001 e porque o volume de negócios calculado pela inspecção tributária e porque o volume de negócios calculado pela inspecção tributária foi apurado aplicando às compras a percentagem de 41% e a mediana do rácio R01-MBVM é de 42,3%”, propõe o perito da Administração Tributária o valor actualizado pela inspecção no seu relatório, valor que o perito do contribuinte não aceita, mas que se mostra adequado e proporcionado. Para mais, não é possível considerar uma percentagem para contemplar mais quebras uma vez que o rácio utilizado já o contempla, e valores mais significantes teriam que ser devidamente espelhados na contabilidade. Por outro lado, o critério utilizado para o apuramento dos valores do ano de 2001 é o mesmo que foi utilizado para o apuramento dos valores do ano de 2000.
Que é legal, porquanto se fundamenta nos artigo 54º do CIRC, e na alínea a) do nº 1 do artº 90º da LGT, ao permitir liberdade na adopção de critérios na quantificação da matéria tributável, desde que fundamentados e adequados a mostrar a capacidade contributiva do sujeito passivo, que nos parece o caso.
Deste modo
Determina, o acima exposto, a nossa adesão aos fundamentos constantes do relatório da Inspecção Tributária e às expedidas, no laudo, pelo perito da Administração Tributária, o que vale por não aceitarmos a pretensão do contribuinte quanto ao ano de 2001 […]” (cf. doc. a fls. 262 a 266 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
K – Do despacho referido na alínea anterior foi dado conhecimento ao Advogado da Impugnante por ofício da Impugnada datado de 27.07.2004 (cf. docs. a fls. 267 a 268 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
L – A Impugnante foi notificada para pagar a liquidação de IRC e juros relativos ao exercício de 2001, no montante de € 14.780,55.
M – A petição inicial do presente meio processual deu entrada neste Tribunal em 21.06.2005 (cf. fls. 1 a 17 dos autos).
N – No processo de execução fiscal n.º 0744200501024159, relativo à cobrança de IRC de 2001, a Impugnante apresentou «Garantia Bancária» por si subscrita junto da Caixa Geral de Depósitos no montante de €19.150,00 (cf. doc. a fls. 22 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
*
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação, assim como naqueles que constam do respectivo processo administrativo (PA).
Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo. Assim, o Tribunal não considerou nomeadamente relevantes os documentos que a Impugnada juntou a fls. 57 a 65, 73 a 106, 111 a 112 dos autos apresentam datas de emissão que não o ano de 2001, ou sequer se referem a eventos naquele exercício ocorridos. Quanto aos demais documentos de fls. 58 a 64 e 107 a 110 dos autos, que deverão para o efeito ser considerados como documentos particulares, a Impugnada quanto ao seu teor e assinatura se insurgiu, pelo que não tendo sido pela Impugnante oferecida outra prova, terão os factos neles reportados que se darem como não provados nos termos do n.º 2 do art.º 374.º do CC.”
*
2. O Direito

Cumpre entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar do apontado motivo de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Sustenta a Recorrente que a sentença recorrida andou mal, ao considerar a impugnação procedente, anulando, na totalidade, o acto impugnado consubstanciado na liquidação de IRC do ano de 2001. Dado que existe absoluta omissão de pronúncia da sentença quanto às correcções técnicas à matéria colectável, porquanto tais correcções são independentes e não são afectadas pela decisão tomada quanto às correcções feitas por métodos indirectos. Acrescenta que o Tribunal a quo, ao não ter apreciado e ao não se ter pronunciado sobre as correcções técnicas, incorreu em omissão de pronúncia, incorrendo a sentença numa nulidade, pela falta de pronúncia sobre esta questão, de acordo com o art.º 125.º do CPPT e al. d) do n.º 1, art.º 668.º do CPC; no entanto, se assim não for entendido, no mínimo, ocorreu erro de julgamento quanto a esta questão da não pronúncia sobre as correcções técnicas, e, a verificar-se, tem, também, por consequência, a revogação da decisão recorrida.
