Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02956/17.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/27/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RECLAMAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II - A pronúncia sobre a questão da prescrição, no caso, poderia determinar um segmento decisório diverso, pelo que se verifica a nulidade da sentença.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A…, S.A., NIPC 5…, com sede na Avenida…, 4000-065 Porto, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 15/05/2018, que julgou improcedente a reclamação formulada contra o acto de compensação n.º 201700007986342, no valor de €8.584,22, realizado nos PEF n.ºs 0400200701009303 e 0400200701034677, que correm termos no Serviço de Finanças do Porto.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A) A ora Recorrente invocou no seu requerimento inicial a prescrição das dívidas relativas aos processos de execução fiscal n° 0400200701009303 relativas a juros de mora IMI do ano de 2005 no valor de €: 32,26, n° 0400200701034677 relativa a IRC 2005/IRS 007 no valor de €: 8.258,50 e 0400200701034677 relativos a juros de mora de processo de execução fiscal no valor de €: 293,46, pelo facto de nunca ter sido citada para o termos dos preditos processos.
B) A Meritíssima Juiz “a quo” não se pronunciou sobre a presente questão, que deveria apreciar, estando pois preenchidos os pressupostos previstos no artigo 125° n°1 do CPPT.
C) Acresce que a própria Reclamada admite a existência da prescrição pois sobre esta excepção não se pronuncia nem tão pouco junta qualquer documento comprovativo da citação da Reclamante.
D) Face ao exposto, deve ser suprida a nulidade de sentença ora invocada e declarada a prescrição da dívida ínsita nos mencionados processos de execução fiscal, com todas as demais consequências que daí decorre.
E) Dispõe o artigo 276° do CPPT de que “As decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância.”
F) A decisão ora reclamada afectou os direitos e interesses legítimos da Reclamante, sendo um dos motivos de tal “afectação” uma vez que o Tribunal da Relação do Porto já ordenou a extinção dos processos executivos que originaram o acto de compensação que fundamentou a presente reclamação, pelo que não podem tais processos fundamentar qualquer acto de penhora.
G) Assistia e assiste legitimidade à Reclamante para invocar em sede de reclamação judicial tal Acórdão para demonstrar a manifesta ilegalidade do acto reclamado, inexistindo assim “in casu”, qualquer pedido substancialmente incompatível entre si, até porque tal não permitiria o princípio da economia processual.
H) Não se pode conformar a Recorrente pelo facto da Meritíssima Juiz “a quo” ter declarado como não provado o facto das dívidas que deram origem aos presentes autos terem sido incluídas no plano de insolvência com base numa informação prestada pela Reclamada e que consta do ponto 10 da matéria dada como provada.
I) Isto porque a Reclamante apresentou-se à insolvência no ano de 2008, a qual foi declarada no dia 12 de Setembro, em processo que correu termos no extinto 1° Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia com o n° 557/08.8TYVNG, no âmbito do qual a Autoridade Tributária não reclamou qualquer crédito.
J) Face ao exposto, o Sr. Administrador da Insolvência reconheceu o crédito que constava da contabilidade da Recorrente, no valor de €: 189.793,79 (cento e oitenta e nove mil setecentos e noventa e três euros e setenta e nove cêntimos).
K) O Sr. Administrador da Insolvência notificou a Autoridade Tributária para os termos do artigo 129° n° 4 do CIRE, não tendo esta, apesar do exposto, impugnado o crédito reconhecido ou seja, conformou-se com tal valor.
L) A Autoridade Tributária apresentou ulteriormente acção ulterior de verificação de créditos, cuja pretensão sempre lhe estaria vedada por força do disposto do artigo 146° n°2 al. a) do CIRE.
M) Este processo acabou por ser encerrado nos termos do artigo 233° n° b) do CIRE, porque a Autora, a Autoridade Tributária, não requereu que a mesma prosseguisse, faculdade esta que resulta deste mesmo preceito legal, “in fine”.
N) O plano de insolvência apresentado pela Reclamante foi aprovado, homologado e encerrado nos termos do artigo 230 nº 1 al. b) do CIRE, o qual se encontra actualmente a ser tempestivamente cumprido, mormente junto da Autoridade Tributária, conforme o atesta aliás o ponto 9 da matéria dada como provada.
