Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00021/19.1BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/05/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO, ADMOESTAÇÃO, DISPENSA DE COIMA, PRESSUPOSTOS, PREJUÍZO EFECTIVO PARA A RECEITA TRIBUTÁRIA, REVERSE CHARGE, IVA
Sumário:I - Sendo o Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) de aplicação subsidiária em matéria de contra-ordenações tributárias, existe a possibilidade de aplicação de uma admoestação em alternativa com a situação prevista no artigo 32.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

II - Estando verificados os pressupostos de dispensa da coima, previstos no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT, não é de aplicar subsidiariamente uma pena admonitória.

III - A possibilidade de dispensa de coima, prevista no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT, tem como pressupostos cumulativos (i) que «a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária», (ii) que esteja «regularizada a falta cometida» e (iii) «a falta revelar um diminuto grau de culpa», verificando-se que em relação ao primeiro requisito, qual seja o de que não se tenha chegado a produzir prejuízo antes de ocorrer a regularização, não se trata de um prejuízo hipotético, mas sim de prejuízo efectivo para a receita tributária.

IV - Por aplicação das regras gerais, o prestador de serviços é o sujeito passivo de IVA, mas nas denominadas situações de reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo (reverse charge) o adquirente dos serviços ou dos bens torna-se o sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição, devendo proceder, em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços.

V - Sendo a arguida um sujeito passivo de IVA, abrangido pela alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, deverá proceder à liquidação do imposto devido, não obstante ser o adquirente dos serviços prestados, seguida de eventual dedução nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA.

VI – Tal falta de liquidação e de entrega do IVA pela adquirente dos serviços é punível nos termos do artigo 114.º do RGIT, mas não chega a produzir prejuízo efectivo para o erário público antes de ocorrer a regularização do imposto se o prestador dos serviços tiver procedido à liquidação e entrega do IVA atempadamente, para efeitos do disposto no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:C., S.A.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 01/06/2020, que julgou procedente o presente Recurso de Contra-ordenação, que “C., S.A.”, com sede na (…), deduziu contra a decisão do Director de Finanças de Viseu, que a condenou no pagamento de uma coima no montante de €63.688,89, por falta de liquidação e entrega do IVA, em infracção do disposto no artigo 18.º, n.º 1 do CIVA.
Dá-se, ainda, conta que, na sequência de solicitação, foram apensos aos presentes autos os procedimentos contra-ordenacionais n.º 272020170600000137725, n.º 2720201706000137733, n.º 272020170600000133487 (recursos n.º 23/19.6BEVIS, n.º 22/19.6BEVIS e n.º 53/19.8BEVIS, respectivamente, cuja factualidade é semelhante), estando também aqui em discussão as coimas aí aplicadas nos montantes de €29.656,88, de €145.475,95 e de €3.424,99, respectivamente.
A decisão de procedência recorrida vai no sentido de afastar a aplicação destas coimas à arguida, ora Recorrida, nos termos do artigo 32.º do RGIT, aplicando em substituição e como sanção das contra-ordenações que lhe foram imputadas, a admoestação seguinte:
“O Tribunal recorda à C. SA que o dever de pontual de entrega das prestações tributárias não é apenas uma obrigação dos sujeitos passivos objeto de tutela sancionatória, mas um dever de cidadania, devendo esta ser diligente no sentido de acautelar o cumprimento pontual desse dever.
A falta de autoliquidação de IVA nas faturas por parte da Recorrente, nos casos em que ocorre a inversão do sujeito passivo de imposto, coloca em perigo o encaixe deste por parte do Estado, sujeitando-a não só às respetivas penalizações, mas também a tornar-se responsável pela sua entrega perante este e independentemente do pagamento do imposto ao emitente da fatura.
Em especial atendendo aos valores envolvidos, recomenda-se um maior cuidado e diligência na observância das disposições legais aplicáveis”.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