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6, correspondente ao anterior artigo 668.º do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC (actual artigo 608.º, n.º 2), que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Não residem dúvidas que a recorrida pretendeu impugnar nos presentes autos a liquidação na sua totalidade, que surge como resultado de correcções técnicas e correcções com recurso a métodos indirectos. Contudo, percorrendo o teor da petição inicial, observa-se que somente são imputados vícios ao acto de liquidação na parte subjacente às correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos, invocando o vício de falta de fundamentação na escolha do critério para determinação da matéria tributável e erro na quantificação.
O tribunal recorrido iniciou a apreciação da causa pelo vício de falta de fundamentação e, padecendo o acto impugnado do mesmo, mostra-se implícita a suficiência para o anular, expressamente referindo ficar prejudicado o erro na quantificação:
“(…) Do conhecimento dos demais vícios invocados pela impugnante
Considerando o disposto no artigo 124.º do CPPT e tendo em linha de conta a apontada procedência do supra citado vício, encontra-se o Tribunal incapaz de aferir da correcção da aplicação dos métodos indirectos por não ser possível descortinar qual o seu concreto fundamento. (…)”
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos n.º 0574/11 e n.º 0268/11, respectivamente.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143.
Ora, manifestamente, não se verifica a invocada nulidade, dado que na sentença recorrida se invoca expressamente a razão para não avançar para a apreciação do erro na quantificação.
É verdade que a impugnante circunscreveu o erro na quantificação ao montante indiciário das correcções operadas. O que, desde logo, afasta a invocada omissão de pronúncia quanto às correcções técnicas.
Todavia, o invocado erro na quantificação, sofrendo de alegada patente excessividade,acaba por abarcar também as correcções técnicas, já que a Administração Tributária terá incluído no lucro tributável que subjaz à liquidação ora impugnada também o valor relativo a correcções técnicas.
Assim, da motivação da sentença decorre que a verificação do vício de falta de fundamentação inquinou o acto na sua totalidade, impedindo a apreciação do invocado erro na quantificação– falta motivação para compreender globalmente a forma como foi efectuada a liquidação, desconhecendo-se, por isso, a existência do erro nos seus pressupostos. O Tribunal só poderia apreender concretamente os erros e as incongruências na quantificação e nos seus pressupostos acedendo à respectiva fundamentação. Assim, a apreciação desse erro ficou prejudicada pela solução dada ao invocado vício de falta de fundamentação.
Nesta conformidade, não ocorre qualquer nulidade por ter sido anulada a liquidação impugnada na totalidade, impondo-se, contudo, apreciar o invocado erro de julgamento.

A sentença recorrida considerou que o acto impugnado enfermava de vício de falta de fundamentação, motivando a decisão da seguinte forma:
«(…) No presente caso, o relatório no qual se sustenta o acto recorrido, diz-se “[…] que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial da empresa bem como o resultado efectivamente obtido, encontram-se reunidos alguns dos pressupostos legais para a tributação com recurso a métodos indirectos, designadamente os referidos na alínea b) do artigo 87.º e artigo 88.º, ambos da LGT […]”. Porém, no despacho do Sr. Director de Finanças de Coimbra referido na alínea «J» da matéria de facto, refere-se “[…] a nossa adesão aos fundamentos constantes do relatório da Inspecção Tributária e às expedidas, no laudo, pelo perito da Administração Tributária, o que vale por não aceitarmos a pretensão do contribuinte quanto ao ano de 2001 […]. Ou seja, neste último passo procedimental adere-se, em simultâneo, ao que vai vertido no relatório da inspecção e ao que vai dito no laudo do perito da Administração Tributária (cf. fls. 258 do PA). No entanto, acrescenta-se que a aplicação de métodos indirectos “[…] se fundamenta no artigo 54º do CIRC, e na alínea a) do nº 1 do artº 90º da LGT, ao permitir liberdade na adopção de critérios na quantificação da matéria tributável, desde que fundamentados e adequados a mostrar a capacidade contributiva do sujeito passivo […]”. Assim, o que se verifica é uma insanável contradição ao nível procedimental no que se refere à motivação para aplicação de métodos indirectos: no relatório diz-se (ainda que vagamente) que a mesma assenta na “[…] alínea b) do artigo 87.º e artigo 88.º, ambos da LGT […]”, enquanto que no relatório no aludido despacho já o fundamento é distinto ou seja o do “[…] artigo 54º do CIRC, e na alínea a) do nº 1 do artº 90º da LGT […]”, ficando o destinatário na dúvida se se aplicam os dois fundamentos ou se um substitui o outro.