O) Deste mesmo plano resulta que os créditos do Estado e da Segurança Social foram considerados como créditos comuns e como créditos privilegiados, sendo que, “Os créditos privilegiados do ESTADO serão pagos em 120 prestações, mensais, iguais e sucessivas, sendo as primeiras 30 de metade do valor das restantes, com perda, dos juros vencidos e vincendos.” e os créditos comuns “pagamento de 33,33% em 160 prestações trimestrais, sucessivas, com perdão de 66,67% e dos juros vencidos e vincendos” (v.g. Acórdão da Relação do Porto junto como doc. n° 8 junto à PI)
P) A Recorrente requereu ainda a extinção de todos ónus que incidiam sobre os prédios de sua propriedade, por força da extinção de todas as execuções fiscais em curso à data da sua declaração de insolvência ocorrida a 12 de Setembro de 2008, o que acabou por ser deferido por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02 de Fevereiro de 2011, o qual sustenta, de forma Douta, “quer os créditos da Segurança Social quer os créditos do Estado passaram a só podar basear-se noutro titulo para eventualmente virem a ser cobrados em sede executiva, as hipotecas legais e as penhoras supra referidas deixaram de ter na sua base os créditos e respectivos títulos que as suportavam (sublinhado nosso) devendo por isso, como defende a recorrente, extinguir-se forçosamente quaisquer procedimentos executivos cujos créditos estejam relacionados e reconhecidos no âmbito da insolvência, incluindo como é óbvio as execuções fiscais.”
Q) Na sequência deste Douto Acórdão, a Meritíssima Juiz do 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia refere em Despacho de 30 de Março de 2011, “Atento o teor de fls. 95 do Acórdão proferido pelo TR do Porto, no apenso F, uma vez que deixaram de subsistir os créditos que as sustentavam (sublinhado nosso) ordeno o cancelamento das hipotecas legais e das penhoras que impendem sobre os prédios da insolvente, referidos a fls. 648 e 649.”
R) Acresce e importa esclarecer de que, à data dos factos, a aprovação do plano de insolvência ainda se impunha a “todas os credores, não se criando qualquer regime de excepção para os créditos privilegiados ou garantidos ou cujos titulares sejam pessoas colectivas de direito público, designadamente o próprio Estado” (v.g. página 3 do mesmo Acórdão) ou seja, ainda não existia a indisponibilidade do crédito tributário tal qual veio a ser implantada na actual versão do artigo 30º da Lei Geral Tributária ínsita Lei n° 55-A/2010.
S) Apesar da inenarrável postura da entidade reclamada em todo este processo e que persiste, a Reclamante juntou desde logo como doc. n° 3 junto ao seu requerimento inicial, uma relação por si elaborada, na qual justifica de forma detalhada os processos executivos e o valor reconhecido no processo de insolvência.
T) Sucede que a Reclamada após ter sido notificada de tal documento declara sem qualquer justificação e pejo, de que os processos de execução fiscal que consubstanciam o acto ora impugnado não se encontram incluídos no âmbito do plano de insolvência.
U) Após esta resposta peremptória, impunha-se que a Meritíssima Juiz “a quo” tivesse exigido que a entidade reclamada informasse então quais os processos executivos que se encontram incluídos no âmbito do plano de insolvência, conforme a Recorrente lho solicitou por requerimento de 01.04.2018, referência 5784241.
V) Se a entidade reclamada não tem conhecimento sobre a identificação dos processos englobados no valor reclamado e reconhecidos na insolvência, não pode declarar que as presentes execuções dele não fazem parte ou, tendo o descaramento de o declarar conforme sucedeu na presente lida, não pode o Julgador atribuir-lhe qualquer relevância ou valor probatório, antes devendo condenar quem o declarou como litigante de má-fé.
W) Parece evidente que, caso a entidade reclamada quisesse fazer “tábua rasa” do doc. n° 3 junto à PI e, sobretudo, se estivesse de boa fé, deveria ter declarado que desconhecia se os processos executivos em tal documento relacionados faziam ou não parte integrante do valor reconhecido pelo Sr. Administrador Judicial sob pena de estar a receber duas vezes o mesmo valor.
X) E o inacreditável, Venerandos Desembargadores, é que a própria entidade reclamada admitiu já de forma expressa a veracidade do mencionado doc n° 3 em outros processos judiciais, o qual, inclusivamente, fundamentou o Douto Acórdão deste Venerando Tribunal de 26.01.2018 relativo ao processo n° 1359/16.3BEBRG.