“a) Incide o presente recurso jurisdicional sobre a douta decisão do Tribunal a quo que, considerando reunidos os requisitos legalmente previstos no n.º 1 do art.º 32.º do RGIT para poder não ser aplicada qualquer coima à arguida, decidiu, em substituição das coimas administrativamente fixadas, aplicar à arguida/recorrente a sanção de admoestação;
b) Ressalvado o devido respeito, que é muito, considera a Fazenda Pública que a sentença ora sindicada padece de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no n.º 1 do art.º 125.º do CPPT e a alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC;
c) Porquanto, considerando o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que estão preenchidos os requisitos previstos no art.º 32.º, n.º 1 do RGIT, para a dispensa de coima pugnada pela arguida contudo, decidiu, contraditoriamente, aplicar à arguida, em substituição das coimas administrativamente fixadas no âmbito dos PCO ora em causa, a sanção de admoestação;
d) De facto, tendo o juiz recorrido concluído que estavam reunidos os requisitos legalmente previstos para poder não ser aplicada a arguida qualquer coima pela prática das infracções em causa nos autos, nos termos do n.º 1 do art.º 32.º do RGIT, não se vê razão para que a arguida seja condenada, em substituição das coimas fixadas, em sanção de admoestação, a qual, não obstante se qualificar como a mais leve das sanções contraordenacionais, não deixa de consistir, na sua natureza, uma sanção, e, por isso, menos favorável que a dispensa de aplicação de coima;
e) Pois, a consequência lógica de tudo quanto foi expendido na fundamentação da sentença recorrida seria a revogação das decisões de aplicação de coima, decidindo em substituição das coimas fixadas pela autoridade administrativa, dispensar a aqui arguida da sua aplicação, que nunca a condenação sancionatória da arguida, aplicando a esta, como sanção das contraordenações que lhe foram imputadas, a admoestação;
f) Enferma, assim, a decisão recorrida de vício de oposição entre os fundamentos da sentença e a sua parte decisória, a qual implica nulidade da mesma, em conformidade com o preceituado no art.º 125.º, n.º 1 do CPPT e no art.º 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC;
g) Sem prescindir, caso doutamente assim não seja entendido, entende a Fazenda Pública que a sentença sob recurso é, ainda, violadora do preceituado no art.º 51.º, n.º 1 do RGCO;
h) Nos termos do n.º 1 do art.º 51.º do RGCO, nos casos de reduzida gravidade da contraordenação, a autoridade administrativa pode proferir uma admoestação em vez da coima abstractamente aplicável à contraordenação, se a culpa do agente assim o justificar;
i) Assim, a admoestação consiste numa advertência que é feita ao sujeito que pratica determinada infracção, sendo que a mesma apenas poderá ser aplicada quando estejam reunidos dois requisitos: i) a reduzida gravidade da infracção e ii) a reduzida culpa do agente que a praticou, à luz do art.º 51.º do RGCO;
j) No caso em análise, considerou a sentença em crise que, atenta a gravidade dos factos e da culpa da arguida, bem como a inexistência de prejuízo para o erário público, as sanções aplicadas à arguida se mostravam manifestamente desproporcionadas aos fins a atingir, pelo que decidiu aplicar, em substituição das coimas administrativamente fixadas, uma admoestação;
k) Ressalvada melhor douta opinião, no entender da Fazenda Pública não se verifica um dos pressupostos necessários para aplicação da admoestação, porquanto, não se vislumbra na matéria factual qualquer facto de que resulte e se conclua pela existência de um reduzido grau de ilicitude das infracções praticadas pela arguida, antes se extraindo, precisamente, conclusão contrária, ou seja, a da existência de factores agravantes da ilicitude daquelas;
l) Com efeito, da matéria factual dada como provada resulta que foram levantados, em Outubro de 2017, pela Inspecção Tributária 4 autos de notícia nos quais a arguida vem acusada da falta de liquidação e entrega de imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativos aos períodos a seguir discriminados:
- Períodos de 2015/01, 2015/02, 2015/03, 2015/04, 2015/05, 2015/06, 2015/07, 2015/08, 2015/09 e 2015/10, no valor global de €367.612,98 – cfr. factos B) e C) do acervo probatório;
- Períodos de 2017/02, 2017/03, 2017/04 e 2017/05, no valor global de €163.028,37 – cfr. facto H) - informação de fls. 38 a 44 da peça n.º 004642517 do SITAF;
- Períodos de 2016/01, 2016/02, 2016/03, 2016/04, 2016/05, 2016/06, 2016/07, 2016/07, 2016/08, 2016/09, 2016/10, 2016/11 e 2016/12, no valor global de €1.235.743,21- cfr. facto J) – informação de fls. 38 a 45 da peça n.º 004642470 do SITAF;
- Período de 2014/12, no valor de €20.757,55 – cfr. facto L) - informação de fls. 44 a 50 da peça n.º 004646659 do SITAF.
m) Posto que, em sede inspectiva, foi apurado que a arguida não procedeu à liquidação do IVA devido pela aquisição de serviços de construção civil nas faturas que lhe foram emitidas pelo prestador de serviços, nos termos em que prevê a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, por relação a prestações de serviços tituladas por 27 faturas cujo IVA foi liquidado erroneamente pelo emitente;
n) Com base nos referidos autos de notícia referidos foram autuados, em 23.10.2017, os PCO n.º 27202017060000137717, 27202017060000137733, 27202017060000137725 e, em 20.10.2017 o PCO n.º 27202017060000133487, por infracção ao disposto no art.º 18.º, n.º 1 do CIVA, por falta de liquidação e entrega do IVA devido, respectivamente, nos períodos de 2015/01 a 2015/10; 2017/02 a 2017/05; 2016/01 a 2016/12 e 2014/12, no valor global de €1.787.142,11 – cfr. factos A) – registo informático da tramitação a fls. 29 da peça n.º 004642169 do SITAF; H)- registo informático da tramitação a fls. 29 da peça n.º 004642517 do SITAF; J)- registo informático da tramitação a fls. 29 da peça n.º 004642470 do SITAF; L)- registo informático da tramitação a fls. 29 da peça n.º 004646659 do SITAF;
o) Daqui resulta que, nos períodos compreendidos entre 2014/12 a 2017/05, a arguida praticou a mesma infracção (falta de liquidação e entrega de imposto) por 27 vezes, pelo que, quanto à frequência da sua prática, se conclui que mesma não foi acidental, mas, antes, muito frequente:
p) Ora, tendo a arguida, no espaço de 30 meses, praticado sucessivamente o mesmo comportamento infractor, sendo, por isso, reincidente, tal facto, em nosso entender, se consubstancia como factor negativo para a aplicação de uma sanção mais leve, como a admoestação, sendo que este facto não foi devidamente apreciado nem sequer valorado na douta decisão recorrida;
q) Decorre, ainda, da factualidade dada como provada, que a arguida procedeu, no decurso da acção inspectiva, à regularização da situação através da substituição das declarações periódicas dos períodos de 2014/12 a 2015/10; 2016/01 a 2016/12 e 2017/02 a 2017/05, todas submetidas em 14.09.2017 – cfr. factos D; H) - informação de fls. 38 a 44 da peça n.º 004642517 do SITAF; facto J) – informação de fls. 38 a 45 da peça n.º 004642470 do SITAF; L) - informação de fls. 44 a 50 da peça n.º 004646659 do SITAF;
r) Tendo, na mesma data, procedido ao pagamento dos impostos em falta, no valor global de €1.787.142,11 – cfr. informação de fls. 41 da peça n.º 004642169 do SITAF; informação de fls. 39 da peça n.º 004642517 do SITAF; informação de fls. 39 da peça n.º 004642470 do SITAF; informação de fls. 44 da peça n.º 004646659 do SITAF;
s) Ora, tendo o pagamento dos impostos em falta ocorrido em 14.09.2017 e reportando-se tais impostos em falta aos períodos compreendidos entre 2014/12 a 2015/10; 2016/01 a 2016/12 e 2017/02 a 2017/05, verifica-se que, na sua maior parte, o tempo que decorreu entre a prática da infracção e a sua regularização foi superior a 6 meses;
t) O que, no nosso modesto entender, constitui factor consideravelmente agravante da ilicitude das infracções cometidas, porquanto, causador de um elevado prejuízo para o erário público, em virtude de, enfatiza-se, o valor do imposto em falta cifrar-se no montante total de €1.787.142,11;
u) Note-se que as declarações periódicas de substituição em causa nos autos acarretaram o pagamento por parte da arguida de o imposto em falta, motivo pelo qual a prática das infracções de que vem acusada a arguida ocasionou prejuízo efetivo para a receita tributária;
v) Acresce referir que o IVA (auto)liquidado na qualidade de adquirente de serviços de construção civil respeita a obras de construção civil de remodelação do edifício da C.), sendo que a arguida afectou o imóvel a um sector isento de IVA de acordo com o art.º 9.º do IVA, pelo que a arguida não tem, nos termos do art.º 20.º do CIVA, qualquer direito à dedução do IVA liquidado (cfr. auto de noticia de fls. 31 a 32 da peça processual n.º 004646659 do SITAF);
w) Ora, não podendo a arguida deduzir tal IVA, porquanto, nos termos do art.º 20.º do CIVA, o direito a sua dedução se encontraria vedado, tal significa que a arguida teria a obrigação de o entregar integralmente ao Estado, o que, apenas, o fez em 14.09.2019;
x) Ademais, importa referir que caso o Tribunal a quo não tivesse procedido à apensação aos presentes autos dos recursos n.º 23/19.6BEVIS, 22/19.6BEVIS e 53/19.8BEVIS, verificar-se-ia, aquando da sindicância das coimas objecto de recurso nos processos apensos, que a recorrente já teria sido anteriormente sancionada com admoestação pela prática de comportamento anterior semelhante, o que seria factor suficiente para afastar a aplicação desta sanção mais leve – a admoestação;
y) Assim, atendendo às circunstâncias do caso, salvo melhor douta opinião, entende a Fazenda Pública que, na medida que as infracções praticadas pela arguida se revelaram de elevada gravidade, a aplicação de admoestação em substituição das coimas fixadas é manifestamente insuficiente, inadequada e injusta para satisfazer, atenta às necessidades de prevenção geral, as necessidades de punição aqui exigidas;
z) Razão pela qual não poderia o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo determinar que, em substituição das coimas fixadas, fosse aplicada à arguida a sanção de admoestação preconizada na decisão ora sindicada, tendo como fundamento a verificação de um dos requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação (reduzido grau de ilicitude da infracção), o que, como vimos, não se verificou;
aa) Pelo que incorreu, assim, o julgador em erro de julgamento ao julgar verificado um dos pressupostos para a aplicação da sanção de admoestação, máxime ter considerado que a infracção ora em causa revestia reduzido grau de ilicitude;
bb) Assim, decorrente de errónea valoração e apreciação da matéria factual, a douta decisão ora sindicada fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, tendo violado, nomeadamente, o normativo constante do art.º 51.º, n.º 1 do RGCO, aplicável ex vi art.º 3.º, alínea b) do RGIT.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta decisão judicial recorrida por outra que mantenha na ordem jurídica as coimas fixadas pela Administração Tributária.”
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A Recorrida respondeu, formulando as seguintes conclusões:

1.ª.- Considera a recorrente que a sentença é nula, na medida em que, tendo decidido estarem verificados os pressupostos enunciados no art.º 32º do R.G.I.T. para a dispensa de coima, não podia a sentença ter-lhe aplicado a sanção de admoestação, prevista no art.º 51º do R.G.C.O. e, fazendo-o, há uma clara contradição entre a fundamentação e a decisão.
2ª.- Ora, o art.º 32º do R.G.I.T. enuncia, tão só, os pressupostos, os requisitos para não ser aplicada a coima indicada na disposição que prevê a contra-ordenação, mas não obsta que ao infractor possa ser aplicada a sanção adequada pela prática da infracção, ao contrário do que erradamente pretende a recorrente.
3ª.- Inexiste, por isso, qualquer vício lógico ou de raciocínio do Tribunal a quo, pois que não se verifica qualquer incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, devendo ser julgada improcedente a nulidade invocada.
4ª.- A douta decisão recorrida, ao aplicar à ora respondente a sanção de admoestação, não incorreu em erro de interpretação e aplicação do art.º 51º do R.G.C.O., pois que estão verificados os pressupostos ou requisitos subjacentes a tal normativo, expressamente enunciados na douta decisão recorrida e que, por razões de economia, aqui se dão por reproduzidos.
5ª.- Deverá, pois, improceder o recurso.
NESTES TERMOS,
DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO E SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE CONFIRME A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, NOS SEUS PRECISOS TERMOS.”
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Com dispensa dos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS), excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso; pelo que este tribunal apreciará e decidirá as questões colocadas pela Recorrente, designadamente a suscitada nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, e os requisitos para a aplicação da sanção de admoestação.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Para a prolação da decisão, consideram-se os seguintes factos como provados [a numeração referida será efetuada por apelo aos processos eletrónicos constantes do SITAF]:
A. Em 23 de outubro de 2017 foi instaurado no SF de Viseu contra a Recorrente o procedimento contraordenacional n.º 2720201706000137717 [cfr. registo informático da tramitação de fls. 19 a 21 da peça n.º 004642169 do SITAF]
B. O procedimento teve por base auto de notícia onde a Recorrente é acusada de falta de liquidação e entrega de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) devido na sua qualidade de adquirente de serviços de construção civil, no valor de € 367.612,98, respeitante aos períodos compreendidos entre 2015/01 e 2015/10: [cfr. informação de fls. 40 a 47 da peça n.º 004642169 do SITAF]
C. A infração em causa foi detetada no decurso da ação inspetiva (OI201700531), na qual a ora arguida foi confrontada com o facto da sociedade “E., SA”, com o NIF (…), ter liquidado, indevidamente, o IVA nas faturas emitidas. [cfr. informação de fls. 40 a 47 da peça n.º 004642169 do SITAF]
D. A sociedade após ter sido confrontada com a referida irregularidade procedeu, no decurso da ação inspetiva, à regularização da situação através da substituição das declarações periódicas de IVA dos períodos de 2015/01, 2015/02, 2015/03, 2015/04, 2015/05, 2015/06, 2015/07, 2015/08, 2015/09 e 2015/10, todas submetidas em 14-09-2017: [cfr. informação de fls. 40 a 47 da peça n.º 004642169 do SITAF]
E. Em 23-10-2017, na sequência da verificação da conduta acima mencionada (falta de liquidação e entrega do IVA em infração do disposto no art. 18° n° 1 do CIVA), foi instaurado o PCO identificado no facto «A»: [cfr. informação de fls. 40 a 47 da peça n.º 004642169 do SITAF]
F. Em 29-10-2018 foi aplicada a coima de EUR 63.688,89 no âmbito do procedimento referido no facto mediante despacho concordante com a informação referida no facto seguinte: [cfr. decisão de fls. 18 da peça n.º 004642169 do SITAF e proposta subsequente]
G. Subjacente à condenação esteve proposta de decisão com o seguinte teor:
“I. Enquadramento
1. A sociedade C., SA, Pessoa Coletiva com o NIF (…), com sede na Rua (…), tendo sido notificada do Processo de Contraordenação (PCO) n.° 27202017060000137717, vem apresentar a sua defesa, nos termos do art. 70.° do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)
2. A sociedade tem legitimidade, tendo o seu articulado de resposta sido apresentado por mandatário constituído por procuração junta ao presente processo contraordenacional.
3. A defesa é tempestiva, uma vez que a Arguida foi notificada da contraordenação, em 03-09-2018 (cf. registo CTT RF353448346PT) e a petição deu entrada no Serviço de Finanças, em 12-09-2018 - n.°1 do art.° 70.° do RGIT.
4. A arguida vem acusada de falta de liquidação e entrega de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) devido na sua qualidade de adquirente de serviços de construção civil, no valor de € 367.612,98, respeitante aos períodos compreendidos entre 2015/01 e 2015/10, conforme estipulado no art. 18.°, n.° 1 do CIVA, infração prevista e punida pelo art. 114.°, n.° 2 conjugado com o art. 26.°, n.°4 do RGIT.
5. A infração em causa foi detetada no decurso da ação inspetiva (OI201700531), na qual a ora arguida foi confrontada com o facto da sociedade E., SA, com o NIF (...), ter liquidado indevidamente o IVA das seguintes faturas:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