Por isso, existe contradição na génese da fundamentação que deu origem ao acto recorrido e que neste assenta, o que equivale a dizer que, por equiparação legal, existe falta de fundamentação. (…)»
Antes de avançarmos, importa repor os termos efectivos do despacho n.º 04/2004, aliás, conforme transcrito na matéria de facto apurada:
Aqui não se escreveu que a aplicação de métodos indirectos “[…] se fundamenta no artigo 54º do CIRC, e na alínea a) do nº 1 do artº 90º da LGT”, mas antes que o critério utilizado para o apuramento ou quantificação da matéria tributável se fundamenta no artigo 54º do CIRC, e na alínea a) do nº 1 do artigo 90º da LGT. Ou seja, não existe qualquer contradição na menção dos normativos dos artigos 87.º e 88.º da LGT, que respeitam à indicação dos pressupostos para que seja legalmente possível a aplicação de métodos indirectos, e, paralelamente, na referência aos artigos 54.º do CIRC e 90.º da LGT, que se referem já à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, com indicação dos respectivos critérios para o apuramento de valores em concreto. Isto é, estamos em fases distintas da determinação da matéria tributável, os primeiros respeitam aos pressupostos de aplicabilidade de métodos indirectos, enquanto que os segundos, sendo pacífica a opção por métodos indirectos, abordam os critérios para determinar a quantificação da matéria tributável.
Assim, assiste razão à Fazenda Pública quando sustenta inexistir qualquer contradição na fundamentação para aplicação de métodos indirectos, não sendo suscitada qualquer dúvida ao destinatário quanto à motivação da aplicação dos métodos indirectos:
Quer o relatório de inspecção, quer o despacho de fixação, referem que os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta são os que se encontram previstos na alínea b) do n.º 1 do art.º 87.º – Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto – e no art.º 88.º da LGT, – que elenca os casos em que pode ser impossível a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável –, posição que colhe a adesão da impugnante.
Também, quanto aos critérios utilizados com vista à quantificação, verifica-se unanimidade em ambos os actos, pois neles é referido que foram utilizados os critérios constantes do art.º 90.º da LGT:
No relatório de inspecção é referido que reunidos os pressupostos legais para a tributação com recurso a métodos indirectos, designadamente os referidos na al. b) do art.º 87.º e art.º 88.º da LGT e tendo por base alguns dos critérios constantes do art.º 90.º da LGT, procede-se ao cálculo dos presumíveis valores do volume de negócios realizado;
Também no despacho de fixação da matéria tributável se refere que, dado os factos demonstrados e provados no relatório de inspecção que inviabilizam a possibilidade de avaliar directa e exactamente o montante da matéria tributável do contribuinte, preenchendo os pressupostos de facto e de direito previstos na al. b) do art.º 87.º e al. a) do art.º 88.º da LGT, se encontram reunidas as condições para a avaliação indirecta, e sendo permitido liberdade na opção de critérios na quantificação da matéria tributável, foi utilizado o critério previsto no art.º 90.º, n.º 1, al. a), por remissão do art.º 54.º do CIRC (na sua redacção ao tempo).
Esta breve explicação é suficiente para infirmar a conclusão a que chegou a sentença recorrida, dado que não se verifica qualquer contradição na génese da fundamentação do acto tributário em apreço. De todo o modo, impõe-se averiguar se o acto impugnado se mostra realmente fundamentado, atentos os argumentos, em sentido negativo, invocados pela impugnante na sua petição inicial, com especial enfoque no facto de a Administração Tributária não ter explicado as razões por que optou pelo critério constante do relatório em detrimento de outros e não ter explicitado o modo de ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT a avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa de determinação do lucro tributário dos contribuintes, apenas podendo ser aplicada aquela primeira forma de avaliação nos casos expressamente previstos na lei e quando estejam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito (cfr. artigo 81.º, n.º 1 da LGT).
O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma última ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).