Y) A postura da Autoridade Tributária deveria ser, conforme bem refere Joaquim Freitas da Rocha in “Lições de Procedimento e Processo Tributário”. 5ª Edição Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pp 144 a de “um actor procedimental isento, que aplica o Direito e prossegue o interesse público na sua vertente de justiça e verdade material” e assim, em momento algum, evidenciar a postura que manteve na presente lide.
Z) Mesmo que tais processos executivos não estivessem incluídos no âmbito do processo de insolvência, o que por mera cautela de patrocínio se admite, a penhora sempre teria de ser extinta por múltiplos motivos.
A.A.) Em primeiro lugar pelo facto dos processos em causa terem todos sido instaurados em 05.07.2007, conforme resulta dos pontos 1 e 2 dos factos provados ou seja, bastante antes da declaração de insolvência da Recorrente, ocorrida a 12.09.2008 (ponto 3 dos factos provados), a Autoridade Tributária teria de os ter reclamado no processo de insolvência o que não fez, conforme supra referido, por manifesta incúria.
A.B.) Não só não reclamou créditos, como não impugnou a lista de credores depois de ter sido formalmente notificada para o efeito pelo Administrador Judicial nos termos do artigo 129° n°4 do CIRE.
A.C.) Desta forma, as execuções fiscais em causa teriam sempre de ser suspensas nos termos dos artigos 88° do CIRE e 180º n° 1 do CPPT que ordenam a sustação de todos os processos que se encontrem pendentes com o seu despacho inicial, não distinguindo ou descriminando os que foram ou não reclamados e/ou reconhecidos no âmbito de tal processo.
A.D.) Adicionalmente, tendo os presentes créditos fundamento e sido judicialmente peticionados pelo Serviço de Finanças previamente à declaração de insolvência, a Recorrente teria de ser compelida a pagá-lo nos exactos termos reconhecidos no processo e plano de insolvência, conforme resulta do artigo 217º n° 1 do CIRE o qual se encontra a ser pago conforme resulta do ponto 9 da matéria constante da Douta Sentença ora recorrida.
A.E.) Acresce ainda que, à data dos factos, ainda não existia a consagração do princípio da indisponibilidade cio crédito tributário no âmbito do CIRE ou seja, o Estado era um credor como o demais.
A.F.) E porque assim o era, foi homologado um plano de insolvência que previu um “corte” acentuado no valor dos créditos comuns tributários.
A.G.) Por outro lado, recorrendo até aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança e da proporcionalidade, como elementos constitutivos do Estado de Direito e previstos nos artigos 2º e 18º n° 2 da CRP, não se pode admitir nem conceber que o facto da Autoridade Tributária ter sido “in casu” de uma incúria e desleixo totais, tal situação pudesse reverter a seu favor.
A.H.) Com efeito, como se pode aceitar que o facto da Autoridade Tributaria não ter reclamado nem impugnado estes créditos, de forma atempada, como a própria lei o exige, possa originar que mais de dez anos depois o possam estar a executar em total revelia daquilo que resultou de uma decisão judicialmente homologada?!?
A.I.) A prosseguir-se este entendimento, seria mais conveniente a um credor ficar “à margem” da insolvência e dos constrangimentos de um plano de insolvência, porque assim certo seria que poderia depois executar livremente a devedora e pela totalidade da dívida.
A.J.) A Douta Sentença ora recorrida desrespeita ainda frontalmente o supra mencionado Acórdão do Tribunal da Ralação do Porto de 02.02.2011, transitado em julgado e onde consta de forma expressa a extinção dos processos executivos relacionados e reconhecidos na insolvência dado não ser admissível que toda a dívida tributária existente à data da declaração respectiva, nela não estivesse relacionada.
A.K.) A não se ter este entendimento, tínhamos de concluir que o CIRE não teria qualquer aplicabilidade aos créditos da Autoridade Tributária o que não se pode, manifestamente, aceitar.
A.L.) Nem se pode aceitar que se entenda que um Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto para dirimir uma questão decorrente de um processo de insolvência não possa ter aplicabilidade no que tange à existência ou não de execuções fiscais.
A.M.) Acresce que os efeitos do plano de recuperação produzem-se com a prolação da sentença homologatória, não fazendo a lei depender a eficácia do plano à condição do crédito ter sido reclamado ou verificado.