6. O IVA liquidado nas faturas acima discriminadas respeita a prestações de serviços relacionadas com obras de construção civil de remodelação do edifício da C. - e o seu adquirente, a ora arguida, é um sujeito passivo de IVA, no regime normal, pelo que esta deveria ter autoliquidado e entregue o IVA em substituição do fornecedor, de acordo com a regra da "inversão do sujeito passivo", definida na alínea j) do n.° 1 do art.º 2° do CIVA.
7. A sociedade após ter sido confrontada com a referida irregularidade procedeu, no decurso da ação inspetiva, à regularização da situação através da substituição das declarações periódicas de IVA dos períodos de 2015/01, 2015/02, 2015/03, 2015/04, 2015/05, 2015/06, 2015/07, 2015/08, 2015/09 e 2015/10, todas submetidas em 14-09-2017.
8. No mesmo dia (14-09-2017), a sociedade procedeu, igualmente, ao pagamento do imposto devido no valor total de € 367.612,98, cf. informação da aplicação Consulta Saldos IVA.
9. Em 23-10-2017, na sequência da verificação da conduta acima mencionada (falta de liquidação e entrega do IVA em infração do disposto no art. 18° n° 1 do CIVA), foi instaurado o PCO identificado em epígrafe.
10. A ação inspetiva em causa foi finalizada, em 30-10-2017 (cf. registo CTT RF328718130PT), com a notificação do respetivo Relatório Final à ora arguida (art. 62.°, n.° 2 do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira - RCPITA).
II. Defesa
A sociedade ora arguida sustenta a sua defesa, alegando os seguintes fundamentos:
- As faturas especificadas no capítulo precedente respeitam a serviços de construção civil prestados pela sociedade E., SA (NIF (...)), para remodelação do edifício da C. de que é proprietária;
- No decurso da ação inspetiva id., tendo sido informada da não observação da regra da inversão do sujeito passivo plasmada no citado art. 2.°, n. 1, al. j) do CIVA, procedeu à substituição das declarações de IVA relativas aos períodos em apreciação, entregando a totalidade do imposto;
- Entende a arguida inexistir prejuízo para o Estado pelo facto do prestador de serviços, a sociedade E., ter liquidado e entregue o imposto nos períodos em que a ora arguida o devia ter entregue.
A arguida defende, deste modo, estarem verificados os pressupostos enunciados no art. 32.°, n.° 1 do RGIT para a dispensa de coima: i) inexistência de prejuízo efetivo à receita tributária por ter procedido à regularização da situação no decurso da ação inspetiva e por ter entregue o valor do IVA à sociedade E. “(só não o tendo feito diretamente ao Estado por aquela lho ter liquidado, e por estar convencida de que estava a actuar em conformidade com a lei)"; ii) ter a situação regularizada antes da instauração do PCO; iii) a falta cometida revelar um diminuto grau de culpa.
Sem prescindir do acima alegado, entende, igualmente estarem verificados os pressupostos da atenuação especial da coima, nos termos do art. 32.°, n.° 2 do RGIT.
Argui, ainda, a título subsidiário, estarem reunidos os requisitos para a conduta da respondente entre dezembro de 2014 e maio de 2017 (não liquidação e entrega do IVA verificada em sede inspetiva na sequência das Ordens de Serviço n.°s OI201700530, OI201700531, OI201700532 e OI201700533) ser qualificada como “contraordenação continuada”, em conformidade com o art. 30.°, n.°2 do Código Penal aplicável aos presentes autos por força do art. 3.°, al. b) do RGIT e do art. 32.° do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGCO).
III. Análise
1. A arguida no seu articulado de defesa sustenta a dispensa de pena, alegando a verificação, no caso, dos pressupostos do n.° 1 do art. 32.° do RGIT.
2. A referida disposição legal estatui que pode ser dispensada coima, desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes circunstâncias:
a) A prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária;
b) Estar regularizada a falta cometida;
c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.
3. Considerando a factualidade descrita no ponto I da presente informação, constata-se que a arguida não poderá beneficiar da dispensa de aplicação da coima, uma vez que, não obstante ter regularizado a sua situação tributária, o primeiro requisito enunciado no n.° 1 do art. 32.° do RGIT não se encontra observado
4. Na verdade, ao contrário do alegado pela arguida, o facto de ter procedido ao pagamento do imposto em falta, no dia 14-09-2017, ou seja, antes da instauração do processo contraordenacional, não impediu a existência de um prejuízo efetivo à receita tributária, uma vez que a entrega da prestação tributária não foi efetuada no prazo legal.
5. Neste sentido, pode ver-se o sumariado nos seguintes arestos:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 01-10-2014, proferido no Proc. n.° 01665/13:
(…)
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 03-07-2007, proferido no Proc. n.° 01799/07):
(…)
6. Em reforço do entendimento de que a falta de entrega da prestação tributária nos cofres do Estado no prazo legal ocasiona prejuízo efetivo para a receita tributária e preclude a possibilidade de dispensa da aplicação da coima podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos: Acórdão do STA de 01-10-2014 (Proc. n.° 01665/13), de 03-04-2013 (Proc. n.°05/13), de 16-04-2008 (Proc. n.° 044/08), de 06-02-2002 (Proc. n.° 026216), Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 03-07-2007 (Proc. n.° 01799/07), bem como a doutrina de Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos (in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado. Áreas Ed., 2001, p.256, na parte que a seguir se transcreve:
(…)
7. Quanto à atenuação especial da coima propugnada pela arguida é de considerar estarem verificados os pressupostos para a sua aplicação.
8. De acordo com o preceituado no art. 32.°, n.° 2 do RGIT: “(...) a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infrator reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.”
9. Assim, não obstante a dimensão e estrutura da atividade da arguida pressupor um apoio técnico contabilístico não consentâneo com a infração cometida, o facto da mesma ter reconhecido que interpretou e aplicou erradamente a norma do art. 2.°, n.° 1, al. j) do CIVA (cf. art. 8.° do articulado de defesa) e de ter procedido à regularização da sua situação tributária através da submissão das declarações de IVA de substituição relativas aos períodos ids. e ao pagamento da totalidade do imposto devido, no decurso da ação inspetiva, cf. descrito no capítulo I da presente informação, poder-se-á proceder a uma atenuação especial da coima, nos termos do citado art. 32.°, n.° 2 do RGIT.
10 Por merecer acolhimento a aplicação de uma coima especialmente atenuada, não é de atender à última pretensão formulada pela arguida, a título subsidiário.
11. Todavia, sempre se deixa expresso que, ao contrário do pretendido pela arguida, não é de aplicar o instituto da “contraordenação continuada”.
12. Advoga a sociedade arguida que a conduta que lhe é imputada no presente processo - a não liquidação e entrega do IVA - é a mesma subjacente aos PCOs n.°s 27202017060000133487, 27202017060000137725 e 27202017060000137733, “por as mesmas terem sido efetuadas pela entidade prestadora de serviços, a qual entregou o imposto que a respondente também lhe havia entregado aquando do pagamento das faturas.” (art. 26.° da resposta de defesa).
13. Todavia, não é de admitir a aplicação subsidiária do regime jurídico da infração continuada conforme o disposto no art.º 30.°, n° 2 do Código Penal, por força dos art.°s 3.°, al. b) do RGIT e 32° do RGCO).
14. Como escreve Augusto Silva Dias, in Direito das Contraordenações, Almedina, 2018, p. 145, perante o facto da infração continuada não se encontrar prevista, nem no Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGCO), nem no RGIT, nem na legislação sobre contraordenações em geral, coloca-se a questão de saber se, num caso de omissão não intencional, à luz de um “juízo estruturalmente analógico”, baseado no confronto com a natureza e funções do Direito e do Processo contraordenacionais, um conceito ou instituto “alheio” pode ser transposto para este domínio.
15 A resposta à questão precedente deve ser negativa.
16. Neste ponto, Silva Dias (ibidem, p. 146) salienta dois obstáculos à vigência do referido instituto no domínio das contraordenações: o facto de ter sido pensado no contexto de factos lesivos de bens jurídicos pessoais e "as contraordenações [consistirem] na afetação de interesses funcionais ou organizatórios, destituídos por definição, de referente pessoal” e, por outro lado, “a neutralidade axiológica e o carácter admonitório da culpa própria das contraordenações [serem] dificilmente compatíveis com a sensível diminuição progressiva da culpa, que constitui outra marca da infração continuada no Direito Penal português." (o Autor remete, neste ponto, para o mesmo entendimento de Faria Costa, Crimes e contraordenações, p.8 e ss.; Pinto Albuquerque, Comentário do Regime Geral, anot. 18, art.19.°).
17. Por sua vez, Germano Marques da Silva, in Contraordenações Tributárias 2016, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 2017 (disponível na internet: http://www.cei.mi.Dt/cei/recursos/ebooks/Administrativo fiscal/eb contraordenacoes t 2016.pdf), não obstante considerar não existir impedimento conceptual à consagração de um regime de contraordenação continuada, esclarece que nem o RGCO nem o RGIT o consagram, nem existe qualquer lacuna no RGIT a dever ser integrada por recurso ao Código Penal.
18. Isto, "por entender que o regime base das contraordenações é o constante do RGCO e que as sanções aplicáveis às contraordenações e o respetivo regime sancionatório são tão só os previstos no diploma base ou na legislação especial, salvo expressa disposição de remissão para outros diplomas, nomeadamente para o Código Penal. O regime punitivo das contraordenações consta exaustivamente do RGCO e o RGIT contém algumas especialidades. Ambos os diplomas regulam exaustivamente quer a sanção principal (coima), quer as sanções acessórias aplicáveis, o regime de determinação da medida da coima e os pressupostos das sanções acessórias e o regime do concurso de infrações pelo que se deve considerar não existir qualquer lacuna a dever ser integrada por aplicação subsidiária do Código Penal (art. 32° do RGCO). ” (idem, ibidem).
19. Acrescenta Germano Marques da Silva (ibidem) “como mais um argumento a favor da ausência de lacuna a circunstância de quer o RGCO quer o RGIT disciplinarem expressamente o regime de punição do concurso de contraordenações e seria estranho que tendo-o feito expressamente não tenham contemplado também o regime idêntico ou paralelo ao do n° 2 do art. 32° do Código Penal que é também um dos casos de punição de concurso de infrações (infração continuada).”, [negrito nosso]
20. Pelo exposto, tendo em consideração a motivação apresentada pela doutrina citada que acompanhamos, não é de aplicar o regime punitivo do crime continuado à conduta da arguida.
21. Após as considerações precedentes e para efeitos de determinação da medida da coima, importa considerar o n.° 1 do mencionado art. 27.° do RGIT, que dispõe que: "Sem prejuízo dos limites máximos fixados no artigo anterior, a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o beneficio económico que o agente retirou da prática da contraordenação.”.
22. Decorre do normativo citado que, em sede de fixação da coima relevam as finalidades de prevenção geral positiva ou integradora (de reafirmação/restabelecimento da expetativa normativa violada pela infração) e, complementarmente, de prevenção negativa ou dissuasora.
23. Assim, importa atender à situação económica do infrator para ponderar o impacto que o valor da coima produzirá na arguida, de forma a dar cumprimento à função confiscatória da coima.
24. Nesta parte, são de assinalar os rendimentos da arguida evidenciados na declaração de rendimentos, do ano de 2017, na qual foi apresentado um rendimento líquido no valor de € 111.497,68.
25. Por outra parte, em sede de graduação da culpa, é de relevar a conduta anterior e posterior à infração.
26. Neste ponto, além do já referido no ponto I., é de considerar que entre o ano 2012 e a presente data foram instaurados contra a arguida 12 processos de contraordenação, conforme processos discriminados na tabela em anexo.
27. Assim, considerando o acima exposto, e tendo em conta o disposto no art. 114.°, n.° 2 do RGIT que dispõe que
(…)
28. E o preceituado no art. 26.°, n.° 4 do RGIT que ora se reproduz:
(…)
29. Considerando, ainda, que a aplicação da coima prevista no art. 114.° quando o imposto em falta é superior a € 25.000,00 compete ao diretor de finanças da área onde a infração teve lugar, competindo-lhe, ainda, a aplicação de sanções acessórias, segundo o disposto na al. b) do art. 52 ° do RGIT.
30. E que a autoridade tributária competente para aplicar a coima no presente processo contraordenacional é o diretor de finanças da Direção de Finanças de Viseu, de acordo com o disposto na al. b) do art. 52.° conjugado com o art. 5.° do RGIT.
É de concluir que,
IV. Proposta
Não merecendo acolhimento as razões invocadas pela arguida na sua defesa quanto à dispensa de coima, conforme acima evidenciado, havendo antes lugar à atenuação especial da coima, nos termos do art. 32.°, n.° 2 do RGIT.
Considerando que os limites mínimos e máximos estabelecidos nas normas punitivas já enunciadas (art.114.°, n.°2 do RGIT conjugado com o art. 26.°, n.° 4 do RGIT) são reduzidos a metade (art.18.°, n.°3 do RGCO ex vi do art.3.°, al. b) do RGIT).
Considerando, igualmente, o regime de determinação da medida da coima (art. 27.° do RGIT) e o estatuído no art. 79.° do RGIT, é de propor a fixação das coimas, nos termos a seguir discriminados:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Sendo de cominar a arguida na coima única de € 63.688,89 (art. 25.° do RGIT), acrescido das custas processuais no valor de € 76,50, nos termos do art. 66.° do RGIT e do art. 20.°, n.° 2 do Dec.- Lei n.° 29/98, de 11-02.
É de referir, ainda, à arguida que a decisão proferida é suscetível de recurso judicial para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e que vigora o princípio da reformatio in pejus, ou seja, que por efeito do recurso, o valor da coima agora aplicada não é suscetível de ser agravada, salvo se a situação económica e financeira do infrator tiver entretanto melhorado de forma sensível (cf. al. d), do n.° 1, do art. 79.°do RGIT).” [cfr. informação de fls. 40 a 47 da peça n.º 004642169 do SITAF]
H. Por idênticas infrações foi instaurado no SF de Viseu contra a Recorrente o procedimento contraordenacional n.º 2720201706000137733 [cfr. resulta de fls. 17 da peça n.º 004642517 do SITAF – proc.º 23/19.6BEVIS]
I. No âmbito do procedimento referido no facto precedente foi aplicada coima no valor de EUR 29.656,88, com a seguinte discriminação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[cfr. resulta de fls. 18 da peça n.º 004642517 do SITAF – proc.º 23/19.6BEVIS – e proposta de decisão subsequente]
J. Por idênticas infrações foi instaurado no SF de Viseu contra a Recorrente o procedimento contraordenacional n.º 2720201706000137725 [cfr. resulta de fls. 17 da peça n.º 004642470 do SITAF – proc.º 22/19.8BEVIS]
K. No âmbito do procedimento referido no facto precedente foi aplicada coima no valor de EUR 145.475,95, com a seguinte discriminação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[cfr. resulta de fls. 18 da peça n.º 004642470 do SITAF – proc.º 22/19.8BEVIS – e proposta de decisão subsequente]
L. Por idênticas infrações foi instaurado no SF de Viseu contra a Recorrente o procedimento contraordenacional n.º 2720201706000133487 [cfr. resulta de fls. 19 da peça n.º 004646659 do SITAF – proc.º 53/19.8BEVIS].
M. No âmbito do procedimento referido no facto precedente foi aplicada coima no valor de EUR 3.424,99, com a seguinte discriminação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