Dito de outra forma, tendo a avaliação indirecta carácter subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT) e excepcional (cfr. artigo 81º da LGT, n.º1 da LGT), cabe à Administração Tributária (AT) a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (cfr. artigo 74.º, n.º 3, da LGT) – vide, entre outros, o Acórdão do STA, de 17/03/2010, processo n.º 01211/09.
A impugnante parece aceitar a decisão administrativa quanto à verificação dos pressupostos do recurso a métodos indirectos, embora não se conforme com o método de avaliação indirecta da matéria tributável utilizado, por se mostrar insuficientemente fundamentado, por os critérios seguidos para o apuramento dos rendimentos serem desfasados da realidade e das regras económicas de experiência comum e por resultar numa quantificação excessiva (cfr. artigos 48.º e 49.º da petição inicial).
Assim, a essa fase dita qualitativa sucede uma outra fase, a de quantificação, designada deste modo por se reportar à escolha de um método de quantificação da matéria colectável, bem como à demonstração dos resultados correspondentes.
Nesta sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta. Na realidade, o ónus que impende sobre a AT, em tais casos, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.
Efectivamente, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos que revistam, casuisticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação daquele pelo seu lucro real/efectivo.
Apelando, à jurisprudência do TCA Sul, nomeadamente, do acórdão de 18/06/2002, proferido no âmbito do recurso n.º 6.388/02 - ainda que por reporte ao artigo 81.º do CPT, mas com aplicabilidade ao preceituado no artigo 84.º/3 da LGT - “(...) cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].
Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada. (…)” Permitindo, assim, extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só, então, passará a caber ao contribuinte, e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada – cfr., no mesmo sentido, o acórdão do TCA Sul, de 15/07/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02834/09, e o acórdão do TCA Norte, de 11/06/2013, no processo n.º 6122/12.
Reiterando esta ideia de fundamentação, por facilidade, passamos a transcrever parcialmente o acórdão do TCA Sul, de 16/03/2010, proferido no âmbito do processo n.º 3543/09:
“(…) Isto porque, como acima se deixou dito, a actuação da AF não se pode ficar pela demonstração da ocorrência dos pressupostos legitimadores do recurso à metodologia indiciária, antes se lhe impõe, ainda e também, que, desde logo do ponto de vista substancial, fundamente os critérios de que venha a lançar mão naquela tarefa de quantificação se apresentem como os mais adequados ao alcançar da matéria tributável mais próxima da realidade, sem embargo de, o que se vem de dizer, não invalidar que, nesta matéria mas a jusante, ser sobre o contribuinte que recai um ónus de prova positivo de que a matéria tributável fixada pela AT não tem aderência à efectivamente verificada. (…)”
A avaliação indirecta propriamente dita integra a escolha de um dos métodos de quantificação enunciados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT ou outro que, em concreto, se revele mais adequado a uma efectiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo. Entendemos, portanto, que os factores quantitativos propostos naquele normativo não têm carácter taxativo, pois ali se diz que a determinação da matéria tributável por métodos indirectos «poderá» ter em conta aqueles elementos, e não que «só poderá» ter em conta aqueles elementos. Por outro lado, a própria finalidade da tributação indirecta explica a não taxatividade dos critérios: se o objectivo é a maior aproximação possível à verdade fiscal daquele contribuinte e existe um método que se revele, em concreto, mais adequado a viabilizar essa aproximação, deverá ser esse o método a utilizar pela A.T., ainda que não conste do elenco do artigo 90.º da LGT.
O erro sobre a escolha do método de quantificação ou sobre a sua aplicação que conduza a um excesso de quantificação pode gerar, portanto, o vício de violação de lei, por erro na quantificação.
No entanto, e como tem sido entendido, de forma uniforme, pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação. Dito de outro modo: não é pelo facto de no método de quantificação não se levar em conta este ou aquele item que fica demonstrado o erro na quantificação, a não ser que resulte daí ipso facto que os resultados apurados sejam excessivos.
Importa, por isso, que o sujeito passivo venha ao processo demonstrar a interferência sensível destes factores no resultado da quantificação.