A.N.) Assim, se o crédito já existia e estava instaurado o processo de execução, se o crédito em causa se encontra a ser pago, conforme resulta “in casu”, não assume qualquer relevo para esse efeito saber se o crédito foi ou não reclamado ou verificado, pois disso não depende a sua inclusão no plano.
A.O.) Mesmo que assim se não entenda, o que por mera cautela sempre se poderá admitir, sempre teria o crédito em causa, por força da sua anterioridade relativamente à declaração de insolvência, de ser pago nos mesmos e exactos termos dos demais e nunca à revelia daquilo que foi judicialmente homologado.
A.P.) Importa ainda invocar um Douto Acórdão da 2ª Secção desse Venerando Tribunal de 13.10.2017 relativo ao processo n°986/17-30, relativo a uma outra reclamação deduzida pela Recorrente cuja base factual e legal é em tudo idêntica á presente, o qual dispõe que “o processo de execução fiscal devia ter sido suspenso e remetido ao tribunal da insolvência, nos termos do artigo 180º do CPPT a fim de ali serem reclamados os créditos da Fazenda Nacional. Mas isso não aconteceu.
“Em causa está a penhora de rendas de um imóvel. O Magistrado do Ministério Público considera que, por se tratar de rendas, são eles bens adquiridos após a declaração de insolvência. Porém, se o bem integra a massa insolvente não pode falar-se de bens que o insolvente adquiriu após a declaração de insolvência, mas de frutos dos bens que integram a massa insolvente e, como tal, afectos ao cumprimento do plano de insolvência e demais dívidas da massa insolvente.
“Para além disso, na lógica do sistema jurídico, as dívidas anteriores à declaração de insolvência hão-de ser pagas pelas forças monetárias que integrem a massa insolvente e, até onde esse fluxos monetários permitirem, prevendo o código de Processo e Procedimento Tributário, no seu artigo 180º nº 5 que o processo de execução fiscal possa prosseguir para cobrança de dívidas à Fazenda Pública no respeito das obrigações assumidas no plano de recuperação.”
(…)
“Assim, só cumprido o plano de insolvência ou verificado o seu incumprimento definitivo se poderá averiguar se o devedor adquiriu novos bens e se eles serão passíveis de ser apreendidos em sede de cobrança coerciva para satisfazer os créditos tributários que se mostrarem ainda em dívida, sob pena de a Administração Tributária estar a adoptar uma posição ambivalente ao por um lado pretender beneficiar da execução do plano para arrecadar receitas e, simultaneamente pretender inviabilizar esse cumprimento afectando unilateralmente receitas que integram a massa insolvente para satisfação dos seus créditos, que não reclamou no processo de insolvência, em desrespeito pela lei, o que se apresenta incoerente e atentatório do interesse público que a levou a aceitar o plano de insolvência e o respectivo cumprimento”.
(...)
O plano de insolvência mantém-se em curso, importando que não se criem situações que o dificultem ou inviabilizem.”
Termos em que, revogando a Douta Sentença ora recorrida e substituindo-a por Douto Acórdão que considere que as execuções 0400 2007 0100 9303 e 0400 2007 0103 4677 bem como as penhoras que dela emanam se encontram extintas, estado V. Exas. a fazer a tão habitual e costumada JUSTIÇA!!!”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, e se incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que o acto de compensação em apreço não se mostra ferido de qualquer ilegalidade.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos provados:
1. Em 05/07/2007, no Serviço de Finanças de Fafe, foi instaurado o PEF n.º 0400200701034677, contra a sociedade “A…, S.A.”, para cobrança de dívida relativa a IMI, de 2005 – Doc. 2 e acordo;
2. Em 05/07/2007, no Serviço de Finanças de Fafe foi instaurado o PEF n.º 0400200701034677, contra a sociedade “A…, S.A.”, para cobrança de dívida relativa a IRC de 2005, no valor de €10.079,12 e IRS de 2007, no valor de €934,00 – Doc. 2 e acordo;
3. Em 12/09/2008, foi proferida sentença que declarou a insolvência da sociedade “A…, S.A.”, no processo n.º 557/08.8TYVNG que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – Doc. 4 a doc. 8 da p.i.;
4. Em Outubro de 2008, foi elaborada “Proposta de Plano de Insolvência” no processo n.º 557/08.8TYVNG e efectuadas “Alterações”, constando o seguinte:
“Credores por Créditos Privilegiados
“(…) Estado - Fazenda Pública
Os créditos privilegiados do Estado serão pagos em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, sendo as primeiras 30 de metade do valor das restantes, com perdão dos juros vencidos e vincendos.