N. As decisões condenatórias têm teor idêntico [cfr. resulta do cotejo das decisões referidas nos factos precedentes]
Factos Não Provados:
Nenhum outro facto, com relevância para a decisão da causa, resultou provado.
Motivação:
A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica do conjunto da prova documental junta aos autos, incluindo os procedimentos administrativos contraordenacionais insertos e apensos, como se indicou ao longo dos factos assentes.
* * *
Antes de prosseguir para apreciar a questão decidenda, importa salientar a factualidade que subjaz aos presentes autos:
1. A Recorrente contratou serviços de empreitada;
2. A empreiteira emitiu múltiplas faturas ao longo do tempo, relativas à execução da empreitada, incluindo nestas indevidamente o IVA devido pela operação;
3. Questionada quanto à não aplicação do mecanismo do reverse charge, a Recorrente substituiu de imediato as suas declarações periódicas, regularizando a situação.
4. Considerou a AT que existiu prejuízo para o erário público porquanto a Recorrente não entregou o Imposto em devido tempo.
5. Sobressai, também, que em momento algum a AT alega a circunstância de a empreiteira não ter entregado nas suas declarações periódicas o IVA indevidamente por si liquidado nas faturas, apesar da Recorrente referir que não chegou a existir prejuízo em razão do IVA devido ter sido entregue por aquela.
6. Foram aplicadas pelas infrações aqui em causa coimas no valor de EUR 242.246,71 [63.688,89 + 29.656,88 + 145.475,95 + 3.424,99] acrescidas de custas processuais.
7. Valor obtido mediante atenuação especial da coima nos termos do n.º 2 do art.º 32.º do RGIT.”
*
2. O Direito