Não bastará, assim, alegar o desajustamento do critério de quantificação adoptado ou que o caminho percorrido pela fiscalização é deficitário e incongruente, sendo o resultado apurado a final errado, importando que se demonstre que a AT podia ter ido mais longe e reduzido, por alguma forma, a margem de erro que estas formas de avaliação sempre comportam. Isto porque, sabendo-se as dificuldades objectivas que sempre são encontradas pela AT nesta quantificação, há necessidade, tão-só, de uma aproximação feita através de elementos possíveis e prováveis, ou seja, aceita-se um juízo de probabilidade em substituição do convencimento sobre a respectiva realidade.
No caso sub judice, como referimos, está em causa a fundamentação da decisão de tributação por métodos indirectos.
O artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa dispõe que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
O artigo 77.º, n.º 1 da LGT determina que a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Por força do n.º 2 do mesmo artigo, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
O artigo 125.º, n.º 1 do CPA determina que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Ora, é sabido que a consagração constitucional deste dever de fundamentação expressa, integrado nas chamadas garantias dos administrados, tem em vista assegurar a quem seja afectado nos seus direitos ou interesses, o direito de conhecer as razões que terão determinado a adopção da decisão administrativa que lhe diz respeito.
A jurisprudência e a doutrina têm consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática – cfr., entre muitos outros, o acórdão do STA, de 23/05/2012, proferido no âmbito do recurso n.º 0870/11. Ponto é, portanto, que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Acresce transcrever o julgado no acórdão do STA, de 11/12/2007, no âmbito do recurso n.º 615/04, «(…) o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».
E, o vício da falta de fundamentação dos actos administrativos, como vem sendo salientado pela doutrina e pela jurisprudência, é de natureza formal e não substancial, enfermando o acto de falta ou insuficiência de fundamentação quando não externa de modo claro, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito que o determinaram e o seu sentido decisório.
Do que prescreve o artigo 77.º, n.º 1 da LGT decorre que a fundamentação do acto tributário pode basear-se em várias peças do processo administrativo; posto é que elas sejam expressamente identificadas.
No caso dos autos, fundamentam-se as liquidações de IRC no relatório de inspecção tributária e na decisão do pedido de revisão, referidos nos pontos E), F) e J) do probatório, os quais, a nosso ver, preenchem as exigências legais de fundamentação, sendo perceptível para qualquer leitor do mesmo quais foram as razões das correcções efectuadas.
A impugnante considerou justificado o recurso à avaliação indirecta, não contestando a legalidade do uso do poder de fixação dos rendimentos com recurso a métodos indirectos. Aliás, remetendo para o relatório de inspecção tributária, as razões aí explanadas permitiram à impugnante apreender perfeitamente os motivos da não aceitação dos elementos constantes da sua contabilidade:
“(…) margens de comercialização declaradas demasiadamente baixas se comparadas quer com as margens praticadas em média pelo respectivo sector de actividade, quer com as margens encontradas na amostragem efectuada;
- não é emitido um talão de venda por cada transmissão de bens efectuada, nos termos do artigo 39.º do CIVA;
- os talões de venda não são emitidos sequencialmente ao longo do ano; (…)
- existência no ano de 2001 de 15.220 unidades de artigos vendidos para os quais não existem compras nem existências iniciais; (…)
- existência no ano de 2001 de 15.580 unidades de artigos em existências iniciais e/ou compras que não constam nem das existências finais nem em vendas; presumindo-se que não são declaradas todas as vendas. De referir que neste ano as quantidades declaradas de vendas ascendem a 20.561 unidades;
- valores de existências iniciais e finais sem qualquer credibilidade, uma vez que os preços unitários e as quantidades são incorrectos. (…)”
Por outro lado, mostra-se concretizado o modo de determinação da matéria colectável, identificando o critério utilizado, bem como as normas legais que o prevê, especificando e demonstrando a forma do respectivo cálculo (cfr. ponto 5., por referência ao ponto 4.4 do relatório final de inspecção tributária).
Determina o n.º 4 do artigo 77.º da LGT, para o que aqui importa, que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção (e reiteradas na decisão do pedido de revisão, para o qual remete), sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos (cfr. o ponto 4. do relatório inspectivo) e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos (cfr. o ponto 5. do referido relatório).