O primeiro pagamento ocorrerá no último dia útil do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação da proposta de Plano de Insolvência.
(…)
Credores por créditos comuns
Plano de regularização: pagamento de 33,33% em 160 prestações trimestrais, sucessivas, com perdão dos restantes 66,67% de capital e dos juros vencidos e vincendos.
O primeiro pagamento ocorrerá no último dia útil do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação da proposta de Plano de Insolvência…”. – Doc. 4 e 8, da p.i.;
5. O Serviço de Finanças de Fafe remeteu ofício de 04/12/2008 ao Ministério Público junto do Tribunal e Comércio de Vila Nova de Gaia, para o processo n.º 557/08.8TYVNG, com certidão de dívidas no montante total de €790.096,21 na mesma se incluindo vários PEF – doc. com a contestação;
6. O plano de pagamentos foi aprovado em Abril de 2009, conforme anúncio 3524/2009, DR II Série, n.º 85, de 04/05/2009;
7. O processo 557/08 informou que naqueles autos foi reconhecido o valor de €189.793,79 referentes à Direcção Geral de Impostos, serviço de Finanças de Fafe e que o reconhecimento deste valor pode ter ocorrido ou por reclamação do Ministério Publico ou por consulta da contabilidade pelo administrador da insolvência e que embora não resulte dos autos, o Ministério Publico na sequência da remessa da certidão da AT, porque se mostrava ultrapassado o prazo para reclamação de créditos intentou acção de verificação ulterior de créditos, não tendo sido considerado o valor referido de €790.096,21 mas apenas aquele constante de cópia, sendo que a acção não chegou a ser decidida por se ter entendido que a aprovação do plano de insolvência implicou a inutilidade superveniente da lide – Doc. com a contestação;
8. Em 30/11/2017, foi realizado o acto de compensação n.º 201700007986342, no valor de €8.584,22, nos PEF aqui em apreço – Doc. 1;
9. O plano de insolvência está a ser cumprido pela Reclamante junto da A.T. – informação prestada pela AT, nos autos;
10. A AT prestou informação de que os PEF PEF n.ºs 0400200701009303 e 0400200701034677, aqui em apreço, não foram reconhecidos no plano de insolvência – informação prestada pela AT, nos autos.
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Factos não provados:
Não se provou que as dividas que deram origem aos presentes autos tenham sido incluídas no plano de insolvência.
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Motivação.
Os factos provados resultaram dos documentos constantes dos presentes autos e, que não foram impugnados, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas.
O facto não provado resultou da ausência de prova, uma vez que a Reclamante limita-se a afirmar que aquelas dívidas foram incluídas, quando no plano elas não se encontram discriminadas.”
2. O Direito

Começamos por nos debruçar sobre a imputação de nulidade à sentença recorrida, por omissão de pronúncia, por o Tribunal “a quo” não se ter pronunciado acerca da prescrição das dívidas.
A ora Recorrente alega que invocou no seu requerimento inicial a prescrição das dívidas relativas aos processos de execução fiscal n.º 0400200701009303, referente a juros de mora/IMI do ano de 2005 no valor de €32,26, n.º 0400200701034677, referente a IRC 2005/IRS 2007 no valor de €8.258,50 e juros de mora no valor de €293,46, pelo facto de nunca ter sido citada para o termos dos preditos processos. E que a Meritíssima Juíza “a quo” não se pronunciou sobre a presente questão, que deveria apreciar. Acrescenta que a Reclamada não juntou qualquer documento comprovativo da citação da Reclamante. Concluindo dever ser suprida a nulidade de sentença ora invocada e declarada a prescrição da dívida ínsita nos mencionados processos de execução fiscal, com todas as demais consequências que daí decorre.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC, actual artigo 608.º, n.º 2, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Efectivamente, não residem dúvidas que a Reclamante, aqui Recorrente, dedicou os primeiros artigos da sua petição à invocação da prescrição, acentuando não ter sido citada para os processos de execução fiscal a que se referem as dívidas objecto da compensação em crise.
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos n.º 0574/11 e n.º 0268/11, respectivamente.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143.