A Recorrente invoca a nulidade da sentença recorrida, na medida em que o Tribunal a quo deu como provada a verificação dos requisitos fixados no artigo 32.º do RGIT para a possibilidade de dispensa de coima e, apesar disso, aplicou à arguida a sanção de admoestação, em substituição das coimas aplicadas administrativamente.
A nulidade invocada pela Recorrente reconduz-se a um vício lógico e de raciocínio do Juiz, por explanar na sentença certos fundamentos que apontam para determinada conclusão, mas, em vez de a extrair, como seria lógico e expectável, decide em sentido oposto ou, pelo menos, diferente, detectando a Recorrente um vício real no raciocínio do julgador.
O Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) reúne num único diploma a maior parte das normas de carácter especial relativas à globalidade das infracções tributárias, abrangendo quer as aduaneiras quer as não aduaneiras – cfr. o seu artigo 1.º. Assim, estando em causa contra-ordenações e o respectivo processamento, é aplicável subsidiariamente, independentemente da natureza da infracção, o regime geral do ilícito de mera ordenação social – cfr. o seu artigo 3.º, alínea b).
Assim, os recursos jurisdicionais em sede de processo de contra-ordenação tributária estão regulados nos artigos 83.º a 86.º do RGIT, com aplicação subsidiária do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do Código de Processo Penal (CPP) – cfr. artigos 3.º, alínea b) do RGIT e 41.º do RGIMOS.
No artigo 75.º do RGIMOS estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do RGIMOS; pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (cfr. artigo 412.°, n.º 1, do CPP ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS), excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.
Embora a autonomia dos recursos em processo penal, face aos recursos em processo civil, significar que a sua tramitação unitária obedece imediatamente às disposições processuais penais, não excluindo, por força do artigo 4.º do CPP, em casos omissos, a aplicação subsidiária das regras do processo civil que se harmonizem com o processo penal.
Assim, embora a Recorrente considere que a sentença ora sindicada padece de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), a verdade é que não vislumbramos qualquer caso omisso, em relação a esta matéria, nas disposições processuais penais, que permita a aplicação subsidiária das regras processuais civis, nem resultam quaisquer especificidades do RGIMOS.
Efectivamente, o CPP elenca as situações de verificação de nulidade da sentença no seu artigo 379.º:
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, excepto em caso de impossibilidade.”
Ressalta de imediato que a circunstância invocada pela Recorrente não consta do elenco das situações geradoras de nulidade da sentença. Tanto mais que o artigo 410.º do CPP prevê expressamente como fundamento do recurso a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão:
“Artigo 410.º
Fundamentos do recurso
1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”
Nesta conformidade, da articulação do disposto no artigo 379.º com o disposto no artigo 410.º, ambos do CPP, é de afastar a ideia de nulidade da sentença, sendo possível retirar que, quando muito, poderemos estar perante erro de julgamento.
Vejamos, então, tendo em vista essa análise, o teor parcial da sentença recorrida:
«(…) I – Quanto à dispensa da coima:
A possibilidade de dispensa da coima encontra-se prevista no n.º 1 do art.º 32º do RGIT que impõe que se verifiquem, cumulativamente as seguintes circunstâncias: (i) a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária (al. a); (ii) que esteja regularizada a falta cometida (al. b); e, (iii) que a falta revele um diminuto grau de culpa.
Assim, havendo imposto em falta não é possível afirmar que a prática da infração não causou prejuízo à receita tributária na medida em que o prejuízo se consuma com a indisponibilidade da verba.
Assim, independentemente de tal valor poder vir a ser regularizado ulteriormente, eventualmente até com juros, não se pode afirmar que não há um prejuízo inerente, decorrente da impossibilidade da Fazenda fazer uso da verba que não lhe foi atempadamente entregue.
Com efeito, intrínseco ao pagamento dos juros está a compensação pelo “dano” dessa mesma indisponibilidade, o que significa que para haver essa compensação teve de existir prejuízo.
Como referem João Ricardo Catarino e Nuno Vitorino, em comentário àquele normativo “parece ser de considerar que caberão neste conceito tão-somente as situações em que não esteja em causa a falta de pagamento de prestação tributária, mas sim o incumprimento de outras obrigações por parte do sujeito passivo” [cfr. RGIT Anotado e comentado, 3.ª Ed., p. 301].
Idêntica posição tem assumido a jurisprudência, nomeadamente o Colendo STA, no acórdão proferido no processo 01665/13, em 01/10/2014.
Pela sua clareza, por se subscrever na íntegra, e consistir em entendimento que, ressalvadas as circunstâncias específicas de cada um dos casos, pode ser transposto para o caso sub judice, transcreve-se parcialmente aquele aresto com a devida vénia:
“Para que se verifique a possibilidade de dispensa da coima o artº 32º do Regime Geral das Infrações Tributárias impõe que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: que a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária (al. a); que esteja regularizada a falta cometida (al. b); que a falta revele um diminuto grau de culpa.
No caso sub judice, independentemente da regularização da falta cometida ou da ponderação do grau de culpa, falece, desde logo o primeiro dos referidos requisitos, ou seja que a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária.
É que, como vem afirmando a doutrina e também a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo o conceito de prejuízo efetivo à receita tributária reporta-se a situações existentes antes da regularização da falta. Assim caberão neste conceito tão-somente as situações em que não esteja em causa a falta de pagamento da prestação tributária, mas sim ao incumprimento de outras obrigações por parte do sujeito passivo (v. g. violação do sujeito fiscal negligente constante do artigo 115º, falta ou atraso na apresentação de declarações do artigo 117º, falta de apresentação de livros de escrituração do artigo 122º, falta de nomeação de representantes do artigo 124.º e violação da obrigação de possuir conta bancária do artigo 129º). – cf. Regime Geral das Infrações Tributárias anotado de Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, 2ª ed., pág. 280, Infrações Tributarias, anotações ao Regime Geral de João Ricardo Catarino e Nuno Vitorino, 3ª edição, pág. 301 e Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16.04.2008, recurso 44/08, de 07.07.2010, recurso 356/10 e de 03.04.2013, recurso 5/13, todos in www.dgsi.pt. (…)
Porém, pese embora o imposto tenha sido pago, com juros pelo atraso no pagamento, tal não significa que não tenha havido prejuízo efetivo para a receita tributária.
Na verdade, como ficou escrito no já citado acórdão 356/10 «a exigência cumulativa de que esteja regularizada a falta cometida e que a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária conduz à conclusão de que, para ocorrer dispensa, não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização.
Assim, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contraordenação».
Daí que se conclua também que, no caso sub judice, a possibilidade de dispensa da coima está desde logo excluída pela circunstância de ter ocorrido prejuízo para a Fazenda Pública, antes da regularização”.
Assim, importa aquilatar se no caso em apreço aquele prejuízo efetivamente ocorreu.
A Fazenda Pública entendeu que sim, porquanto a Recorrente não entregou o imposto devido quando o deveria ter feito.
A Recorrente pugna que inexistiu prejuízo, na medida em que o imposto devido pela operação foi entregue pela empreiteira que indevidamente o liquidou e através da respetiva declaração periódica.
É manifesto que assiste razão à Recorrente.
Se a existência do prejuízo está intrinsecamente ligada à circunstância de na data limite de pagamento o Estado não poder dispor da verba por não ter sido entregue, então será indiferente para a produção desse resultado típico quem procedeu à entrega.
Por outras palavras, quer o imposto seja entregue pela empreiteira nos termos gerais, quer seja entregue pela dona de obra através do reverse charge, entrando nos cofres do Estado, tal circunstância obsta à verificação do prejuízo porquanto não há, em rigor, qualquer falta de entrega do imposto desde que uma delas cumpra.
Importa salientar que a instituição do mecanismo do reverse charge enquanto desvio à regra geral do IVA existe para obstar e prevenir comportamentos de evasão e fraude fiscal.
Não sendo alegado que seja esse o caso dos autos, e que o montante do imposto não tinha sido entregue pela empreiteira, então é de concluir que não se encontra demonstrado o efetivo prejuízo para o erário público do comportamento da Recorrente, como pretende a Fazenda.
Paralelamente, importa referir que a situação se encontra sanada e que a falta revela um diminuto grau de culpa na medida em que o comportamento da Recorrente é consentâneo com o comportamento de um contraente de boa-fé com o seu prestador de serviços: este apresentou-lhe a fatura dos serviços prestados incluindo o IVA e esta pagou o serviço e o respetivo imposto, declarando-o ao Estado.
Motivos pelos quais se considera que estão reunidos os requisitos legalmente previstos para poder não ser aplicada qualquer coima pela prática das referidas infrações, nos termos do n.º 1 do art.º 32.º do RGIT.
Importando, assim, aferir da sanção adequada.
Prevê-se no artigo 51.º do RGCO, constante do Decreto-Lei 433/82 [aplicável ex vi art.º 3.º do RGIT] sob a epígrafe «Admoestação» que, “quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.
Em anotação ao referido preceito, Lopes de Sousa e Simas Santos, afirmam que “a possibilidade de ser proferida admoestação deverá ser afastada nos casos em que o agente retirou um benefício económico da prática da contraordenação” [“Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ª Ed., pág. 317].
No mesmo sentido se pronuncia Sérgio Santos [Contraordenações - Anotações ao regime geral, p. 358].
Do cotejo das decisões recorridas emerge que não foi considerado existir qualquer benefício económico pela prática a infração, mas, tão somente, prejuízo fiscal pela indisponibilidade do imposto, como anteriormente se referiu.
Na génese da prática da infração esteve a aplicabilidade da alínea j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA que define como sujeitos passivos de IVA, “As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada”.
É consabido que a instituição do mecanismo de reversão do sujeito passivo (“reverse charge”) em sede de IVA, constitui um desvio à normal mecânica do imposto que se destina ao combate à fraude e evasão fiscais, tornando sujeito passivo do imposto aquele que, à partida, seria quem o suportaria e deteria o direito à sua dedução.
Nos presentes autos não se discute a bondade do entendimento da aplicabilidade do regime do reverse charge, e que a Recorrente aceita, reconhecendo a prática da infração.
Acresce que as faturas mencionavam indevidamente o IVA como liquidado pelo emitente, não sendo aposta qualquer menção ao dever de autoliquidação de imposto pela destinatária,
Assim,
Atentas as circunstâncias subjacentes à prática e regularização da infração, nomeadamente (i) a infração assentar em mero erro de interpretação jurídica; (ii) o grau de culpa não ser significativo; (iii) o reconhecimento da infração; (iv) a regularização declarativa voluntária e de pagamento voluntário ainda no decurso da ação inspetiva; (v) a circunstância do emitente das faturas ter nelas aposto o respetivo IVA; e, (vi) não constar que este não o entregou.
Entende-se que no caso concreto a aplicação de uma mera admoestação cumpre com as exigências de prevenção inerentes ao regime sancionatório, sendo consequentemente de afastar a aplicação das coimas decididas nos procedimentos contraordenacionais [cfr. arestos do colendo STA proferido no proc.º 0670/10 de 13/10/2010 e proc.º 0371/17 de 25/10/2017].
Acresce que, atenta a gravidade dos factos e da culpa do Recorrente, bem como da inexistência de prejuízo para o erário público, as sanções aplicadas que ascendem a mais de EUR 242.000,00 se mostram manifestamente desproporcionadas aos fins a atingir.
* * *
Provendo-se o pedido principal, fica prejudicada a apreciação do pedido subsidiário.
* * *
(…) Fazendo-se apelo aos fundamentos de facto e de direito anteriormente expostos, profere-se a seguinte