O critério eleito pela AT para proceder à avaliação indirecta da matéria tributável – descrito e concretizado no ponto 5.do relatório da inspecção e transcrito no ponto E) do probatório fixado – resulta do critério inserto na alínea a) do artigo 90.º da LGT, e consistiu, para cálculo do volume de negócios, na utilização da margem de lucro bruta ponderada sobre as compras, partindo das margens de comercialização encontradas no ponto 4.4 do relatório inspectivo.
Aqui se menciona que, para cálculo da margem de comercialização, foi tido em conta apenas o preço de compra (e não o custo existências vendidas, uma vez que o valor das existências iniciais e finais se encontra incorrecto, não merecendo qualquer credibilidade) e o preço de médio de venda (para cada referência, foi obtido o preço de venda praticado ao longo de todo o ano, incluindo, assim, vendas na época normal e época de saldos). Foi, ainda, feita a análise sobre a totalidade dos artigos comprados e vendidos no ano de 2001 (ou seja, artigos vendidos que tenham sido comprados no mesmo ano) efeita a ponderação tendo em conta as quantidades vendidas (porque nem todas as quantidades compradas foram vendidas). Chegando, assim, a AT a uma margem média ponderada, para o ano de 2001 de 41%.
Entendemos que o “método presuntivo eleito” se mostra racional e fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que a lei indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo (cfr. ANA PAULA DOURADO, «Manifestações de Fortuna», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano II, n.º 4 (Inverno), p. 278) – cfr. Acórdão do STA, de 05/12/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0477/12.
Julgamos, pois, que o método adoptado pela AT para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos não é desfasado da realidade, dado que o relatório inspectivo espelha cuidado em atender à situação concreta do contribuinte, nem se mostra, em abstracto, ostensivamente inadequado, não se tendo demonstrado as invocadas incongruências na fundamentação.
Sobre estas mesmas questões, e no mesmo sentido, já se pronunciou este tribunal, através do Acórdão deste TCAN, de 14/07/2016, proferido no âmbito do processo n.º 680/04.8BECBR, em situação concreta em tudo idêntica à dos presentes autos, referente à mesma impugnante, tendo por base o mesmo relatório inspectivo, somente divergindo o imposto impugnado, ali IVA de 2000 e 2001, aqui IRC de 2001:
«(…) Por outro lado, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação formal, com a valia ou validade dos fundamentos invocados (fundamentação substancial), na medida em que, na avaliação da correcção formal do acto não se coloca a questão da valia ou correcção dos fundamentos aduzidos, mas só a sua suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão, pois que, uma coisa é saber se a administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; e outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Tal significa, (…) que, no que toca ao critério para a quantificação da matéria colectável, bastará à administração tributária referir o critério que utilizou, pela indicação dos elementos que permitam ao contribuinte (e, se for caso disso, ao tribunal) ficar a conhecer o critério utilizado, para que possa ser invocado e demonstrado o erro ou desacerto desse critério e, portanto, a falta de fundamentação material do acto, a qual integra vício de violação de lei. (…)
Ora, (…) a crítica dirigida ao despacho do Director de Finanças reporta-se ao segmento relacionado com a análise do exercício de 2001, não podendo, nesta sede, conferir-se qualquer virtualidade ao exposto pela Recorrente.
E quanto ao exercício de 2001?
Neste particular, apesar do esforço de alegação da Recorrente, (…), claramente, confunde a árvore com a floresta.
Com efeito, no tal despacho, começa por dizer-se que, “quanto aos factos descritos no relatório, e supra enunciados, que interessava rebater, o contribuinte, no pedido de revisão, e o seu perito, no laudo, nada esclareceram ou adiantaram para o exercício de 2001”, sendo que só depois se alude à proposta do perito da AT, que mereceu concordância para o ano de 2000, verificando-se que em relação ao ano de 2001 a proposta é no sentido de utilizar o valor descrito no RIT, situação que o despacho acolhe, rebatendo o argumento relacionado com a consideração de mais quebras, reputando o critério descrito no RIT como adequado e proporcionado e depois legal por referência aos arts. 54º do CIRC e 90º nº 1 al. a) da LGT, “ao permitir liberdade na adopção de critérios na quantificação da matéria tributável, desde que fundamentados e adequados a mostrar a capacidade contributiva do sujeito passivo, que nos parece o caso”.