Ora, a sentença recorrida alheou-se por completo da questão da prescrição, jamais aludindo sequer à mesma, nem, por conseguinte, apreciou se, e em que medida, era a situação concreta integrável na solução dada ao litígio.
Em suma, a Meritíssima Juíza a quo não se pronunciou, de todo, sobre a questão colocada pela Reclamante ao Tribunal e sobre a qual a sentença não poderia deixar de se pronunciar, nem referiu estar o seu conhecimento prejudicado pela solução dada ao litígio.
Saliente-se que a pronúncia sobre esta questão poderia determinar um segmento decisório diverso, já que se as dívidas estivessem prescritas, rectius, se a prescrição pudesse ser invocada na data em que foi efectuada a compensação (em 30/11/2017), estaríamos perante um impedimento à compensação – cfr. artigo 850.º do Código Civil.
O certo é que, pura e simplesmente, o tribunal “a quo” não tomou posição sobre a questão da prescrição, sobre a qual, como vimos, devia tomar posição e, mesmo que tivesse entendido não dever conhecer desta questão, o tribunal devia ter indicado as razões por que não conheceu dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia nada tendo dito sobre ela.
Assim sendo, há que concluir que a sentença incorreu em omissão de pronúncia, verificando-se, pois, a nulidade a que se referem os artigos 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125.º, n.º 1, do CPPT.
Pelo exposto, cumpre julgar procedente o recurso sob apreciação e, em consequência, declarar a nulidade da sentença recorrida, atenta a omissão de pronúncia que vimos apreciando.
Declarada a nulidade da sentença recorrida, há que fazer apelo ao artigo 665.º do CPC, uma vez que essa declaração não tem como efeito incontornável a remessa imediata do processo para o Tribunal “a quo”, devendo o Tribunal Central Administrativo proceder à apreciação do objecto do recurso se dispuser dos elementos necessários para tal.
Tendo em vista conhecer em substituição ao tribunal recorrido esta questão cuja resolução foi omitida pelo tribunal a quo, lembramos que a competência conferida à 2.ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em 1.ª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova - cfr. artigo 662.°, n.º 2, alínea b) e c) do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Ora, da decisão da matéria de facto apenas consta, com relevância para a apreciação da questão da prescrição, que, em 12/09/2008, foi proferida sentença que declarou a insolvência da sociedade aqui Recorrente.
Manifestamente, este tribunal não se encontra em condições plenas e com informação integral para decidir com a segurança e certezas exigíveis a verificação de eventual prescrição das dívidas exequendas.
No domínio da LGT a instauração da execução deixou de constituir facto interruptivo da prescrição (artigo 49.º da LGT) – cfr. pontos 1 e 2 da decisão da matéria de facto, concluindo-se que, no caso vertente, a instauração dos processos executivos não assume qualquer relevância. O que relevaria, como acto interruptivo, era a citação da executada (Recorrente), mas nem a sentença fixou essa factualidade nem os autos fornecem elementos para a fixar. Os autos não fornecem, ainda, quaisquer elementos quanto à prestação de garantia ou à penhora de bens suficientes para garantir o pagamento da dívida e acrescido, isto é, sobre a suspensão da execução fiscal, o que impede qualquer juízo sobre o decurso do prazo de prescrição. Estabelecendo o artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) uma causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição desde a prolação da sentença que decreta a insolvência até ao termo do respectivo processo, haverá, também, que apurar os respectivos factos e averiguar se tal causa de suspensão será oponível à Recorrente, se existem outras causas interruptivas e suspensivas do prazo prescricional e as consequências sobre o acto de compensação reclamado.
Há, pois, necessidade de ampliar a matéria de facto com vista a obter todos os elementos que suportem a decisão de direito, não se mostrando reunidos os pressupostos previstos no artigo 665.º do CPC para decidir em substituição; pelo que as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados deverão ser realizadas no tribunal recorrido, no sentido de averiguar esses factos, levando os mesmos ao probatório.

Conclusões/Sumário

I - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II - A pronúncia sobre a questão da prescrição, no caso, poderia determinar um segmento decisório diverso, pelo que se verifica a nulidade da sentença.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso interposto, declarando-se, em consequência, a nulidade da sentença recorrida e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para prolação de nova decisão com suprimento da nulidade.
Sem custas.
D.N.
Porto, 27 de Julho de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina da Nova
Ass. Frederico Branco