DECISÃO:
Julga-se o presente Recurso procedente, e consequentemente, afasta-se a aplicação das coimas à Arguida nos termos do art.º 32.º do RGIT, aplicando em substituição e como sanção das contraordenações que lhe foram imputadas, a admoestação seguinte: (…)»

Verificamos, assim, que a decisão recorrida procedeu à discriminação dos factos que julgou provados, com relevância para a prolação da decisão, especificando os fundamentos para a formação da sua convicção, procedendo, ainda, à indicação das normas jurídicas aplicáveis, interpretando-as e aplicando-as, não se vislumbrando qualquer erro no silogismo judiciário, pois, embora tenha julgado verificarem-se os requisitos para dispensar a coima, nos termos do artigo 32.º, n.º 1 do RGIT, ainda assim, considerou ajustado aplicar uma sanção pela infracção praticada, consubstanciada na aplicação de uma admoestação. Não existe, por isso, qualquer incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão. Porém, urge averiguar da possibilidade legal de aplicação de uma sanção, em substituição da coima, quando se mostram reunidos os pressupostos para a dispensa da coima, dado que a Recorrente não se conforma com tal julgamento, apontando que a decisão deveria, então, ficar pela dispensa, nos termos do artigo 32.º, n.º 1 do RGIT.
Conforme foi julgado, entre outros, pelo Acórdão do TCA Norte, de 23/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 02772/18.7BEPRT, diga-se que o Decreto-Lei n.º 224/95, de 14 de Setembro, que alterou o RGCO, introduziu no artigo 51.º deste diploma a possibilidade de ser proferida apenas uma admoestação, pela “entidade competente”, “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique”.
Sendo o RGCO de aplicação subsidiária em matéria de contra-ordenações tributárias, é de entender que esta possibilidade existe em alternativa com as previstas no artigo 32.º, uma vez que depende de requisitos diferentes e não há qualquer particularidade das contra-ordenações tributárias que imponha o seu afastamento - cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias – Anotado, 3.ª Edição, Áreas Editora, página 318.
Isto significa, como acentua a Recorrente, que estando reunidos os pressupostos para a dispensa da coima, tal como previstos no artigo 32.º do RGIT, já não haverá lugar a aplicação subsidiária do RGIMOS, na medida em que o diploma aplicável (RGIT) já regula a situação de forma mais favorável ao arguido. Realmente, somente será admissível equacionar a possibilidade de aplicação de uma admoestação quando não se verifiquem os requisitos para a dispensa da coima. Note-se que unicamente nesta situação se estará, em rigor, a substituir a aplicação de coima por outra sanção menos grave. Na hipótese de dispensa da coima, na prática já não será aplicada qualquer coima, pelo que estamos a substituir uma não aplicação de coima (por dispensada) por uma sanção que, nestas circunstâncias descritas, se apresenta mais gravosa em termos de resultado final.
É por isso, e porque o artigo 51.º do RGIMOS é de aplicação subsidiária, que se deve entender que a aplicabilidade de uma pena admonitória só deverá ser equacionada em alternativa com a situação prevista no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT (e não simultaneamente).
Nesta conformidade, tendo a decisão recorrida considerado estarem presentes os pressupostos para dispensar as coimas em apreço e não tendo a Recorrente atacado neste recurso esse segmento decisório, parece impor-se concluir ter transitado em julgado não só os motivos pelos quais se considerou que estão reunidos os requisitos legalmente previstos para poder não ser aplicada qualquer coima pela prática das referidas infracções, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do RGIT, mas também a conclusão de possibilidade de dispensa das coimas que foram aplicadas nos processos de contra-ordenação em causa.
Salientamos que, após questionar a coexistência da dispensa das coimas com a aplicação de uma admoestação, a Recorrente se limitou a colocar em causa a aplicabilidade, em concreto, da pena admonitória – cfr. conclusão g) e seguintes das alegações de recurso: sem prescindir, caso doutamente assim não seja entendido, entende a Fazenda Pública que a sentença sob recurso é, ainda, violadora do preceituado no art.º 51.º, n.º 1 do RGCO. Insurgindo-se, portanto, apenas quanto à possibilidade de aplicação de uma admoestação aos casos em análise.
Contudo, como a Recorrente termina as suas alegações de recurso solicitando a substituição da douta decisão judicial recorrida por outra que mantenha na ordem jurídica as coimas fixadas pela Administração Tributária, resulta, implicitamente, não se conformar que sejam dispensadas as coimas. Acrescentamos que a Recorrente, tendo em vista demonstrar o grau de ilicitude das infracções cometidas, se reportou ao elevado prejuízo para o erário público que as infracções motivaram, em virtude de o valor do imposto em falta se cifrar no montante total de €1.787.142,11.
Nestes termos, apesar de a Recorrente não o ter efectuado de forma directa e expressa, acaba, indirectamente, por via do ataque à aplicação de uma admoestação, por questionar e discutir pelo menos um dos pressupostos para a dispensa de coima - a prática da infracção não ocasionar prejuízo efectivo à receita tributária.
Lembramos que do probatório resulta terem sido levantados, em Outubro de 2017, pela Inspecção Tributária quatro autos de notícia, nos quais a arguida vem acusada da falta de liquidação e entrega de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).
O IVA liquidado nas facturas discriminadas na decisão da matéria de facto respeita a prestações de serviços relacionadas com obras de construção civil de remodelação do edifício da C. e o seu adquirente, a ora arguida, é um sujeito passivo de IVA, no regime normal, pelo que esta deveria ter autoliquidado e entregue o IVA em substituição do fornecedor, de acordo com a regra da "inversão do sujeito passivo", definida na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
A sociedade, após ter sido confrontada com a referida irregularidade procedeu, no decurso da acção inspectiva, à regularização da situação através da substituição das declarações periódicas de IVA dos períodos de 2015/01, 2015/02, 2015/03, 2015/04, 2015/05, 2015/06, 2015/07, 2015/08, 2015/09 e 2015/10, todas submetidas em 14/09/2017.
Alerta a Recorrente que as declarações periódicas de substituição em causa nos autos acarretaram o pagamento por parte da arguida do imposto em falta, motivo pelo qual a prática das infracções de que vem acusada a arguida ocasionou prejuízo efectivo para a receita tributária. Referiu, ainda, que o IVA (auto)liquidado na qualidade de adquirente de serviços de construção civil respeita a obras de construção civil de remodelação do edifício da C., sendo que a arguida afectou o imóvel a um sector isento de IVA de acordo com o artigo 9.º do IVA, pelo que a arguida não tem, nos termos do artigo 20.º do CIVA, qualquer direito à dedução do IVA liquidado.
Acrescenta a Recorrente que não podendo a arguida deduzir tal IVA, porquanto, nos termos do artigo 20.º do CIVA, o direito a sua dedução se encontraria vedado, tal significa que a arguida teria a obrigação de o entregar integralmente ao Estado, o que, apenas, fez em 14/09/2017.
As regras de incidência subjectiva do artigo 2.º do CIVA indicam-nos que são sujeitos passivos as pessoas singulares ou colectivas que exerçam as actividades elencadas no referido preceito. E, no caso em apreço, por aplicação das regras gerais, o prestador de serviços seria sujeito passivo de IVA.
Como observa, porém, CLOTILDE PALMA (cfr. Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, nº 1, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, pp. 83/84), há situações em que “o adquirente dos serviços ou dos bens se torna sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição. São as denominadas situações de reverse charge, reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo, ou seja, nestes casos, a dívida reverte do prestador de serviços para o adquirente. Sendo o adquirente o sujeito do imposto, deverá proceder em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços, nos termos do disposto no artigo 19.º, nº 1, alíneas c) e d).”
Pelo exposto, não corresponde à verdade que à ora arguida estivesse vedado o direito à dedução do IVA pago, como afirma a Recorrente na sua conclusão w). Tanto mais, que a redacção da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA aponta precisamente para essa dedução, pois só ocorre esta situação de reverse charge se os contribuintes praticarem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do IVA - As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.
Assim, é correcto não ter a arguida liquidado o IVA vindo a referir, mas o mesmo imposto foi liquidado e entregue (facto que não se apresenta controvertido) pela sociedade prestadora de serviços de construção civil no momento devido.
Tudo indica que o imposto devido tenha sido pago atempadamente (se bem que pela entidade prestadora dos serviços), não podendo, por isso, falar-se em prejuízo para o erário público, dado não ter ocorrido uma privação da verba.
O que é decisivo para avaliar da verificação do requisito cumulativo previsto no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT, essencial para a dispensa da coima, não é um prejuízo hipotético mas um prejuízo concreto e ligado ao montante da receita tributária expresso em números. De outra forma, não se entende o teor literal da lei que fala de prejuízo efectivo para a receita (sublinhado nosso) – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 12/08/2009, proferido no âmbito do processo n.º 3222/09.
Logo, resta-nos confirmar a abordagem efectuada pelo tribunal recorrido desta questão. Se a existência do prejuízo está intrinsecamente ligada à circunstância de na data limite de pagamento o Estado não poder dispor da verba por não ter sido entregue, então será indiferente para a produção desse resultado típico quem procedeu à entrega.
Por outras palavras, quer o imposto seja entregue pela empreiteira nos termos gerais, quer seja entregue pela dona de obra através de reverse charge, entrando nos cofres do Estado, tal circunstância obsta à verificação do prejuízo, porquanto não há, em rigor, qualquer falta de entrega do imposto desde que uma delas cumpra.
Relembramos que a instituição do mecanismo de reverse charge, enquanto desvio à regra geral do IVA, existe para obstar e prevenir comportamentos de evasão e fraude fiscal. Não sendo alegado que seja esse o caso dos autos, e que o montante do imposto não tinha sido entregue pela empreiteira, então é de concluir que não se encontra demonstrado o efectivo prejuízo para o erário público do comportamento da arguida, como pretende a Recorrente.
Cumulativamente, importa referir que a situação se encontra sanada e que a falta revela um diminuto grau de culpa, na medida em que o comportamento da arguida é consentâneo com a actuação de um contraente de boa-fé com o seu prestador de serviços: este apresentou-lhe as facturas dos serviços prestados incluindo o IVA, declarando-o e entregando-o ao Estado e aquele pagou os serviços e o respectivo imposto. Resulta da acção inspectiva a consciencialização do erro, cometido por negligência e por errada interpretação da lei, que se repetiu em todas as facturas relativas à mesma prestação de serviços de construção civil (a mesma obra), traduzindo-se, no fundo, num mesmo acto de vontade, gerado em equívoco na interpretação legal.
Pelo exposto, além da verificação dos requisitos de atenuação da coima, previstos no artigo 32.º, n.º 2 do RGIT, reconhecida na decisão de aplicação da mesma, confirmamos verificarem-se, afinal, os pressupostos legalmente previstos para a dispensa das coimas, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do RGIT. Pelo que assim se julgará, revogando parcialmente a decisão recorrida e eliminando da ordem jurídica as decisões de aplicação de coima subjacentes aos quatro processos de contra-ordenação em análise.
Nesta conformidade, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso (pois, como vimos, nesta situação não é aplicável o disposto no artigo 51.º do RGIMOS) e nos autos.