Com este pano de fundo, salvo o devido respeito, é claramente perceptível o método e o critério de quantificação que a administração tributária adoptou, já que o relatório que serve de suporte formal fundamentador denuncia, de forma expressa, clara e congruente, o percurso cognoscitivo e valorativo que ela percorreu para proceder a essa quantificação.
Na verdade, o despacho a que se alude nos autos seguiu o percurso de análise do RIT, acolhendo a factualidade vertida no mesmo e bem assim o aí exposto sobre o modo de determinação da matéria colectável, identificando o critério utilizado, bem como as normas legais a ponderar, de nada valendo a leitura redutora que a Recorrente utiliza neste âmbito, pois que o despacho não afastou nenhum dos ponderados no RIT, antes fazendo apelo ao aí exposto, enquadrando a situação num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível pelo destinatário.
Ora, determina o art. 77º nº 4 da Lei Geral Tributária, para o que aqui importa, que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no RIT, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos, o que significa que não existe falta de fundamentação do acto. (…)»
De todo o modo, não podemos deixar de apreciar a valia ou validade dos fundamentos invocados (fundamentação substancial):
Como referimos, a Administração Tributária apurou em primeiro lugar a margem de comercialização da ora Impugnante, verificando o valor total de vendas e de custo, com as respectivas ponderações (tendo, p. ex., em conta, o preço da compra e o preço médio de venda para cada referência e as quantidades efectivamente vendidas), aplicando-a depois ao valor das compras, obtendo o volume de negócios presumido. Depois, subtraiu ao volume de negócios presumido o volume de negócios declarado, obtendo assim a base tributável, pelo que o critério por si utilizado reconduz-se ao primeiro dos critérios expressamente previstos no artigo 90.º, n.º 1 da LGT.
Note-se que no critério utilizado pela Administração para a determinação da matéria tributável, os custos encontram-se desde logo plasmados, pois as margens de comercialização sempre reflectem não só os proveitos, como também os custos. Acresce decorrer expressamente do Relatório de Inspecção que as margens de comercialização encontradas foram calculadas «tendo em conta apenas o preço de compra (e não o custo das existências vendidas, uma vez que o valor das existências iniciais e finais se encontra incorrecto, não merecendo qualquer credibilidade) e o preço médio de venda (para cada referência, obtivemos o preço de venda praticado ao longo de todo o ano, incluindo, assim, vendas na época normal e época de saldos)», tendo sido feita a análise sobre a «totalidade dos artigos comprados e vendidos no ano de 2001 (ou seja, artigos vendidos que tenham sido comprados no mesmo ano)» e realizada ainda a «ponderação tendo em conta as quantidades vendidas (porque nem todas as quantidades compradas foram vendidas)».
Isto é, no ponto 4.4 do relatório inspectivo mostra-se a forma como as margens de comercialização apuradas pela AT para os exercícios de 2000 e 2001 foram de 49% e de 41%, respectivamente, além de que foi feita a ponderação tendo em conta as quantidades vendidas (porque nem todas as quantidades compradas foram vendidas), o que significa que não pode proceder a alegação da Impugnante nesta matéria.
E por essa mesma razão também não procede o argumento de que as margens de comercialização aplicadas são desajustadas da realidade efectivamente ocorrida e que não têm em consideração os descontos praticados: é que, pese embora os factos dados como não provados, a Administração teve em conta o preço médio de venda para cada referência efectivamente vendida no ano em causa, incluindo, pois, os casos em que o produto foi vendido com desconto.
O argumento respeitante a não se ter tido em conta as perdas e danos de artigos de vestuário em virtude de cheias ocorridas, em valor estimado de €7.500,00, não pagos pela Companhia de Seguro, e a existência de artigos danificados no armazém no valor de cerca de €5.000,00, mostra-se improcedente, na medida em que tais factos não foram levados ao probatório por não respeitarem ao exercício de 2001, como pode verificar-se pela motivação da decisão da matéria de facto.
Salienta-se que a taxa de comercialização encontrada para o visado ano de 2001 teve em conta a «totalidade dos artigos comprados e vendidos no ano de 2001 (ou seja, artigos vendidos que tenham sido comprados no mesmo ano)». Logo, não teve em conta, nem deveria ter tido em conta, os produtos que constavam já do seu inventário no ano de 2000 ou em anos anteriores.
Quanto à alegação de que terá procedido a doações de roupa a instituições de solidariedade social no valor de €4.000,00, reiteramos o que ficou plasmado na motivação da decisão da matéria de facto: “(…) Não ficaram demonstrados, com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo. Assim, o Tribunal não considerou nomeadamente relevantes os documentos que a Impugnada[queria, certamente, escrever-se impugnante] juntou a fls. 57 a 65, 73 a 106, 111 a 112 dos autos, que apresentam datas de emissão que não o ano de 2001, ou sequer se referem a eventos naquele exercício ocorridos (…)”.
No que tange à invocação de que não teve qualquer margem de lucro na venda de artigos no valor de €60.000,00 durante o exercício de 2001, não só não foram alegados factos simples a esse respeito susceptíveis de prova, como, igualmente, tal factualidade não consta da matéria apurada.
De todo o modo, sendo certo que a Administração teve em conta o preço de compra e o preço médio de venda para cada referência efectivamente vendida no ano em causa, se efectivamente a Impugnante vendeu alguns produtos ao preço a que os comprou, isso mesmo ficou reflectido nas margens de comercialização apuradas.
Tudo o que ficou dito significa que o método adoptado pela Administração Tributária para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos não é ilegal nem se mostra inadequado, não se tendo demonstrado que conduza a resultados excessivos.
Concluindo, por um lado, não ocorre, pois, vício de falta de fundamentação do acto, por outro lado, cabia à impugnante alegar e provar que ocorre excesso na quantificação da matéria tributável; o que não foi efectuado.
De qualquer forma, nem sequer se afigura evidente para este Tribunal que o eventual excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face dos factos alegados pela impugnante, mas não transpostos para o probatório.
Na medida em que a presente impugnação se fundou, essencialmente, na alegação de falta de fundamentação do critério utilizado na avaliação indirecta da matéria tributável e não tendo ficado demonstrado que tal impediu a impugnante de impugnar o acto ou que dificultou a sua defesa e prova do excesso na respectiva quantificação, forçoso é julgar a acção improcedente, concedendo provimento ao recurso e revogando a sentença recorrida.
Assim sendo, fica prejudicado o conhecimento do invocado erro de julgamento da sentença recorrida, por ter anulado, na totalidade, o acto impugnado, dado que antes se impõe julgar a impugnação judicial improcedente, mantendo-se o acto na ordem jurídica.

Na medida em que a presente impugnação deverá, afinal, ser julgada improcedente, abster-nos-emos de apreciar as alegações da impugnante respeitantes ao alegado erro de julgamento por não reconhecimento do direito à indemnização prevista no artigo 53.º da LGT, uma vez que tal pressupõe o vencimento (pelo menos parcial) da causa, tanto mais que a pretensão da impugnante é precisamente fundada no ganho de causa que havia sido decidido pelo Tribunal “a quo”.
Mostra-se, ainda, prejudicado o conhecimento da questão suscitada pelo Ministério Público, pois que se este Tribunal opta por não conhecer as alegações da impugnante, é irrelevante a inexistência de requerimento de interposição de recurso.

Conclusões/Sumário

I - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
III - No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
IV - O “método presuntivo eleito” mostra-se racional e fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que o n.º 1 do artigo 90.º da LGT indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo.
V - O n.º 4 do artigo 77.º da LGT determina que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos.
VI - Estando definitivamente decidido que, no caso, a Administração Tributária demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados os critérios de que a Administração Tributária se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a impugnante.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação improcedente e considerar prejudicado o conhecimento das alegações da impugnante pela solução dada ao recurso e à impugnação judicial.
Custas a cargo de B…, Lda. somente em 1.ª instância.
Porto, 29 de Setembro de 2016.

Ass. Ana Patrocínio

Ass. Ana Paula Santos

Ass. Mário Rebelo