A Recorrente Fazenda Pública, pese embora não tenha obtido total provimento no recurso, não é responsável pelas custas, uma vez que em processo de contra-ordenação tributária não existe norma legal que preveja a sua condenação (nesse sentido, vide, acórdãos do STA de 24/02/2016, P. 01408/15, de 23/11/2016, P.01106/16, de 13/09/2017, P. 0702/17, de 13/09/2017, P. 0702/17, de 17/01/2018, P. 0616/17, de 24/01/2018, P. 01089/17, de 31/01/2018, P. 01239/17, de 07/02/2018, P. 01353/17, de 28/02/2018, P. 01151/17 e de 14/03/2018, P. 01355/17, de 10/10/2018, P. 0221/17.7BEMDL, de 25/09/2019, P. 02584/15.0BELRS).
Por outro lado, para efeito do disposto no CPP, considera-se também sentença condenatória a que tiver decretado dispensa da pena – cfr. artigo 375.º, n.º 3.
Logo, apesar da procedência da primeira questão colocada nos recursos da arguida da aplicação das coimas, havendo prática das infracções, tem sempre lugar à condenação em custas, mesmo existindo dispensa da coima.

Conclusões/Sumário

I - Sendo o Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) de aplicação subsidiária em matéria de contra-ordenações tributárias, existe a possibilidade de aplicação de uma admoestação em alternativa com a situação prevista no artigo 32.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).
II - Estando verificados os pressupostos de dispensa da coima, previstos no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT, não é de aplicar subsidiariamente uma pena admonitória.
III - A possibilidade de dispensa de coima, prevista no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT, tem como pressupostos cumulativos (i) que «a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária», (ii) que esteja «regularizada a falta cometida» e (iii) «a falta revelar um diminuto grau de culpa», verificando-se que em relação ao primeiro requisito, qual seja o de que não se tenha chegado a produzir prejuízo antes de ocorrer a regularização, não se trata de um prejuízo hipotético, mas sim de prejuízo efectivo para a receita tributária.
IV - Por aplicação das regras gerais, o prestador de serviços é o sujeito passivo de IVA, mas nas denominadas situações de reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo (reverse charge) o adquirente dos serviços ou dos bens torna-se o sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição, devendo proceder, em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços.
V - Sendo a arguida um sujeito passivo de IVA, abrangido pela alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, deverá proceder à liquidação do imposto devido, não obstante ser o adquirente dos serviços prestados, seguida de eventual dedução nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA.
VI – Tal falta de liquidação e de entrega do IVA pela adquirente dos serviços é punível nos termos do artigo 114.º do RGIT, mas não chega a produzir prejuízo efectivo para o erário público antes de ocorrer a regularização do imposto se o prestador dos serviços tiver procedido à liquidação e entrega do IVA atempadamente, para efeitos do disposto no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar os recursos com vista à impugnação das decisões de aplicação de coima procedentes, dispensando-se a aplicação das coimas fixadas.
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Custas a cargo da Recorrida, “C., S.A.”, fixando-se a taxa de justiça em duas UC – cfr. artigo 513.º do Código de Processo Penal ex vi artigos 3.º, alínea b) do RGIT e 41.º, n.º 1 do RGIMOS e tabela III referida no artigo 8.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.
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Porto, 05 de Novembro de 2020

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira